ᝰOne-Shot 🦇
━ Eu terminei com ele ━ a voz da mulher viajou por seus ouvidos, enquanto um suspiro recheava os lábios dela.
A notícia te surpreendeu, mas não ao ponto de ficar visível em seu semblante. Recostando-se na sua cadeira giratória enquanto deixava apenas um dos pés em cima dela, você juntou as sobrancelhas, ingerindo com calma aquela nova informação repentinamente dada pela mulher com a qual conversava.
━ É sério? ━ fez uma pergunta retórica, demonstrando certa descrença em sua voz ━ e você está deprimida com isso agora?
━ É claro que não! ━ exclamou, a indignação era notória na voz abafada que era transmitida pelo seu celular ━ Eu não sou uma adolescente ingênua que se afoga nas mágoas depois de terminar um namoro, ( Nome )! Eu sou uma mulher adulta, e você sabe disso, mulheres adultas sempre tem um plano B para o caso do plano A falhar ━ explicou, você podia não estar vendo-a pessoalmente, mas só pelo tom de sua voz, já sabia que ela estava empinando o nariz e assumindo pose de adulta responsável no outro lado da linha, assim como sempre fazia quando queria demonstrar que era uma mulher séria e madura ━ e de qualquer forma, eu realmente não sinto nenhum arrependimento ou qualquer sentimento negativo em relação a isso, eu na verdade me sinto bem aliviada e em paz agora━ voltou ao seu tom de voz casual.
━ bom, eu nunca gostei dele, então a única coisa que posso fazer é te parabenizar por esse feito ━ você deu de ombros, puxando ambas suas pernas para cima da cadeira e apoiando seus pés na beirada dela, fazendo-a girar brevemente por culpa da sua súbita movimentação.
━ é.... ━ a mulher pareceu ficar inquieta de repente.
Segurando com cuidado a mesa que estava na sua frente, você juntou força em seu braço e utilizou ele para girar o seu corpo, fazendo a cadeira dar algumas curtas voltas e seu campo de vista virar brevemente um borrão.
━ ( Nome ).... ━ a pronúncia de seu nome escapou dos lábios dela de uma forma um tanto quanto séria.
━ sim? ━ respondeu ao chamado, ainda brincando com a cadeira giratória, empurrando seu corpo para o lado novamente sempre que ela parava de girar.
━ você está bem..? ━ perguntou, não se importando em demonstrar a enorme preocupação que tinha em sua voz.
Segurando na mesa mais uma vez e obrigando seu corpo a parar de rodar, você se ajeitou na cadeira, deixando que suas pernas caíssem no chão novamente.
Apertando as sobrancelhas, você juntou os lábios, sentindo emoções estranhas roerem seu interior de repente.
━ estou sim ━ respondeu após alguns segundos calada.
━ está bem de verdade?
━ estou.
━ realmente bem?
━ estou, tia, não precisa se preocupar tanto ━ você girou os olhos, rindo da insistência de sua tia.
━ eu não posso evitar de me preocupar! ━ ela assumiu, parecendo frustrada ━ é que...aquilo foi chocante demais para todos nós! E você ainda é tão nova..tão nova para passar por isso......como quer que eu não me preocupe com você?? ━ sua voz falhou por um momento ━ e, depois daquele incidente você passou a se trancar dentro desse quarto..passa o dia dentro dele, raramente sai de casa, raramente socializa com outras pessoas...( Nome ), você ainda tem uma bela vida pela frente, eu não quero que você perca metade dela presa dentro de casa ━ cada palavra que era proferida por ela pesava em sua consciência, a tristeza que carregava tais frases eram avassaladoras demais, não só para a mulher do outro lado da linha, como também para você.
━ eu sei..eu sei ━ você deu um pequeno sorriso, apreciando toda aquela preocupação que sua tia sempre demonstrava ━ mas não precisa se preocupar comigo, eu estou bem, de verdade ━ garantiu, empurrando a cadeira para o lado e a posicionando de frente para o computador, que naquele momento estava ligado, exibindo a área de trabalho e iluminando o quarto na qual você se encontrava naquele momento ━ e para ser franca, eu nunca gostei de socializar, tia, sempre tive dificuldade para interagir com outras pessoas, eu realmente prefiro ficar em casa mesmo, lhe garanto que estou aproveitando bem mais a minha vida aqui dentro, do que lá fora ━ falou enquanto batucava os dedos na mesa.
