Capítulo 8 Parte 1 (Rascunho)
"Matar um homem para salvar o mundo não é atuar para o bem do mundo. Imolar-se a si mesmo, eis o que é agir bem.
Conte-me e eu esqueço. Mostre-me e eu apenas lembro. Envolva-me e eu compreendo."
Confúcio.
A nave parecia muito boa e o casal estava satisfeito. A superioridade em relação à de Norman era absurda. Em poucos minutos estavam no espaço e aceleravam sem parar enquanto o jovem calculava o salto. A viagem entre as galáxias duraria seis dias e mais quatro na Via-Láctea até à Terra. Pedro ainda pensava no que faria, mas era imprescindível conversar com Helena. Nesse meio tempo, foi ao laboratório da nave e aprimorou a potência do gerador PEM. Enquanto trabalhava, concluiu que seria bom ter alguns robôs para efetuar tarefas mais simples, em especial manufatura de coisas que se fizessem necessárias. Isso, contudo, ficaria para o futuro. Durante esse período, ele começou a ensinar a esposa a pilotar, pois achava isso imperativo.
A viagem foi bem proveitosa e chegaram aos limites do Sistema Solar sem incidentes. Sorridente, Pedro olhou para Samuel e ele verificou o bracelete.
– Ainda sem sinal – resmungou, dando de ombros. – Estamos demasiado longe dos planetas com retransmissores, mas demoraria a chegar à Terra, mesmo se tivéssemos um por aqui. Acho que nós chegaríamos quase ao mesmo tempo que a mensagem.
– Seria bom criar uma comunicação ultra-luz – comentou Pedro. Luana riu e o marido perguntou. – O que foi?
– Pensava a mesma coisa. De qualquer forma mais um dia até à Terra nem é o fim do mundo – respondeu a garota. – Eu acho que devemos falar apenas com ela para não atrair demasiada atenção.
– Verdade, amor. Vou fazer isso. Nada de comunicação prévia. Pousamos e usamos o planador da nave para a visitar na surdina.
― ☼ ―
Helena pensava no casal e no coronel. Nesse momento, o seu bracelete deu sinal de vida, apresentando uma chamada.
– Helena – disse ela, tocando no aparelho para atender e só depois olhou para a imagem que se formava, reconhecendo o jovem e arregalando os olhos.
– Oi, Doutora – disse Pedro com um aceno e um sorriso. – Teria um tempo para falar pessoalmente comigo?
– Onde você está, menino? – perguntou ela, gaguejando. – Tem ideia de quantas pessoas procuram por si?
– Sim, tenho uma forte ideia – respondeu ele. – Está disposta a nos encontrar?
– Sim – respondeu a cientista, já se levantando e subindo para o terraço de modo a pegar o seu planador. – Onde vocês estão?
– No terraço do centro onde me aprisionaram.
– Estou no centro. Chego aí em dois minutos.
– Eu sei que está aqui – disse Pedro, com um sorriso. – E, Doutora Helena, não traga robôs para me capturar, por favor. Isso seria uma péssima ideia, péssima mesmo.
A ligação foi desfeita e ela acelerou ainda mais o passo, alcançando o terraço. Assim que chegou lá, viu uma nave pequena, em forma de elipse e parou para observá-la. Lá dentro caberiam umas seis pessoas com uma boa folga. Na escotilha, o garoto que lhe tirou o sono por vários dias seguidos aguardava e tinha um sorriso leve no rosto. De forma inconsciente, ela retribuiu o sorriso e voltou a caminhar até ele.
Pedro foi para o lado, de modo a deixá-la entrar, e lacrou a saída porque não desejava correr riscos. Lá dentro, Helena viu Luana resplandescente em beleza e alegria. Em outra poltrona, estava Samuel, que lhe acenou. Pedro apontou um assento para ela e a cientista quase desabou, dando-se conta que o esforço de subir as escadas em vez de usar o elevador foi grande.
– Vocês têm ideia da confusão que nos arrumaram? – perguntou ela, olhando em volta. – E de onde veio este planador? Jamais vi um modelo assim!
– Começando pela segunda pergunta, este planador faz parte da minha nave e ele foi feito em outra galáxia – disse Pedro, divertido ao vê-la arregalando os olhos. Depois, continuou. – Quanto a ter provocado uma confusão, eu pergunto por que motivo o meu desaparecimento e da minha esposa podem ter gerado confusão se somos apenas um simples casal de desajustados em uma instituição mental para incapazes?
