Capitulo 03 - 1070 Milhas

Jamie

Eu demorei para conseguir dormir e tive uma péssima noite naquela poltrona. Aquela era apenas mais uma noite horrível, em uma semana horrível depois de um mês horrível. 

Nos últimos anos estava tudo certo em minha vida, minha carreira estava em ascensão, eu tinha finalmente pedido Meilin, minha namorada, em casamento. Estávamos planejando os últimos detalhes para o grande dia, e tínhamos conseguido comprar nossa casa dos sonhos faziam dois meses.

Foi quando tudo começou a desmoronar. Na última semana, uma série de ações que eu havia indicado para alguns clientes despencaram, fazendo com que perdessem muito dinheiro. Meus chefes não foram muito clementes ao descobrirem minha falha, e há dois dias eu perdi meu emprego com a promessa de que nunca mais conseguiria trabalho algum na área.

E Meilin, assim que descobriu o que aconteceu, gentilmente me avisou que talvez fosse melhor que déssemos um tempo em nosso relacionamento, já que ela não tinha cabeça para lidar com tanto drama em sua vida e também decidiu assumir sozinha as prestações da casa. Então resumindo, eu fui de um homem com a vida perfeita a desempregado, solteiro e basicamente sem teto, em menos de uma semana.

E eu ainda pensava que essa viagem seria uma boa forma de distração.

Eu olhei para o lado, encontrando Summer de olhos fechados, fones de ouvido e a cabeça encostada no vidro. Eu sabia que ela não estava dormindo, mas ainda estava irritada para falar comigo.

Summer é muito bonita, tão bonita que inicialmente não acreditei que ela pudesse estar puxando assunto comigo. Mas tudo o que ela tinha em beleza era equivalente em loucura. 

Meu celular voltou a vibrar em meu bolso, eu o alcancei enquanto uma mulher empurrava um carrinho com itens para o café da manhã pelo corredor do trem. Eu balancei Summer ligeiramente pelo ombro para chamar sua atenção, ela deve estar com fome.

— O que foi? — ela perguntou mal-humorada abrindo os olhos.

— Você vai querer tomar café da manhã? — eu ignorei seu tom, sabendo que em partes eu merecia todo aquele mau-humor.

Sugerir que sua carreira era uma piada por conta do tipo de filme que ela participou, e ainda pegar no pé dela pela história dos filmes pornô foi uma maldade. Mas talvez fosse melhor que não nos aproximássemos muito.  A minha vida esta uma bagunça no momento, e eu não gostaria de arrumar mais nenhum problema. E ela parecia ser a personificação da palavra problema.

— Eu posso comer alguma coisa - ela respondeu de mau-grado.

—  Eu já te pedi desculpa.

— Na verdade, não pediu — ela fez sinal para a mulher — e nós não estamos conversando.

De todas as pessoas que eu poderia ter convidado para percorrer aquele trajeto comigo, eu escolhi justo ela.

— Como queira — eu murmurei de volta, recebendo mais uma mensagem em meu celular.

Aquilo não parava desde que fui demitido. Pessoas prestando suas condolências por minha carreira encerrada precocemente, na verdade, aquilo servia apenas de disfarce para quem queria saciar a curiosidade com detalhes sobre o que aconteceu.

Minha surpresa foi desbloquear o aparelho e encontrar uma mensagem de minha ex noiva.

"Eu preciso que você tire seus pertences da casa até o fim de semana."

Soltei uma risada forçada ao ler aquilo. Fazia apenas dois dias e ela já não via a hora de se livrar de mim.

Summer me lançou um olhar engraçado antes de pegar uma embalagem do que quer que houvesse comprado com a vendedora e se levantou.

Eu a observei se afastar pelo corredor do trem e trocar de vagão, provavelmente decidindo esticar um pouco as pernas. Eu mesmo estava quase fazendo isso.

"Esse fim de semana é impossível."

