6. Uma Falha no Rascunho
Separações fizeram parte da minha vida inteira. Assim como maioria das pessoas... Às vezes você transborda. O inverno retornava na brisa cortante, as pontes pareciam fadadas ao desencontro.
Via Sra. Stacy varrendo aquela calçada pontualmente a cada manhã, a música dos trilhos ao caminho da biblioteca, o riscar do bonde no horizonte, a cidade se preenchia de branco, e meu coração se esvaziava com a solidão.
"Você está bem?" Perguntava-me com seus olhos finos, e eu mentia, "Sempre, Mrs. Stacy. Tenha um bom dia", beijava-lhe a bochecha enrugada, sonolento, o jornal amassando nos dedos.
Por que os invernos eram tão cruéis?
O teatro parecia um sonho distante. As noites agora se preenchiam de pilhas de livros na biblioteca, madrugadas de café quente, olhos inchados, dedos amarelos de calos.
Finalizaram nos minutos breves da aprovação silenciosa de meu tio refletidas na lente dos velhos óculos, significava que todo meu suor e lágrimas não estavam sendo em vão. Ou supostamente isso.
A verdade é que a cada dia aqueles rascunhos inacabados na mesa se acumularam com a neve nas calhas, bastava um piscar de olhos para cair.
Seria sim ... solitário. Esperava que fosse. Houve uma época em que eu me dizia um. Mesmo que minha vida tenha sido uma rotatória de pessoas, talvez a neve atrapalhou o transitar.
Meditando sobre o artigo, revisando e revisando, me perguntava se sucesso seria isso? O que meus sonhos tinham a ver com aquilo? Mordiscava a ponta da caneta como minha própria mente.
Pensei estar no lugar errado, depois de tanto tempo. Perdido, sobrecarregado. É claro, hoje eu vejo o quanto estava submerso na repetição, sem saber quando e como parar. Antes disso, sem entender em qual parte do caminho me encontrava, se estava no caminho, se havia um caminho...
Cego e pensativo demais, como jovens costumam ser. Jovens sedentos por acertos, sem pagar cada erro.
Um grande erro? É claro, claro... Você sabe onde quero chegar.
Antes de conseguir terminar aquele livro, eu precisava respirar. Sair e deixar aquela escrivaninha por enquanto. Prometi pra mim mesmo depois de entregar o artigo do fim de semana (me disseram que parecia uma crônica, mas aceitaram mesmo assim). Porém, talvez eu não fosse tão bom em descansar também.
Foi em um aniversário. O meu em específico.
Inclinava-me, a ver a paisagem familiar com olhos distintos. Intrigado e introspectivo, conversando com as vozes que me perguntavam, bebericando o que me ofereciam.
"Pode-se sentir solitário em meio a multidão", é o que concluíra. Clichê. Mas o que são os vinte anos se não o mais irritante e nada surpreendente andamento de nossos anseios? Aquilo que você verdadeiramente deseja, escorre líquido entre os dedos, aquilo que te matará, te fita, cada vez mais próximo, como uma taça de vinho.
O que me mataria? Medo? Hesitação? Desistência? Ria de uma piada ruim, em socos com a solidão, ao menos não naquela noite, foi o que decidi. Não me deixaria vencer.
Minha conclusão ao meio da noite? As pessoas fogem da solidão mais facilmente com a boca engasgada de champanhe.
Ninguém se orgulharia dos atos instintivos de uma mente faminta. Ninguém te perdoaria por desculpar-se timidamente de um ato impensado, como se desprendesse do próprio corpo.
O rosto vermelho no espelho, familiar e dissonante, tossindo sem graça, esfregando o nariz, irritado, porém inevitavelmente feliz, após o cheiro de limão chegar até mim; atravessei a pequena multidão, abrindo passagem para o rosto amigo.
Jony vinha súbito, mexia metódico nos óculos, o rosto sereno me encontrando tal qual a sutileza de um abraço cordial; sorríamos serenos através do vidro, em mim a saudade crescente, entranhada nos bolsos do casaco, ele, enigmático e elegante, como uma carta lacrada "como importante", que não lhe pertence.
Uma mensagem incógnita, seria a velha camaradagem ou novo desapontamento? Meu orgulho não ousou dizer.
__ Há quanto tempo, Patch. __ A neutralidade de seu tom era impecável. Ele sempre era tão polido.
Atrás de si, Waver vinha como a sombra que era, um bom substituto do que um dia fora, o rosto franzido num silêncio caroçudo.
