Capítulo 34

Point of view — Any Gabrielly

Permita-se começar novamente.

Sinto minha garganta se mover ao engolir a seco pela terceira vez desde o momento que cheguei em minha casa, meus pais estão sentados lado a lado e suas mãos estão unidas mostrando todo amor e respeito que eles têm um pelo outro a tantos anos.

Eu os evitei até hoje por que não queria ter que lidar com o drama que certamente iria fazer por estar tão triste, principalmente naqueles dias que descobri a traição. Também não queria ouvir meu pai dizer aos quatros ventos que ele me avisou sobre o Benjamin e muito menos ter que ver pena no olhar de minha mãe, mas agora é inevitável e é a última página deste caderno que preciso arrancar para assim então por uma pedra sobre meu passado.

Noah está sentado totalmente à vontade, porém seu rosto contém a seriedade de sempre principalmente quando está perto de pessoas desconhecidas, ele não deixa expressão alguma em seu rosto a fim de evitar qualquer contato que seja.

Meu pai pigarrea chamando minha atenção.

— Como você está, Any? — Olho para o senhor de quase cinquenta anos, cruzo minhas pernas e então umedeço meus lábios, sei que meu pai se refere a tudo que eu passei nos últimos dias, não serei ingênua achando que meu pai não sabe o que aconteceu entre Blair, Benjamin e eu.

— Acredite estive pior… muito pior, mas hoje já não dói tanto como nos primeiros dias. Descobri que eu posso viver sem o Benjamin, coisa que antes eu pensava que não.

Sem que eu possa me conter, olho para o Noah com ternura, ele foi um baluarte em minha vida, mesmo com tanta dor, ao seu lado, me senti absolutamente segura.

— Eu nunca gostei daquele cara, para mim ele só queria tirar vantagem de você. — meu pai me olha dentro dos olhos — Any, mesmo te amando com todo meu coração minha pequena, não vou ser hipócrita e mentir ao dizer que estou triste com o que aconteceu, dói em mim saber que você sofreu por um traste que não te merece, contudo é um alívio saber que você está livre dele e não vai perder mais anos de sua vida com um marginal como ele. Aquele menino tem algo escondido, mas agora não me importa mais, você não está mais nas garras dele.

Abaixo minha cabeça envergonhada, é horrível estar diante de seus pais por estar com seu coração esmagado e ter que confessar como se sente.

O amor realmente nos cega e nos faz enxergar apenas o que queremos ver. Talvez, só talvez, eu quisesse tanto que desse certo que apenas ignorei o que estava bem na minha frente e menti para mim mesma dizendo que estava tudo bem. Ou quem sabe, eu seja realmente boba como meu pai disse tantas vezes que tenho dado o meu melhor a alguém que apenas queria tirar vantagem de mim.  

Mas agora não importa mais.

— Eu fui tão burra! Eu, com minha idade e experiência, deveria ter percebido quem era seu namorado, eu estava tão encantada com ele que o venerava. — Mamãe fala e a culpa é bem nítida em sua voz.

Ela não tem culpa, Benjamin enganou a todos, menos papai e o Noah, e eu preciso deixar isso claro para ela.

— Mãe a senhora não tem culpa. Ele realmente enganou a nós duas. Não tinha como a senhora saber, ele sempre foi um perfeito cavalheiro e lhe encantou. Qual mãe não quer ver a filha apaixonada, feliz e com um homem que aparentemente parecia ser tudo de bom? — Olho para Noah que revira os olhos, ele odeia o Benjamin e não suporta a ideia de ver que eu o adorava, contudo eu preciso mostrar a minha mãe que se tem um culpado nesta história toda é o Benjamin e não ela.

— Você foi inocente como eu, mas já passou, eu estou ficando bem, todos vamos ficar bem.

Ela me olha e estende sua mão apertando meus dedos num gesto de carinho e solidariedade. Meu pai coça as sobrancelhas e me olha atentamente.