Eu respirei fundo. Aquele era mesmo o fim. Não tinha mais nenhuma chance de reconciliação depois de tudo isso, não que eu esperasse uma reconciliação.

O que minha mãe falaria de toda essa confusão que eu me meti? Ela ama se gabar para todos que seu filho é bem-sucedido, e estava animada com o casamento.

Eu chequei o horário, nós chegaríamos a Budapeste em duas horas. Um trem partiria para Viena logo após o almoço, aquele parecia ser o melhor trajeto para podermos chegar até Londres em algum momento. Eu só espero que Summer não dificulte ainda mais nossa situação.

Já faziam alguns minutos que ela desaparecera no final do vagão, então decidi segui-la para perguntar se deveria comprar ou não sua passagem no próximo trem.

Eu mudei de vagão, observando o ambiente cheio, mas, nenhum sinal dela. Caminhei pelo corredor entre as poltronas, notando um casal discutindo em um dos assentos.

Passei por eles sem dar muita atenção, seguindo para a área reservada para os sanitários no fim do vagão. Fui surpreendido ao atravessar a divisória e encontrar Summer parada junto à porta do banheiro feminino. Ela deu um pequeno pulo ao me ver, mas seu olhar logo se tornou aliviado.

— O que você está fazendo aqui? — ela balbuciou, voltando a olhar para a porta que nos levaria de volta ao vagão.

— Nós vamos chegar a Budapeste em breve. Eu vim avisar que encontrei um trem até Viena que partirá logo após o almoço.

— E você está me falando isso por quê? — ela murmurou me contornando para ir até à porta da divisória, fazendo com que eu ficasse entre ela e a entrada do banheiro.

— Tudo bem Summer, eu sei que você ficou brava comigo, mas nós literalmente estamos cruzando um continente juntos. Eu sinto muito pela história de filmes pornô, nós podemos recomeçar? — eu respirei fundo.

Summer soltou uma exclamação de surpresa ao olhar pela pequena janela na porta para dentro do vagão, se virando para mim com os olhos arregalados.

— Tudo bem, mas me dá licença — ela se apressou em minha direção.

— Como?

Eu não compreendi o que estava acontecendo, e minha surpresa apenas aumentou quando ela usou toda sua força, para me empurrar para dentro do pequeno banheiro, nos trancando lá em seguida.

— Essa foi por pouco — ela suspirou, parecendo não notar o quanto estávamos próximos.

Aquele espaço definitivamente não foi feito para duas pessoas. Mal parecia ter sido projetado para uma.

Eu estava encostado na janela, poucos centímetros separavam o meu corpo do de Summer, que continuava de costas para mim, com a mão segurando o trinco da porta com firmeza.

— O que está acontecendo? — eu a interroguei, tentando conseguir um espaço ali.

— Eu fiz uma besteira mais cedo — ela gemeu, encostando a testa na porta antes de se virar de frente para mim, com certa dificuldade — eu encontrei uma garota que conheci no início do mês em uma despedida de solteira. Ela era muito divertida e foi quem mais aproveitou o stripper.

Eu ergui ambas as sobrancelhas para ela, lhe lançando um olhar questionador.

— O que foi? Você nunca foi em um strip club? Não sabe o que está perdendo — ela me provocou — se tivéssemos mais tempo, eu resolveria isso.

Eu respirei fundo, tentando não permitir que minha mente seguisse por aquele caminho.

— E eu me ofereci para te levar em um strip club, não para fazer um strip pra você, acho que é bom deixar isso claro — ela divagou.

— Summer, eu já fui em um strip club, podemos manter o foco?

— Desculpa.

— O que essa garota tem a ver com o fato de estarmos escondidos no banheiro? 

— Eu a encontrei, ela estava na classe econômica e relembrei ela praticamente de todos os detalhes daquela noite. Eu não sabia que a despedida de solteira era dela, e que o atual marido estava sentado do lado.