Sentaram-se perto da calçada, não era um lugar tão grande, tampouco elegante, entretanto, o vão afundou imediatamente.
Pensei em abraça-lo. Por que hesitei? Os mistérios da vida. A música alta selou qualquer pensamento.
Virando copo atrás de copo, dizia a mim mesmo que estava indo bem, uma bela dama de azul vinha, o passo fino, amiga de um amigo, delicada e ousada, pegando o copo de meus dedos e meus medos com o olhar, enroscando sua coxa entre as minhas, seus anseios nos meus lábios e a música em nosso torso.
Sarcástico entreguei-me ao acaso, sem olhar para trás por um minuto. Permiti-me retribuir o desejo, que importava o vazio existencial?
Dançando como nunca antes, o torço dolorido, levei-me as alturas, os lustres que nem de longe se comparavam aos da mansão Scaler, mas que naquele momento pareceram apenas...
Estava alto, o que tinha naquele copo? Algo que Thomas adoraria, ri com a conclusão, quase rasgando a manga de seu vestido, então girei e girei, despejando vômito na calçada horas depois, ainda assim a garota risonha quis me beijar, provavelmente mais bêbada do que eu... Me fitava dócil, agarrei-lhe no ímpeto, a risada espocando de nós dois.
Nós ainda dançamos, mais e mais, suados, no peito o pulsar de algo querendo saltar com força, como um soluço musical. Então cantei, animada, ela me acompanhou igualmente empenhada. Ao menos minha estranheza não a assustou (não muito).
Aquela música me trouxe nostalgia, a imagem de uma adolescência colorida de conversas leves e profundas, ruas vazias e caminhadas pensadas, cítrica entre o amargor da rotina. O passado me procurava nos pequenos gestos, me peguei a procurar Jony sobre os ombros, e em seus olhos eu vi refletir a eternidade. "Ele está aqui e eu estou aqui. Ainda que distantes.", de alguma forma... isso me soou profundo.
Por que bêbados filosofam tanto?
Um segundo e percebi algo a mais, ele não era do tipo que bebia, entretanto, aquela vez ele sentiu que deveria. Pensei ter visto uma faísca de tristeza reagir. Breve fogo, enquanto fitava o céu estrelado, com o rosto enrubescido e os olhos vacilantes. A sua frente Waver se inclinou, sussurrando em seu ouvido, piada inaudível a mim, trazendo um riso tímido, crescente, bem do fundo de sua garganta. O instante cortou-me afiado, decrescente; acompanhando o baixo lento daquela balada.
A garota me puxava, a dança reiniciava, a madrugada avançava, o sorriso doía na cara. Beijei-lhe fortemente, quase como uma obrigação. As palavras se perderam no horizonte escuro de ruas.
Como resultado, acordei com o suor grudando na tez, o desamparo de lembranças rasas em uma cama que não era minha.
O que importava um erro pequeno perto do vazio dilacerante? Ainda era um jovem infantil. E posso dizer que nenhuma das desculpas preencheu aquele mês, nenhuma verdade teria espaço entre meu desânimo viciante.
Um arrependimento? Cada erro tem o lugar certo no desenho do passado. Nunca fui um homem de rever pequenezas... O que me arrependo é da grande pintura. Estava miserável, essa é a verdade.
Gostaria que Jony não tivesse ali. Naquele momento, naquele piscar hesitante.
Não que não nos conhecíamos bem demais, debaixo do orgulho, havia o desejo de permanecer estável ao menos para ele. Ao menos ele... Mas é isso, não foi o que aconteceu. E foi melhor assim, penso agora. Ainda mais considerando o que houve a seguir.
Um ano se passou, o roteiro maturou, cada migalha de tempo se desintegrou debaixo do tapete.
Então pensei que deveria esquecer aquilo. Meu destino era muito menor e simples, como posso ser ousado com tanto medo?
Respirei fundo e joguei os dados, pra valer.
Kieran era um bom editor, crítico e inteligente, tinha certo receio em mostrar algo muito diferente pra ele, mudanças são estressantes, porém mudanças diante dos olhos alheios são aterrorizantes.
Porém ali estava, meu futuro em suas mãos; sem grande alternativa, esperança e coragem... Estava ansioso. O dia quente duplicava minha transpiração e lembro que em algum minuto achei que ia desmaiar. Fitava-lhe, aquele rosto maduro sem expressão, o sol de um verão recém nascido, sem noção do que atravessaria meu caminho naquela manhã louca.
Sua crítica me perfurou, de maneiras que só um bom profissional pode fazer. Apertou minha mão e desejou-me sorte.
