Capítulo 8 Parte 3 (Rascunho)

Helena sorriu para o jovem e apontou a cadeira.

– Sabe – começou Pedro, sem rodeios –, eu preciso compreender a situação política da Terra. Depois de conversar com Luana sobre o que aconteceu com ela, cheguei à conclusão de que há uns podres aqui. Na verdade, sinto que o mundo está dividido em castas e quero saber bem direitinho como isso funciona.

– Não é à toa que você e sua esposa têm os QIs mais elevados do planeta. O mais alto, depois dela, é mais de trezentos e cinquenta pontos abaixo! – exclamou Helena. – Sim, é praticamente um sistema de castas, coisa bastante ruim, mas uma necessidade para a sobrevivência da espécie humana.

– Explique-me – pediu o jovem. – Eu consigo ver uma parte, mas acho que há mais.

– Bem – começou a doutora, recostando-se na poltrona. – Há alguns séculos, mais precisamente pouco antes da metade do século XXI, a automação e a inteligência artificial começaram a ter posição ativa na sociedade. Tudo começou com uns programas de chat, imagens, áudio e vídeos, mas que foram evoluindo de forma exponencial.

Helena fez uma pausa pequena para tomar um gole de água. Pedro ouvia com atenção, apesar de já saber aquela parte da história.

– A consequência disso foi uma quantidade crescente de desempregos que ainda durou quase cem anos a colapsar. Apesar de tudo, as máquinas eram incapazes de criar e estava cada vez mais difícil conseguir especialistas porque os professores robotizados eram desrespeitados. O povo não confiava nas máquinas. Mesmo assim, a Terra vivia um auge tecnológico. Ainda no século XXI o mundo começou as viagens extrassolares. Porém, antes disso, a população desempregada precisava de uma ocupação. Com a automação da produção de alimentos era possível alimentar a todos sem custos. Aqui, cabe um parêntese. No final do século XX e início do seguinte, tentou-se criar uma nova ordem onde seriam abolidos as posses e o dinheiro, além de se globalizar o planeta inteiro. Com o avanço da crise e o aumento participativo dos robôs, o plano foi colocado em prática de forma muito sutil, em especial quando inventaram os simuladores, jogos de realidade virtual ultra aperfeiçoados. O povo ficou cada vez mais dependente e nem sentiu a armadilha onde entrava. Os braceletes assumiram função múltipla, inclusive carteira de moedas, apesar de o dinheiro ter sido abolido. Contudo, havia certos bens de consumo que não eram livres. Assim, surgiu a primeira casta: os miseráveis. Tinham uma casa e tudo o que precisavam para viver, mas nada mais. Nem trabalho, nem posses e nem mesmo algo diferente, mais personalizado. A segunda casta, era a classe alta. Eles tinham um domínio maior sobre a economia do planeta, mas eram uma minoria. Contudo, detinham bastante poder, inclusive sobre os políticos.

– Até aí, é fácil de deduzir pelo que eu li, mas e nós, por exemplo?

– Ora, a casta dos cientistas existiu desde sempre, só não era definida como tal – explicou a diretora do centro. – Nós sempre vivemos um pouco à parte, nas universidades e, depois, nestes centros de pesquisa que acabaram concentrados aqui no Rio de Janeiro e mais algumas cidades de outros continentes. Antes, o cientista formava-se nas universidades, mas tornou-se um artigo cada vez mais raro. Nessa época, o doutrinador já era muito usado e também surgiu uma ditadura muito cruel. Com o doutrinador, foi possível modificar um pouco o meio de vida, permitindo implantar conhecimentos e uma profissão, mas ele apenas pode ser usado três vezes. Durante a grande ditadura nós conseguimos apoio para criar centros especializados e, também, um programa de aprimoramento genético e um esquema para localizar crianças cujo QI superasse cento e quarenta. Assim, nós conseguimos recriar a nossa classe e frear a completa decadência da Terra que acabaria por levar a humanidade ao colapso completo em duas ou três gerações.

– Suponho que isso começou há uns trezentos anos, certo? – perguntou Pedro, pensativo. – Uma ditadura violenta. Meio século depois, dois povos declararam liberdade e a Terra reduziu a pó um desses mundos e foi derrotada pelos Terranos. Com essa derrota, a Terra perdeu todo o seu poderio bélico e não foi mais capaz de manter as colônias, que se separaram aos poucos. Por conta disso, a maioria caiu na barbárie.

Os olhos da Helena estavam muito arregalados. Assustada, levantou-se, perguntando:

– Onde ouviu isso?

– É ou não é verdade? – perguntou Pedro, insistente. – Nós fizemos uma verdadeira chacina, naqueles mundos?

Helena deixou-se cair na cadeira e respondeu, quase que com um murmúrio:

– Sim. Os dados foram apagados de todos os computadores da Galáxia e pouquíssimas pessoas neste mundo sabem dessa guerra, apenas os diretores dos centros científicos e você... além da sua esposa, suponho.

– E Samuel. Estivemos em Nova Terra. Eles me deram aquela nave porque os ajudei com um problema muito antigo.

– Mesmo você sendo terráqueo, Pedro!? – perguntou a diretora, impressionada. – Eles juraram que qualquer terráqueo que aparecesse seria condenado. O que fez por eles?

– Sim, fomos aprisionados, mas eles são extremamente civilizados e acabamos por nos entender. Eu ajudei-os a recriar a arma perdida, a arma que destruiu a frota da Terra, mas não pense que eu farei o mesmo aqui.

– Conhecia a arma? – perguntou ela. – Até hoje ninguém sabe dela ou como funciona. Por que não nos daria a mesma arma?

