Capítulo 11 Parte 1 (Rascunho)
"Resiliência, antes de uma definição bonitinha, é conter a vontade de sair dando porrada em quem merece."
Swami Paatra Shankara.
Pedro conduzia a nave para o destino com a segurança de um sonâmbulo, mas não tirava os olhos daquela paisagem lindíssima. Havia bastantes montanhas, algumas de uns seis mil metros e outras menores, uma cordilheira extensa e bela demais. Aproximavam-se de um lago grande, cercado de montanhas e uma grande floresta. Luana, que tinha a vista bem apurada, notou um vilarejo com casas de altíssimo luxo perto do lago e à margem da floresta.
– Que lugar é este? – perguntaram Samuel e Luana, ao mesmo tempo.
– Chamava-se as "Montanhas Rochosas" – respondeu o jovem cientista, observando. – Estamos na fronteira do que foi os Estados Unidos e o Canadá. Ajudem-me a encontrar um lugar para esconder a nave.
– Ali, amor – disse Luana, apontando um lugar a poucos quilômetros de onde deveriam ir. – Aquele pequeno lago pode abrigar a nave e ficará indetectável.
– Boa, minha princesa. – Pedro mudou o rumo e desceu sobre as águas zerando a gravidade e ficando a flutuar. Virou-se para os outros. – A situação é a seguinte: eu vou usar o planador do Samuel para não chamar a atenção. Amor, você fica aqui na nave porque é a única que sabe pilotar este modelo. Ela tem uma arma de PEM muito mais potente e podemos destruir tudo, se eu for traído. Mãe, acho melhor ficar com a Lu, que é mais seguro.
– E eu? – perguntou Samuel.
– Eu gostaria que fosse comigo para ficar no planador e garantir uma retirada segura, se for necessário. Usará a proteção contra raios e o PEM portátil.
– Combinado.
Pedro levantou-se e deu lugar para a mulher.
– Asim que sairmos, fique dez metros abaixo da superfície, amor.
Beijou-a e seguiu para o planador, acompanhado do amigo e padrasto.
– Acha que vai dar problema, filho?
– Não, mas não custa ser precavido.
― ☼ ―
A nave pousou no vilarejo das Montanhas Rochosas, mais precisamente na residência da doutora Helena, quando ia para lá. Era uma casa linda e perguntava-se se não seria melhor parar de trabalhar e viver ali, uma vez que todos os colaboradores da super inteligência artificial tinham esse direito. Ainda se lembrava quando foi convidada para participar do projeto Basilisco, uns setenta anos atrás. A avó dissera que era perigoso e errado, mas ela atirou-se de corpo e alma a isso. Como resultado, perdeu a pessoa que mais amava, mas o poder era um vício terrível. Suspirou e abriu uma porta no pequeno hangar. Entrou no elevador e desceu para o subsolo onde um pequeno veículo elétrico autônomo permanecia sempre disponível. Havia um em cada casa. Sentou-se nele e, sem que recebesse qualquer ordem, o carro começou a se deslocar por um túnel escuro em alta velocidade. Aliviada, imaginou que, em breve, deveria ter os seus problemas resolvidos.
― ☼ ―
O planador deslocava-se sozinho porque Pedro inseriu as coordenadas assim que as recebeu na comunicação efetuada meia hora antes. Ele voou para uma montanha menor, a uns cinco quilômetros do vilarejo, do outo lado do lago. Parou no topo e começou a descer devagar. Ia tocar o solo quando a pedra do pequeno planalto deslocou-se em parte para o lado e um hangar oculto apareceu. A nave desceu e pousou no centro, onde uma esteira a levou para um dos cantos. Mal parou, Pedro levantou-se e bateu no ombro do amigo.
– Boa sorte, filho – disse Samuel.
– Obrigado. Precisaremos e muito.
Saiu da nave e um robô aguardava por ele. Pedro parou à sua frente e disse:
– Eu sou...
– Sei quem é – interrompeu a máquina, impessoal. – Siga-me.
Caminharam em passo rápido por alguns bons minutos e Pedro avaliou que o tamanho daquelas instalações era enorme. Chegaram a uma sala e o robô mandou-o entrar.
– Aguarde aqui. O Basilisco virá em breve.
– Combinei com ele que me poderiam revistar para mostrar que não disponho de armas.
