CAPÍTULO 4

- Vocês não podem fazer isso comigo! – Renata estava agarrada à saia da mãe enquanto olhava bem no fundo dos olhos claros do pai; o desespero finalmente estava batendo na porta e, pela primeira vez desde que eles saíram da mansão em que viviam nos Jardins, ela tinha certeza de que os pais não estavam brincando. – Eu vou ter que dividir o meu quarto com aquela maluca que fica me chamando de Barbie. E esse lugar cheira a mofo!

- Engraçado, eu só consigo sentir o maravilhoso cheiro do interior – Giuseppe negou com a cabeça. – Pare de drama, Renata, esse é um dos melhores colégios do Estado de São Paulo e você vai me agradecer por isso mais tarde.

- Se vocês me deixarem aqui, eu nunca vou perdoa-los por isso – Renata olhou de relance para o diretor Gonçalves, que a esperava no pórtico do colégio enquanto a família Vincenzo se "despedia". – Nunca!

Laura ainda lançou um olhar apreensivo para o marido, mas este continuou impassível, apegado a sua decisão como um esfomeado se apega a um cookie de chocolate.

Depois que Renata teve o prazer de conhecer a sua nova colega de quarto, deu uma desculpa qualquer e voltou correndo para o prédio administrativo, chegando na sala 22 com os pulmões em chamas. Ainda teve a presença de espírito de esperar os pais assinarem a sua matrícula, mas, naquele momento, as suas últimas esperanças estavam indo pelo ralo.

- Acho que vamos ter que viver com essa culpa, então – o sr. Vincenzo deu o veredicto final, retirando as mãos da filha do vestido da mulher. – Renata, você só tem 17 anos e fez mais coisas erradas do que eu e sua mãe durante todas as nossas vidas. Aproveite essa segunda e última chance que eu estou lhe dando para tomar juízo e aprender alguma coisa. Em julho estaremos de volta para buscá-la para as férias de inverno e você pode nos dizer se nos perdoou ou não.

- Tchau, querida, tenha um bom semestre letivo – Laura sorriu, beijando o topo da cabeça da filha, que tinha os olhos marejados de lágrimas. – Faça alguns amigos!

- Nos vemos em alguns meses – o sr. Vincenzo também beijou o topo da cabeça da filha, dando dois tapinhas em seu ombro nu. – Não se esqueça que nós te amamos.

- Eu odeio vocês – foi tudo o que Renata conseguiu rosnar, dando as costas para os pais e correndo para dentro do colégio, passando pelo diretor como um furacão sem responder ao seu convite para a "palestra de abertura obrigatória".

Ela só parou de correr quando sentiu que as suas pernas não iriam mais aguentar o tranco. Sem ter para onde ir, resolveu voltar aos dormitórios, rezando para que a sua nova colega de quarto não estivesse mais por lá, pendurando pôsteres horríveis na parede e cantarolando músicas imbecis.

No meio do caminho, um grupo de quatro garotos caminhava na direção oposta, conversando e rindo. Renata abaixou os óculos escuros para não ter que conversar com ninguém e apertou o passo, mas não foi o suficiente; estava quase passando por eles quando o mais alto perguntou.

- Ei, novata, não ficou sabendo que a palestra é obrigatória?

Renata se voltou para o grupo, encarando o garoto que havia chamado a sua atenção. Ele deveria ter mais de 1,80m e o cabelo cor de areia, com algumas sardinhas espalhadas pelo nariz. Ele era bonito, mas não de uma maneira convencional. Mas a herdeira não estava interessada em garotos, nem em nada que envolvesse aquele colégio nojento.

- Foda-se a reunião obrigatória – ela respondeu, antes de seguir o seu rumo.

O grupo inteiro fez "uuuuuuuuuu" com ironia e o cara comprido começou a rir.

- Tudo bem, loira, só não diga que eu não avisei! O diretor adora os casos rebeldes do colégio. Diga oi para a Fatinha por mim!

Renata quis perguntar quem diabos era Fatinha, mas optou por continuar caminhando. Desceu as escadas de concreto correndo e atravessou a praça da fonte, entrando no prédio três e passando pela inspetora Silva, que pareceu nem notar a sua presença, mais interessada em digitar no celular.

A herdeira colocou a chave magnética na fechadura e encontrou o quarto vazio. Sendo inundada por um sentimento de alívio, ela colocou o ar-condicionado no mínimo, caminhou até a própria cama, enfiou-se embaixo do edredom vermelho que cheirava a amaciante barato e pegou o celular da bolsa de mão. Ligando o Whatsapp, viu que tinha mais de 300 mensagens, a maioria compartilhamentos de vídeos pornográficos ou de acidentes fatais em grupos estúpidos, mas uma delas chamou a sua atenção. Sua melhor amiga, Viviane, havia lhe mandado um áudio.

Rê, onde diabos você está? Hoje tem a festa de começo de ano na casa do KY, você não vai colar? Estou tentando te ligar há mil horas!

Renata enfiou a cara no travesseiro branco e soltou um grito abafado de frustração. Não podia acreditar que perderia a festa do KY! Sua vida social estava arruinada, assim como a sua vida, no geral.

