Capítulo 4 Parte 2 (Rascunho)
Uma hora depois de comer, o par seguiu por um caminho mais longo e ambos conseguiram chegar à periferia do porto sem serem interpelados por ninguém, muito menos patrulhas de guardiões. Caminhavam com toda a cautela em direção à parte que tinha o matagal e onde a probabilidade de ocorrer acesso aos contrabandistas era maior quando viram um homem ser agredido por dois robôs. Ele estava de costas e era severamente castigado. Pedro estranhou essa atitude nas máquinas, mas sabia que os guardiões tinham mais liberdade de ação por serem uma força policial. De qualquer forma a agressão era demasiado brutal para um ser humano desarmado e bem mais fraco, além de que ele não reagia e isso ia contra a programação das máquinas. De joelhos, o homem foi resvalando para o chão e Pedro não pensou duas vezes. Aproximou-se e usou a sua arma, destruindo o delicado centro de processamento. Abaixou-se e ajudou o homem a levantar.
– O senhor está bem? – perguntou, dando-lhe o braço em apoio. Quando viu o seu rosto, quase gritou, assustado. – Você!
Pedro acabara de salvar o velho que sembre o acompanhou durante toda a sua infância e, apesar de tudo, gostava muito dele. De frente para o velho que vira tantas vezes quando mais novo e, sem transição, pôs-se a calcular hipóteses diversas, mas não achou nenhum sinal de perigo para si.
De modo a ajudá-lo, deu um chute em um dos robôs para que caísse ao chão e, depois no outro para que caísse em cima do primeiro, ajudando o velho a sentar-se sobre eles, tal e qual um banco improvisado. Ele tinha alguns arranhões e vários hematomas, mas não parecia ferido de forma mais grave.
– Obrigado, meus filhos – disse o velho, olhando para o casal.
– Por que motivo atacaram o senhor? – perguntou Luana.
– Eles queriam saber de dois fugitivos, um casal jovem – explicou o velho, suspirando. – Mas, daí, descobriram que eu tenho conexões com contrabandistas e esse é um dos crimes mais graves da Terra.
– Sinto muito – afirmou Pedro, compadecido. – Você está bem?
– Sim, estou – respondeu. – Mas e vocês, o que vos traz tão longe de casa?
– Somos os fugitivos que procuram – respondeu Pedro e o homem até arregalou os olhos. – Sem dúvida os que os robôs procuram. Por isso, peço que nos perdoe por ter sido ferido por nossa culpa. Nós precisamos sair da Terra.
– Mas que crime cometeram? – questionou, espantado. – Não os imagino fazendo isso!
– O nosso crime é não nos conseguirem domesticar – disse Luana, olhando nos olhos do homem. – Não somos compatíveis com os simuladores nem os doutrinadores, então queriam nos separar e prender em instituições de incapazes.
– Exato – continuou Pedro. – E eu sei que muitos mundos lá fora não são como aqui.
– Não, realmente não são – comentou o velho. – Mas a maioria é bem pior, muito pior mesmo. Como destruiu os robôs?
– Criei uma arma contra eles. E o senhor, por que o agrediam com tanta intensidade se são programados para não fazerem isso exceto em casos especiais?
– Interessante – comentou ele. – Como eu disse, procuravam alguém e descobriram que eu colaboro com contrabandistas. Queriam me obrigar a falar porque, quando se trata de contrabando, a pena é gravíssima e muito severa, podendo ser até a morte.
– Provavelmente têm dados a nosso respeito desde a infância e sabem que íamos muito ao espaçoporto – comentou Luana, preocupada e olhando para Pedro.
– Faz sentido – concordou o velho, levantando-se. – Vamos, precisamos sair o quanto antes daqui.
– Para onde sugere? – perguntou a moça.
– Fora deste mundo – respondeu o velho. – Tem um piloto conhecido meu que está pousado aqui e precisamos sair antes que nos persigam em larga escala. Eu vou conseguir um transporte para nós nos evadirmos deste mundo, mas talvez tenham um preço.
