Capítulo 3 Parte 2 (Rascunho)

Luana cedeu ao medo e tentou evadir-se no dia do seu aniversário. Saiu e foi a um lugar afastado. Contudo, algum tempo depois um planador parou ao seu lado e mandaram-na entrar. Acuada, obedeceu e deu-se conta de que havia formas de ser localizada, provavelmente o bracelete. Acabou entrando, uma vez que era mais seguro. Quando o aparelho passou na divisa da parte nobre, ela não pôde deixar de pensar na mãe do namorado. A discrepância era absurda e passou a imaginar o percentual de gente que vivia ali em relação ao do povo em geral. Começou a raciocinar sobre aquelas diferenças e acabou enveredando por uma linha de pensamento semelhante à do namorado, mas, também, com ideias próprias. Isso, inclusive, o casal cultivava muito porque conseguiam enriquecer as suas ideias e linhas de raciocínio, propiciando mais opções de respostas quando interagiam. Os seus pensamentos foram interrompidos quando o transporte desceu em frente ao centro.

Foram colocados em fila e havia bastantes jovens, motivo pelo qual ela acompanhou os chamados nos painéis. Lembrava-se que tinha sido atendida na sala sessenta e dois e observou que apenas dois jovens foram chamados àquele recinto. Quando chegou a sua vez, notou que fora chamada justo para a mesma sala e concluiu que, estatisticamente, isso era pouco provável, muito pouco. Mal entrou, deparou-se com as mesmas duas pessoas que a atenderam em criança e as suas suspeitas passaram a ser certezas. Aquilo, em definitivo, não poderia ser coincidência. A mulher olhou para ela e sorriu:

– Oi, você cresceu bastante e está deslumbrante, Luana – disse, aproximando-se. – Vamos fazer os testes?

– Primeiro eu quero saber o que aconteceu com o meu namorado. Ele veio para cá e nunca mais voltou – começou, ríspida.

– Que namorado? – perguntou o homem, sentindo-se acuado.

– Não se faça de idiota – vociferou a garota. – Eu notei perfeitamente que vocês não atendem qualquer um. Vieram apenas duas pessoas além de mim e sei que Pedro esteve nesta sala a primeira vez porque contou tudo. Vocês provavelmente só avaliam pessoas com algumas características diferentes, provavelmente muito divergentes de algum padrão. Não sei o motivo, mas é possível deduzir mais de um, começando porque o meu namorado tem memória fotográfica e eu sei que a senhora descobriu que tanto eu quanto ele já sabíamos ler antes do doutrinador. Ele ensinou-me. Então, que tal pararmos de joguinhos idiotas e contam-me a verdade?

– Escute aqui, sua impertinente...

– Pare, John, ela tem razão – interrompeu a mulher. – Luana, nós avaliamos pessoas com traços genéticos especiais ou que possam ter algum tipo de anomalia.

– E por que motivo os robôs médicos nunca disseram nada sobre nós?

– Isso estava acima deles, filha.

– Em outras palavras, nem todas as pessoas ficam enfiadas em simuladores e são apáticas! – exclamou, encarando o par e John até arregalou os olhos, dando um passo atrás. – É fato que os robôs são muito limitados. O que aconteceu com Pedro?

– Ele tem um problema e não pode receber conhecimento do doutrinador, sem falar que não pode usar simuladores. Infelizmente é desajustado e foi colocado em uma instituição mental.

– Então porque vocês não o deixam aprender com os livros? – questionou a garota, aflita. – Ele sempre foi capaz de aprender assim! Não foi por osmose que nós sabíamos ler.

– Então ele sabe mais do que parece...

– Óbvio que sabe, muito mais, talvez mais até que muitos robôs.

– Interessante. Venha, filha, vamos para o analisador – pediu, apontando a poltrona. – Precisamos saber se está bem.

– Tudo o que eu quero é ficar com ele – disse a garota, quase chorando, mas obedecendo ao pedido, uma vez que era melhor evitar um antagonismo direto.

A mulher ligou a máquina e, mais uma vez, não ocorreu a perda de consciência, apenas uma sonolência. Os dois olharam-se e fizeram um aceno de cabeça entre ambos. O aparelho apresentou os resultados todos que Helena leu com atenção. Quando a máquina foi desligada, Luana voltou ao normal.

– Você não sabe que não pode manter relações íntimas antes da maioridade? – perguntou a mulher. – E se tivesse engravidado?

– Até isso vocês veem? – questionou, irritada. – Não existe mais privacidade? De qualquer forma, tive com o meu namorado, o homem com quem eu vou casar. Ninguém mais tocou em mim e jamais tocará.

– Filha, você não decide com quem vai se casar – retrucou Helena. – O computador de seleção genética fará isso.

– Vocês aceitam ser dominados por computadores? – ripostou ela.

– Você é nova demais para saber, menina – argumentou John.

– Eu quero saber onde Pedro está – exigiu ela, cruzando os braços.

– No Rio de Janeiro, uma cidade a quatrocentos e cinquenta quilômetros daqui – explicou a mulher. – Em uma instituição mental.

