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O homem de quase cinquenta anos estava focado. Focado em seu celular, focado na minha carreira, focado em mim.
Meu pai e eu somos completamente o oposto, desde sempre. Gostos, estilos, personalidades são apenas exemplos da nossa completa contradição.
A única coisa que sempre nos uniu foi e continua sendo o futebol americano.
É por isso que ele me apoiou quando sai da faculdade, sabendo que uma oportunidade gigante de entrar em time famoso estava batendo em minha porta.
É por isso que inclusive, meu pai é meu empresário. Ele que cuida da minha carreira e da minha imagem. A realidade é que eu sou aquilo o que ele não teve a oportunidade de se transformar.
Ele vive o sonho dele em mim, por isso cada detalhe, cada momento, cada coisa tem que ser pensada para que nada profissionalmente, me arruine.
Eu não nego que gosto. Futebol sempre foi e sempre será minha eterna paixão, e eu seria um completo filha da puta se pegasse isso.
- Quando voltarão a treinar? - Ele pergunta, deixando o celular de lado.
Eu continuo a comer meu almoço, sentindo bastante fome.
- Provavelmente em um mês - respondo
- Vai ficar na cidade durante esse tempo?
- Não sei.
- Se eu fosse você filho, aproveitava esse momento para viajar. Sem festas, sem álcool, sem mulheres. O que menos precisamos agora é de um escândalo.
Eu sorri de lado, acho cômico a imagem de pegador alcoólatra que meu pai tem de mim. Ou seja, é o pai que influência o empresário, que por sinal é chato pra cacete de vez em quando.
- Acho que vou apenas descansar, pai - respondo, com honestidade - Apenas isso.
- Aqui mesmo? - perguntou intrigado
- Sim, aqui mesmo.
- Só por que Seth está aqui? - pergunta, e eu consigo ver o incômodo que passa em seus olhos.
Meu pai sempre achou estúpido a minha amizade e de Seth. Ele acredita que não tem sentindo ser tão próximo de alguém assim, quase como se fosse um irmão.
Ele não fala uma palavra, mas consigo ver. Sempre vi.
- Não, não só por causa do Seth. Por mim também, não tenho nenhum desejo de viajar agora.
- Tudo bem.
Assenti, e continuei comendo
- Vou pra Los Angeles hoje mesmo, talvez volte no fim de semana para a gente almoçar juntos.
- Tá legal - respondo, sentindo meu celular vibrar. Eu não sou o único a pegar o celular, meu pai também pega para atender uma ligação importante.
Ele levanta e se afasta da mesa, me deixando complemente sozinho com a comida e meu celular. No segundo que leio a mensagem do meu amigo, Seth, me sinto um tanto aliviado.
Quero ficar esse tempo aqui tranquilo, na companhia dos meus amigos, e só isso. Ao mesmo tempo que me sinto um pouco envergonhado com a ideia de ficar indo o tempo todo atrás de Seth e sua família.
Eles não se incomodam, eu vejo isso. Mas eu sinto que estou incomodando algum momento importante entre ele e Katherine ou eles e a pequena Claire.
Seth me manda uma mensagem dizendo para ir para a casa dele mais tarde jogar algum jogo estúpido. Eu concordo plenamente, sabendo que agora o resto do meu dia seria tudo, menos entediante.
Quando meu pai voltou a mesa, nos despedimos. Ele vai pegar um avião para Los Angeles em uma hora e meia.
Entretanto, meu pai ou talvez o empresário na ativa exigiu para que eu ficasse longe de qualquer escândalo possível.
Concordei verbalmente, um pouco intrigado por ele exigir isso o tempo todo. Eu não saio bebendo ou criando confusão sempre, isso raramente acontece.
Sai do restaurante, e fui na direção do meu carro. Enquanto eu dirigia eu pude me permitir pela primeira vez em meses admirar a beleza do dia.
Me sinto meio ridículo por pensar assim, mas eu gosto de admirar as coisas. Em algum momento no meu curto trajeto, acabei passando por uma lojinha que eu me lembro bem.
Muito bem.
É uma lojinha de diversas coisas. Doces, brinquedos, objetos úteis para casa, e alguns até inúteis, na minha opinião, mas eu nunca falaria isso para a dona do lugar. Ela arrancaria meu pescoço fora.
Mas o que me chama atenção dessa loja nunca foi as coisas que nela vendem, e sim a garota que ficava atendendo, apenas para ajudar a vizinha idosa com seu estabelecimento.
A idosa não tinha família. Apenas um marido que morreu há dez anos, provavelmente. Juntos eles abriram essa loja na nossa pequena cidade quando eram mais novos, e quando ele se foi, ela ficou sozinha com o lugar.
Megan se oferecia para ajudar ela sempre que chegava do colégio, não queria dinheiro em troca nem nada do tipo, apenas ajudar.
Eu sei que é completamente impossível, hoje, anos mais tarde, Megan estar dentro daquela loja novamente.
Mas isso não me impediu de parar o carro do outro lado da rua, atravessar e tentar olhar através da janela.
Parece que meu maldito corpo tem vida propria. Eu não sei o que realmente quero ver aqui, ao mesmo tempo que sei que meu maior desejo é ver aqueles cabelos castanhos novamente, dessa vez mais perto.
Hoje mais cedo quando a vi rapidamente, eu senti. Senti o que não devia, e me xinguei por todos os nomes possíveis por permitir que meu corpo sentisse essa merda toda novamente.
Por que meu coração estava disparado? por que minha mente gritava um único só nome? por que meu corpo ansiava em chegar perto dela?
As perguntas que fiz para aquele momento se enquadram aqui, agora.
