5. Quadro

Era uma vez, alguém que perdeu.

Perdeu não o tempo, a vida, ou os medos, alguém que perdeu a voz. Pelo mesmo medo daquele reencontro, ele perdeu a voz no instante em que percebeu que estava fraco, a mercê, desnudo.

Esse alguém, debaixo da chuva, quis chorar... porque percebeu os anos se esvaírem nos dedos. Ele perdeu o chão, diante do mesmo sorriso que lhe dera o céu. Você conhece esse alguém, você o deixou daquela vez, totalmente molhado, sem saber para onde avançar o passo. Nós não nos encaramos, nossos olhos não se encontraram, nossas vozes se perderam igualmente. Mas você sabe bem de tudo isso, todas essas palavras são familiares, não é?

"Não tente ser outra pessoa"... nós estávamos ali, na frente da sua lareira, você virou-se, tão sério e azul, como o azul pode ser, então com todo esse azul você cuspiu, sem dó, que eu era um mentiroso. Coisa que nem mesmo eu sabia...!

Hey Patrick, o que você acha que era pra ter acontecido? Você acredita em destino? Eu não sei. Sinceramente, isso não é sobre você ou eu, nunca foi. É sempre sobre os outros, sobre o que você era para as pessoas que te conheceram e adoraram, ou o que eu era. Sobre o que eles souberam e não souberam, o que nós soubemos, apenas nós.

Lembro da noite que você me disse aquela frase, e hoje eu sei que você sempre esteve me dizendo aquilo. "Olhe-se no espelho", tipo assim. Você nunca diria, não é? Sempre gentil, sempre sorrindo. Um sorriso tão idiota.

Todo o mundo poderia estar caindo, mas você ainda sorriria da mesma maneira.

Aquele maldito sorriso. Por que ainda posso vê-lo... tão claramente? Mesmo que nós tenhamos mudado, que nossos segredos já não sejam mais secretos e nem importem mais, eu não me importo... como você mesmo dizia, não é mesmo? Então deixe que eles saibam. Que nós nos odiamos, nós nos perdemos e as vezes... nós nos invadíamos.

Talvez isso soe como uma carta, mesmo que cartas pareçam tão destinadas a separação. Eu não desejo um adeus, sim uma conversa. Sobre as verdades e as mentiras. Se acabarmos chamando isso de carta, então por favor, apenas não se zangue, pois vou falar de tudo o que você não queria que eu soubesse.

Por isso, começarei com as mentiras. As minhas, primeiramente. Ao começar eu fui bem sincero, tentando reproduzir a arrogância, o medo a ansiedade... vamos desnudar um pouco mais que as impressões.

Patrick eu... sempre tive medo. Você estava certo. Quando disse que eu nunca tive coragem de olhar no espelho e friamente assumir todas aquelas fraquezas.

Eu via você; sempre seguindo meus passos, acreditando nas minhas palavras, desenhando-me tão livremente na sua imaginação, acreditando, como nenhum outro fez, que mesmo minhas feiuras, eram belas. Mas Patrick eu menti, eu não sou o herói. Eu sou o vilão.

Tive medo de encarar aquele ser saltitante e reluzente e reconhecê-lo, não como um irmão ou semelhante, mas como o que ele realmente era. Você não era como eu, por isso não éramos amigos.

Percebi isso há mais tempo do que imagina. O vento estava forte de arrancar os galhos das árvores, seu cabelo chacoalhava devagar, poeticamente. Foi ali que eu soube; o que já sabia, o que eu iria dizer, mesmo sem saber. A juventude em seu gênese, os corações ainda aprendendo a bater... Foi como um susto, como se de repente, tudo se tornasse realidade desenhada em meio a um sonho vívido.

Havíamos retornado de uma tarde na biblioteca, você gostava de admirar aquele quadro e veio com suas teorias sobre um quadro e uma foto... Poético como só você sabia ser. Quando se inclinou na grade, tão sereno de repetente, orgulhoso de um trabalho bem feito, e convenhamos o quanto havia evoluído desde sua primeira foto...

... Então você subiu, simplesmente saltou como um pássaro a beijar as águas; as mãos erguidas, quase se esquecendo do perigo e da ventania eloquente. Quando pedi que descesse, preocupado e ansioso, você ergueu a mão pra mim, porém, em vez de se inclinar, enlaçou nossos dedos e sorriu quente como o verão.

