⁶⁶|O amor nos torna estúpidos
Ao abrir meus olhos, a sensação que tenho é que estou emergindo de um sono profundo, mas não lembro de ir dormir. É estranho e desconfortável, principalmente porque depois de piscar algumas vezes, meu cérebro demora a se adaptar ao fato de estar acordado e tudo parece meio embaçado e confuso.
Leva uma instantes para minha visão se ajustar e conforme isso acontece, começo a perceber algumas coisas ao meu redor e não demora muito para eu entender que estou em um quarto de hospital. Há literalmente tubos ligados ao meu corpo e uma máquina monitorando meus batimentos cardíacos.
Começo a procurar ao meu redor, qualquer coisa que me dê indícios de o que diabos está acontecendo, quando percebo uma figura familiar sentada em uma poltrona.
O que Eros está fazendo aqui?
Abro a boca para fazer essa pergunta diretamente ao meu irmão, mas começo a tossir em vez disso, meus pulmões se contraindo quase dolorosamente. Isso desperta meu irmão, que olha diretamente para mim. Seus ombros desabam de alívio quando me vê acordado.
— Finalmente — parece murmurar. Eu ainda estou tossindo quando ele levanta e caminha até o lado da minha cama, onde há uma jarra de água e um copo. Eros enche o copo e me entrega.
Ao beber a água, franzo as sobrancelhas para a dor agoniante na minha garganta.
— Como está se sentindo? — meu irmão pergunta, me encarando com preocupação. Já vi esse olhar muitas vezes. Que merda eu devo ter feito agora para ele ter vindo limpar?
— O que aconteceu? — Estamos em Chicago? Eu tive uma recaída? Foi muito ruim?
Eros pega o copo da minha mão, devolvendo-o para a mesinha onde estava.
— Não se lembra? — Enquanto nego, ele põe a mão na minha testa, checando minha temperatura, percebo. — Sua febre baixou. Você passou as últimas horas delirando por causa dela. — Então, ele afasta sua mão e cruza os braços. A seriedade domina sua expressão. — Você perdeu a porra do juízo? Passar cinco horas naquele temporal? Estava tentando se matar?
Como se fosse a chave para as minhas memórias recentes, suas palavras desencadeiam os últimos acontecimentos dos quais me lembro. O parque, a chuva gelada caindo ao meu redor, e então… tudo ficando um borrão.
Fecho meus olhos. Em partes, estou aliviado que não tive uma recaída. Mas, por outro lado… Acho que eu preferia ter uma recaída do que saber que, mesmo depois de tudo, ela ainda não apareceu. Claro que não. Por que ela iria? Se eu estivesse pensando corretamente, saberia que Kathryn não iria aparecer no meio de uma tempestade. Ela não foi quando o sol estava brilhando, então foi burrice minha supor que dessa vez seria diferente.
— O amor nos torna estúpidos — explico ao meu irmão quando abro os olhos. — Você sabe disso.
A expressão de Eros se suaviza. Desvio o olhar. Não quero sua pena. Não quero ouvir como ele tentou me avisar de que eu deveria ter voltado. Eu poderia ter impedido tudo isso, minha própria humilhação e sofrimento. Eu não me arrependo, no entanto. Faria tudo de novo apenas por uma chance… Uma chance de tê-la de volta.
— Quanto tempo estou desacordado? — pergunto, ignorando as dores nas minhas articulações quando tento sentar. Todos os meus músculos parecem ter sido chacoalhados.
— Dois dias. — Surpreso, encaro Eros. Ele assente. — Pois é. Você teve um caso grave de hipotermia. Também teve uma convulsão. Ficou dezoito horas na UTI antes de transferi-lo para esse quarto. Você ainda estava delirando pela manhã, mas os medicamentos ajudaram a baixar a febre.
Solto um suspiro, passando minhas mãos pelo rosto enquanto a culpa começa a pesar em meus ombros.
— Sinto muito — digo. — Não era minha intenção preocupar vocês. — Eu posso até imaginar como minha família deve ter ficado desesperada.
— Está tudo bem. Você está bem, é o que importa — ele tenta me tranquilizar. — Só cheguei aqui ontem a noite porque todos os voos estavam sendo cancelados por causa da tempestade. Consegui convencer nossos pais a ficarem em Chicago.
— Como você ficou sabendo? — Não tinha me feito essa pergunta até agora.
Eros arqueia a sobrancelha.
— Kate me ligou.