━ oh, meu anjo, viver enfurnada na sua casa não é, de forma alguma, um jeito de aproveitar a vida ━ ela discordou ━ se eu ao menos não fosse tão ocupada com o trabalho, iria te levar para sair todo dia! ━ revelou.
━ ah, acho que sair todo dia seria meio ruim..eu já estou bem feliz com a gente apenas saindo de vez em quando ━ você encolheu os ombros, sendo totalmente sincera, você realmente gostava quando sua tia tirava o dia de folga para te levar para algum lugar e passar o dia com você, principalmente porque isso acontecia com pouca frequência, já que ela quase nunca tinha tempo para tirar uma folga.
━ amanhã é Halloween, não é? ━ perguntou, como que para ter certeza que seu calendário mental estava certo.
Erguendo as sobrancelhas em surpresa por um momento, ao se lembrar da inútil, mas também interessante informação do Halloween estar perto, você vagou suas orbes pela tela de seu computador e pousou-as no canto da tela, onde o horário e a data estavam visíveis,
07:24 PM
30/10/****
━ sim ━ confirmou após ter certeza, sentindo uma pontada de animação te dominar, você não ia sair de casa e muito menos comemorar o Halloween, mas ainda assim era empolgante saber que faltava apenas algumas horas para o Dia Das Bruxas.
━ então por que você não sai com seus amigos para comemorar ou algo assim? Pedir uns doces pela vizinhança e essas coisas. Ah! Como estou com saudades da época que eu fazia isso~ ━ deu uma sugestão, sua voz se enchendo de nostalgia.
━ Tia, eu não tenho amigos ━ lembrou-a novamente de algo que vez ou outra ela esquecia.
━ oh, certo, sem comemoração de Halloween com amigos então ━ se corrigiu rapidamente ━ mas e--
━ Não precisa se preocupar comigo, tia, eu nem vou comemorar o Halloween mesmo, e se for para comemorar, eu vou comemorar em casa, não tem problema nenhum ━ você a interrompeu, tentando convencer ela de que está bem.
━ Halloween é uma data importante e divertida! Você não pode simplesmente "não comemorar"! ━ Ela resmungou.
Você riu, sabia que o Dia Das Bruxas era a dia preferido da sua tia e que ela não iria desistir até dar um jeito de te fazer comemorar com ela.
━....eu vou tentar convencer o meu chefe a me dar uma folga, e então vou aí te arrastar para fora dessa toca, fazer você usar uma fantasia assustadora combinando com a minha e festejar junto de você ━ ela se decidiu após alguns momentos calada, roubando mais um sorriso de seu rosto.
━ bem, se você insiste, estarei esperando ━ brincou, por um momento realmente desejando que ela conseguisse essa folga.
A voz baixa e incompreensível de outra pessoa se fez presente no outro lado da linha, demonstrando que a mulher com a qual conversava não estava sozinha.
━ certo, entendi. Meu amor, eu preciso voltar a trabalhar, a gente se fala depois, está bem? ━ ela respondeu algo para a outra pessoa, antes de se dirigir a você novamente.
━ claro! Bom trabalho, vê se descansa direitinho! ━ disse carinhosamente.
━ digo o mesmo para você ━ foi a vez dela rir ━ tchau ━ se despediu, antes de encerrar a ligação.
Tirando o celular de perto do seu ouvido e o deixando cair no seu colo, juntamente da mão que o segurava, você soltou um suspiro, notando o quão quieto e silencioso seu quarto ficou de repente.
Era impossível de evitar a sensação solitária que atingiu seu peito naquele momento, deixando aquele local com uma atmosfera tristonha.
Você adorava o silêncio e o sossego, mas as vezes sentia falta de uma animação.
Observando a tela de seu computador com um olhar distante, você vasculhou suas memórias, procurando por algo interessante para se ocupar agora que não estava fazendo absolutamente nada.
