Capítulo 7 Parte 1 (Rascunho)

"Talvez as pessoas não me decepcionem. Talvez o problema seja eu, que espero muito delas."

Bod Marley.

Pedro nada disse por dois dias. Apenas pensava, calado, e Luana sentia-se aflita porque ele estava bastante deprimido e não precisava de ser um gênio para notar. Não quis pilotar e nem treinava mais. Até Norman sentia-se preocupado.

No final do segundo dia, Samuel entrou na cabine do casal e sentou-se de frente a Pedro. Ele olhou para o velho e nada disse, até que Samuel recostou-se na poltrona, cruzou os dedos das mãos e descansou-as sobre a barriga. Logo a seguir, deu um profundo suspiro e cortou o silêncio:

– Depois de ter dito tudo o que disse, vai continuar calado? – perguntou, meio agressivo. – É isso, vai se entregar ao desespero?

– Eu perdi; não fui levado a sério – resmungou o jovem, abatido. – Se aqui não me acreditam, onde mais acreditariam? Não passam de um bando de decadentes que morrem de medo de sair da tutela da Terra e, por isso, detestam tanto os terráqueos. Tipico complexo de inferioridade. Então, repito: onde mais acreditariam em mim?

– Na Terra, filho, não é óbvio? – respondeu o velho com outra pergunta. Pedro arregalou os olhos e, depois, encolheu os ombros.

– Deixe de ser ridículo, Samuel – resmungou. – A Terra está podre.

– Filho, você mesmo disse que a Terra detém o poder tecnológico de toda a galáxia, não disse? − insistiu Samuel, suspirando. − Pensem bem antes de responderem o que vou dizer agora e entenderão. Se os robôs são estúpidos e sem capacidade de criação nem iniciativa, então quem seria capaz de fazer isso? Por que acham que a Terra colocou um preço tão alto pelas vossas cabeças, apenas vivos? Por que motivo o tal presidente não foi capaz de identificar isso?

– Eu e Luana... – respondeu, reticente –, e pessoas como eu...

Nesse momento, a venda caiu e Pedro calou-se, olhando sério para a mulher que tinha a mesma visão da realidade estampada no rosto.

– Não pode ser – resmungou ele, assustado.

– Claro que tem que ser isso, amor – argumentou Luana. – Não poderia ser de outro jeito! E eles em Vega estão ainda mais decadentes do que a Terra, para não verem o óbvio.

– Filhos, como deveria ser a pessoa que cria a tecnologia moderna?

– O doutrinador seria a total destruição dessa pessoa – comentou Pedro, decidido a derrubar o argumento e caindo em contradição. – Ele não poderia ser doutrinado. Precisaria de aprender com livros... santo Deus, nós!

– Sim, meu amor, nós – disse Luana. – São as pessoas como nós que criam tudo aquilo.

– Mas...

– Precisamos de retornar – começou a dizer Luana, só que foi interrompida pelo noivo. Enérgico, disse:

– Não, jamais aceitarei viver longe de você.

– Amor – argumentou Luana, rindo. – Se somos assim tão importantes, eles farão tudo o que desejarmos.

– Não consigo aceitar o modo de vida da Terra – afirmou Pedro, pensativo e chocado. – Não tenho intenção de contribuir para aquela vida, mas, ao mesmo tempo, sinto que não temos escolha. Os planetas de fora, são tão ou mais decadentes e escravos da Terra. Temo que nunca acharemos um lugar decente para viver.

– Amor, isso quer dizer que aquele local era uma preparação para nós descobrirmos, sem choques, que precisamos de aprender sem doutrinador. Eles apenas não tinham a menor ideia de o quanto nós evoluímos, isso muito antes de irmos para lá. Eles não são nossos inimigos.

– Ela tem razão, filho – concordou Samuel. – Se quer saber outra verdade, eu fui chamado para capturar vocês dois. Sou um agente especial da Terra, Coronel Samuel Norton.

– E por que está falando isso? – perguntou Luana, na defensiva.

– Porque eu prefiro fazer vocês descobrirem a verdade sozinhos e compreenderem a realidade; prefiro que retornem por vontade própria.

