⁵|Pode enxugar suas lágrimas

    — …as vendas nas Américas, subiu 2% no último…

     As palavras do diretor de vendas são interrompidas pelo som de algo se estilhaçando.

    Todos na sala de reuniões, incluindo eu, olhamos para o outro lado do cômodo, onde ficavam uma jarra de água e copos. Ficavam, porque agora viraram cacos no chão.

— Desculpem — Kathryn murmura, se abaixando apressadamente para catar o vidro quebrado.

     É terceira vez que ela derruba algo. A primeira foi quando ela esteve na minha sala mais cedo para me atualizar da minha agenda de hoje. Ela estava aérea, suas palavras monótonas e nem mesmo piscou quando eu a chamei de Kathryn. Então ela derrubou meu refil de café e se ajoelhou para limpar a bagunça, o que só lhe rendeu uma enorme mancha de café nos joelhos. Minutos depois eu ouvi outro barulho do lado de fora do escritório, mas não tenho certeza do que ela deixou cair daquela vez.

     E agora isso. Há algo errado aqui, está tão claro quanto a água que agora molha o chão.

    Enquanto o diretor de vendas volta a falar, um estagiário que estava no canto assistindo e anotando tudo, se junta a Kathryn e começa a ajudá-la a recolher os cacos de vidro. Ela lhe dá um sorriso trêmulo e forçado, mas não sei se o garoto percebe. Na verdade, tenho certeza que não, porque ele está corando tão forte que é como uma sirene.

     Quando a reunião acaba alguns minutos depois, eu estou irritado. Por causa do pequeno show de Kathryn, eu não consegui prestar atenção em muita coisa que o diretor de vendas falou depois, muito ocupado me perguntando porque aqueles dois – Kathryn e o estagiário sem nome – estavam demorando tanto para catar alguns pedaços de vidro. Ou porque estavam conversando baixinho. O que eles estavam falando? "Ei, olha para esse pedaço de vidro, é tão brilhante"? "Esse era um conjunto de copos muito bonito"?

     Reprimo a vontade de revirar os olhos e caminho até os dois quando os outros saem da sala.

— Você não tem trabalho a fazer?

    O garoto se assusta com a minha voz, mas Kathryn já estava olhando para mim e uma pequena centelha de algo brilha em seus olhos.

— D-desculpa, senhor. Nós só estávamos…

— Saia.

    Acho que ele murmura um "sim, senhor", antes de sair correndo da sala. Provavelmente se mijou nas calças.

— Você deveria ser mais gentil com seus funcionários — Kathryn diz, voltando a recolher o que restou do vidro quebrado e colocando na bandeja.

— Não lembro de pedir sua opinião.

— Não se preocupe, eu não espero um "obrigada" de você, Sr Eu Não Posso Ser Gentil Porque Estou Muito Ocupado Sendo Um Pé No Saco.

— Você é muito criativa para uma mulher que está ajoelhada aos meus pés. Tenho certeza que a sua boca deveria estar ocupada com alguma coisa.

     Kathryn faz uma pausa e ergue o rosto para me encarar. Devolvo o olhar, mas sou muito menos expressivo que ela. Dá para ver pela coloração nas suas bochechas que ela está com raiva, já que ela não é do tipo que sente vergonha.

    Eu não deveria ter dito o que disse, e não porque falar assim com meus funcionários com certeza me renderia uma acusação de assédio sexual, mas porque agora eu estou imaginando ela fazendo exatamente o que falei e o fato de ela ainda estar ajoelhada não ajuda muito a apagar a imagem.

— Minha boca estaria ocupada, mas duvido que você fosse capaz de preenchê-la.

— Isso é um desafio?

    Ela abre a boca para responder, mas depois muda de ideia, balançando a cabeça.

     De repente, qualquer centelha que tivesse acendido dentro dela se apaga de novo. Eu deveria me sentir satisfeito por deixá-la sem palavras, o que quase nunca acontece, mas sinto apenas incômodo porque Kathryn nunca desistiria de uma luta verbal comigo.

     Ela fica de pé, carregando a bandeja com os cacos de vidro e não olha para mim ao dizer:

— Desculpe pela jarra e o conjunto de copos.

     Eu estou pouco me lixando para esse copos e ela sabe.

     Faço uma rápida análise dela: seu cabelo está um pouco bagunçado, o que para ela é algo totalmente fora do comum. Mesmo que viva com ele solto, está sempre brilhoso e alinhado. Suas roupas – uma saia lápis preta e uma blusa branca de botões onde os dois primeiros estão abertos – estão desgrenhadas e se eu não soubesse que ela é muito comprometida com seu trabalho, diria que ela andou se esgueirando por aí com algum outro funcionário.

— Tem sangue na sua mão — informo, já que ela não parece ter percebido.

     Seu olhar dispara para sua palma e ela inspira fundo, fazendo todo o seu corpo estremecer. É uma reação muito interessante e que me deixa intrigado. Não sabia que ela tinha  hematofobia. No momento essa é única coisa que consigo pensar que causaria essa reação.