Eu apertei a ponte do nariz ao compreender o que havia acontecido, não conseguindo conter um pequeno sorriso. Ela deve se colocar nas piores situações por não pensar antes de falar.

— Eu suponho que ele não soubesse de nada disso — eu a encarei, me lembrando do casal que discutia momentos atrás.

— Eu basicamente causei um divórcio — ela gemeu — acabei fugindo para o lado errado porque a porta para o nosso vagão estava bloqueada. E estou evitando encontrá-la.

— Então, nós acabamos no banheiro.

— Ela estava vindo, e não parecia feliz — Summer explicou.

Talvez viajar com ela seja uma experiência interessante no meio do caos que tomou minha vida nessa semana.

— Tudo bem, ela já deve ter ido, podemos sair? 

Ela me deu um sorriso sem graça, parecendo finalmente notar o quanto estávamos próximos. Sem dizer nada, se virou de volta para a porta, tentando abri-la.

— Tá travada — Summer murmurou após algumas tentativas frustradas.

— Como assim? É só girar o trinco — eu me aproximei, sentindo seu corpo colado ao meu, na tentativa de ver o que ela estava fazendo de errado.

— Não está girando, está travado! 

— Summer, isso não tem graça — eu murmurei me sentindo cada vez mais desconfortável naquele espaço.

— Eu por acaso estou rindo? — ela me olhou por sobre o ombro com uma carranca — o trinco travou, não está abrindo!

Aquilo só podia ser uma piada de péssimo gosto. Nós não podemos ficar trancados aqui!

— Me deixa tentar — eu pedi.

— Por quê?  Você tem mais habilidade do que eu para abrir um trinco? — ela me lançou um olhar atravessado.

— Não, mas te garanto que tenho mais força que você — eu devolvi com impaciência.

Ela me lançou um olhar feio antes de tentar trocar de lugar comigo, mas sua tentativa e o pouco espaço que nos cercava acabaram transformando aquilo em uma espécie de dança desajeitada e mais íntima do que qualquer um dos dois esperava.

Summer praticamente subiu no vaso sanitário tentando chegar até o espaço que eu ocupava segundos antes, enquanto eu dava um passo em direção a porta. Porém, um solavanco no trem fez com que ela se desequilibrasse e caísse em cima de mim, eu me esforcei para segurá-la, batendo minhas costas na parede, enquanto mantinha seu corpo colado ao meu dessa vez.

Summer ergueu o rosto em direção ao meu, com uma expressão surpresa estampada ali. Meu coração batia com força em meu peito, ainda mais com a situação em que nos encontrávamos.

— hey, olha essa mão — Summer piscou atordoada, parecendo sair de um estado de torpor, me fazendo perceber que minha mão estava na parte posterior de sua coxa, que estava ainda erguida em um ângulo pouco favorável, ou muito, dependendo do ponto de vista, fazendo com que nossos corpos se encaixassem perfeitamente.

Se eu subisse um pouco minha mão, eu alcançaria sua bunda.

— Eu estava te impedindo de cair — eu expliquei a soltando, aproveitando que conseguimos inverter nossas posições.

— Como se tivesse espaço suficiente para isso — ela murmurou, corando de leve.

— Tudo bem, então eu amorteci sua queda — eu me inclinei em sua direção, a provocando — eu vou nos tirar daqui.

Eu me virei para a porta, passando a mexer no trinco, tentando em vão destrancá-lo 

— Vai demorar?

— Calma 

— Eu não estou gostando de ficar aqui.

— Deveria ter pensado em outro lugar para se esconder então — eu devolvi com certa rispidez ao notar que não conseguia abrir.

Ok, tem que ter alguma maneira de conseguir sair daqui. O trinco não se moveu um milímetro sequer, começando a me irritar. Eu fechei o punho e bati perto do trinco, na esperança que o impacto ajudasse.

— Sério, você vai tentar abrir a porta com um soco? — Summer criticou.