– Se voltarmos seremos separados – insistiu Pedro. – Além disso colocaram um preço muito alto por nós...

– Óbvio que colocaram, meus filhos. − Samuel riu alto. − Vocês são os dois intelectos mais elevados que jamais foram medidos. Agora junte o fato de você ter criado uma arma contra robôs. Eles devem estar desesperados e morrendo de medo. Já pensou como seria a vida na Terra sem os robôs, com todos aqueles povos feito zumbis em simuladores?

– Jamais aceitarei ser separado da Luana, Samuel – ripostou Pedro.

– Mas quem lhe garante que será?

– Eles fizeram isso uma vez, Samuel – argumentou Pedro, segurando a mão dela e suspirando. – Eu já nasci amando esta mulher.

– Estou certo que era temporário, meu filho – contestou, apaziguador.

– Eu só posso concluir que o senhor vinha nos seguindo desde bebês e era por isso que estava no Rio, não foi? – questionou a Luana.

– Claro, minha querida. Vocês tiveram um anjo da guarda por toda a vossa vida. Por isso eu aparecia sempre e de repente. No fundo, eu me sinto um pouco pai dos dois. Quando Helena me acionou para capturar vocês, eu fiquei muito emocionado e feliz sabendo que poderia vos ajudar e salvar.

– E Norman, onde se encaixa nisso? – perguntou Pedro.

– Norman foi um acaso maravilhoso porque é uma pessoa bastante confiável – respondeu o velho. – Um verdadeiro homem de palavra. Durante os meus diversos trabalhos, recorri muito a ele.

– Ele sabe algo sobre isso tudo? – Pedro olhou nos olhos do velho. – E o que o senhor fazia exatamente?

– Não, não sabe, mas desconfia de algo. Quanto ao meu trabalho, fui recrutado para ajudar, proteger, salvar e engajar gênios especiais capazes de se tornarem criadores de ciência... dentro e fora da Terra. Por ter sido piloto, além do disfarce de contrabandista, tem sido muito fácil, mas, quando vocês nasceram, fui destacado para ambos com exclusividade; dedicação integral.

– Isso quer dizer que aquele negócio com os robôs foi encenação?

– Sim, minha linda, foi.

– Como entrou nesse esquema, Samuel?

– Toda a criança recém-nascida que seja avaliada e o computador projete um QI de cento e quarenta ou mais é candidata – explicou ele. – Vocês são os dois índices mais altos jamais medidos. No meu caso, eu sou centro e trinta e nove. Por um ponto não tive a felicidade de viver no Rio em luxo. Tornei-me piloto e, anos depois, inventaram os AGs e fiquei obsoleto, como contei uma vez. Não me conformei e a última coisa que eu desejava era mofar nos simuladores, mas morreria de tédio sem ter o que fazer. Então, fui atrás de informação, meus queridos, exatamente como vocês fizeram quando eu agucei a sua curiosidade, Pedro. Nisso, um robô apareceu na minha casa e levou-me para o centro de triagem. Eu estava apavorado, mas decidi que não me dobraria. Falei a verdade e eles ofereceram-me trabalho. E foi assim que comecei a cuidar de gente especial. A primeira criança que eu cuidei foi a avó da doutora Helena, há pouco menos de cem anos.

– Interessante – disse Luana. – Então há todo um esquema secreto na Terra que nem sonhamos.

– Há mais do que pensam, mas não sei todos os detalhes – confirmou Samuel, bem sério. – Meus filhos, acho que devemos voltar para a Terra. Aqui, jamais acharão um mundo digno.

– Por que motivo acha isso?

– Por que não falou para o presidente da arma que inventou contra os robôs?

– Porque estava na cara que ele é um ditador. Eu jamais daria uma arma tão perigosa para um homem desses.

– Exato, garoto. – Samuel sorriu e piscou o olho. – É só isso que encontrará aqui. O povo decadente é fácil de ser dominado e os ditadores aproveitam-se disso para tomar o poder. Não há um único dos seiscentos e oitenta planetas da humanidade que não seja uma ditadura. Algumas são piores e outras são brandas, mas, no fundo, são ditaduras.