Então você partiu. E eu pensei estar tão certo sobre o que você significava, mas ainda havia muito medo. Estranheza, descrença, raiva. Toda a negação que você viu entranhada nos meus dedos. Era apenas natural que eu negasse qualquer coisa que não se encaixasse nos meus planos. Aquela arrogância iniciou tudo.

*
*
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A única razão porque aquele livro permaneceu na gaveta por mais um ano fora Mercedes Santos.

Se anteriormente comparei Jony às rosas, então eu poderia dizer que Mercedes era como margaridas. Brilhante e quente como o sol, alegre, tão despreocupada, ou apenas posando para parecê-lo.

Ela foi algo como um primeiro amor, poderia dizer? Mas não, nada tão clichê como esses sempre descritos como um choque ou marca, que não se apaga e que deve-se lembrar para sempre. Uma ignorância no olhar que nubla o mundo inteiro com exceção daquela pessoa... Era verdade que a adorava, mas tinha todas as razões lógicas para isso.

Mercedes teve para mim diversos significados em momentos distintos, mas a princípio acho mais correto chamá-la de O primeiro amor.

Em meio a loucura de uma vida apertada, me acostumei a refugiar-me no teatro, de uma forma tão natural que tornou-se rotina. Nessa mesma época senti que a galeria dispensava minha presença.

Michael era no geral uma pessoa influente, para um estudante, quero dizer; ele mais parecia um professor, com aquele terno apertado, caneta no cabelo e fala embolada, era difícil não pensar que ele corrigiria até a mínima falha da sua alma.

Ele admirava Jony além das palavras, emulava cada pequeno detalhe como um pássaro bebendo os respingos de uma fonte. Na época que meu amigo saiu da universidade, esperava vê-lo menos na galeria, mas não foi o que aconteceu.

Houve uma crise; Michael perdera de alguma forma o apoio de seu tutor e vendo em Jony seu único porto, pousou sem hesitação.

Como era um garoto inteligente, tentava apoia-lo o máximo que podia, mesmo sendo Jony quem era, de alguma forma, os dois se ajudavam mutualmente, vi ali com certeza que eu não tinha muito o que oferecer, assim que tinha duas sombras a lhe agarrar o calcanhar, parecia sobrecarrega-lo.

Nós tínhamos objetivos e mentes distintas, logo havíamos materializado em ações distintas, a bifurcação se fez necessária, curta e breve.

Com o tempo o desconforto trouxe o aborrecimento e nossa sincronia se tornou em frieza. Fomos estabelecendo aquele silêncio e sem perceber, já não encontrávamos tempo para sermos somente os velhos amigos de sempre. Bem, era verdade que ele sempre foi o gênio e eu o curioso visando meus limites, haviam claras diferenças entre nós, sabíamos disso desde o começo, e a última coisa que eu desejaria seria prendê-lo.

Ainda amaria os fins de semana na mansão Scaler, Tânia a servir o chá, duas colheres de açúcar, uma pitada de sal, piadas sobre o tempo, uma velhice precoce, os sorrisos francos a espera dos comentários avoados de uma criança que não já existia, amava aquele lugar como parte de mim mesmo.

Não importava que o meu ciclo de amigos se resumisse a seus amigos também, não havia conexão real com aquelas pessoas, agora posso dizê-lo. Jony era um gênio, e como tal, atraía outros como ele, ou que se enxergavam assim, muito mais comumente o último. Como herdeiro Scale, como um artista em ascenção, sabia que a sua visão pode se nublar com rapidez. Às vezes, é preciso abraçar quem você é como um todo; as feiuras e as rachaduras. E como seu amigo eu gostaria, porém não podia, sentir isso por ele.

Haviam tantos dias de tumulto, a competitividade de um mundo que não esperava por dias de sol, e enquanto chovia, eu me esquentei; correndo com o coração pulsante a procura de um novo artigo, uma nova ideia. E pra isso precisava de calma.

Recuar e me reorganizar, assim como observar o melhor caminho até meu objetivo se tornar mais nítido. Ir ao teatro sozinho não era tão ruim, mesmo que eu nunca tenha me acostumado por completo. Foi um mês rápido e gracioso; acompanhar o desenrolar de uma trama fictícia que aos poucos, arrastara-se para a realidade.