Não tendo sucesso na sua busca mental, você se inclinou para frente e alcançou o mouse do computador, desligando-o e decidindo ir na cozinha pegar algo para comer.
Erguendo seu corpo da cadeira e sentindo seus membros resmungarem em resposta, você se moveu em direção à porta do quarto e a abriu, deslizando por ela, antes de fechá-la, o barulho que ela produziu quando foi fechada ecoou por sua casa, dando um golpe corajoso no silêncio, mas não sendo forte o suficiente para derrotá-lo.
Murchando seus ombros, você varreu seu apartamento com o olhar, se perdendo em pensamentos enquanto percebia o quão quieto e assustadoramente solitário ele conseguia ser.
Já havia se passado um ano desde aquele incidente, mas ainda assim você continuava a ter dificuldades em se acostumar com aquele novo estilo de vida, os sentimentos daquele dia ainda eram frescos no interior de sua alma.
Você ainda não havia se acostumado a viver sozinha, sem seus pais, o apartamento no qual agora vive ainda é completamente desconhecido para você, você ainda não conseguia vê-lo como um "lar", as memórias de sua antiga moradia barulhenta e movimentada sempre vinha em sua mente quando você pensava em "casa".
Era estranho de repente estar completamente sozinha no mundo, desde o dia em que seus pais morreram em um acidente de carro, sua vida veio mudando drasticamente. Não teve um dia na qual você não sentiu saudades da voz deles, das brincadeiras deles, e até mesmo da presença deles, você se sentia completamente solitária sem eles ao seu lado, era como se uma parte sua também tivesse morrido naquele acidente.
Você consegue lembrar vividamente o quão desolada e perdida ficou quando recebeu a noticia da morte deles, sua tia, irmã mais nova de sua mãe, também ficou desesperada com tal acontecimento, mas ainda assim ficou ao seu lado e fez de tudo para você se sentir melhor, ela te acolheu e te fez companhia em um momento onde você não tinha mais ninguém, e é por isso que você é extremamente grata à ela, que te guiou para fora da escuridão quando você já não via mais a luz. Sua tia virou uma segunda mãe para você, ela sempre arranja um jeito de te dar tudo o que você precisa e até mesmo te presentear com coisas que você não precisa de vez em quando, está sempre zelando por seu bem-estar e mesmo sendo bastante ocupada, sempre consegue um tempo para te fazer companhia e lotar sua mente de memórias boas e alegres, até que não haja espaço para aquelas tristes e desesperadoras.
Sinceramente, o que seria de você sem sua tia?
Balançando sua cabeça e jogando esses pensamentos para longe, você virou o rosto na direção da cozinha e caminhou até lá, concentrando sua mente apenas em pensar em algo para comer.
[ ... ]
A tela da televisão era a única fonte de luz que iluminava aquela sala escura e gelada, deitada de forma preguiçosa no sofá, você assistia os créditos subirem enquanto mais um episódio da série que assistia chegava ao fim, um bocejo escapou de seus lábios e se prolongou neles por alguns instantes, fazendo seus olhos lacrimejarem.
Após passar a mão no canto dos olhos para enxugá-los, você percebeu que já havia se passado horas desde que começou a assistir. Preocupando-se com o horário repentinamente, você virou a cabeça em direção ao relógio cuco que enfeitava a parede de sua sala, forçando um pouco sua visão para conseguir enxergar com clareza os números estampados nele.
11:58 PM
Soltando um suspiro, aliviada em saber que ainda não havia passado das doze, você voltou a se afundar no sofá, dirigindo sua atenção para a televisão novamente, que agora transmitia a abertura da série.
Foi então, que você sentiu seu celular vibrar no seu bolso, sinalizando que alguém havia lhe enviado uma mensagem.
Temendo que fosse algo importante, você pegou agilmente o aparelho e o puxou para o seu campo de vista, ligando-o e vendo pela tela de bloqueio mesmo, as notificações que nele tinha.
Você tem 1 nova mensagem:
Tia👑: hey
Erguendo uma sobrancelha, você desbloqueou o seu celular e apertou em cima da notificação, abrindo o WhatsApp.
