Capítulo 6 Parte 3 (Rascunho)
Samuel chegou algumas horas depois, quando principiava a anoitecer. Jovial, disse:
– A coisa complicou bastante, meus filhos – comentou, enquanto sentava na cadeira. – Norman está finalizando a transação com o minério e já arrumou um veículo de extração para nós. Depois disso, mudaremos o itinerário da nave, até porque precisamos vender o combustível. Por algum acaso da sorte, não nos relacionaram com vocês.
Estendeu roupas novas e uma peruca preta para Luana e lentes douradas. Depois deu para Pedro o mesmo, apenas trocando a peruca por um bigode.
– Vocês vão passar por estrangeiros de um planeta a mais de seiscentos anos-luz daqui – explicou ele. – Uma mutação fez com que tivessem olhos dourados, o que os torna únicos e fáceis de identificar. Troquem-se que Norman deve chegar em meia hora.
Mais tarde, Nathalie apareceu a chamar os três. Em silêncio subiram e, na porta de frente, um pequeno planador aguardava com Norman no controle. Entraram e a garçonete acompanhou-os. Vendo isso, Pedro afirmou:
– Você foi muito gentil conosco e não gostaria que se arriscasse sem necessidade. Deve ter o seu trabalho e pode ser prejudicada.
– Tudo bem – respondeu ela, sorrindo. – É minha folga. Quero acompanhar vocês.
O planador decolou e foram sem incidentes para o espaçoporto. Quando desceram ao lado da nave, Norman disse:
– Vão para o compartimento secreto antes que a fiscalização venha averiguar a nave para a decolagem.
– Espere – ordenou Pedro, virando-se. – O senhor disse que uma parte da venda seria creditada a mim. Já a concretizou?
– Sim, já, e metade é vosso.
– Então, dê para Nathalie o mesmo valor que a Terra ofereceu pelas nossas cabeças – pediu o jovem. – Se não fosse por ela, talvez estivéssemos mortos.
– O dinheiro é seu – disse Norman, pedindo para ela estender o bracelete e ativar o recebimento. Transferiu o crédito correspondente e continuou. – Pronto, agora vão-se para dentro.
Nathalie arregalou os olhos quando viu a quantia na sua conta. Em um impulso, abraçou Pedro e, depois, Luana.
– Obrigada – disse, emocionada. – Luana, você não sabe a sorte que tem.
– Sei sim – respondeu a garota, sorrindo e acenando. De mãos dadas, ambos entraram na nave.
Ainda demoraram a decolar e o casal achou que se tratava de assuntos da aduana. Aproveitaram para treinar um pouco, até que ouviram os propulsores entrando em ação. Pouco depois, Samuel apareceu e chamou-os para comerem algo.
― ☼ ―
– Como eu disse antes, a situação complicou bastante – afirmou Samuel, voltando a falar. – Se a Terra mandou mensagens para os planetas independentes é sinal que estão desesperados. Pelo menos não fui incluído entre os procurados.
– É verdade – comentou Norman. – A esta hora toda a Galáxia sabe de vocês. Estamos a caminho de Vega, o mundo mais próximo e que paga melhor que qualquer outro por esse combustível. A propósito, não precisava de dar tanto para a garota. Agora estenda o seu bracelete para eu transferir a sua parte. É moeda universal e vale até na Terra.
– E quanto representa aquilo que dei em relação ao que tenho direito?
– Um por cento.
– Acho que nós podemos viver com um por cento a menos, não é, meu amor? – perguntou, debochado. – Ainda tem a venda do combustível...
– Bem, voltando ao assunto, acho que devem manter a aparência de Alteanos quando descerem em Vega. O braço da Terra ainda é muito poderoso e sabem obrigar todos esses mundos a se submeterem.
– Uma grande contradição, face ao que vivemos lá! – exclamou Luana.
– Mas um fato incontestável – retrucou Norman, muito sério.
― ☼ ―
Na cabine, o casal conversava e discutia a situação. O cenário era-lhes pessimista. Os mundos da humanidade desandaram sem a administração original da Terra. A decadência era assustadora e a vida quase não tinha valor, pelo menos naqueles dois planetas onde estiveram. Segundo comentários anteriores, tanto do Samuel quanto de Norman, todos os mundos conhecidos da Galáxia eram semelhantes ao que observaram e isso complicava demais ideia original de Pedro. Era visível que o planeta mãe não teve força para manter a união e foi perdendo as colônias uma por uma sem nem mesmo precisarem de lutar pela independência. Entretanto, não ficaram livres do declínio, que até parecia bem pior do que na Terra, apesar de haver muito mais atividade humana, provavelmente por falta de robôs que fizessem os serviços mais importantes da humanidade.