    Kathryn dá um passo para trás, como se tivesse sido atingida por algo, soltando um lado da bandeja. Novamente o barulho de vidro se chocando com o chão preenche a sala quando os cacos se espelham pelo piso.

    Kathryn não parece estar ciente da bagunça que fez – de novo – quando praticamente corre até a sua bolsa e começa a remexer dentro dela.

     Que porra está acontecendo com ela? Eu nunca a vi… descontrolada. Para ser sincero, eu sempre fui o que estava sempre um pouco fora da razão, muitas vezes por causa das drogas em minhas veias ou por causa de qualquer gota – muito provavelmente litros – de álcool que pus na boca.

— Aqui. — Me aproximo e dou a ela o lenço que tirei do meu paletó.

    Kathryn agarra o pedaço de pano e começa a limpar a mão, ao invés de pressionar.

— Desculpe… Eu… — está balbuciando. — Vou limpar essa bagunça depois… E vou… Vou lavar seu lenço também… Não, vou comprar outro… Isso… Eu… Eu preciso ir.

    Sem mais uma palavra, ela agarra sua bolsa e deixa a sala.

☠️

     Fiquei três meses na reabilitação antes de assumir o cargo de presidente na Blackburn Empire. Foi uma das condições do meu pai, ele queria ter certeza que eu estaria limpo e comprometido com o trabalho. Então eu fiz e mais três meses se passaram desde então.

    Acontece que alcoolismo não tem cura e precisa de muita força de vontade para permanecer sóbrio. E de apoio, e com a família que eu tenho, isso não foi um problema.

     O problema, no entanto, é que meus irmãos acham que eu posso ter uma recaída se ficar a um metro de qualquer bebida alcoólica – o que pode ser verdade, dependendo do meu humor –, mas isso significa que nossos encontros de irmãos felizes – estou sendo totalmente irônico – não pode ser mais na Black Drink, a boate que costumamos ir. Lá tem muito barulho e pessoas e eu não precisava necessariamente interagir com meus irmãos.

    Mas por causa do meu vício incurável, a Black Drick está fora de questão.

    O que significa que agora estamos em uma pista de boliche, às oito da noite, com um bando de adolescentes, o que nos faz parecer esquisitões.

— Foda-se — Eros resmunga quando faz um Split. Uma mãe que está próxima de nós com sua filha de provavelmente dez anos lhe dá um olhar de desgosto e Eros murmura um pedido de desculpas.

     Arqueio a sobrancelha para ele.

— Não me olhe assim, Genevieve já está pegando no meu pé o suficiente por causa da "minha boca suja". Ela e Freya até fizeram um "Pote das Palavras Feias".

— Você vai falir antes do final do ano — Anthony diz com uma risada, fazendo Eros resmungar algo que faz aquela mesma mulher lhe dar outro olhar cortante.

     Cruzo os braços e espero nosso irmão caçula se preparar para sua próxima jogada. Ele tem ganhado de nós a noite toda. Há anos, na verdade, porque todas as vezes no aniversário dele, íamos a uma pista de boliche.

     Eu não deveria ter ficado surpreso quando eles me arrastaram para cá essa noite.

     E como o fodido sortudo que ele é, ele faz outro strike, a bola vermelha derrubando todos os pinos.

— Eu sei, eu sei, eu sou o melhor. — O idiota sorri convencido. Algumas garotas não muito longe de nós dão risadinhas, todas encantadas com o charme do meu irmãozinho mais novo.

     Enquanto Eros e eu somos parecidos até mesmo na personalidade – silenciosos, rabugentos e idiotas –, Anthony tem o melhor da nossa família: o charme que encanta qualquer um, o sorriso fácil e o bom humor. Mas a revista Middlewton não nomeou uma matéria sobre nós com o título "Os Blackburn e sua beleza irresistível" por causa das nossas personalidades. Então, sim, Anthony, tem a beleza irresistível dos Blackburn, apesar de não sermos irmãos de sangue. Ele é alto, entre 1,85 e 1,90, negro, magro, mas com músculos; seu cabelo escuro tem um corte baixo, estilo militar, e seus olhos são castanhos como os da mãe.

    Não dá pra culpar as garotas pelas risadinhas, eu acho.

— Não é justo, você sabe, quando você vem aqui pelo menos duas vezes no mês enquanto nós não praticamos há anos — Eros diz categoricamente.

— Aqui. — Anthony tira um lenço do bolso e estende para nosso irmão. — Pode enxugar suas lágrimas.

— Filho da…

    Uma tosse forçada o interrompe e nós olhamos para a mulher com sua filha. A qualquer momento Eros pode ficar sem sua língua.

    Eu ignoro as vaias de Anthony quando pego uma bola e vou para a approach. Eu estou atrás de Anthony nos pontos e pretendo mudar isso, então me concentro para não ter que ouvir as comemorações antecipadas do meu irmão.