Tia👑
> Hey
11:58 PM
Oi <
11:58 PM
Respondeu com curiosidade, vendo-a visualizar quase que instantaneamente, e logo começar a digitar.
Tia👑
> digitando...
> Feliz Halloween 🎃🧟♀️
11:59 PM
Você não conseguiu evitar o sorriso que deu após ler a mensagem.
Tia👑
Ainda nem é meia-noite, tia<
11:59 PM
> digitando...
> Deixa disso, falta só um minuto, já pode ser considerado meia-noite 😩
11:59 PM
Você deu uma risada sem produzir nenhum barulho, se divertindo com o fato de sua tia não ter aguentado a ansiedade de esperar dar meia noite para enviar a mensagem.
Concentrando os olhos no horário que era exibido no seu celular, você esperou ansiosamente o número 12 aparecer.
..........
O barulho da pequena portinha que tinha em seu relógio abrindo e revelando um lindo passarinho de madeira despertou sua atenção, deslizando suas orbes até ele, você observou o pequeno animal inanimado de repente preencher sua casa com uma canção que alertava a mudança no horário, e junto dela, o iniciar de um novo dia.
CUCKO CUCKO CUCKO CUCKO CUCKO
Era enfim, meia-noite, e por isso, o passarinho continuou a cantar, ele pararia apenas depois de repetir "cuco" 12 vezes.
Sabendo disso, você abriu um sorriso, voltando seu campo de vista para a tela de seu celular e deslizando seus dedos pelo teclado, enquanto digitava uma mensagem para sua tia.
Tia👑
Agora sim <
12:00 AM
Feliz Halloween👻 <
12:00 AM
O pequeno sorriso em seus lábios se alargou quando você viu ela enviar uma figurinha engraçada como resposta.
Ajeitando-se no sofá e se sentando de forma mais confortável, você posicionou os dedos sobre o teclado de seu celular novamente, começando a digitar mais uma vez.
Seu dedo parou no ar quando você começou a sentir sensações estranhas invadirem seu corpo. O som do passarinho cuco que ainda ecoava pela casa pareceu ficar mais alto de repente, era como se ele estivesse tocando bem perto de seu ouvido, o barulho estava tão alto que passava a ser insuportável de se ouvir, e não era apenas ele, sinos que pareciam estar ao lado de seu ouvido começaram a tocar subitamente, dominando toda a sua casa, mas parecendo afetar apenas você. As vozes dos personagens de sua série que conversavam entre si já não eram mais audíveis para você, a cada momento que se passava, o som da televisão ficava mais e mais distante.
Sua visão começou a ficar turva, tão turva ao ponto de você não conseguir enxergar nada com clareza, você já não conseguia mais ver as letras no seu teclado, e pior que isso, o cenário a sua volta virou um completo borrão impossível de se decifrar.
Estar com a visão assim te deixava completamente desesperada e atordoada, você estava tão desnorteada que não conseguia mais enxergar as coisas ao seu lado ou até mesmo na sua frente, suas pálpebras estavam tão pesadas que era difícil mantê-las abertas.
Você ergueu a cabeça e olhou ao redor, tentando compreender o que estava acontecendo e lutando contra a enorme sonolência que de repente te atacava ferozmente, bagunçando completamente seus sentidos.
"O que...o que está acontecendo..?"
Você se perguntou mentalmente, encontrando dificuldades até mesmo em formular um pensamento coerente.
Seu corpo se assimilava à uma pedra de tão pesado que estava, seus membros não respondiam ao seu chamado e se moviam apenas quando você utilizava toda a sua força, era como se aqueles sinos que repentinamente começaram a tocar juntamente do relógio cuco em um timbre forte, fazendo seus ouvidos tremerem e sua cabeça latejar, estivessem te hipnotizando e tomando domínio de sua consciência, era como se tais sons estivessem sugando ela para fora de seu corpo e te guiando para algum outro lugar.
Você sentiu seu coração batendo em um ritmo perigosamente acelerado e forte enquanto o seu celular caia de suas mãos e você perdia completamente o controle de seu corpo, que agora estava a mercê do sono e se recusava a mover um músculo sequer.