– Vega era considerado o mundo mais rico e avançado, exceto pela Terra – começou Pedro, sério. – Talvez isso tenha acontecido por ser o planeta colonizado mais próximo de lá, nem trinta anos-luz. Não imagino como ele estará agora, mas estou certo que a decadência é inversamente proporcional ao grau de evolução. Se Vega falhar, então serei forçado a desistir do meu plano.
– Podemos comprar uma nave e procurar um planeta idílico só para nós, amor – disse Luana, risonha.
– Até podíamos, meu anjo, mas o ser humano não foi feito para ficar isolado. Temos de encontrar alternativas mais adequadas. Talvez enfrentar o sistema na Terra, mas, para isso, precisaríamos de informação e poder. Vamos ao laboratório estudar mais.
– Sim, Pedrinho, o computador da nave tem uma excelente base de dados – acrescentou Luana, pensativa. – Será que não há dados atualizados desses planetas todos?
– Boa ideia, amor – aquiesceu o namorado. – Vamos ver isso.
Por estarem bastante longe, a viagem durou oito dias onde o casal estudou muito as informações dos computadores. Além disso, sempre treinavam o uso das armas e a luta, esta última com a participação do capitão e assistência do Samuel que se divertia olhando o comandante, sempre levando a pior, em especial porque o jovem aprimorava-se cada vez mais, uma vez que a memória fotográfica lhe permitia lembrar de todos os movimentos estudados e o treino constante tornava-o cada vez mais eficaz e perigoso, em especial pela força e reflexos sobrehumanos.
Quando estavam a dois milhões de quilômetros de Vega, mais precisamente o sexto mundo daquele sol, Norman chamou Pedro à ponte para participar da aproximação e pouso. Mal sentou-se, notou diversos pontos nos radares.
– Há muitas naves por perto! – exclamou o jovem, bastante impressionado. – É normal?
– Sim – confirmou Norman. – Acho que a Terra já foi assim, ou até pior. Agora, Vega é o sistema mais movimentado da Galáxia. Preste atenção a estes procedimentos.
Pedro viu o comandante abrir o rádio e anunciar a nave e objetivo da viagem. Dois minutos depois, receberam a confirmação e um vetor de aproximação na fila de espera para pouso. Em função da carga anunciada, iriam para um setor pouco movimentado do espaçoporto e não precisaram de esperar muito para receberem a autorização de descida. Mesmo assim, dispenderam quase seis horas até poderem sair da nave. O casal vestia o disfarce e Samuel não julgou necessário mudar, uma vez que não fora mencionado. Isso levou-o a imaginar a importância do par, já que contrabando era tratado com extremo rigor na Terra; contudo, nem mesmo cogitaram a sua captura.
― ☼ ―
A escotilha foi aberta e Norman desceu em primeiro lugar, seguido de Samuel e dos jovens. A primeira coisa que ele viu, foi uma dúzia de robôs em meia lua, todos de armas nas mãos. À frente, dois homens igualmente armados aguardavam. Surpreso, o comandante ergueu as mãos.
– Mas que recepção vem ser essa, meus caros? – perguntou Norman, sorrindo – Eu sou bem conhecido entre vocês!
– Sim – começou o homem da esquerda, cujo uniforme era bem mais vistoso que o colega ao lado –, mas também é bem conhecido pelo contrabando, incluindo de pessoas. Estamos procurando dois terráqueos.
– Terráqueos? – perguntou Norman, encolhendo os ombros e fazendo uma negativa com a cabeça. – Mas que terráqueos?
– Um casal.
– Olhe, meu camarada – disse o capitão baixando a mãos. – Tenho aqui um casal de alteanos que me pagou muito bem para vir passear em Vega e um terráqueo que é meu ajudante de negócios. Não tenho um casal de terráqueos.
– Então não se importa que revistemos a nave? – perguntou o líder, ainda ameaçador.
– De forma alguma, meu caro, vá em frente – comentou Norman, afastando-se para eles passarem. – Mas o Samuel aqui vai acompanhá-los para que não mexam em nada que não devem.
– Muito bem – voltou a falar o da esquerda. Virou-se para o colega e acrescentou, autoritário. – Capitão, trate de checar as identificações deles.