Vi, eu estou no fim do mundo! Meus pais não estavam brincando dessa vez. Eles me colocaram mesmo em um maldito internato! Eu pensei que fosse mais uma das ameaças do meu pai, mas não... Estou presa aqui até julho! Por favor, mande o seu motorista vir me buscar! Eu preciso sair desse lugar! Eu...

Renata iria continuar com o drama, dizendo que estava prestes a se matar, quando ouviu batidas rápidas e precisas na porta. Bufando, enviou o áudio pela metade e saiu debaixo das cobertas, abrindo-a com cara de poucos amigos.

Do outro lado, uma senhora idosa, magricela e baixinha estendeu a mão.

- Muito prazer, srta. Vincenzo, meu nome é Fátima e eu sou a inspetora geral do prédio das garotas. Você terá muito tempo para me conhecer, mas, de acordo com as minhas contas, você deveria estar na palestra de abertura do ano letivo, e não em seu dormitório – quando Fátima percebeu que Renata não a cumprimentaria de volta, abaixou a mão de uma maneira robótica. – Como você é nova por aqui, eu não vou reportar isso ao diretor, mas você terá que cumprir 30 horas limpando as piscinas essa semana e ler o regulamento do colégio para aprender os seus direitos e deveres aqui nessa instituição. Agora, se me der o prazer da sua companhia, vou escoltá-la até a palestra.

- Limpar as piscinas? – Renata soltou o ar junto a uma risada incrédula. – Me poupe, velhota, meus pais não estão pagando para que eu limpe as malditas piscinas desse colégio imundo.

- Não só estão pagando para que você faça isso como assinaram um termo de responsabilidade – Fátima continuava séria. – Pelas regras do internato, se você não cumprir as suas horas de punição por qualquer que seja o motivo, não poderá terminar o ano acadêmico e terá que refazê-lo. Creio que não é isso o que você quer, não é mesmo, srta. Vincenzo?

- Isso é ridículo! – Renata exclamou, agarrada ao celular. – Eu não vou limpar porra de piscina nenhuma! Você sabe com quem está falando?

- Sei, há 30 anos eu decoro os nomes e sobrenomes de todas as garotas que passam por esses dormitórios, especialmente as insolentes – a chefe das inspetoras respondeu sem perder a compostura. – E você acabou de ganhar mais 10 horas de serviço pelo palavrão. Gostaria de continuar esse diálogo ou vai se encher de horas até o final do ano? Eu sou paga para isso, srta. Vincenzo, posso ficar aqui o dia todo.

Renata pensou em responder, mas já havia acumulado 40 malditas horas de serviço braçal e não queria nem pensar na possibilidade de passar dois anos naquele internato infernal. Soltando o ar com força, ela enfiou o celular no bolso da saia e saiu do quarto, batendo a porta atrás de si.

- Ótimo – Fátima comemorou a vitória sem mudar a expressão do rosto. – Agora, se puder me acompanhar.

As duas caminharam no mais completo silêncio até a saída do prédio, onde Fátima cumprimentou Silva, que fez um sinal de joia para a mais velha e voltou a mexer no celular. Então, o trajeto até o prédio administrativo foi longo, quente e quieto. O pior trecho foi subir mais uma vez as escadas de concreto intermináveis embaixo do sol imoral de Marília, e Renata quase não conseguiu segurar as lágrimas.

Quando elas enfim entraram no prédio de tijolos, a inspetora a guiou para a capela, que estava de portas fechadas e de onde se podia ouvir vozes abafadas.

- Entre e sente-se no primeiro lugar que encontrar – Fátima instruiu, abrindo as portas sem dar tempo para Renata se preparar.

Do lado de dentro, o diretor Gonçalves estava em cima do palco que ela vira mais cedo, com um padre e diversas freiras rodeando-o. Ele estava no meio de uma fala quando as portas se abriram, e parou de falar, enquanto o salão inteiro virava-se para encarar Renata.

Sentindo o rosto esquentar, ela tirou os óculos escuros e caminhou envergonhada até o último banco, sentando-se ao lado do garoto que havia tirado sarro dela mais cedo. Os alunos cochichavam entre si, comentando a gafe da aluna nova, e ela sentiu vontade de morrer pela décima vez só naquele dia.

Renata sentia que não conseguiria aguentar até o final daquela semana.

- Bom, agora que estamos todos aqui – o diretor pigarreou no microfone, o que fez alguns garotos e garotas soltarem risadinhas afetadas –, eu posso continuar com as boas-vindas desse ano.

A herdeira revirou os olhos e apoiou as costas no banco desconfortável e gelado de madeira, sentindo os pelos dos braços se arrepiarem.

- Vejo que você já conheceu a Fatinha – o garoto comprido se curvou um pouco para o lado e sussurrou em seu ouvido, tão baixo que Renata achou que estivesse imaginando. – Mandou o meu "oi" para ela?

- Vai para o inferno, seu babaca – ela respondeu, reparando que os olhos do loiro estavam presos em seu decote.

- Não diga isso, loira! – ele murmurou em resposta, fingindo estar ofendido. – Estamos na casa do Senhor! Você não quer irritar a Deus, não é mesmo? Não com todo o histórico de inundações e assassinatos e essas merdas.

Renata não respondeu, olhando para frente e fingindo prestar atenção nas palavras do diretor.

Eu já o irritei o suficiente, ela pensou. Se não, não estaria trancafiada nesse hospício.

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