Manchas pretas começaram a aparecer em seu campo de vista, se multiplicando e o engolindo completamente conforme sua consciência se esvaziava de você.
Todas as forças que mantinham seu corpo sentado sumiram, fazendo com que ele caísse brutalmente no sofá, e antes mesmo que notasse, você já havia sido dominada pela escuridão, caindo em um sono profundo e mortal.
............................
......................
.................
Um frio estranhamente grande passeou por seu corpo desprotegido, fazendo seus pelos se eriçarem e seu corpo tremer, movendo-se inconscientemente para o lado e se encolhendo, numa tentativa clara de se proteger daquele ar gelado que pairava sobre você, o incômodo que aquela sensação inopinada lhe causou foi tanto, que até fez sua consciência recobrar ao local de origem, começando a despertar seus sentidos, e te acordar de forma lenta do que parecia ter sido um longo e profundo sono.
Ainda perdida nas profundidades do mundo dos sonhos, você se aconchegou em si mesma, demonstrando relutância em ceder as tentativas do seu corpo de te acordar. Não foi preciso muito esforço para te arrancar do sonho distante e olvidado que estava tendo naquele momento, já que mais uma onda de frio lhe envolveu, fazendo mais uma onda de tremor te consumir, e com isso, o despertar de seu cérebro adormecido, que começou a trabalhar imediatamente assim que arrancado do modo avião.
Sua consciência voltou totalmente para seu corpo, assim que você, lentamente notou o frio que estava sentindo, essa foi a primeira sensação que você ingeriu assim que acordou, e depois dela, outras vieram logo em seguida. Começando a se tornar ciente das coisas ao seu redor, e sendo agora capaz de sentir o colchão macio e meio gelado em que estava deitada, você conseguiu formular seu primeiro pensamento, que foi dito mentalmente de forma preguiçosa e meio incoerente, este que foi um elogio referente ao quão confortável era aquele colchão.
Aos poucos, sem que nem notasse, você foi readquirindo a habilidade de pensar, o que fez com que sua mente começasse a se encher de pensamentos intrometidos sobre diversas coisas aleatórias e sem importância. Esta foi a última etapa de seu corpo para te acordar completamente, mas mesmo depois de tantas sensações novas com as quais você já estava familiarizada, suas pálpebras permaneceram fechadas, e você não moveu um músculo sequer, a sonolência ainda era fresca em seu corpo, o que fez uma enorme preguiça se acumular por seus membros, que se recusavam a se erguer do conforto em que você estava naquele momento.
Sendo influenciada pelos próprios pensamentos que insistiam em continuar deitada e resmungavam da ideia de ter que se levantar, você permaneceu imóvel, curtindo a agradável preguiça que te dominava, e ignorando a tremedeira causada pelo frio que em nenhum momento deixou de te atormentar.
O silêncio que existia no local era como uma canção de ninar que te embalava e te convidava para mais um passeio no mundo dos sonhos, tal convite era irresistível demais para se recusar, e, sem pestanejos, você deixou que as ondas do mar de seu sono te levassem para onde quisessem, permitindo que sua consciência fosse liberada novamente. Você teria cochilado sem dificuldade alguma, se não fosse pela repentina movimentação que se fez presente no colchão, denunciando a presença de mais alguém naquela possível cama em que você estava deitada.
Quaisquer resquícios de sono que navegavam em seu interior haviam sido completamente destruídos pelo alarme que incendiou em sua mente, deixando seu corpo rígido e seus sentidos completamente em alerta.
Um calor corporal que definitivamente não pertencia a você exalou de alguém que estava deitado ao seu lado, e juntamente dele, o som baixo e leve de uma respiração pesada e pacífica..havia uma pessoa dormindo ao seu lado.
Seu corpo tremeu novamente, mas dessa vez não foi por culpa do frio.