Pedro calou-se e os demais aguardaram. Ele refletia intensamente, acompanhado de Luana, que fazia o mesmo. Se o que Samuel dissera era verdade, não valeria a pena ir a qualquer outro mundo uma vez que seria pura perda de tempo. O que mais desejava era encontrar um lugar livre e decente, onde se pudesse estabelecer com a futura esposa e constituir uma família sadia. Em um rompante, o seu rosto iluminou-se e Luana sorriu, olhando para ele. Após , ergueu os olhos e disse:

– Eu prometi ensinar Norman a descer em mundos de mineração e, depois, vamos a mais dois planetas. Após, se tudo der errado, a Terra.

− Mas que planetas serão esses? − questionou Samuel, espantado.

− Os dois mundos que não constam nos bancos de dados da Terra, Samuel − disse a garota, no lugar do namorado. − Não é óbvio?

− Só se for para vocês − resmungou o coronel, levantando-se e dando uma risada descontraída. − Desde que vocês estejam bem e fora dessa maldita depressão, para mim está ótimo.

― ☼ ―

– Está indo muito bem – disse Pedro, acompanhando as ações do capitão – Agora tenha calma com o antígravo. A densidade da atmosfera é muito alta. Feche as asas e compense os gs devagar para não provocar damos estruturais. Estamos com um peso extra absurdo. Suba devagar. Mesmo se demorar mais. Use os foguetes com potência baixa. Não, está forte demais...

Soou um alarme e a nave destroçou-se. As telas do simulador desligaram e Norman levantou-se, irritado.

– Droga – resmungou, dando um soco no braço da poltrona. – Droga, droga, droga, droga. Quarta falha!

– Calma – aconselhou Pedro. – Isto é novo para si e não aprendeu com doutrinador.

– Sabe? – começou o comandante, aliviado. – Sinto uma profunda alegria em saber que posso aprender as coisas sem o doutrinador.

– O doutrinador só existe há trezentos e oitenta anos – comentou Pedro, divertido. – Como acha que a humanidade se virava antes disso?

Continuando, determinou:

– Vamos treinar o pouso de novo, que é mais fácil que a decolagem.

– Ok, vamos lá.

– Norman, qual é autonomia desta nave em anos-luz?

– Tecnicamente, um milhão.

– Temos condições de percorrer trezentos e sessenta mil?

– Sim – disse Norman. – A nave foi recarregada há pouco tempo, mas onde raio deseja ir?

– Explicarei quando o plano estiver formado, mas não se preocupe que antes cumprirei a minha promessa de o ensinar e pagarei os custos – disse, executando o programa de pouso. – Agora vamos, pouse a nave. Este planeta tem as mesmas características do local onde tiramos o combustível.

Após quarenta minutos suando frio, Norman logrou pousar a nave. Satisfeito, pediu:

– Coloque fenômenos atmosféricos aleatórios. – Deu uma risada muito divertida e continuou. – Preciso aumentar o grau de complexidade.

Na terceira tentativa, o comandante pousou a nave e não errou mais. Então, passaram para a decolagem mais uma vez, mas Norman sofria com isso. Levou quatro dias para conseguir e exultou, Pedro disse:

– Está pronto, vamos descer naquele mundo e pegar mais trinta toneladas daquele treco.

– Tá maluco? – perguntou o piloto, assustado. – Acabei de acertar a primeira vez. Ainda preciso de adquirir prática.

– Não, não precisa – afirmou Pedro. – Eu programei o simulador para considerar a estrutura da nave setenta e cinco por cento mais frágil. Você teria conseguido desde a quarta tentativa.

– Por que fez isso? – perguntou o comandante, aborrecido.

– Porque a decolagem é muito crítica – explicou o jovem. – Assim, ficou mais preparado.

– Obrigado, Pedro, obrigado – estendeu a mão, satisfeito. Após, Norman perguntou. – Tem certeza de que conseguirei?

– Mas é claro que sim. Eu não arriscaria a minha vida e da Luana se não estivesse certo disso.

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