– Eu quero visitá-lo – pediu.

– Você não pode – explicou Helena. – Luana, você também tem uma anomalia que não lhe permite aprender mais nada no doutrinador. Teremos de a enviar para uma instituição similar.

– Então mandem-me para lá e eu poderei ficar com ele.

– Infelizmente, isso não será opção, você vai para o Rio, mas para outro lugar. Além disso, poderá ser escolhida para ter filhos com alguém que possa neutralizar a anomalia com o seu genoma.

– Eu já disse que não vou casar com ninguém que não seja o meu Pedro. Não sou uma égua reprodutora! – barafustou ela, irada. – Afinal qual é o problema? Se somos dispensáveis, deixem-nos juntos, por favor.

– Já disse que não tem escolha, filha. Sinto muito.

A porta abriu-se e um homem apareceu acompanhado de um robô. Quando ele se aproximou, a moça, furiosa, reagiu, usando os ensinamentos do namorado. Disparando em uma velocidade tão elevada que ambos os médicos – ou o que quer que fossem – nunca tinham visto, avançou e aplicou uma chave de braço que inutilizou o recém chegado atirando-o contra o par e provocando a queda dos três. Acelerando ainda mais, correu para o robô e, usando o embalo e muita astúcia, aplicou-lhe uma rasteira. Com um estrondo a máquina caiu ao chão e ela saltou por cima. Já ia continuar a sua corrida insana para a porta quando o medo-robô ergueu a mão e, de um dos dedos, saiu uma agulha que se espetou na coxa da garota. Luana ainda andou três passos, antes de cair, sedada. Com o embalo, foi arrastando até à parede, mas teve sorte e não se feriu nem bateu a cabeça. O par de cientistas levantou o ajudante e o robô ajudou o homem, que estava cheio de dores.

– O seu braço está fraturado no úmero – disse, usando o raio-X embutido. – Deve procurar atendimento imediato.

– Impressionante, essa garota! – exclamou John, enquanto a máquina a pegava ao colo e levava para o transportador. – Gostaria muito de saber o que mais aprenderam por aí.

– O que acha? – questionou ela. – Ele com mais de seiscentos e ela passando dos quinhentos e noventa? Jamais vi duas crianças tão excepcionais!

– O que o computador genético indicou para ela?

– Não é óbvio!? – exclamou Helena, secando uma lágrima. – O próprio namorado e não poderia ser diferente. Droga, eu detesto quando isso acontece com eles. Sei que é para o bem de todos, mas dói ver esses jovens sofrendo assim.

– É necessário, Lena – enfatizou o colega de trabalho. – Poucos poderiam compreender o que fazemos, mas não temos qualquer escolha se quisermos subsistir neste Universo louco.

– É, eu sei. Bem, não temos mais anomalias potenciais, então vamos embora. Pelo menos essas crianças vão para um verdadeiro paraíso. Infelizmente, não o verão como tal. Meu Deus, John, nunca vi dois seres humanos tão perfeitos! Mens Sana in Corpori Sano no sentido literal. Cérebros inigualáveis, corpos perfeitos, tanto na beleza quanto formação, força anormal de três a quatro vezes maior que a média e reflexos superacelerados. Não existe nada no mundo tão maravilhosamente perfeito quanto esses dois!

― ☼ ―

Pedro concluiu que não poderia continuar naquela apatia se quisesse de fato rever a sua adorada Luana. O negócio era fingir que entrava no esquema e esperar a vigilância reduzir, uma vez que notou que os veteranos tinham muito mais liberdade e não havia restrições, como o acesso aos andares superiores ao sexto.

A primeira atitude que teve foi aceitar o convite para as aulas. Logo no início, na disciplina de aritmética, ele ficou muito entediado. Não aguentando mais, levantou-se e já ia saindo porta fora, quando o professor perguntou:

– A tabuada está demasiado difícil, Pedro? Precisa que eu repita alguma coisa?

– Não. Isso é excessivamente banal. Sei desde os cinco anos.

– O quê!? – perguntou, impressionado. – Como pode saber algo que não se ensina aos seis anos, quanto mais as cinco?

– Com o palm da minha mãe eu baixava livros da biblioteca pública. Aos quatro, aprendi a ler. Quando vi uma nave descer com gravidade controlada, eu quis saber mais a respeito e um velho falou-me o que era. Daí comecei a estudar e pronto. Quando recebi o meu palm, aprimorei ainda mais os meus conhecimentos.

– Fascinante! – exclamou o professor. Curioso, perguntou. – Então por que motivo está tão deprimido? Os seus conhecimentos ultrapassam os de qualquer pessoa aqui presente!

– Acha que o fato de eu não poder usar um doutrinador ou simulador me deixou deprimido? – questionou o jovem, rindo amargo. – Não, isso nunca me interessou porque sei que é demasiado limitado. Eu fui separado de alguém que eu amo acima de tudo, apenas isso.

– Pedro, a aula termina em meia hora. Por favor, espere um pouco que desejo falar com você a sós.