– Que preço?
– Depende do capitão. Essa nave tem um homem decente, mas outros iam desejar a sua garota.
– Só se eles cansaram da vida – ripostou Pedro, zangado.
– Sei de algo que ele vai desejar acima de tudo e será capaz de levar você para qualquer canto da galáxia. Vamos.
O casal seguiu o velho e, como os dois calculavam, pegaram uma trilha oculta entre o matagal. Ao verem isso, olharam-se e sorriram. Chegaram à rede da cerca e bastou afastá-la. Pousada bem perto estava a nave em forma de águia que já conheciam. Se não era a mesma, era muito semelhante. Agora, bem de perto, aquela águia de metal parecia imponente. O velho levou o casal até uma esteira e parou, aguardando. Antes que falassem algo, disse:
– Jamais entre em uma nave sem ser autorizado pelo capitão. Eles são ciumentos com os seus pássaros.
Mal terminou de falar e um homem alto apareceu na escotilha. O jovem reconheceu como sendo o mesmo homem da primeira vez que viu a nave.
– Samuel – disse ele, sorrindo. – Só esperava você amanhã. Algo errado?
– Precisamos de carona – respondeu o velho. – Precisamos de sair da Terra.
O sorriso do homem desapareceu na hora e ele perguntou:
– Tem ideia da encrenca que vai me arrumar?
– Capitão, posso falar com o senhor a sós?
– Suba – ordenou, retornando para dentro. – Apenas você.
– Esperem aqui – pediu Samuel, entrando na nave.
Luana abraçou o namorado, preocupada, mas o jovem mostrava-se seguro. Estava ciente de qual seria o preço e tinha a certeza de que o capitão aceitaria. Minutos depois, o sujeito apareceu e fez sinal para ambos entrarem. Tinha o rosto inexpressivo, mas Pedro continuava confiante. Curioso, subiu a curta rampa. Lá dentro estava bem fresco e a iluminação era suave e fraca. Logo no início havia uma câmera de descompressão e outra escotilha que levava para um depósito enorme que, naquele momento, possuía uma respeitável quantidade de caixas e objetos devidamente acondicionados e presos. Apesar disso, ainda havia muito espaço.
O homem foi para a parte da frente, onde se via uma escada em caracol que subia para o nível seguinte. Ele, entretanto, não subiu e sim foi a uma pequena sala ao lado. Quando parou e virou-se para o casal, ambos puderam avaliá-lo. Era bastante alto e dono de uma musculatura de respeito. Pedro achava que ele devia exercitar-se regularmente para ter aquele aspecto, sem falar que tinha um ar limpo que inspirava confiança, apesar de ser um contrabandista. Também notou que era muito seguro de si e objetivo. Já Luana, achou-o um homem muito bonito, quase tanto quanto o namorado, mas nutria algum receio por ele que parecia ser uma pessoa de poucos amigos. O medo principal era de que ele os traísse. Como tinha uma confiança irrestrita no namorado, encarou-o sem medo.
– Vocês querem sair da Terra para onde? − O casal logo notou o forte sotaque de quem não tinha hábito de falar o idioma terráqueo.
– A ideia inicial seria Vega, mas podemos ir a outro lugar tão civilizado quanto – respondeu o rapaz, com um sorriso tímido.
– Eu vou a diversos mundos, meu jovem, e Vega está na lista, mas não mudarei o meu itinerário por causa dos custos. E, por falar em custos, o Samuel aqui disse que você tem uma arma capaz de neutralizar um robô. Muito bem, esse será o meu preço.
– Concordo – afirmou Pedro, aliviado. – Mas esta arma é minha. Eu faço outra para o senhor. Dou-lhe a lista de peças e componentes que preciso e faço o gerador.
– Pode me chamar de Norman, filho. Como funciona essa arma?