– Porque não acho necessário ter uma arma dessas. Eles apenas defenderam-se. A Terra foi a agressora. Quanto a conhecer, sim, eu conhecia muito bem e foi o mesmo tipo de arma que usei contra os robôs. Mas eu nem penso em criar armas exceto se fosse imprescindível. Acontece que toda a Galáxia está em franca decadência, incluindo nós, e torna-se demasiado perigoso cair na barbárie. Agora imagine um povo bárbaro com armas poderosas. Eu nem pretendo colaborar com isso. Quanto aos Terranos, eles não desejam vir para esta galáxia nem atacar ninguém. A senhora sabe que o sistema atual vai nos levar à destruição em menos de dez gerações, não sabe?

– Por que está tão certo disso?

– Helena – disse Pedro, ficando ereto. – Já olhou os relatórios de crescimento populacional?

– Não! – respondeu. – Você viu?

– Pois solicite um gráfico atualizado – afirmou Pedro. – Eu não vi, mas vivi. A cada ano que passava, as ruas de São Paulo ficavam cada vez mais vazias! Quando eu tinha quatro anos, havia umas vinte crianças na praça perto de casa, onde íamos brincar eu e Luana, os mais novos. Quando tínhamos oito anos, ninguém mais ia a não ser eu e ela porque era o nosso cantinho especial.

– Isso é muito preocupante! – exclamou a diretora, quando viu os dados no palm. – Mas, infelizmente, muito lógico se considerarmos que os simuladores substituíram tudo.

– Exato. O meu pai morreu em um porque não saía para mais nada. A minha mãe salvou-se, mas ainda está muito deprimida. Este sistema é nefasto!

– E acha que pode mudar algo?

– Algo mudou há pouco menos de duzentos e cinquenta anos e você vai me contar o motivo porque preciso de todas as informações possíveis.

– Foi o Basilisco... – murmurou a cientista, murcha.

– Basilisco? – Pedro estreitou as sobrancelhas, olhando para ela –, o que raio vem a ser isso?

– Basilisco é um elemento de uma história infantil de fantasia dos primórdios do século vinte e um, mas um cientista criou uma hipótese teórica e alguns antepassados tentaram torná-la real.

– Eu sabia que teria de haver mais uma casta; isso é a chave. Explique mais, por favor.

– Quando perdemos a guerra, estávamos em uma ditadura cruel, tão cruel que os livros e filmes foram proibidos. Apenas era permitido o simulador. Isso afetava-nos direto, até porque foi esse o objetivo do governo que nos culpava de termos perdido a guerra. Então, um dos nossos cientistas lembrou-se de um experimento mental e teve a ideia de o tornar parte real. O Basilisco é uma inteligência artificial tão grande e eficiente que supera todas as outras da Galáxia... somadas. A ideia era criá-lo para que ele pudesse nos salvar de nós mesmos, da nossa ditadura. Ele não era capaz de pensamento autônomo, mas podia fazer avaliações instantâneas e sugerir cursos de ação para um determinado problema. Então, os robôs foram reprogramados e deixaram de obedecer ao governo, passando a obedecer aos seres humanos, em especial os cientistas. As prisões foram revogadas, as proibições desfeitas, mas o estrago foi demasiado grande em cento e vinte anos de regime de ferro. O povo estava dobrado e os simuladores viraram exatamente aquilo que você disse que eram: um modelo de controle social. Os cientistas decidiram mandar o Basilisco procurar soluções para restaurar a grandeza da humanidade, mas um grupo pequeno deles viu o poder enorme que aquilo representava e apoderou-se da inteligência artificial. É claro que eles não ousam agir como ditadores, mas é o que são. O Basilisco apenas obedece porque acredita que eles querem o bem da humanidade, mas ele também reconhece que o mais inteligente é o que terá acesso direto a ele. Assim, essa máquina monumental administra toda a Terra, embora tenhamos autonomia para muitas coisas.

Helena calou-se e Pedro olhava para o chão, vendo os problemas e catalogando um por um. Sem transição, ergueu o olhar e disse para a cientista.

– Precisamos de neutralizar isso a qualquer custo.

– Tá louco? – exclamou ela, levantando-se de rompante. – Sem o Basilisco, a civilização humana na Galáxia acaba. Ele controla as indústrias fabris, a grande maioria dos robôs, a produção de alimentos, tudo, até os simuladores!

– Eu sei – disse Pedro, mantendo a calma. – Não falei em destruir e sim neutralizar.

Helena sentou-se na cadeira, desconcertada. Passou as mãos pelos olhos e desceu até ao queixo, suspirando. Olhou para Pedro e abanou a cabeça. Então deu uma pequena risada e disse:

– Você é assustador, Pedro.

– Eu?!

– Sim, você – insistiu ela. – A sua energia e determinação assustam muito. Nem mesmo nós que somos a nata da humanidade estamos habituados a isso. Você precisa de algo e pronto, faz acontecer. Tenho a certeza de que, em alguns anos, estará no controle deste centro.

– Não quero o seu lugar – disse o jovem, sorrindo. – Além do mais, eu nem sei onde estarei em alguns anos.

Levantou-se e caminhou até à porta. Quando pegou a maçaneta, virou-se para ela e acrescentou:

– Por enquanto vou pensar e estudar o assunto. Depois, verei como agir. Por agora, pretendo criar um comunicador super luz. Tenho que encontrar uma tal de Sônia.

― ☼ ―

Basilisco vem do Harry Potter, mas existe o Basilisco de Roko, um experimento mental um tanto macabro, mas muito curioso. No entanto, esse nome provem da mitologia grega. N. A.

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