Abrindo os olhos de forma brutal para conferir o que estava havendo, e se não era apenas coisa de sua mente sonolenta lhe pregando peças, você piscou várias vezes e apertou os olhos, tentando ajustar sua visão que de primeira estava completamente embaçada, apenas para se deparar com o corpo de um garoto adormecido em uma distância praticamente inexistente da sua figura, ele estava tão perto de você que você até mesmo conseguia sentir a respiração dele acariciando seu rosto.
Seus fios de cabelo tão dourados quanto ouro estavam completamente bagunçados e espalhados em direções diferentes, eles não seguiam um rumo exato, alguns caiam sobre seus olhos, outros tampavam quase que completamente sua testa, enquanto outros deslizavam pelo travesseiro na qual sua cabeça se apoiava, como se desenhassem várias linhas tortas se enrolando umas nas outras. Seu peito subia e descia de forma lenta e calma, a expressão em seu rosto era pacífica e angelical, e seus lábios entreabertos eram uma prova viva de que o garoto estava no mais profundo dos sonos naquele momento.
Permanecendo imóvel enquanto seus olhos se arregalavam de forma exageradamente grande, você sentiu sua respiração engatar em sua garganta.
Você morava sozinha em um apartamento, sabia muito bem disso, também lembrava claramente que não havia convidado ninguém para a sua casa, então...como de repente havia alguém dormindo na sua cama com você?
Franzindo o cenho após reavaliar o seu próprio pensamento, você notou algo ainda mais estranho: Você não havia dormido na cama, mas acordou em uma..como?
Tal questionamento te fez esquecer do garoto por um momento e focar os olhos na cama em que estava deitada, notando que ela definitivamente não era a sua cama.
Uma onda de desespero começou a renascer em seu corpo, fazendo seu coração começar a bater de forma altamente acelerada, como se ele lutasse furiosamente para sair de seu peito e ser livre. Temendo que o garoto ao seu lado se acordasse, você evitou ao máximo qualquer movimento e se esforçou para analisar as paredes e o cenário que te rodeava sem mover a cabeça, apenas deslizando seus olhos por aquilo que alcançava seu campo de vista naquela posição.
Com a visão ilimitada por culpa da sua falta de movimentação naquele momento, você não teve muito sucesso em sua busca de saber onde estava, onde quer que fosse, não tinha nenhuma luz acessa, estava tudo relativamente escuro, você era capaz de ver apenas algumas poucas coisas, coisas estas que foram mais do que o suficiente para você ter a certeza de que não estava no seu apartamento...e em nenhum outro lugar que conhecesse.
A angústia se manifestou de forma notória no meio do turbilhão de emoções negativas que você estava sentindo, sua mente aos poucos foi sucumbindo ao desespero, enquanto um nó se formava em seu cérebro, que tentava inutilmente compreender de forma lógica o que estava acontecendo.
Sua cabeça pesava com o tanto de pensamentos que passavam por ela em tão curto tempo, tais pensamentos pareciam roubar completamente o seu fôlego, te deixando sem ar, o que te fez separar um pouco os lábios e começar a respirar afobadamente, começando a se sentir ainda mais desesperada.
O que estava rolando aqui? Onde você estava? Por que você não estava na sua casa? Como você não estava na sua casa? Quem havia te tirado de lá? Haviam te sequestrado? Por que? Você não era rica, nem tinha nada de enorme valor na vida ou coisa do tipo, então por que te sequestrariam? Como seria possível terem te sequestrado se seu apartamento estava trancado? Arrombaram a porta da frente?? Por que iriam tão longe para te sequestrar?
O silêncio só deu mais espaço para sua mente se lotar de mais pensamentos assustadores e perguntas que no momento não tinham respostas, cenários de coisas horríveis que poderiam ter acontecido ou iam acontecer só lhe deixavam ainda mais nervosa, você tentava ao máximo controlar sua mente e parar aqueles pensamentos, mas, naquele momento, eles estavam fora de controle.