Helena ia falar, mas Luana disse:
– Não precisa de responder, Doutora. É claro que não somos apenas um casal de desajustados e sim duas pessoas consideradas de importância crucial.
– Exato – arrematou Pedro. – Eu deveria ter desconfiado, em especial depois de ter visto os labs deste prédio, mas estava demasiado deprimido com a separação. E tem outra coisa: quer queiram ou não, eu e Luana casamos.
– Tudo bem – respondeu a cientista, dando de ombros.
– Tudo bem?! – perguntou o jovem, espantado. – Mas e aquela conversa de não podermos casar sem autorização do computador genético. Era mentira?
– Não era mentira, só que o computador selecionou os dois para se casarem. De qualquer forma, aqui no centro temos muitas regalias.
– Bem, nós descobrimos a verdade, em parte por raciocínio lógico e em parte porque Samuel deu um empurrãozinho – comentou Pedro. – Na verdade, um grande empurrão e somos muito gratos a ele. O que eu gostaria mesmo de saber é por que motivo fazem esse segredo todo. Se eu soubesse a verdade desde o início, teria sido muito mais fácil e nós não nos sentiríamos tão deprimidos!
– Concordo com... – começou Luana.
– Meus filhos – interrompeu a cientista. – Quase ninguém entra em depressão, mas todos ficam profundamente decepcionados quando descobrem que não podem adquirir conhecimentos pelo método tradicional. Os doutrinadores são demasiado limitados. Porém, se eu chego a um sujeito de dezesseis anos e digo: "você é um supergênio, mas precisa de aprender as coisas pelo método lento e demorará mais de vinte anos", o que acha que vai acontecer? O problema de vocês é que, tudo o que deveriam aprender aqui já sabiam há muito tempo, tanto que os especialistas que trabalharam consigo, Pedro, ainda estão dando tratos à bola para saberem o que fez ao robô.
– Bem – disse Luana –, demoramos um pouco a descobrir a verdade, mas o fato é que não gostamos de como as pessoas vivem aqui na Terra.
– Exato – continuou o marido. – Nós fugimos para o espaço na intenção de encontrar um lar. Um planeta sem simuladores, onde pudéssemos viver em liberdade. Era o nosso sonho, só que tudo o que encontramos, foi decadência e ditaduras, além de pessoas que dão mais valor a um rato do que à vida humana. Eu estava disposto a quebrar a hegemonia tecnológica da Terra, mas não me acreditaram, quando eu disse que era possível viver sem doutrinadores. Quando me ridicularizaram, comecei a ver a verdade, em especial depois de um "empurrãozão" do Samuel.
– E então decidiram voltar para o último lugar em que podem viver com respeito e liberdade.
– Liberdade? – questionou Luana, exaltada. – Chama isso de liberdade?
– Na verdade não. Descobri a existência de um planeta nas Nuvens de Magalhães e fomos para lá – explicou Pedro que notou que Helena ficara pálida. – Por isso esta nave. Lá, nós encontramos tudo o que procurávamos em um mundo. Pessoas livres, altivas, educadas. Um povo que é o que a Terra deve ter sido há uns quatrocentos anos e desejamos muito viver lá.
– Mas o meu Pedrinho – continuou Luana –, acha que precisamos de ajudar a Terra de alguma forma a sair deste modo de vida de cuja culpa são os robôs e computadores.
– E, por isso, retornamos.
– Então pretendem ficar? – perguntou Helena.
– Eu não garanto que seja permanente, mas sim, nós pretendemos ajudar – disse Pedro, convicto. – Contudo, quero informações que sei que apenas umas poucas pessoas neste mundo sabem. E quero os meus pais e pais da Luana vivendo em casas perto da gente de modo a terem a chance de desintoxicarem do simulador.
– Temo que isso não seja possível – respondeu Helena. – São raríssimas as exceções dos que se livraram desse vício.
– Mas nós estamos dispostos a tentar – insistiu Luana, pegando a mão do marido. – Devemos isso às pessoas que nos geraram.
– Muito bem, então – disse Helena, levantando-se. Aproximou-se do casal e abraçou ambos, feliz. – Vou suspender a ordem de captura. Coronel, pode me acompanhar ao meu escritório.
− Doutora − disse Pedro, muito sério. − Enquanto nós ficarmos aqui, as coisas serão nos meus termos. Acabei de os enviar por mensagem para o seu palm. A decisão final se aceita ou não é sua.
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