Eu pisco, não acreditando no que ele disse. Kathryn ligou para ele? Como ela soube? O que…
O bip bip bip bip bip bip bip acelerado do monitor cardíaco é o único zumbido no meu ouvido conforme a porta do quarto se abre e ela entra.
☠️
— Eu trouxe café — anuncio ao entrar no quarto. Saí para ir ao banheiro, mas acabei indo comprar café para Eros e eu, já que aparentemente será outra longa noite.
Ou não.
Logo após fechar a porta e me virar, congelo, encontrando aqueles olhos verdes bem abertos e me encarando. Khalil acordou.
Os copos de café quase escorregam das minhas mãos. Meus joelhos fraquejam. Ele acordou. Lágrimas queimam em meus olhos quando o alívio me domina. Foram os dois piores dias da minha vida. Nas primeiras dezoito horas, achei que fosse morrer de pânico e ansiedade enquanto o observava na UTI pela janela de vidro. Foi completamente angustiante vê-lo lá, desacordado e seu único sinal de vida sendo mostrado naqueles aparelhos. Então, quando ele melhorou e foi transferido para este quarto, vieram os delírios causados pela febre. Toda vez que ele dizia meu nome com a voz carregada de angústia, uma parte de mim se partia.
Então, vê-lo acordado e parecendo estável, me faz querer chorar de alívio. Mas me controlo, e em vez disso, sorrio levemente para o bip bip bip bip bip bip bip do monitor cardíaco. Enquanto ele dormia, o monitor se mantinha estável, muito diferente de como está agora.
— Oi — sussurro. Seus olhos estão arregalados, os lábios entreabertos. Por que ele parece em choque? Eros não disse que eu estava aqui?
— Oi — murmura, a voz rouca. Meu coração explode de felicidade com essas simples palavras. Essa prova de que ele está mesmo consciente depois dos últimos dois de tortura.
Bip bip bip bip bip bip bip bip.
Meu rosto cora com a percepção de que sou eu que estou causando essas batidas aceleradas.
Eros pigarreia e quando o encaro, ele parece estar achando graça.
— Obrigado pelo café — diz, se contendo e olha para o irmão por cima do ombro ao dizer: — Vou avisar a nossa família que você não morreu, no fim.
Franzo as sobrancelhas para Eros. Isso não tem graça.
Assim que Eros sai, o bip da máquina é o único som por um momento.
Aproximo-me da cama, meu coração igualando-se ao de Khalil. Eu nem me importo de estar usando roupas super largas. É a consequência de não ter ido em casa. Eu tive receio de Khalil acordar e eu não estar aqui. Não sei exatamente porquê, não consegui sair do lado dele por muito mais tempo do que o suficiente para ir ao banheiro ou buscar um café. E é por isso que estou usando um conjunto moletom de Eros. Ele também não deixou o hospital e quando percebeu que eu também não iria, me deu essas roupas alegando que eu também ficaria doente se não tirasse aquelas roupas que eu estava usando (eu não tinha parado para pensar que ainda estava vestindo as roupas molhadas do dia anterior).
— Como você está se sentindo? — pergunto a Khalil, colocando meu café em um lugar seguro antes de me dar impulso e sentar na beira da cama. Pego meu café de volta, tomando um gole enquanto espero sua resposta.
Khalil pisca algumas vezes até finalmente perceber que lhe fiz uma pergunta.
— Como você está?
— Não fui eu que desmaiei depois de passar cinco horas no meio de uma tempestade — digo, minhas palavras um pouco ríspidas. Não vou ser boazinha com ele em relação a isso. Ele poderia ter morrido.
— Você tem pavor de hospitais — diz simplesmente.
Desvio do seu olhar para o copo em minhas mãos, meu rosto corando de vergonha. Ele não está mentindo. A última vez que estive em um foi para visitar Eros e Enrico quando o primeiro doou um rim ao pai. Muita coisa estava acontecendo naquela época. Fazia tanto tempo que eu não pisava em um hospital, que no primeiro dia que meu pânico foi tão grande que eu desmaiei. Khalil estava lá para me segurar. Lembro de acordar em seu colo e de ele indo comprar um sanduíche vegano para mim depois. Acho que foi a primeira vez que eu não o odiei tanto.
— Estou bem — asseguro a Khalil, não contando que uma enfermeira me achou tendo uma crise de ansiedade no banheiro quando ele foi levado para a UTI. Ou que eu comecei a tremer enquanto ele delirava de febre e Eros precisou me acalmar e segurou uma lata de lixo para mim enquanto eu vomitava.