    Dá certo, mais ou menos, porque derrubo apenas quatro pinos. Mas como ainda tenho mais um lançamento, faço um spare ao derrubar o resto dos pinos.

— Eu odeio vocês. — Ouço Eros resmungar. Ele parece uma criança, me lembrando de quando ele tinha oito anos de idade e ficava bravo quando não conseguia o que queria. Foi sua fase rebelde depois que nossa mãe biológica foi embora, dois anos antes, quando ele tinha seis anos.

    Pensar nisso traz a velha queimação de raiva em meu estômago.

    Abro e fecho minhas mãos, tentando deixar isso para lá, depois as escondo nos bolsos, sentindo meu maço de cigarro em um bolso e meu isqueiro em outro. Minha boca anseia por um cigarro, mas eu não posso fumar aqui dentro, então me contento em apenas segurá-los.

    As próximas rodadas são marcadas por Anthony vencendo e Eros fazendo mais reclamações, apesar de sabermos que ele não está mesmo chateado. Eu acho. Como você se sentiria sendo derrotado pelo seu irmão caçula?

   Quando encerramos a última rodada, Anthony é declarado vencedor, tendo feito trezentos pontos enquanto Eros e eu ficamos muito atrás para ser mencionado.

— Vamos apostar da próxima vez. Eu vou ajudar Freya a te falir — Anthony está dizendo quando saímos para o estacionamento.

— Veremos. Estarei mais preparado da próxima vez. — Eros aponta para Anthony enquanto caminha até seu próprio carro. — Isso é uma promessa. — Agora, tchau. Tenho uma filha para colocar para dormir e ela não dorme até que eu verifique debaixo da cama para ver se o bicho papão não está mesmo lá. — A última parte é direcionada a mim.

— Culpado — murmuro, acendendo um cigarro. Eros me dá um olhar, mas não fala nada, o que é uma surpresa. Ele tem sempre algum sermão para me dar.

— Boa noite — diz e aceno distraidamente ao mesmo tempo que Anthony diz:

— Noite. Dá um beijo na Freya por nós.

     Enquanto observo o carro de Eros se afastar, me encosto no carro de Anthony, que segue meu exemplo.

    Assopro a fumaça e aos poucos, sinto a tensão deixar meus ombros. Não foi fácil largar o álcool e as drogas, mas largar o cigarro está muito acima do que estou disposta a fazer.

    Ao meu lado, o celular de Anthony vibra e ele o tira do bolso, revelando o nome "Emma" na tela com uma mensagem que diz "Podemos almoçar amanhã?".

— Você está fodendo a irmã da Genevieve? — pergunto depois de outra tragada.

    Anthony faz uma careta.

— Não. Ela vai ser madrinha da Genevieve e eu o padrinho. Ela só está… tentando se aproximar. Para não ficar estranho no dia do casamento.

— Ela vai se aproximar para dentro das suas calças se você não ficar esperto. Ela pode te dar um golpe da barriga.

— Cara, não fala assim.

— O quê? — Arqueio a sobrancelha. — Uma mulher que sequestra a própria sobrinha é capaz de qualquer coisa.

— Genevieve a perdoou, não é? E como eu disse, só seremos padrinhos do casamento, eu não estou interessado.

    Certo, porque ele é apaixonado pela Lorelei.

— De qualquer forma, você tem sorte de Kate ser o seu par. Vocês pelo menos se conhecem.

    Não digo que ele está esquecendo o fato que a mulher me detesta, ao invés disso aproveito que já estamos no assunto.

— Você falou com ela hoje?

— Kate? Não, por quê?

    Dou de ombros, olhando para o céu enquanto assopro a fumaça do cigarro.

— Ela está estranha.

— Estranha como… Ah. Eros disse que ela quase foi atropelada hoje.

    Isso faz eu encará-lo novamente, girando meu pescoço tão rápido que sinto uma picada de desconforto.

— Elas saíram para almoçar e um idiota não estava prestando atenção no sinal. Mas Genevieve a puxou a tempo e não aconteceu nada. Ela deve estar um pouco traumatizada.

    Contemplo isso por um momento, lembrando de quando Kathryn desarmou um assaltante em um baile que todos nós fomos ano passado. Ela ficou pálida depois e um pouco desnorteada, mas passou rápido. Com base no que Anthony contou, o horário de almoço foi horas antes da minha reunião, tempo o suficiente para ela se recuperar de quase ter sido atropelada.

    Eu descarto o motivo da sua estranheza ter sido seu quase atropelamento, então.

    Mas isso significa que não sei o que está errado.

    E eu odeio não saber.


☠️



OBRIGADA PELOS 1K, AMO VCS😭💖🖤☠️

Vou confessar a vocês que um dos meus momentos preferidos é dos irmãos juntos😭. Pensar que no livro do Eros, o Khalil e ele viviam discutindo...

Espero que tenham gostado do capítulo e estejam preparadas para o próximo.

TERÇA-FEIRA tem capítulo e é um dos meus PREFERIDOS até agora 👀🖤

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2bjs, môres♥

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