– Basicamente emite um pulso de alta potência que "frita" o "cérebro" deles. O alcance é de cinco metros, mas é preciso cuidar porque ela destrói todos os eletrônicos. Se disparar a arma na sua sala de comando, vai ficar à deriva e sem chance de pedir socorro.
– Vocês nem parecem Terráqueos!
– É, mas é por isso que estamos fugindo. Não nos toleram e querem nos prender e separar por sermos diferentes.
– Muito bem – disse Norman, após ficar uns poucos minutos estudando o par e simpatizando com ambos. – Levarei vocês. Nós partiremos ainda hoje, mas ficarão escondidos em um porão secreto, caso venham revistar a nave à vossa procura. Não tenho o menor interesse de arrumar problemas com a Terra ou perco a minha maior fonte de renda.
Afastou um armário e abriu um alçapão, fazendo sinal ao casal. Os dois desceram e viram várias caixas e duas camas. Era ali que ficava o contrabando e na certa e não era apenas objetos, pelo visto, embora houvessem muitas caixas bem acondicionadas e presas às paredes laterais. Sentaram-se em uma das camas sentindo-se mais confortáveis. Nesse momento deram-se conta de o quanto estavam cansados porque foram alguns quilômetros subindo uma montanha e outro tanto descendo, sem falar no deslocamento até ao espaçoporto e a tensão de estarem sempre com atenção a tudo pela frente, lados e até as costas. Só se deram conta de que adormeceram quando foram acordados com o barulho da passagem sendo aberta. A luz acendeu-se e, estremunhados, levantaram-se, tentando adivinhar quanto tempo passara. Norman olhou para eles e sorriu. Estendeu a mão e deu uma caixinha para o casal. Pedro abriu e viram duas alianças.
– Usem isso – explicou, falando sério. – Em alguns lugares por que passaremos só as mulheres casadas são respeitadas. Falam, galático?
– Sim, responderam nessa língua.
– Ótimo. – Virou-se para Pedro e perguntou. – Sabe usar uma arma de raios?
– Nunca usei uma arma, mas sei a teoria e aprendo rápido.
– Perfeito – disse, estendendo um coldre. – Trate de treinar naquela parede que serve para isso mesmo. Essa arma não é real, mas funcionará ali se acertar os alvos projetados.. Passaremos em lugares que só respeitam os homens que portarem uma arma, principalmente os casados se a esposa for bonita e a sua garota é uma das mais lindas que já vi em toda a minha vida. Não o quero ver morto por alguém que a queira roubar de si. Decolamos em duas horas e vocês sairão daqui quando passarmos a órbita de Júpiter. Samuel virá para cá em breve, já que também foi exposto. Outra coisa, acostumem-se a falar sempre em galáctico. A maior parte desses mundos odeia os terráqueos. A maior parte não, praticamente todos eles odeiam a Terra.
Deu as instruções finais e voltou para cima, fechando a passagem. O casal entreolhou-se e Luana comentou, assustada:
– Minha nossa, amor, parece que a Galáxia toda é maluca!
– Não temos escolha, minha princesa – respondeu ele, colocando a aliança no dedo da namorada. – Temos que formalizar isso o quanto antes porque você fica mais linda com jeito de casada.
Luana riu e beijou-o, cheia de alegria.
– Então agora somos casados – afirmou ela, colocando a aliança no dedo do Pedro. – Eu amo você, Pedrinho.
― ☼ ―
Estavam na nave há três dias e Pedro não perdia oportunidade de treinar o uso da arma. Além disso, ele e a "esposa" treinavam jiujitsu pois memorizara todos os golpes e movimentos, embora tivesse livros e vídeos instrutivos no palm. No terceiro dia, começou a ensinar outra arte marcial que aprendera, o kung-fu. Era difícil porque o jovem fazia aquilo de memória, mas iam progredindo. Samuel gostava de ver o casal treinando e sorria, bonachão.