Pelo olhar de Khalil, é como se ele soubesse de tudo isso. Mas ele deixa o assunto de lado ao responder:
— Um pouco de dor e cansaço, mas estou bem.
Anuo, novamente sendo dominada por aquela sensação de alívio.
— Isso é bom — ofereço quando na verdade quero abraçá-lo e nunca mais soltar.
— Como você… Como soube que eu estava no hospital?
— Frank me ligou quando te encontrou desmaiado no parque. Eu cheguei quando os paramédicos estavam levando você.
Khalil assente silenciosamente.
Engulo em seco quando os segundos viram um minuto inteiro de silêncio.
— Recebi as flores e as cartas — digo baixinho, encarando aqueles olhos verdes esmeraldas que me tiram o fôlego. — Mas eu… Eu ainda não estava pronta, Khalil. Ainda não estou.
— O que isso quer dizer? — devolve, a voz igualmente baixa. Seus olhos têm um misto doloroso de esperança e medo.
Solto um suspiro, sopesando minhas palavras antes de dizer a ele tudo o que venho pensando. Três meses atrás eu disse a ele que não sei se seria capaz de perdoá-lo um dia. Eu estava decidida. Achei que ele iria desistir e ir embora, mas então os buquês e as cartas começaram e eu já não tinha mais certeza. Li cada uma delas uma centena de vezes. Setenta e quatro cartas. O homem que disse não ser bom com palavras e falar de sentimentos, me escrevera setenta e quatro cartas declarando o seu amor por mim.
Isso me confundiu tanto. E eu odiei. Odiei porque eu estava decidida a não perdoá-lo. Eu não podia, certo? O que ele fez não tinha perdão, não é?
Mas você o perdoou. Por quê?
Só existe uma resposta simples e descomplicada para essa pergunta: porque eu o amo mais do que o odeio.
— Perdoo você — repito o que falei na ambulância quando não podia me ouvir. Khalil não parece estar respirando quando ouve essas duas simples palavras.
— Mas…? — sussurra.
Engulo em seco novamente, sentindo meu coração voltar a martelar.
— Mas não estou pronta ainda. Eu preciso me acostumar com o fato de que te amo mais do que te odeio. De que, apesar de tudo, eu não consegui te tirar do meu coração, não importa o esforço que eu tenha feito. — Procuro seu olhar, precisando fazer com que ele me entenda. — E eu preciso fazer isso sozinha, sem a pressão de saber que você parou a sua vida para me esperar. Para esperar por algo que ainda é incerto.
Khalil me encara, assimilando tudo o que eu disse. Sua expressão é indecifrável agora.
— O que você quer de mim, Kathryn? — pergunta então.
— Volte para Chicago. Eu irei até você quando estiver pronta.
Eu sei que ele não gosta disso quando tensiona a mandíbula. No entanto, Khalil apenas pergunta:
— Pode me prometer uma coisa?
Penso em negar, mas seus olhos estão tão tristes e suplicantes, que eu apenas anuo.
— Chega de silêncio. Eu não posso… Não posso mais suportar um dia com o seu silêncio. É como estar me matando aos poucos, não saber se você está bem, ou apenas como foi o seu dia. Então… Pode me prometer algumas mensagens de vez em quando? É tudo o que eu peço e voltarei para Chicago assim que tiver alta.
Eu não posso negar isso a ele quando me sinto da mesma forma. Todos os dias ao me encontrar com Frank, eu sempre perguntava como Khalil estava. Mas os relatos de Frank não eram a mesma coisa que ouvir do próprio Khalil ou ver com meus próprios olhos.
Por isso, eu concordo.
— Está bem.
Um leve inclinar de lábios surge em seu rosto. Hesitante, Khalil pega minha mão, que está na cama. Ele espera que eu me livre do seu toque, mas, em vez disso, aperto sua mão de volta. Aquele choque de eletricidade percorre meu corpo de novo, provando que, não importa quanto tempo passasse, meu corpo sempre irá responder ao seu.
Talvez… Talvez ainda haja uma chance para nós, no fim das contas.
E essa ideia surpreendentemente não me embrulha o estômago, mas faz algo diferente: desperta as borboletas que estavam há muito tempo adormecidas.
☠️
AaaaAAAaaaAAaa. Fiquei tão aflita imaginando a Kate nessa situação, esperando o Khalil acordar 😭😭😭😭😭. Esses dois me fazem sofrer demais...
SÓ FALTAM TRÊS CAPÍTULOS😭😭😭🥺
Espero que tenham gostado!
☺️🤭😘❤️🩹
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2bjs, môres♥
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