— Você tem uma ideia melhor? Como você não sabia quem era a noiva da despedida de solteira? 

— Eu fui apenas para acompanhar minha amiga, não a conhecia — ela se defendeu.

— Eu não consigo abrir!

Eu respirei fundo, pensando no que eu poderia fazer para nos tirar dali. Eu nem tinha espaço o suficiente para tentar arrombar a porta!

— A gente tá preso aqui de verdade? — ouvi um certo desespero na voz da garota.

Eu me virei em sua direção, sua pele bronzeada e vívida havia adquirido um aspecto pálido e atônito, me preocupando um pouco.

— Eu não consigo respirar — ela balbuciou olhando em volta.

Era só isso o que faltava.

— Summer, agora não é hora de ter uma crise de claustrofobia — eu pontuei devagar.

— Não tem espaço pra nós dois aqui!

— Eu sei que não, mas se você desmaiar, o espaço vai ficar ainda menor! E vai ser ainda mais difícil explicar o que eu estou fazendo preso no banheiro com uma mulher desacordada — eu a encarei enquanto ela olhava em volta em busca de alguma saída mágica.

Meu celular começou a tocar, eu o apanhei e o atendi, ainda com o olhar fixo na mulher que tentava normalizar a respiração.

— Burton.

— É assim que você me atende agora? — a voz de minha ex soou em mandarim do outro lado da linha.

— Meilin? 

Mas minha atenção logo retornou para Summer, que olhava em volta parecendo ainda mais pálida e ofegante.

Deus, que ela não desmaie aqui.

— Sim, Meilin. Que resposta ridícula foi...

— Mas que droga..

— Você está com uma mulher? Quem é essa com você? — minha ex ergueu um pouco a voz em surpresa.

— Eu te ligo depois — eu avisei encerrando a chamada.

— Por que você não tenta se sentar?

— Porque não tem espaço — ela fechou os olhos, respirando fundo.

Em um movimento desajeitado, eu tentei trocar de lugar com ela novamente, procurando deixá-la acessar a pia.

— Tenta molhar o rosto — eu instruí.

Mais um solavanco no trem enquanto trocávamos de posição, nos colocou em outra situação constrangedora.

— Mas que droga, agora você está se aproveitando da situação! — Summer ergueu a voz enquanto eu tentava me desvencilhar dela.

Eu acertei a cabeça na porta, me sentindo mais irritado a cada segundo que passava confinado ali.

— Tira sua perna daqui — ela pediu.

— Eu conseguiria, se você se mexesse melhor — eu devolvi irritado.

— Ok, desculpe se não sou uma especialista no assunto — Summer reclamou — eu quero sair daqui!

Tudo bem, eu preciso nos tirar desse cubículo, de uma forma ou de outra.

— Sobe no vaso, eu preciso de espaço — eu murmurei.

— O que você vai fazer? — ela perguntou, apesar de seguir minha instrução.

Eu não respondi, me limitei a tomar o pouco de impulso que o espaço permitia antes de jogar meu corpo contra a porta, na tentativa de arrombá-la.

Não tive muito sucesso, mas não desisti, tomando impulso outra vez.

— Isso! Vai com mais força! — Summer me incentivou enquanto eu me chocava novamente contra a porta.

Eu estava prestes a realizar uma nova tentativa quando uma batida irritada soou do outro lado.

— Isso! Vão tirar a gente daqui! — Summer exclamou extasiada.

— Hey, tem crianças aqui ouvindo vocês! — uma voz feminina irritada soou através da porta fechada.

Eu fiquei momentaneamente sem fala, enquanto processava o que ela tinha acabado de dizer.

— Nós estamos presos aqui, precisamos de ajuda — Summer gritou em resposta, sem se preocupar com o que quer que aquela mulher estivesse pensando a nosso respeito.

— Vocês precisam mesmo de ajuda, tenham um pouco de decência e saiam daí — a mulher vociferou do outro lado.

