Capítulo 5 Parte 1 (Rascunho)
No mundo inóspito em que habitamos, somente os loucos podem sobreviver às intempéries paradoxais dos humanos."
Zinah Alexandrino.
O comandante pousava a nave e Pedro acompanhava o processo, para aprender. Pela vigia, olhava o planeta onde desciam e nem acreditava nos seus olhos. O lugar em questão era um pouco árido e muito, muito primitivo. A cidade não era das maiores e parecia bastante empoeirada, mas, ainda assim, aparentava ser melhor do que o bairro onde viveu em criança. As pessoas usavam roupas estranhas, mas também havia gente vestida de modo normal. O espaçoporto era apenas um campo ainda mais árido, de terra batida e avermelhada, sem nada a cercá-lo ou proteger. Não havia aduana, nada, parecia uma terra sem lei. Era um lugar desolado e inóspito. Assim que tocaram o solo e os nativos pareciam mais próximos, notou que os homens usavam armas, exceto por uns poucos que pareciam ser subalternos ou coisa do gênero. Já as mulheres, na maioria absoluta usavam vestidos longos e andavam atrás dos homens de forma bem submissa, inclinadas e olhando para o chão. Algumas poucas eram altivas, mas tinham uma aparência vulgar e roupas provocantes; com isso, ele tirou a sua conclusão lógica. Quando o comandante desligou a nave, virou-se para Pedro e disse:
– Preste muita atenção: Este mundo é uma sociedade patriarcal dominante e tem três vezes mais homens que mulheres. Elas devem ser submissas e usar trajes adequados a uma mulher casada e já mandei um robô fazer algo para a sua. Eles apenas o respeitarão se for muito duro; do contrário, vão provocar e aprontar para Luana, provavelmente após acabarem com a sua vida. Esteja sempre atento.
– Eu não gostaria de matar ninguém – resmungou o jovem.
– Mas não hesite se precisar porque eles o matarão sem dó só pra ficar com a sua mulher. Neste mundo quase não há leis e a vida não vale grande coisa.
– O que o traz aqui?
– Este planeta tem um minério muito valioso cuja produção é controlada por um conglomerado poderoso do planeta vizinho, mas sempre sobra algum contrabando e eles amam certas bebidas, mais precisamente whisky da Terra. Então, eu contrabandeio os dois. Eles pagam um quilo de minério por garrafa e esse mesmo quilo, em alguns mundos vale alguns milhares de garrafas desse mesmo whisky.
– Vá para a sua cabine e explique tudo para a Luana. Lá encontrará um par de armas reais e uma roupa parecida com a das mulheres casadas. Diga-lhe que a vista porque nós desceremos em meia hora. E lembrem-se: falem apenas galáctico, pelo amor de Deus.
Preocupado, Pedro pensava em tudo o que ouviu. Aquele mundo era muito selvagem, onde a vida nada valia. Mas, ali, havia algo que ele não possuía: liberdade. Chegou ao seu destino e contou para a namorada o que teriam de fazer. Ele fizera quatro campos de força e sentia-se seguro quanto a atentados, mas o campo de força não era eficaz contra objetos com massa e, segundo Norman, havia armas de modelo antigo por lá, sem falar em facadas pelas costas. Escondido nas saias da moça, estava um radiador térmico que Norman lhes deu e ele colocou o cinturão com o outro.
― ☼ ―
Norman abriu a comporta e desceu na frente, seguido de Samuel com o casal atrás. Dois homens aguardavam perto, mas não se mexeram. Quando estavam a uns três metros, Norman parou e um deles disse:
– Norman, sua raposa velha, esperava você há três dias. O estoque do saloon está no fim!
– Opa, Hugh – respondeu ele, sorrindo. – Tive um imprevisto, mas aqui estou com estoque para um ano.
Nesse momento o homem viu Luana, arregalando os olhos perante tamanha beleza e perfeição, mesmo com as roupas cobrindo grande parte do corpo. Inclinou-se para o lado, apreciando a mulher e, após uns segundos, escarrou no chão. Pedro não pôde deixar de comparar com umas histórias da Terra muito, muito antigas que leu em criança.