Pisquei confuso, uma duas, três vezes, vendo-o desaparecer na multidão. Não senti meus pés, parado como uma pilastra atrapalhando o trânsito. "Original. Promissor. Perfeito para estreia." Minha mente girava com a crítica, positiva. Um riso louco rasgando do fundo da garganta, me dando conta de que enfim algo bom estava me acontecendo... O riso se alargou, volumoso e assustador. Não imagina o quanto de vergonha me corroeu pouco depois.
Mas ali, não importava. Beijei o papel como um ente querido, saltando pela calçada encenado num filme de Chaplin.
Chegando na ponte, bêbedo com as palavras de Kieran, sorrindo sozinho pelos cantos, senti algo de familiar ao ver um homem caminhando em minha frente, destacando-se entre os transeuntes com um enorme sobretudo branco. Remexia nos bolsos, falava algo que eu não escutava, espremia os olhos, tentando ver o rosto daquela pessoa, caminhando mais rápido, até ele parar atrás de uma barraquinha de doces qualquer, aproximei-me e pousei a mão em seu ombro fazendo-o virar, revelando uma expressão de susto e desapego.
Era o rosto nostálgico de uma época que já parecia distante, era Thomas. O inesquecível Thomas.
Depois de um abraço ensolarado, ele logo me carregou para um bar ali perto, já familiarizado e confortável com tudo, não surpreendente. Ia puxando assunto com o barman, enlaçava o braço em seu pescoço, enquanto falava de como nos conhecemos, relembrando as conversas estranhas, momentos divertidos, vergonhosos e calorosos, às vezes apenas me perguntando os pormenores de tudo e qualquer coisa.
O quão impossível é não amar Thomas? Admirava aquela figura com todo coração.
Sua energia parava a tudo e todos, surpreendia como o canto de um pássaro na janela. O homem cujo mundo era seu quintal...
A tarde findava, vagamente bêbados, de braços dados, humores e abraçados, andávamos como se o tempo nos pertencesse.
Puxei sua mala de um lado, entrando no bonde, falando e falando, ele me contando da viagem que fizera para Rússia, totalmente entretido, mal via o tempo passar e a estação se aproximar. As coincidências apenas se tornaram mais assustadoras, chegando em frente ao seu hotel, mal a noite nos dava boas vindas, alguns turistas se aproximavam, tombando pelo salão principal como reis e rainhas.
Thomas e eu entreolhamo-nos, o comentário sarcástico flutuando no ar. Ria culposo, até Thomas se aproximar de um deles, e foi naquele momento que vi Mercedes. Tão vívida e extravagante, com suas luvas rendadas até o antebraço, o vestido colado desafiando o olhar, sentada sorridente num canto barulhento perto da porta, rodeada de pessoas quase tão chamativas quanto ela, atrizes e atores, cantores e alguns entusiastas. Deslumbrante como uma protagonista.
A princípio não me notara chegar, mas graças a Thomas e seus modos nada discretos, reconhecendo alguém entre os forasteiros, não demorou até capturarmos a atenção do outro, o inevitável acontecer.
Mercedes riu pueril, saltando em cima de mim; abraçamo-nos forte, por mais de um minuto, e de repente, tudo parecia se encaixar perfeitamente nos dedos.
Então ela me pediu pra ficar.
E claro, eu aceitei.
Guardei meu manuscrito em qualquer lugar e... Apenas a segui. Sim, como um barco em direção ao farol.
Após conversas finas e risadas soltas, batia meia-noite. Estava evitando festas nos últimos seis meses, porém Mercedes me convenceu com sua típica oratória magnética. Thomas sentara-se na mesa, já sem o casaco, pingando de suor e com três botões abertos na camisa. Ria descontroladamente enquanto servia de atração principal para desconhecidos.
Sentei-me ao lado da pista, Mercedes vestira-se num minuto, como a estrela entrando numa troca de cenas. Bebia perto do bar enquanto conversávamos a distância e sem palavras, com ideias que poderiam variar de significado dependendo do que quiséssemos ouvir. Perdidos um no outro, uma garoa quente de repente nos cobriu, e ela se inclinou, cobrindo os ombros nus com delicadeza, só sei que não podia deixar de olhá-la, nem um mísero segundo.
Percebia Thomas escapando nos braços de alguém qualquer, palavras ao ar e risos frouxos, no centro do salão, garçons e os turistas se moviam uniformes, num bater de sinos, uma dança monótona girava e girava... Os braços dados dando um ar de festival.