— E agora o que você vai fazer, minha filha?

Recordo-me que não contei sobre minha mudança de curso, gastronomia é o que eu quero fazer, é o que amo e sei que é lá que irei crescer profissionalmente.

— Eu vou seguir em frente. Acabei tomando algumas decisões e, entre elas está a mudança do meu curso na faculdade.

Meus pais se olham, mas não emitem comentário algum, o que me dá um enorme alívio. Temia meu pai me achar inconsequente mais uma vez, por ter perdido tempo e dinheiro em um curso que não tinha nada a ver comigo. Mesmo sendo uma desculpa esfarrapada, eu estava indecisa, estava apenas com dezoito anos e desesperada por não saber o que seria do meu futuro, até crises de pânico eu tinha e então fui na onda de Blair, porém nunca é tarde para fazermos acertos, não é mesmo?

Mais uma vez olho meus pais, voltando a sua pergunta sobre o que será de minha vida agora.

— O resto vou resolvendo conforme aparece, mas dessa vez irei resolver tudo com maturidade, chega de quebrar a cara pelos outros. Sei que vou errar mais algumas vezes, é o normal da vida, entretanto agora vou priorizar as minhas vontades e se eu me ferrar que seja pelas minhas escolhas e não as dos outros.

Meu pai sorri satisfeito e minha mãe apenas aperta um pouco minha mão que ainda não havíamos soltado.

— Blair não mora mais nessa casa... — Meu pai solta de uma vez.

A surpresa é visível em meu rosto, sei que gritei nesta casa que a queria fora daqui, mas saber que meus pais me apoiaram sendo que Blair era como uma filha para eles me faz sentir mal. Não deve ter sido fácil ficar entre nós duas e ter que tomar essa decisão.

— Eu sei, pai. Sei que é difícil para vocês, mas eu não suportaria conviver com ela. — falo a verdade, e os dois assentem em uníssono.

— Sabemos e por isso pedimos que seguisse seu caminho. Eu a amo e muito, o mesmo acontece com sua mãe, contudo foi decepcionante o que ela fez a você. Você é a nossa princesa e jamais deixaríamos que alguém te machucasse. — Meu pai olha para o Noah que está distraído jogando em seu celular — Dessa vez é Blair que precisa crescer e não vai ser fazendo pessoas que ela ama de escada que vai conseguir, por isso conversei com Amélia e em total acordo decidimos que a mesada que dávamos a Blair fosse cortada, assim como a faculdade, contudo conversei com o corpo financeiro da sua faculdade e consegui uma bolsa para ela, para que Blair possa se formar, agora a decisão é dela se quer continuar ou não. Não tem mais regalia para ela. Blair está trabalhando em uma lanchonete e morando na antiga casa de sua mãe.

Concordo com um aceno, não consigo sentir pena, ela tinha

tudo nas mãos e quem jogou para o alto foi ela mesma.

Estamos nos olhando e, sei que meu pai quer me encher de perguntas, mas neste momento Amélia, nossa cozinheira, surge e pergunta se queremos algo para beber. Meu pai pede chá gelado e ela se retira.

Noah ainda está calado e olhando em sua direção tomo uma decisão. Caminho atrás da pequena senhora que esteve nessa casa por tantos anos e por quem tenho muito apreço. Alcanço-a já na porta da cozinha e, com cuidado seguro seu braço.

— Quero me desculpar por ter feito algumas coisas na sua frente. A senhora não merecia ouvir as coisas que sua filha fez. Lamento por tudo isso.

Eu gosto muito de Amélia e seria uma tolice culpá-la ou odiá-la por algo que estava fora de seu alcance.

— Não, menina Any, eu lamento tudo que ela fez. Seu pai sempre cuidou de nós e a ela deu tudo que poderia. Eu não consegui educá-la de forma certa. Falhei como mãe...

Meu coração se aperta, quando percebo que ela desvia o olhar, não consigo imaginar a dor que ela esteja sentindo.