Eu respirei fundo enquanto Summer me encarava boquiaberta, finalmente compreendendo o que se passava na mente das pessoas que estavam ali fora, eu deduzia que era mais do que uma, graças aos sussurros que seguiam a voz da mulher.

— Ela pensa que a gente…

Eu já estava cansado daquela situação. A única coisa que eu queria era chegar a Londres, ficar preso com uma lunática em um banheiro de trem não estava em meus planos, e ainda ter que passar por um constrangimento assim! 

— Nós não conseguimos sair, o trinco emperrou — eu respirei fundo.

— Nós não estamos fazendo nada aqui dentro! — Summer completou.

— Como se fossem acreditar nisso — eu murmurei de volta.

— Mas a gente não estava! — ela declarou com certo desespero na voz.

Eu revirei os olhos e me encostei na pia, esperando que alguém pudesse solucionar nossa situação, e pela movimentação do lado de fora, estavam trabalhando nisso.

Levou cerca de quinze minutos até que a equipe de bordo conseguisse nos tirar dali, e quando abriram a porta, eu não tinha certeza se queria sair.

Parece que toda a classe econômica do trem havia ouvido sobre o casal que acabou preso no banheiro em meio a uma rapidinha e vieram checar. Os olhares que recebemos variavam de divertidos a acusadores. Tudo porque ela não consegue pensar antes de agir!

— Obrigada por nos tirar de lá — Summer murmurou, parecendo constrangida enquanto a pequena aglomeração se dispersava.

— Senhores, espero que saibam que esse tipo de comportamento é completamente inaceitável e incompatível com a política de boa convivência de nossa companhia — o comissário de bordo que nos tirou começou a ralhar.

— Espera, você não acha que a gente estava fazendo alguma coisa ali dentro, não é? — Summer apontou para o banheiro.

— Todos ouviram vocês.

— Isso é ridículo, eu não faria nada assim, nunca! Olha pra ele! Acha mesmo que eu…

O comissário me olhou enquanto eu a encarava com uma sobrancelha erguida. O que aquilo deveria significar? De repente eu não sou uma boa opção para uma rapidinha no banheiro!? Foi ela quem puxou assunto comigo para começo de conversa!

— Olhe pra mim? Eu é que não me trancaria em um banheiro com você nem em um milhão de anos, se você me desse opção! — eu devolvi recebendo um olhar zangado em troca.

— Você..

— Eu não sei o que está acontecendo aqui, mas eu vou levá-los de volta para o lugar de vocês, e espero que permaneçam lá — o comissário avisou antes de nos dar as costas e seguir pelo corredor de volta ao nosso vagão.

Nós o seguimos a contragosto, por minha parte eu não me importaria de manter distância dela o máximo possível. Ela vai acabar me enlouquecendo antes de chegar a Londres! 

Eu avistei a poltrona onde o casal brigava antes, o homem estava olhando pela janela, ignorando completamente a esposa que logo lançou um olhar irritado para Summer, que tentou da melhor maneira ignorá-la.

Foi quando uma ideia — um tanto perversa, confesso — surgiu em minha mente.

— Eu preferia quando estávamos discutindo sobre você ser uma atriz pornô — eu murmurei em bom tom, ao passar ao lado da mulher.

Summer me lançou um olhar chocado, antes de seu rosto começar a ficar vermelho por conta da irritação.

— Eu já disse que não sou uma atriz pornô! Qual é o seu problema!? — ela devolveu indignada enquanto o comissário respirava fundo na tentativa de manter a calma.

— Senhores, por favor, sentem-se — ele pediu — nós chegaremos a Budapeste em breve, nós agradecemos a preferência, mas pedimos que se decidirem refazer o trecho, escolham viajar com a concorrente!

Nós aguardamos o homem se afastar e logo Summer se virou em minha direção.

— Eu não acredito que você…

Eu me limitei a colocar meus fones de ouvido, deliberadamente abafando o som de sua voz. Eu estava farto de loucuras em minha vida naquele momento!