– Mas coisa mais linda! – exclamou, dando um passo em diante. – Eu compro essa delícia, não importa o preço...
O homem parou assustado porque nem mesmo conseguiu ver de onde surgiu a arma que o sujeito ao lado da mulher lhe apontava, ostentando um ar tão determinado e ameaçador que poderia ser o fim no caso de o afrontar.
– Respeite as mulheres casadas se ainda quiser ter cabeça – disse Pedro, que nem acreditou a sua própria velocidade de reação. Ele estava mesmo disposto a matar o sujeito e isso assustou-o por alguns segundos, mas o instinto de proteger Luana sobrepôs-se a tudo. – Esta é a minha mulher e serve-me apenas a mim, entendeu?
– Calma, amigo, foi um mal-entendido. – O homem deu uma passo atrás, muito pálido, mas Pedro ainda empunhava a arma e exibia um olhar ameaçador. – Não se preocupe que não acontecerá de novo.
Devagar, o jovem baixou a arma e o sujeito voltou a falar de negócios com Norman.
– Muito bom, filho – murmurou Samuel. – Agiu certo. Em poucos minutos a sua fama correrá a cidade porque eu conheço bem este lugar. Não sei como conseguiu, mas ele é o atirador mais rápido da região e nem foi capaz de acompanhar a sua velocidade.
– Pior que eu também não sei como fiz isso – comentou Pedro, bem baixo.
– Isso chama-se instinto. Deixe-o controlar as coisas quando precisar.
Enquanto Hugh falava com Norman, Pedro prestava atenção em volta. Aquilo parecia o retrato de uma antiguidade remota da Terra. A cidade era pequena, não mais de dez mil habitantes que deveriam ser trabalhadores das minas. As ruas eram de terra batida e as calçadas não se destacavam. A única diferença era a ausência de cavalos, embora houvesse alguns planadores velhos e o jovem chegou a pensar que pegaria tétano só de chegar perto de um deles, tamanha era a ferrugem. Não ouviu quase nada da conversa, exceto o final, quando o homem disse:
– Vamos para o saloon molhar o bico.
– Vamos lá – concordou Norman, estendendo o embrulho que carregava. – Esta aqui é por conta da casa.
– Esse é o meu homem – disse o nativo, rindo e escarrando no chão para nojo da Luana.
O tal de saloon, na opinião de Pedro, era tal e qual imaginara nos livros que lera em criança. A entrada tinha portas com molas e o cheiro a álcool estava forte, misturado a outros que desconhecia e, na certa, não deviam ser coisa boa. Lá dentro era espaçoso, com um balcão ao fundo e um pequeno palco de um dos lados. Do outro, havia uma escada, talvez para acessar quartos alugados por hora ou noite conforme as intenções do inquilino. Havia várias pessoas dentro, a maioria absoluta sentada nas diversas mesas espalhadas pelo salão, bebendo e jogando cartas. Na parede, um monitor bem grande passava algum tipo de história e Pedro soube pela primeira vez o que era um filme. No instituto, uma vez convidaram-no a ver um, mas ele estava demasiado deprimido e não quis ir. Achou aquilo interessante, mas considerou prudente estudar bem tudo o que o envolvia. O ambiente era hostil e muitos deitavam olhares de cobiça para a sua mulher. Vários notaram as alianças, concluindo que ela lhe pertencia e voltaram aos seus afazeres, mas outros não. Irrequieto, pousou a mão sobre a coronha da arma. No bolso, tinha o gerador de PEM. No outro extremo do balcão, Pedro notou dois homens quietos. Eles observavam os recém-chegados. O atendente trouxe copos e serviu os visitantes. Quando chegou na vez do jovem fugitivo, ele disse:
– Obrigado, mas não bebo.
No ato todos olharam para si. Ao fim de três ou quatro segundos desandaram a rir às gargalhadas, incluindo o atendente, e Luana ficou mais perto dele, assustada.
– Garoto – berrou um deles –, para entrar aqui tem que beber.
– Nesse caso – respondeu Pedro, sarcástico –, um copo de água, por favor.