Quando me dei conta, Mercedes estava a minha frente, os belos lábios entreabertos colados no meu, um segundo e já estava procurando o meu casaco, apressado e extasiado, as mãos enroscadas, mais cúmplices do que já estávamos e, desviando das mesas, da música alta e do que quer que estivesse na frente, andando rápido, até corrermos, rindo infantilmente de nossa fuga boba.
Diferente das outras vezes, não parecia haver segredos entre nós. Não soava como uma brincadeira. Quando chegamos no quarto dela, falando de tantas coisas, futuros próximos e promessas breves, a boca doendo de um riso maturado, mesmo que não houvesse graça, nós nos divertimos, apenas nos deixando levar, fazendo durar, sem nos darmos conta do tempo ou pensarmos nas palavras que trocaríamos na manhã seguinte. Não havia seguinte, pra sempre ou momentâneo. O sentimento constante de que estávamos a beira do precipício parecia acalmar-se. O quão estranhamente as relações mudam?
Ela não me via mais como uma criança, havia muito mais necessidade, mais ímpeto do que qualquer outro momento anterior, muito mais cobiça por cobiçar. Fitando nosso reflexo no espelho do quarto, ela segurou meu rosto entre as mãos e calma e silenciosamente deslizou os dedos por entre meus cabelos. Tão carinhosamente, sem tirar os olhos de nosso reflexo, disse que estar comigo a acalmava. Não conseguia imaginar Mercedes estressada ou ansiosa, porém não disse nada, agradecendo em silêncio.
Deitei-me, adormecendo entre suas carícias. Acordei antes do sol nascer, não consegui me despedir, apenas fitei-lhe e com um último beijo em sua tez adormecida, sai.
Uma semana depois, ela viajara novamente. Porém, um trabalho mais breve do que antes. Não havia tristeza em nossos lábios.
Fui me despedir no terminal, ela me beijou docemente, em alvoroço, fitou-me como quem deseja gravar uma imagem, então me disse que voltaria com uma surpresa. Pulou no vagão, a saia do vestido esvoaçando no vento. Acenei, com as mãos suando no bolso e um sorriso habitual. "Eu espero. Eu prometo." Estávamos leves.
Aquela cena marcou em mim durante os próximos dias, mas ao contrário do outro desencontro, aquele me inspirou. A presença dela tomava meus pensamentos como a musa que era, fazendo tantas emoções fluírem facilmente, me tornando tão absorto, enfim, tomado pelo enternecimento da paixão.
Thomas acompanhava de perto todo meu estado eloquente, ria ao ouvir minhas ansiedades e romantismos, dizia-me que nunca devia fugir de um amor por alguém cuja voz era tão bela. Ele elogiava tudo sobre Mercedes desde que a conhecera. Era particularmente interessante assistir como os dois se deram muito bem, ela ria de literalmente tudo que dizia e com ele acontecia o mesmo. Assim como algo na forma como eles se vestiam parecia quase... combinado. Almas semelhantes.
Chamava-lhe pequena estrela, mesmo que tivessem quase a mesma idade, tratava-lhe com tom um paternal que nunca o vira assumir com mais ninguém.
"Mercedes tornou-se meu Jony." Repetia, enquanto fumava um cachimbo, estirado no meu sofá numa tarde qualquer.
Ele também adorava Jony, dizia que sua beleza compensava aquele jeito taciturno, temeroso de sua presença as vezes (mas ainda assim, admirado). Como Jony odiava o cheiro excessivo de cigarro de meu apartamento quando Thomas chegou, só passou a ir lá no começo do inverno, quando passei a trabalhar cada vez mais sozinho. Criticava-o a mínima oportunidade, o que Thomas levava com a leveza de seu ser.
Não estávamos tão próximos como antes, se é o que está perguntando. Ainda havia certos degraus a se subir, mas a presença de Thomas talvez tenha camuflado, serviu como cortina de fumaça.
Aconteceu apenas, como as mais belas situações costumam desenrolar, do acaso de certa tarde nos encontramos no cais, e o reencontro apenas aconteceu, para minha alegria. Pude apresentá-los um ao outro. Meus dois amigos não poderiam soar tão opostos postos um ao lado do outro, mas não deixava de ser engraçado de observar.
"Um imoral", não era a melhor primeira impressão, porém, não é como se esperasse que os dois fossem se dar realmente bem. Os conhecia bem demais pra estar ciente disso.