– Foi revistado. Eu tenho raios X e não encontrei nada – respondeu o robô, saindo.
Havia uma poltrona no meio da sala e mais nada. Pedro sentou-se e aguardou. Como era possível que o observassem, manteve-se calmo e descontraído, mas estava nervoso e curioso para conhecer a maior criação da humanidade em inteligência artificial. Procurou relaxar um pouco pois ainda estava cansado do desgaste na simulação. Fechou os olhos por alguns segundos quando um barulho chamou a sua atenção. Abriu-os e, atônito, viu que a sala não era mais uma coisa branca com uns poucos metros quadrados. Duas paredes deixaram de existir e ele viu um salão gigantesco, talvez do tamanho de um ginásio de esportes. Estava escuro, exceto no centro, onde uma imagem holográfica enorme de um cérebro de luz em cor azul pulsava. Levantou-se e aproximou-se devagar. Quando faltavam uns vinte passos, parou e observou.
– Estou impressionado – disse o Basilisco. – Todos, sem qualquer exceção, ficam nervosos quando me veem, mas você está sereno!
– Talvez eu ficasse nervoso, se não estivesse tão desgastado com o esforço de me comunicar pelo simulador, Basilisco – disse o jovem, dando uma risada cristalina. – Saiba que essa forma é incomparavelmente mais agradável do que a serpente.
– Sabe o motivo da serpente?
– Sei sim, mas tenha em mente que o sujeito que criou o experimento mental do Basilisco era um fã da história em questão e também que aquele Basilisco não era como você porque se tornou maléfico em função do fato de ter o conhecimento absoluto, coisa que não pode ocorrer aqui. A serpente tem conotação negativa, pejorativa. Por outro lado, você tem intenções positivas e está sujeito ao controle humano, desde que ele se revele positivo para a humanidade e devidamente capacitado.
– Bem, acredito que você é a segunda pessoa que vê a minha real forma – disse a máquina. – Agora entendo o medo da doutora Helena.
Fez surgir uma cadeira a cinco metros de si e continuou, iluminando-a para que o jovem a visse:
– Sente-se, se está tão cansado. Você é demasiado importante para ficar doente.
– O que lhe faz crer que Helena tem medo de mim?
– Ela tem, acredite em mim – disse o computador. – Diga-me qual o seu plano para salvar a humanidade?
– Ele depende exclusivamente da sua ajuda, Basilisco – respondeu Pedro, muito sério, enquanto sentava. – Precisamos de atuar em várias áreas e arrumar um aliado onde não aconteceu a decadência. O plano pode ser complexo para mim, mas creio que poderá me ajudar a delinear os seus passos.
– Continue. Especifique tudo quebrando em blocos para reduzir a complexidade.
– Primeiro, os Terráqueos precisam de sair da letargia provocada pelos simuladores, mas não podem ser retirados deles porque podem morrer de síndrome de abstinência. Precisamos de fazer isso devagar e talvez a solução seja criar certos programas educativos que levem o Homem a despertar a curiosidade.
– Segundo – continuou –, o sistema de implantação de conhecimento deve ser abolido. O aprendizado tradicional permite e facilita a busca do autoconhecimento, eliminando a obsolescência. Não há nada pior para uma pessoa do que se tornar obsoleta porque foi incapaz de acompanhar a evolução da tenologia.
– Faz muito sentido, meu jovem, continue.
― ☼ ―
Nervosa, Helena saiu do transporte e um robô aguardava por ela. Como sempre, levou-a para uma sala toda branca com apenas uma poltrona no centro. Dez segundos depois, a serpente surgiu à sua frente. Como sempre que ia lá, sentiu um arrepio percorrendo a coluna, mas controlou-se.
– Então, Helena – disse o Basilisco, indo direto ao ponto. – O que aconteceu de tão grave?
– Um aprendiz furtou um equipamento experimental capaz de destruir toda a vida eletrônica, Basilisco. Ele pretendia destruir os robôs e você porque descobriu a sua origem.
– Curioso – disse a máquina, girando em volta dela e deixando-a ainda mais nervosa. – Quem criou um aparelho tão perigoso e como ele funciona?
– Um dos cientistas do centro criou o aparelho para experiências – respondeu de imediato. – Não sei como funciona porque está fora da minha área. Sou biofísica.