— Não. A decisão de ficar com Benjamin foi tomada por ela e a senhora não pode se culpar.

Ela tem lágrimas nos olhos, mas concorda comigo. Dou um sorriso e a abraço com carinho quando vejo que um sorriso é pouco para quem está sofrendo. Eu cresci com essa mulher ao meu lado, e através dela descobri minha paixão por cozinhar. Estou a ponto de retornar para a sala quando meu pai aparecesse.

— Any, sei que está num momento difícil, mas precisamos conversar sobre o divórcio.

Ao ouvir aquelas palavras um calafrio sobe por minha coluna e sinto um aperto no coração. Não consigo responder e sinto que vou desmoronar.

Perdi o Benjamim e agora vou perder o Noah?

Não consigo lidar com isso agora.

Não! Eu preciso ignorar isso. Fingir que não ouvi o que ele disse, essa decisão só eu posso tomar.

Passo por meu pai e subo as escadas rapidamente. Ao fechar a porta do meu quarto, deixo para fora a informação de que preciso decidir minha vida. A dor me rasga e as lágrimas se acumulam em meus olhos.

Eu posso perder tudo, mas não o Noah.

De repente um enxame de lembranças me assalta. O dia que acordei do seu lado em Vegas, descobri que tínhamos casado, a decisão de meu pai de manter o casamento, a vida a seu lado, Ariel e seu amor pela pequena. Os segredos de sua vida, a forma como ele não deixa ninguém se aproximar a não ser quem ele se importa. Noah e sua forma de ver e lidar com os problemas e, principalmente, a loucura que sinto de não deixá-lo. Não agora. Não nesse dia.

A dor me rasga, choro por saber que meu pai tem razão, lá no fundo eu sei que ele está certo, mas não quero, pois Noah se tornou importante demais para mim. Deixá-lo agora e o divórcio significaria sair de sua casa e do seu lado para sempre.

Point of view — Noah Urrea

Ficando na sala com seus pais, Any me deixou, ligeiramente desconfortável. Seu pai pede licença e sai minutos depois, sinto o olhar da mãe de Any em mim, ela não se atreve a falar nada o que deixa o ambiente ainda pior, não que eu queira falar com uma estranha, não suporto ficar de conversinhas com alguém que não conheço, isso não me agrada, mas ser alvo de análise de alguém também não é a melhor sensação, é demais quando essa análise vêm da família da bonequinha de plástico, de repente me pego me ajeitando no sofá discretamente, o porquê disso eu não consigo entender, jamais me importei com a opinião alheia.

Olho para o relógio e vejo que está na hora de irmos, melhor dizendo, eu quero vazar daqui, não suporto mais essa porra e o assunto Benjamin já deu, aquele palerma não merece ter seu nome citado por mais ninguém, ele precisa cair no esquecimento e que vá se foder sozinho.

Tenho vontade de fumar e com essa vontade resolvo levantar-me, dou um leve sorriso, quase forçado para a mulher esbelta e saio em direção a cozinha. Ali vejo o pai da Any questioná-la sobre a anulação do casamento e sua reação me faz dar um passo para trás.

Ela não retruca, não agradece, não responde, não fala absolutamente nada. Sua saída em direção ao andar superior é feita de forma rápida e silenciosa, mas vejo dor em sua expressão.

Dor essa que me atinge também e me faz me aproximar de seu pai.

— Desculpe senhor, mas ouvi o que disse a Any e gostaria de deixar claro que o nosso casamento ou divórcio, só diz respeito a nós. Sei que o senhor está preocupado, mas lhe garanto que quando o momento chegar vamos decidir o que fazer. Até lá tente deixar que Any faça suas escolhas.