Uma realidade avassaladora.

Não fora por ser especialmente linda ou por sua apresentação como um todo, era algo nos seus modos exagerados e sorriso largo, os dedos que se enroscavam graciosamente. A boca carnuda que se abria, sem esforço logo alastrava no palco. Tal qual um círculo magnético ao seu redor, ela sabia o poder que carregava dentro de si. Somente a beleza ou o talento não compensariam isso. Ela tinha algo de hipnotizante, como uma dança do ventre nas palavras, o corpo estirado entre a música e as musas. Era inteligente e ambiciosa, se aproximou de mim da mesma forma com que se adquire um sapato novo; certa cautela, excitação e luxúria.

O quão idiota eu seria de não me encantar ao primeiro olhar?

Após o fim da noite, arrastando aquele xale amarelo pelos ombros, atravessando a multidão de ir e vir nas escadas, fitava-me como se não bastasse nunca eu somente estar ali, era preciso elogiá-la, criar com ela, imaginar coisas. Nenhuma outra mulher me pedira isso. Nenhuma outra alma jamais me parecera tão explícita.

Mercedes era espanhola, mas vivia na Inglaterra a maior parte de sua vida, adorava viajar e ser elogiada. Adorava o simples ato de adorar, como eu mesmo aprendi a adorar. Elogiava meus escritos, meus suspensórios e predições. Chamava-me um aventureiro de emoções, rindo do seu exagero, nunca dispensei o elogio.

Nós tínhamos olhares dispersos, típico fingimento juvenil, um desprezo enrolando hesitante na atração, serpenteando por poucos dias, dois jantares e uma caminhada no porto, uma olhada pela janela entreaberta, "o que faz aqui a essa hora da noite?", apenas para nos entregarmos completamente.... Como haveria de ser.

Fingíamos que não era nada, que seria momentâneo e que não passaria de duas ou três noites, porém todas as vezes que eu cruzava meu olhar com o dela, ela sorria, como se dissesse: "tudo bem, mais uma vez". E mesmo com a diferença de idade, os minutos roubados, as vergonhas estranhas e as saudades fingidas, nós sempre parecíamos estar correndo um para o outro.

__ Um dia, você estreará uma peça minha.__ prometia num ímpeto de emoção. Ela então ria, rolando na cama com seu corpo delgado.

A peça corria bem, ela andava feliz e me trazia presentes, passávamos maior parte do tempo entre bailes e o teatro, outra parte esvaziando garrafas de champanhe no carpete. Ela genuinamente gostava daquele carpete. Foram poucos meses, até tudo parecer ao ponto de acabar.

Uma noite, enquanto corria apressado para entregar alguns papéis, acabamos nos esbarrando, fazendo espalhar papéis e pastas pela calçada, mas é como se estivéssemos olhando para o chão. Não sei quantos segundos se passaram até finalmente notarmos a bagunça, assim como qualquer outra coisa ao redor. Ela puxou-me desgovernada pela rua, ofegantes nós íamos apenas nos esquecendo das palavras, da brisa fria tocando a pele sem casaco, até despedir-nos com um abraço desengonçado. Posso dizer que aquilo me atingiu mais forte do que... qualquer coisa.

Não é como se não soubesse que em algum momento ela iria embora, é óbvio, era apenas que, estar de frente com o destino e apenas ouvir falar dele são sensações distintas.

Como resultado, não conseguia me concentrar no trabalho, a inspiração travava, os contos fatiaram pela metade, melancolia escorria em meus dedos. Queria enfiar-me em casa e me perder nós travesseiros para sempre. Depois de uns dias silenciosos, de tão pensativo, me tornei ansioso. Havia em mim uma estranha sensação de desentendimento, como se ela estivesse esperando algo de mim. Aqueles doces olhos lacrimejantes, tão dispostos a ceder e implorar...

Mas não era assim. Mercedes podia estar pensando sobre mim, entretanto, tivemos motivos diferentes para aquele desconforto.