Foram informados de que chegariam ao primeiro planeta em uma semana. Naquele dia foram para as cabines e o capitão deu-lhes uma de casal. Pedro pegou o palm e começou a estudar os dados do mundo para onde iam, arregalando os olhos, incrédulo.
― ☼ ―
No quinto dia, o jovem fugitivo entrou na cabine de comando e apresentou uma lista no palm.
– Estes são os componentes que precisamos para a arma contra os robôs. Posso transferir para o seu palm?
Norman trouxe o aparelho dele e Pedro sincronizou ambos, começando a transferir.
– Não precisou da senha de comunicação?! – exclamou, impressionado.
– Não. Eu aprendi a contornar barreiras. Estes palms são muito fracos. Pronto, a lista já está aí.
– Alguns dos componentes eu tenho, mas outros precisarei adquirir em Canopus ou outro mundo. Como está o seu treino?
– Acho que vou indo bem.
– Vamos ver – disse o capitão, fazendo sinal. – Vamos.
Desceram para o porão e ele olhou o jovem, esperando. Pedro pegou a arma, mirou com cuidado e atirou, acertando o alvo na testa.
– Muito bom, garoto, mas você estaria morto muito antes de puxar o gatilho – disse ele. – Olhe.
Norman parou e olhou para a frente. Em um gesto tão rápido que o casal mal acompanhou, sacou a arma do coldre e acertou o alvo no peito.
– Aprenda a fazer assim que não quero ver o seu cadáver. Sabe lutar?
– Sei, sim – respondeu o jovem.
– Cem créditos no garoto – arrematou Samuel, rindo. – Você vai levar a maior surra da sua vida.
– Combinado – disse Norman, virando-se para Pedro e erguendo os punhos como um lutador de rua misturado a um pouco de box primitivo. Com a mão, chamou-o. – Vamos, ataque.
– Eu poderia machucar o senhor, Norman.
– Deixe de besteiras. Nunca apanhei de ninguém – resmungou o comandante, desafiador. – Venha, do contrário, eu ataco você e não terei piedade.
Pedro avançou o pé direito, posicionando-o no chão à frente do capitão e de joelho levemente flexionado. O outro pé estava para trás, quase esticado. Ergueu a mão direita estendida para a frente, mas um pouco flexionada e a outra tinha o braço encostado junto ao peito. Quando o comandante se aproximou e socou, Pedro usou a mão direita para desviar o golpe enquanto a esquerda avançava veloz, acertando-o em cheio no peito e com força suficiente para o fazer recuar dois passos. No mesmo movimento, o jovem avançou o pé de trás e deu um impacto lateral sobre a perna direita dele, fazendo-o cair de lado com alguma violência.
– Uhh, acho que isso doeu – comentou Samuel, debochado e fazendo uma careta. – As cem pratas mais fáceis da minha vida.
Sem dar tempo do capitão reagir, o rapaz trocou de estilo e aplicou uma chave de braço, obrigando Norman a ficar quieto. Segundos depois, soltou-o e ajudou a levantar.
– Onde aprendeu isso, garoto! – perguntou o astronauta, muito espantado. – Não conheço um único homem capaz de o enfrentar!
– Vi em dois livros antigos e aprendi.
– Consegue me ensinar?
– Ensino, se me ensinar a pilotar.
– Você precisaria de treino em um doutrinador, garoto, mas, se acha que pode aprender, estamos combinados.
Pedro sorriu, virou-se para o alvo e sacou a arma, tentando imitar a velocidade do capitão, mas o tiro passou a quase um metro do alvo.
– Isso não é fácil – disse ele, suspirando. – Preciso treinar bastante.
Norman saiu rindo e Pedro voltou a tentar atirar como um cowboy do passado remoto. Samuel aproximou-se e colocou a mão no ombro dele.
– Muito bom, garoto – disse, bonachão –, muito bom mesmo. Você ganhou o respeito dele e provavelmente um bom amigo para toda a sua vida.
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