Pronto. Ali estava eu olhando com certa raiva para o pai da bonequinha de plástico e enfrentando suas ideias. Mas que merda está acontecendo comigo? Logo atrás a mãe da Blair está sorrindo e é esse sorriso que me faz voltar em meus passos e subir as escadas até achar a porta do quarto de Any, quarto que estive apenas uma vez e parece que foi a tanto tempo, tenho até cisma que possa estar errando o local.

Bato e escuto uma fungada, não errei como cheguei a cogitar.

— Any? Sou eu, Noah, abra. Por favor. — Não sei de onde saiu tanta paciência e educação, mas eu cansei de a tratar com tanta aspereza, ela já não é aquela mimada do caralho e se mostrou ser alguém divertida.

Estava preparado para ficar ali a noite toda, mas escuto o som da chave e logo seu rosto surge e algo dentro de mim se encanta. Mesmo sabendo que não devo, entro e aperto seu corpo em meus braços.

— Não precisa pensar em nada disso agora. Sei que devíamos resolver, mas vou esperar você estar pronta. Você está lidando com muita coisa no momento.

Seus braços me apertam e ela fala abafado.

— Meu pai está certo, devíamos decidir logo o que fazer...

— Seu pai não tem esse direito. Essa decisão é nossa. Ele já está ciente disso.

Seu olhar de espanto vasculha meu rosto, só que prefiro mudar de assunto:

— Estava pensando em sair para comer algo. O que acha?

Ela ri e seu riso chega a vibrar em meu peito.

— Tudo bem, caipira, vamos comer algo antes que essa lombriga te engula e sinceramente é melhor do que ficar aqui, eu não me sinto em casa.

Suas bochechas ganham uma coloração avermelhada e ela caminha até o banheiro, quando vejo que ela não está me observando sorrio grandemente por saber que ela gosta do trailer e que já não se sente tão à vontade no luxo que cresceu, olho o quarto lilás e finalmente vejo a tal parede cheia de bonecas da Barbie. Any tinha razão Ariel surtaria nesse quarto.

Minutos depois Any vem em minha direção, vamos para a sala e após uma despedida rápida estamos a caminho da lanchonete em que costumo comer em meus antigos dias solitários.

Any está ao meu lado calada. Deixo-a se acostumar com tudo e quando paro o carro, aponto para o local.

— Simples, mas tem as melhores panquecas e waffles deste estado.

Ao entrarmos vejo Brandon e Ricardo numa mesa, chego tarde, pois Any já está correndo na direção dos amigos e cumprimentando os dois com abraços e beijos. Me sinto bem por ela ter conseguido melhorar.

Depois dos pedidos percebo que a discussão deles é uma festa e Any está falante, comentando sobre alterações e novidades. Olho em sua direção e um leve sorriso torce meus lábios. Olho para frente e Brandon está me olhando sobre a borda de sua xícara.

 — O que foi, caralho? —  Pergunto irritado por ele não desgrudar os olhos azuis de mim, um sorriso nasce em seu rosto, sua língua estala no céu da boca.

— Nada. — Brandon dá de ombros e toma mais um gole de seu cappuccino.

Penso em levantar e ir até o lado de fora fumar, já estou a horas sem dar um trago e estou ficando com dor de cabeça, mas paro o processo quando Any pega sua bolsa e tira um envelope chiquérrimo lá de dentro e me estende.

— Caipira esqueci de entregar o seu. Agora você está oficialmente convidado para minha festa.

Seu sorriso é largo, lembro que festa é, é a festa que todo ano a bonequinha de plástico faz e todos anseiam serem convidados para seu aniversário, o mesmo que ela sempre fez questão de não me convidar e deixar bem claro que não me queria lá e eu literalmente cagar para isso.

Minha mente grita para recusar, mas quando vejo meus dedos estão segurando o envelope e lendo as informações contidas nele.

— Grande merda. —  Falo apenas para não perder o costume, ela ri e me dá um tapa no ombro e mais uma vez Brandon analisa nós dois, ignoro seu olhar e guardo no bolso da jaqueta deixando sua euforia me contagiar.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top