Assim, com cautela e hesitação, pude puxar a manga de seu casaco, timidamente emendar uma conversa fiada, entre um café e outro, desemaranhar um sarcasmo amigo. Descobri que ele estava indo tão bem no trabalho que quase senti inveja. Mas era Jony Scaler, o que mais esperaria? Sentia falta da galeria, do cheiro cítrico de tinta recém pincelada e até mesmo das intensas encaras de Waver a destrinchar qualquer conversação.
Sentia falta. Por isso ignorava a melancolia sólida de seus gestos, e acreditava que, tão cansado como eu, ele poderia se curar com o mesmo esmero. "Vamos dar o nosso melhor!", apertava seu pulso, forte o suficiente para que sentisse meu apreço, fraco o suficiente para mantermos a cordialidade.
Um passo de cada vez.
Apesar de afastar Jony de meu apartamento, eu adorava quando Thomas estava lá.
Nós nos divertíamos e saíamos quase sempre, muitas vezes com os amigos que fizera naquele curto período de tempo desde que chegara. Ele sempre estava tão alegre e disposto, que facilmente me adaptei a sua presença novamente, sendo sempre levado por suas palavras de confiança, quase esquecendo do cansaço que acumulava como poeira atrás dos dias. Me esquecendo de como a edição do livro era tão mais dolorosa do que escrevê-lo.
Um fato interessante era que Thomas parecia mais interessado no meu trabalho do que eu, na maior parte do tempo. Achava meu engajamento juvenil inspirador, mas assim que percebeu que estava afundando demais, que mal podia ver abaixo do pescoço, ficou preocupado comigo.
"Você não é uma máquina", dizia, me oferecendo mais vinho quente do que poderia tomar na vida inteira.
Como um velho mestre, meu amigo estava sempre com os olhos afiados para qualquer situação, realmente me sentia protegido. Em alguns momentos talvez tivesse pegado pesado, tanto que acabei adoecendo naquele inverno. Ele ficou ali, com a mesma frequência de sempre, ajudava-me em tudo o que precisava, tão disposto e alegre quanto o comum. Ele era para mim um mistério na maior parte daquele tempo.
Suas breves saídas eram cortantes, ele fazia tanta falta como se estivesse ali a vida inteira. E quando retornava, não havia folga em nenhuma noite.
Charlie achava que era um pirata. "Ninguém que trabalha com barcos ganha tanto assim", franzia o cenho, num misto de concordância, reprovação e curiosidade (um Jony menos crítico?).
No fim de mês, com a volta de Mercedes, pudemos nos reunir. Todas aquelas pessoas que foram verdadeiramente marcantes na minha vida. Era uma ocasião especial. Mercedes finalizara com sucesso seu segundo papel principal, Thomas parecia encantado com um cruzeiro qualquer e Charlie aceitara que ficássemos até tão tarde em sua calçada.
Lembro de Thomas perguntando sobre Jony, e que não saberia o que dizer. Mesmo que conhecesse a nossa situação, ele parecia no fundo, não levá-la tão a sério. Era engraçado pensar que se punha em defesa de uma relação que mal conhecia. Porém, Thomas... Era assim. Mal bebera dois goles e saíra, com a desculpa que precisava se preparar pra uma viagem próxima, me deixando a sós com Mercedes.
A jovem correu para mim, não esquecendo por um segundo de sua promessa. Andando pelas ruas sem rumo, aos beijos como se o restante do mundo não existisse, Mercedes flutuava em seu vestido rosado contra o vento. Quando chegamos ao cais, descemos até a praia, mesmo sem estarmos totalmente bêbados, caímos na areia, bolamos entre as cascas e conchas secas.
Me levando pra caminhar sobre as ondas, Mercedes parecia absorta, de uma forma infantil e fantasmagórica, quem te fita de soslaio a espera de um momento perfeito. Diante um do outro, ela me disse, entre sinceridade e tristeza, que pretendia ficar na França no próximo ano. Já estava prometida pra um papel, o papel que mais desejara em muito tempo, nas palavras dela.
Os olhos baixos nos cobriam de magia, nossos dedos dançavam entre as ondas, me dizia que amava as ondas, ainda mais em noites tão únicas.
Me recordo do escuro da noite, do cheiro leve de vinho e de seu sorriso, do pedido de Mercedes e como meu coração pulsou como uma criança.
__ Quando retornar, Patrick__ De como seu rosto tão próximo cintilava de encontro a luz do luar.__ Vamos ficar juntos, de verdade.
"É uma promessa." Promessas são perigosas. Céus, eu gostaria de ser melhor em cumpri-las. Mas nunca deixa de ser prazeroso fazê-las... Não é mesmo?
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