Nós chegamos na estação de Budapeste após alguns minutos, Summer ainda parecia irritada o suficiente para me ignorar e eu decidi não me importar com isso. Seria melhor assim.

Nós nos separamos assim que desembarcamos do trem, eu almocei em um dos restaurantes próximos à estação antes de embarcar para Viena. Summer se sentou a algumas poltronas de distância, me lançando um olhar atravessado antes de voltar sua atenção para seu celular.

Eu respirei fundo, olhando pela janela, onde uma forte nevasca começava a cair do lado de fora enquanto o trem começava a se mover. Aquele clima apenas serviu para me deixar mais melancólico, me lembrando do último natal que passei com minha família, cerca de quatro anos atrás.

Eu havia acabado de conhecer Meilin e estava animado para apresentá-la para o restante de minha família e, agora pensando bem, ela não estava tão animada assim em conhecê-las.

Eu me sentia estúpido ao perceber o quanto eu havia me dedicado a coisas passageiras e triviais e deixado passar momentos e oportunidadesimportantes. Apenas espero que não seja tarde demais. 

O que eu diria para minha mãe quando chegasse a Londres ? "Perdi tudo o que importava para mim e isso me fez perceber o quanto agi como um idiota com vocês ?"

"Sinto muito por ter ignorado seus últimos convites e ter perdido sua festa de aniversário por estar muito ocupado trabalhando"? 

" Desculpe por ignorar todos os seus avisos e me ofender sempre que tentava me aconselhar sobre Meilin, você tinha razão. "

Eu nem sei porque ainda estou tentando. Talvez no fundo, eu precise saber que não perdi tudo.  Alguma coisa tem que ter restado para mim. 

Eu respirei fundo, ainda observando a neve caindo constantemente do lado de fora enquanto o trem se movia depressa. Aquela era minha última chance, se no fim nem minha mãe me aceitar…

Tratei de tirar aquele pensamento de minha mente, eu me senti nauseado e logo desviei o olhar da janela. Devia ter ficado no assento do corredor.

Meu olhar buscou Summer por um momento, ela estava distraída, mexendo no celular. Será que ela sequer imagina a bagunça que está minha vida? Se eu não estivesse em um momento tão delicado, poderia até me divertir com tudo o que aconteceu desde que a conheci, mas agora, isso era impossível 

Eu queria apenas paz. 

Voltei a olhar pela janela, me arrependendo imediatamente. Eu devia mesmo ter reservado a poltrona do corredor, e me peguei cogitando a ideia de pedir para trocar de lugar com a senhora ao meu lado. Foi quando alguém chamou minha atenção. 

— Você pode sentar onde eu estou se quiser — Summer propôs, parada no corredor só lado da mulher. 

— Eu pensei que você me odiasse — eu devolvi a encarando, ignorando a expressão curiosa da passageira ao meu lado — eu te chamei de atriz porno mais de uma vez. 

Aquilo foi desnecessário, minha consciência gritou ao ver surpresa estampada no rosto de nossa espectadora, mas eu ainda não havia superado a última confusão.  

— Você não está entre minhas pessoas favoritas, mas falta três horas para chegar a Viena e sei que é desconfortável para você — eles cruzou os braços assumindo uma posição defensiva — e além disso, eu sou uma boa pessoa.

Eu considerei sua proposta por um momento, analisando sua atitude em busca de algum significado oculto naquilo. Mas simplesmente não encontrei. Comecei a me sentir mal por tudo o que aconteceu, talvez ela tivesse razão e fosse uma pessoa boa, certamente era melhor do que eu. 

— É pegar ou largar, Querido. 

Eu assenti com a cabeça, me levantando em seguida e indo até onde ela estava sentada.  Summer assumiu minha poltrona, passando a olhar despretensiosamente pela janela. Eu a olhei uma última vez antes de voltar minha atenção para o livro que estava lendo em meu celular. 

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