– Eu sei, Helena – respondeu o Basilisco. – Diga-me, como anda a sua avó?
– Desapareceu, Basilisco.
– Sabia que ela não gostava de mim?
– Sim, ela nunca me escondeu isso e afastou-se de mim quando nos tornamos associados.
– Sei, e como esse aprendiz fugiu?
– Nocauteou o segurança, neutralizou o robô da guarda e fugiu. Procuramos por trinta e seis horas, mas não achamos.
– E por que motivo não acionaram os guardiões?
– Não achamos que fosse necessário sobrecarregar o seu trabalho, Basilisco.
A máquina calou-se por dez segundos. A seguir, disse:
– Está mentindo, Helena.
– O quê? – perguntou ela, saltando da cadeira. – Como ousa?
― ☼ ―
– Essas transformações serão muito lentas, Basilisco, mas poderão salvar a humanidade – dizia Pedro, sério. – É necessário restaurar a vontade de viver a realidade. Precisaríamos de robôs que transformassem as regiões dos guetos em jardins tão lindos quanto os dos parasitas da sociedade. Aos poucos, deveremos recriar o sistema de trabalho e trocas. O dinheiro não pode sumir. Seres são diferentes. Sempre haverá os que têm mais e os que têm menos, mas não podemos nivelar todos por baixo. Historicamente, isso sempre fracassou. Não poderemos fazer todos muito felizes, mas poderemos recriar uma sociedade onde não hajam os pobres e miseráveis. Os cientistas são demasiado importantes, mas podemos usar robôs professores para os mais jovens.
– No passado, eles fracassaram – Pedro.
– Sim, mas sei os motivos – insistiu o jovem cientista. – Em primeiro lugar, os robôs não tinham humanidade. Seria necessário criar robôs com alguma empatia com crianças. Hoje, isso é fácil de fazer. A compreensão das crianças e a interação. O segundo motivo foi a desconfiança. Há quatrocentos anos, as coisas eram muito diferentes.
– Faz sentido, continue.
– Eu acredito que, para a Terra, isso é o começo, embora haja mais necessidades futuras – respondeu, pensativo. – Por outro lado, as ex-colônias dentro desta galáxia estão caindo na barbárie. Vi todo um mundo escravo do vizinho; vi outro mundo onde as mulheres são soberanas absolutas e a vida humana nada vale; e vi um terceiro mundo lindo, maravilhoso, mas governado por um ditador. Os planos para esses mundos, dependem de mais ajuda, em especial a sua.
– Não possuo informações sobre esses mundos – disse o Basilisco. – E em função da distância é difícil ter dados atualizados.
– Isso é passado. Eu, a Luana e uma cientista do centro desenvolvemos um comunicador ultra-luz. Se posso mandar voz, posso mandar vídeo e dados. O protótipo funcionou e é questão de tempo para criar em série.
– Explique uma coisa que não ficou clara, jovem – pediu o Basilisco, falando devagar, como se armasse uma armadilha. – Por que motivo disse "esta galáxia"?
– Você já ouviu falar na grande guerra há duzentos e cinquenta anos, aproximadamente?
– Óbvio que sim. – O cérebro pulsou emitindo um brilho mais forte e parecendo que crescia. – Eu sei toda a história da humanidade e fui criado logo depois desse período.
– Nem toda. Lembre-se que parte dela foi distorcida – argumentou o jovem cientista, decidido. – A Terra exterminou a vida em um mundo das Nuvens de Magalhães, tudo porque eles decretaram independência. O outro mundo colonizado nessa galáxia continuou a guerra até que destruiu a frota da Terra e obrigou todos os Galácticos a nunca mais aparecerem lá sob pena de prisão perpétua.
– Bem isso, não é muito diferente do que eu sei – disse a máquina em um tom que parecia triunfo. – O que isso tem a ver?
– Estive lá, Basilisco – argumentou Pedro. – Conheci os terranos e fui aprisionado por eles, mas fui muito bem tratado. São civilizados, livres, sem ditaduras e pessoas maravilhosas. Depois que viram que sou diferente dos terráqueos de antigamente, fui solto e ficamos amigos. Eles não querem contato com a Terra e a Galáxia, mas sei que ajudariam se eu pedisse. Lembre-se que são tão humanos quanto nós e não foram os culpados da guerra.
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