Por que parei o carro nessa rua? por que meu corpo anseia para que eu coloque a mão na maçaneta e entre na loja? por que mesmo sendo 1% entre 100% de chance de vê-la aqui novamente, eu torço para que esse 1% vença?
Foi então que fiz o que não deveria ter feito, eu abri a porta e entrei.
O sino em cima da porta denunciando a minha chegada. Minhas mãos começaram a soar e eu tive que enfia-las no bolso da frente da calça para que ninguém visse.
A loja não estava vazia. Tinha três pessoas admirando as coisas, inclusive uma criança segurando um carro de brinquedo e pedindo para sua mãe comprar, a mãe em contrapartida, estava ocupada observando acessórios de cozinha.
- Já disse que não! - ela disse para o filho que choramingava.
De longe eu vi uma senhora. Cabelos brancos, baixinha, de óculos. Eu a reconheço, sua expressão simpática e o que deixa esse lugar tão receptivo.
- Posso ajudar? - eu ouvi atrás de mim
E foi só essa frase sair de seus lábios (que eu nem precisei olhar para confirmar quem era) que fez a porra do meu maldito coração disparar de novo.
Eu virei para trás, fazendo-a arregalar os olhos em reconhecimento. Ela deu um passo automaticamente para trás, e eu fiz o mesmo.
Como pode ser sempre, incrivelmente tão bonita?
Os cabelos escuros descendo em direção aos seus seios. Os olhos do mesmo tom brilhando em reconhecimento, e um sentimento que talvez eu não conseguia descrever.
Não conseguia descrever porquê o mesmo sentimento também estava estampado em meu olhar.
- Posso ajudar o senhor? - ela perguntou erguendo o queixo.
Senhor. isso me faz querer rir.
- Qual a graça, senhor?
Ela sabe qual a graça, mas essa é a Megan que me lembro. Sempre provocando.
- Nenhuma, senhora.
- Hum - cruzou os braços olhando fundo em meus olhos. Será que ela me viu hoje de manhã? ser a que sabia que da minha chegada a cidade? - Está interessado em algum objeto?
- Não.
- Brinquedo?
- Não.
- Uma pena, temos uma ótima sessão de brinquedos infantis.
- Que bom saber que vocês não vendem brinquedos de adultos. - Eu digo, ela estreita os olhos
- Uma pena mesmo.
- Você compraria? - pergunto
- E isso te interessa, senhor?
- Só curiosidade, senhora.
- Hum - ela fez de novo, e apertou seus braços cruzados um no outro. Ela está mexida comigo, assim como estou com ela.
- Como você está? - perguntei
- Duvido que isso te interessa.
- Tem razão, não interessa.
- Então por que perguntou?
- Por educação.
- Até parece que é educado.
- Eu sou, bastante. - abri um sorriso, cínico
- Olha meu caro, senhor - coçou a garganta - Se você não encontrou nada em nossa loja tem outra no final da rua.
- Está me expulsando? Cadê suas cordialidade de funcionária?
- Enfiei no meu...
- Megan querida - ouvimos, e quando noto, é a dona da loja. - Fale um pouco mais baixo.
- Desculpe.
A senhora virou pra mim e me olhou de cima a baixo
- Você não está nada mal, meu bem - disse ela
- Quanto tempo, senhora Gonzaga.
- Pra você é senhora Gonzaga Robério
Abri um sorriso divertido
- E nem abra esse sorriso de adolescente safado pra mim, eu estou bastante chateada com você.
- Por quê?
- Por que toda maldita vez que vem na cidade evita vir aqui pra não ver Megan.
Eu não sei como ainda fico impressionado com a capacidade dessa senhora - que sempre teve, inclusive - de falar as coisas sem rodeios.
- E você Megan, recompanha-se, nem parece a menina que quase caiu há cinco minutos quando viu ele entrando.
- Eu não ia caindo...
- Não, você ia se escondendo - disse revirando os olhos - Jovens e suas frescuras.
- Alguém pode me ajudar aqui por favor? - Uma outra senhora chama, e senhora Gonzaga se afasta para ir atender.
- Então quer dizer que você estava se escondendo de mim? - pergunto
- Como se você não fizesse isso.
- Não faço- dei de ombros
- Vá embora de uma vez, Dylan.
- Achei que para você era senhor.
- Que se dane esse senhor.
- Megan, tem crianças por perto meu amor.
- seu o quê? você é muito cara de pau!
- Olha as crianças.
- Cara de pau é palavrão, Dylan? em que lugar?
- Cara não, mas o pau, pode ser outra coisa.
Ela negou com a cabeça, incansáveis vezes. Então eu me lembro.
Me lembro o porque sempre evito entrar ou estar nos mesmos lugares que ela. Por causa disso.
Eu gosto de cada segundo que estou na sua companhia. Não deveria, porquê Megan partiu meu coração.
- Eu vou levar esse, boneco estranho pra Claire - digo pegando um boneco qualquer
- Ela já tem um.
- Então vou levar aquele ali - Pego outro
- Ela também já tem. Eu sempre levo algo pra ela quando a vejo.
- Então vou apenas levar minha presença, porque padrinho melhor ela nunca vai encontrar.
- Claro que não - Megan disse, com ironia. Eu fiquei olhando pra ela.
Eu sei que tenho que ir embora, sei que devo ir embora, mas minhas pernas não se mexem. Eu só quero ficar aqui olhando ela de perto, mais um pouco.
- Queria poder dizer que é bom te ver - Digo um tempo depois.
- Mas não é. - Ela completa, seus olhos petrificados nos meus.
- Não é. - Digo mesmo
Ela assente e da um passo para o lado
- Vá na loja do fim da rua, talvez você encontre o que precisa.
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