Assim que ela partiu, impulsionara sua carreira de forma espetacular, ficara famosa por papéis médios que popularizaram por sua capacidade hipnotizante. Não havia muitas como ela. Eu, porém, estava ocupada demais comigo mesmo para notá-la crescer, já ela... sabia desde o início que eu estava fazendo. Me sentia óbvio, estagnado. A cada carta, a cada sílaba, na solidão dos meus papéis, meu mundo parecia derreter, enquanto o dela se expandia.

Se ela pensara em mim, foi apenas com aquela curiosidade orgulhosa de quem um dia conhecera aquele garoto ingênuo, que não lhe dera mais que memórias ingênuas e um desejo fútil, num relacionamento razoável.

O quão irônico foi eu ter me apego tão rapidamente? Nós não devíamos nada ao outro, não desejávamos nada, não sabíamos nada. Entretanto ainda assim... Eu senti que... Algo havia se perdido.

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*
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Tudo estava perdido. Eu praticamente vivia navegando naquelas memórias, cada vez mais nítidas, como se as tivesse revivendo.

Minha mãe segura minha mão, eu sinto seus dedos, mas seus lábios apenas se movem, sem voz. Suas pernas estavam presas debaixo do carro, eu quem me arrastara até ela, para tentar enxugar suas lágrimas ou apenas morrer silenciosamente ao seu lado.

Elize... minha irmã, a vejo parcialmente no banco de trás, os braços estirados, os longos cabelos que já eram vermelhos se tronaram úmidos. Sua voz não era mais que um grunhido choroso, porém, eu não conseguia desviar de seus olhos, queria ver os seus lábios, sua fisionomia desaparecia em meio a borrões... mesmo que precisasse ver seu rosto para chorarmos juntos, uma última vez.

Revivendo aquilo, todos os dias, eu fixava-me neste pensamento, sem nem em imaginação consegui-lo. Sem jamais permitir-me ver novamente seu rosto.

Quando eu pude tocar em meus pincéis novamente, foi o que decidi fazer. Tremendo de medo, eu tracei um borrão estranho, sem ter ideia de como começar, apenas desejando começar. Aquele quadro foi meu primeiro medo e a resolução dele também.

Vivendo minha vida como se não fosse realmente minha, sentindo-me como um zumbi, porém era diferente de antes. Eu não queria voltar aquele lugar, cada vez mais que, se eu atravessasse aquela porta de vidro novamente, ai então, não haveria mais nada que me esperaria quando eu saísse. Tudo era melhor do que voltar a deitar naquela cama, por isso, mesmo sem fome eu comi até minhas bochechas rosarem, e falei, mesmo sem nada pensar.

A única coisa que me importava era aquele quadro com um único solitário respingo de tinta vermelha. Ir a escola, rodear-me de amigos, eles diziam que isso me transformaria, mesmo assim, eu apenas esticava mais a linha. Uma barreira impenetrável. Ninguém sabia, ou devia saber o que eu estava fazendo, o que eu pretendia fazer com aquela tela. Nem mesmo ele.

Hoje eu penso se todas as telas não estavam apenas querendo copiar o efeito daquela; a anestesia, a ilusão de ter encontrado qualquer resposta. Respostas? Ninguém jamais teve qualquer resposta definitiva. Então no fim, eu acabei voltando para aquelas agulhas, nada surpreendente.

Eu não conseguia porém, fazer mais do que apenas ficar em silêncio. Conclusões desfeitas, sozinho com aquela janela... tudo retornada ao branco, nada. Haveria algum sentido, no fim? Sozinho naquele quarto, o que me restara foi a auto piedade e o cansaço. Meus ossos doíam, minha alma rachava com o frio. Um frio intenso que parecia fadado a eternidade. O sol ainda estaria lá? Não me atrevi a abaixar o muro pra verificar.

Até eu encontrá-lo.

A primeira impressão, nós éramos completamente diferentes, fisicamente e mentalmente. Ele tinha algo que todos viam, era algo entre curioso e encantador, como uma ninfa, uma flor delicada resistindo ao deserto.

Era apaixonante como homem, amigo e pessoa, como só ele podia. Era o olhar inocente, talvez? A voz mansa e risonha, a ingenuidade seletiva? Quer dizer, isso era só o que todos falavam. Um homem fácil de se amar, fácil de adentrar, fácil. Não vou dizer que eles estavam errados, mas vocês devem saber, o quanto pessoas são manipuladoras e enganosas.