– Estendam as pulseiras – ordenou o subalterno e Norman ficou lívido, descendo a mão até à coronha do irradiador e lembrando-se que estavam sem armas por não serem permitidas naquele planeta.
O primeiro a ser verificado foi Samuel, identificado como terráqueo e piloto de astronave. Logo a seguir, seguiu atrás do líder vegano enquanto o tal capitão checava Norman, comerciante das estrelas originário de Leo II. Quando chegaram ao casal, Norman começou a suar frio, avaliando a possibilidade de atacar o sujeito de surpresa e apoderar-se das armas antes de os robôs atirarem, mas chegou à conclusão que seria muito pouco provável conseguir isso. Não imaginava quando seria dada a ordem de prisão, mas ficou preparado para lutar pela liberdade, embora achasse impossível. Nesse momento, o sensor deu um bip e o homem leu:
– Industriais classe A, sistema Altéia – comentou. Levantou o rosto para os dois e acrescentou, desconfiado. – Vocês parecem jovens demais para isso!
– Meus pais faleceram há dois anos padrão em um acidente grave – explicou Pedro, pegando o gancho. – Eu herdei o nosso império econômico. Agora, estamos em lua de mel e decidimos conhecer outro mundo.
Norman nem sabia que milagre foi que aconteceu, mas soltou o ar dos pulmões com um chiado, dando-se conta de que tinha segurado a respiração até àquele momento.
– Muito bem, vamos esperar o coronel – ordenou o nativo.
A espera durou quase uma hora, mas o par retornou da nave e a cara de decepção do coronel era patente, talvez por conta da enorme recompensa oferecida.
– Estão dispensados e bem-vindos a Vega – disse o coronel, fazendo um gesto para os robôs que colocaram as armas nos respectivos coldres. Com uma vênia, deram meia volta e retiraram-se.
A turma caminhou para a aduana, onde Norman negociaria a mercadoria. Enquanto andavam, ele não resistiu a perguntar:
– Como vocês conseguiram se passar por legítimos alteanos?
Pedro sorriu e olhou para o homem. A seguir, riu com gosto e respondeu:
– A informação é o maior bem do Universo, Norman, a mercadoria perfeita – explicou, sabendo que ele não entenderia, não de início. – Na posse das informações corretas, podemos fazer o que desejarmos, qualquer coisa, como descer em um mundo inóspito de seis gravidades e extrair uma das maiores riquezas da Galáxia.
– Tudo bem, até entendo isso, mas como conseguiram falsificar IDs terráqueas para alteanas?
– Pois é – começou o jovem, sorridente. – O computador da sua nave tem informações fantásticas. Não sei como ele se atualiza, mas peguei dados atualizados dos seiscentos e oitenta mundos humanos da Galáxia. Daí, já que nós precisávamos de passar por alteanos, estudei tudo sobre eles. Como eu disse, informação. Sabia que há duas colônias desconhecidas nas Nuvens de Magalhães? Essa informação não está nos bancos de dados públicos da Terra, mas a sua nave tem.
– Pedro – disse Norman, impressionado. – Se um dia não tiverem opções, serão bem-vindos como meus sócios.
– Obrigado, mas eu sinto que preciso de algo mais – agradeceu o jovem, sensibilizado. – De qualquer forma, fico honrado pelo convite. No dia que não conseguir realizar o meu plano, Conversaremos de novo.
― ☼ ―
Anoitecia quando Norman saiu do escritório onde esteve por mais de quatro horas. Olhou para os amigos e sorriu, fazendo sinal com a cabeça para o lado.
– Vamos para um hotel – decidiu, satisfeito. – Tomamos um bom banho e depois toca para o melhor restaurante e comer o que há de mais saboroso. Precisamos comemorar.
– Os negócios foram bons, pelo jeito – comentou Samuel.
– Bons?! – questionou Norman de olhos brilhantes. – Não foram bons. Foram muito bons. Eu consegui um valor muito acima do esperado. Garoto, estamos ricos. E se ofereceram para comprar mais daqui a algumas semanas porque nunca encontraram uma carga tão pura. Você terá que me ensinar a fazer aquilo de novo.
– Claro que ensino – concordou Pedro. – Posso criar um programa genérico de aprendizado no simulador onde você passa os dados do planeta e consegue treinar bastante.
– Obrigado, Pedro – comentou o comandante. – Estou muito contente de ter confiado em Samuel, lá na Terra.
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ID, do inglês: Identity (identidade; identificação). N. A.
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