Dessa vez a maioria deles levantou-se e o silêncio foi total e constrangedor. Norman e Samuel olhavam, impassíveis, mas o velho estava pronto a proteger o casal a qualquer preço. Norman, por outro lado, sentia-se seguro. O garoto, na sua opinião, era fabuloso.
– Está brincando com a gente? – perguntou um deles, um homem enorme e mal-humorado. – Pode escolher, ou bebe, ou luta, ou duela.
– Está cansado da vida? – perguntou o jovem, determinado a não se mostrar intimidado, como fora instruído. – Se cansou, escolha o senhor, mas, se desejar lutar, arrume mais quatro ou não terá graça nenhuma.
Pedro sabia que só a imposição pela força conquistaria o respeito do povo, como o comandante lhe dissera. Como não desejava duelar com ele, até porque não se sentia muito seguro com as armas, usou um truque psicológico para o induzir a lutar. O homem arregalou os olhos e riu. Tirou o cinto da arma e deu para um amigo.
– Que idiota – resmungou, ainda rindo. – Vamos, dê a sua arma para os seus amigos. Eu vou lhe dar uma surra e ainda ficarei com a sua mulher para me divertir.
– Combinado, mas se você perder, vai precisar de tomar um litro de leite ou eu matarei você – respondeu Pedro, dando a arma para Norman e puxando Luana para perto dos amigos.
Quando se virou para enfrentar o adversário, o homem já vinha com um soco a caminho, mas Pedro desviou com um giro de cintura. Antes que ele recuasse o braço, socou-lhe o triceps com os nós dos dedos bem perto do cotovelo, provocando uma dor tão intensa que paralisou de forma parcial o movimento. Sem piedade, agarrou-lhe o pulso antes que conseguisse se recuperar e fez uma torção forte, puxando para as costas. Com a chave de braço armada, forçou bem mais, quase ao limite de lhe quebrar o membro, obrigando-o a se inclinar em direção ao balcão com um gemido forte. Usando a mão livre, pegou-o pelos cabelos e fez muita força para a frente, obrigando-o bater com a testa na madeira maciça. O homem amoleceu as pernas e caiu inanimado. Pedro pegou de volta a arma e agarrou o sujeito desmaiado, sentando-o no balcão. Pediu um pouco de água e jogou na cara dele. Assim que o homem acordou, assustado e com o braço doendo muito, sentiu a arma encostada na nuca. Com toda a calma, o jovem encarou o atendente e ordenou:
– Traga um jarro de leite bem cheio, por favor.
Assustado, o bar tender engoliu em seco. Ele acabara de ver o sujeito mais durão da cidade levar uma surra em menos de cinco segundos. Pousou a jarra no balcão e olhou para os dois. Ainda com o mesmo tom de voz calmo e autoritário disse para o antagonista:
– Pague o homem e trate de beber isso!
Com a mão tremendo, ele pegou o jarro e começou a beber, fazendo algumas ânsias de vômito.
– Se vomitar, vai ter que beber duas jarras – ameaçou Pedro. O homem terminou de beber e o jovem soltou-o. – Que sirva de aviso. Eu respeito todos os que me respeitarem. Se alguém fizer gracinhas com a minha mulher será fuzilado sem aviso.
Humilhado, o sujeito foi em direção ao amigo que cuidava da sua arma e permanecia tão boquiaberto quanto os demais presentes no bar. Pegou o cinturão da arma, pensando em matar Pedro pelas costas, mas notou o jovem ainda com o irradiador na mão, olhando para ele e abanando a cabeça em um aviso silencioso.
PEM – Pulso EletroMagnético. Um pulso eletromagnético de potência absurda destrói os equipamentos eletrônicos. Uma bomba atômica, por exemplo, gera um de tal forma potente que pode desligar tudo por um raio de muitos quilômetros. Uma versão fraquinha dele é um forno de micro-ondas (pelo amor de Deus, não faça experiências que pode provocar um incêndio ou, no mínimo, destruir o seu forno com uma sobrecarga). N. A.
Triceps é o músculo da parte de trás do antebraço. N. A.
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