Nós refletíamos sombras muito distintas, mesmo que ele, ao contrário de mim, não vivesse sem um espelho.

Sozinho, ele perdera a todos sem mal conhecê-los. Primeiro o pai e então a mãe, os dois longe de si desde que nascera. O tio, único parente vivo, tinha inevitavelmente algo daquele gene maléfico. O pequeno Patrick não estava destinado a ser protegido por ninguém, desde sempre vivendo por conta própria, fazendo o que bem entendia, e ainda assim tão amável quanto qualquer pessoa vinda de uma família normal, tendo até algo mais, que muitos nunca poderiam ter.

Nascido da necessidade de viver sozinho, e por isso sempre tendo de aceitar as circunstâncias. Algo semelhante a subserviência, suponho. Em vez de agarrar-se a alguém para sentir-se protegido, estranhamente ele parecia optar pelo contrário. Mas eu não me sentia feliz andando com alguém assim, no meu ponto de vista ele era o estranho; Uma criança estranha que parecia alheia a tudo aquilo que mais me atormentava.

Era um inverno terrível. Metaforicamente dizendo, também. Já passávamos das fases imaturas para tentarmos nos embalar como adultos. Aquele novo mundo parecia requerer muito tempo. tempo de acordar, tempo de seguir, tempo de voltar, tempo de esquecer o passado. Mesmo que tenhamos nos reencontrado, fingindo que ainda éramos iguais, aquilo não podia durar.

Machucava ainda mais deixar aquilo se alongar. No lugar daquela linha, passei a pensar se deveria construir uma muralha, pois sentia que estava exposto demais.

O pensamento fixo, imutável, quase obsessivo de vitória. Odiava estar a mercê de qualquer coisa. As mãos ocupadas sendo guiadas cegamente não conseguem trabalhar por si mesmas, os olhos acostumados aos ombros largos tapando seu horizonte, se esquecem facilmente do que procuram. Eu queria vencer, mas sobre emoções não é questão de vencedores ou perdedores.

Já disse anteriormente que não foi fácil pra mim desde a primeira tentativa. Eu simplesmente queria fingir que aquelas telas ainda existiam em prol do mesmo objetivo. Que meus olhos não precisariam enxergar uma nova realidade.

Ainda não havia porquê sair do quarto. Aquele garoto... Não significava nada. Bem, foi... minha primeira mentira.

O quadro da menina de cabelos de sangue não existia mais para me libertar da memória daqueles gritos. Ela me impedia de me livrar daqueles tubos. Sem respirar, caindo lentamente nas águas, fingindo que não podia ouvir a voz dele, cada vez mais perto, me perguntando com a mesma frequência que meus batimentos cardíacos começavam a disparar: " Você está bem?". Eu estava vivo de novo.

O que diabos aquilo deveria significar? O meu silêncio, o meu olhar, as palavras que travavam como carros enguiçados sem conseguir dar partida e então, sair do lugar... Eu estava me movendo. O que diabos...

Se estava tudo bem? Me diga você, cara. O que acha? Acha que simplesmente por estar aqui vai ficar "tudo bem"? Que se simplesmente sorrir todas as dores podem sumir porque tem alguém sorrindo por você? Você é terrível, cara. O pior.

Como uma cobra rastejando no azulejo do banheiro esperando você tirar as roupas para te picar onde mais dói. Depois de abrir tudo o que viu pela frente, passando por cima dos cacos de vidro caídos no chão, sem nunca... desviar os olhos refrescantes de mar. Como as ondas que querem acalmar, mas apenas destroem tudo.

Ninguém pediu sua ajuda. Ninguém.

Então ele ficou. Apertou minha mão com o mais doce sorriso e me prometeu, mais de uma vez, sempre e sempre... Que sim tudo estava bem, enfim. Eu podia respirar, pois estava vivo.

Quando ele retornou, aquelas telas reluziram, assim como aquele pequeno Jony, trazidas de volta da escuridão. E me vi com medo, agarrado a ideia que já não éramos mais os mesmos.

"Eu não posso perder mais nada". Porém, eu estava tão enganado, como sempre.

As noites passavam, na mesma cadeira, com a mesma xícara de café, de madrugada, sem conseguir olhar aquelas telas de frente e dizer pra mim mesmo o que elas ainda significavam. Se eu assumisse então seria real.

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