Sentindo isso de forma positiva, ele voltou a sentar-se. Fechou os olhos e esvaziou a mente, relaxando e deixando de ouvir a aula. Assustou-se quando uma mão tocou o seu ombro e deu-se conta de que estava sozinho com o professor.

– Desculpe, Pedro, você parecia dormir.

– Estava meditando – comentou, sem dar mais explicações.

– Pedro, a que ponto chegou nos seus estudos?

– Fiquei obcecado pela física quando vi a nave no ar e direcionei a minha busca aí. Cheguei a equações diferenciaism, matemática aplicada, relatividade, estado sólido, física nuclear, eletrônica, química, biologia, enfim, tudo o que estava disponível na rede pública menos mecânica quântica porque não havia nada decente a respeito; mas, agora, andei olhando livros sobre o assunto na biblioteca do terceiro andar.

– Bom, muito bom! – exclamou o professor, alegre. – Olhe, sei que nada pode ser feito pela pessoa que você ama, pelo menos por agora, mas sei que, no futuro, poderá resolver isso. Basta ter fé e acreditar em si. Nós fazemos pesquisas aqui; não quer participar? Temos recursos excelentes, considerando que não podemos, todos nós, adquirir conhecimentos pelos doutrinadores.

– Eu gostaria de ter o meu palm de volta – comentou Pedro. – Sinto falta das minhas leituras e pesquisas.

– Ora, nos labs existem equipamentos muito superiores aos palms, meu rapaz. Então, quer experimentar?

– Bem, já que estou preso aqui, não tenho nada a perder, não acha?

– Ótimo, amanhã de manhã alguém passará no seu quarto. Vamos, a hora do almoço está próxima.

No quarto, Pedro pensava naquilo. Precisava de pôr as mãos em um computador. O resto seria fácil, muito fácil, na verdade. Olhou pela janela, impressionado com a beleza do lugar onde estava. Só então se deu conta que era a primeira vez que apreciava a paisagem. Estavam em um platô enorme a meio de uma montanha cheia de mata virgem. Ao fundo e mais abaixo, havia o mar com algumas ilhas distantes. Viu para a direita um campo de esportes com uma excelente pista. Saiu da janela e olhou no armário se havia roupas para esportes, encontrando tudo o que precisava. Vestiu-se e procurou o caminho para a pista. Quando chegou a uma porta que dava para o pátio, foi parado por um robô.

– Onde vai? – questionou a máquina.

– Praticar exercícios na quadra esportiva – respondeu, indiferente.

– Desculpe – comentou o robô. – Para ir lá para fora, precisa de autorização.

– E como consigo isso? – quis saber, decepcionado. – Eu preciso de me exercitar todos os dias. É um hábito meu.

– Ele pode ir – disse uma voz atrás de si. – Está autorizado.

Pedro virou-se e reconheceu John, o homem do centro genético e de treino que lhe sorriu, gentil. O robô foi para o lado e o sujeito fez sinal com a mão, saindo com ele.

– Gosta de esportes, Pedro? – perguntou, caminhando ao seu lado.

– Sim, gosto muito e li que é importante para a saúde. Corria todos os dias.

– Quando leu isso?

– Quanto tinha seis anos – disse, sabendo que não era mais necessário esconder aquilo. – Eu sempre fui curioso. Lia tudo o que aparecia pela frente.

– E ensinou a sua namorada, não foi? – perguntou ele. Pedro parou de andar e fitou o sujeito direto nos olhos. Aflito, agarrou-o pelo pulso e obrigou-o a se virar, encarando-o.

– Onde ela está? – exigiu, autoritário. − O que aconteceu para saber isso?

– Infelizmente ela tem uma anomalia semelhante à sua, mas não aceitou e tentou evadir-se, usando violência. Quebrou o braço de um enfermeiro e derrubou um medo-robô.

– O que fizeram com ela? – perguntou, assustado.

– Ela está bem, não se preocupe. Foi bem tratada e está em uma instituição similar a esta, aqui no Rio.

– Por favor, eu preciso de a ver – pediu, angustiado. – Faço o que quiser, mas deixe-me vê-la.

– Não tenho poder para isso, sinto muito. Quando vir Helena, tente convencê-la.

– A sua colega?

– Sim, fale com ela. Helena é a diretora das duas instituições e gostou muito de você. Com jeito, talvez consiga, pelo menos, mandar uma mensagem.

O jovem acenou com a cabeça em agradecimento e soltou o braço de John. Abatido, virou as costas, entrou na pista e começou a correr devagar, aumentando o ritmo aos poucos. Em pouco tempo decidiu afastar aqueles pensamentos tristes e focou no seu objetivo, clareando as ideias. Discreto, observava tudo e procurava possíveis rotas de fuga, encontrando oportunidades potenciais e descobrindo que seria bem-sucedido.

― ☼ ―

Mens Sana in Corpori Sano - Latim; significa: mente sã em corpo são. N. A.

Lab: abreviação de laboratório, originário do inglês (laboratory). N. A.

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