Uma movimentação repentina estapeou seus ouvidos, te puxando brutalmente para fora de seus pensamentos e te trazendo de volta às coisas que ocorriam ao seu redor. Saltando os olhos rapidamente na direção do garoto, você o viu tremer de frio e se encolher, procurando por calor e acabando por se aproximar mais de você e se aconchegar ali mesmo, roubando um pouco de seu calor corporal para si, e compartilhando o dele consigo, enquanto o garoto relaxava novamente, uma mão foi inconscientemente parar em volta de você, e ele te abraçou como se estivesse abraçando um urso, atiçando seus nervos que já estavam a flor da pele e fazendo seus sentidos alarmados vibrarem como sirene por sua mente e seu corpo.
Assustando-se com a proximidade repentina do desconhecido ao seu lado, você foi temporariamente dominada pelos seus instintos, que fizeram seu corpo se mover sozinho e, com um grito que saiu mais alto do que o esperado, concentrar toda a força que tinha nas pernas e chutar o garoto brutalmente para fora da cama, fazendo seu corpo se esparramar no chão, que tremeu com o súbito ataque.
O barulho do corpo do garoto se chocando contra aquele chão que definitivamente estava gelado ecoou pelo local.
Ele sibilou, acordando completamente assustado e confuso, reclamando da dor que se instalou como um raio por suas costas.
Se sentando em um pulo na cama, você o fitou quase que instantâneamente, temendo o seu próximo movimento.
Erguendo as costas do chão de forma dolorosa e se sentando nele, ainda desorientado por culpa da forma como foi acordado, o loiro abriu os olhos que até então estavam sendo fechados com força e olhou para a primeira coisa na frente dele: você.
━ por que fez is-- ━ começou a reclamar, mas assim que realmente botou as orbes em você, parou de falar na hora, uma expressão de surpresa e confusão dominando seu semblante totalmente ━ quem é você?? ━ suas íris tingidas em um lindo azul que te lembravam ao mar se concentraram em você, iniciando uma guerra de olhares de ambas as partes.
━ uau, esse grito foi bem alto hein? Perfurou até o fundo da minha alma ━ uma terceira voz masculina preencheu o local onde vocês estavam, denunciando a presença de mais alguém.
Com olhos arregalados e confusos, você e o garoto jogado no chão dirigiram suas atenções a terceira pessoa, que estava sentada em uma cama não muito longe da que vocês estavam, era notório que tal pessoa também havia acabado de acordar, pois um bocejo prolongado escapava de seus lábios enquanto ele esfregava os olhos, que claramente estavam pesados por culpa da sonolência, sonolência essa que pareceu evaporar em um único segundo quando suas iris claras de uma coloração semelhante ao mel da abelha pousaram sobre sua pessoa e sobre o loiro ao seu lado, que agora já estava de pé, com o corpo rígido e em alerta.
Uma mistura de emoções surgiram no rosto daquela nova companhia, ele não se preocupou em esconder o quão confuso e incerto estava, parecia quase que assustado, mas mais que isso, surpreso.
━ quem são v-- ━ uma pergunta teria sido proferida por ele naquele momento, se não fosse pela voz de outra pessoa ecoando por todo o quarto de forma alta o suficiente para ser escutada a quilômetros de distância.
━ AAAAAAAAAAAH, MEU DEUS!! O QUE É ISSO?! QUE LUGAR É ESSE?!?! ━ exclamou uma garota que estava encolhida no canto daquele quarto escuro e gelado, ela observava os arredores aflita e parecia não se incomodar em esconder o quão desesperada estava, estando nitidamente em um pânico maior do que qualquer outra pessoa presente naquele cômodo, e por falar nisso, ao perceber a presença de vocês e dos outros dois garotos desconhecidos, a dona de longos cabelos grisalhos lançou-lhes um olhar apavorado ━ V-VOCÊS!! ━ apontou um dedo trêmulo na sua direção, e consequentemente na direção do loiro e do moreno ━ POR QUE ME SEQUESTRARAM?! ━ questionou, o medo escorrendo por suas cordas vocais.
Seus olhos não poderiam se arregalar mais do que já haviam o feito naquele momento.
━ O que?? ━ a incredulidade tomou conta de seu rosto ━ Eu não sequestrei ninguém!! Foram vocês que me sequestraram! ━ você os acusou, ainda sentada na cama.
A garota lhe fitou com espanto, parecendo desorientada com aquela informação. Mas ela não foi a única, o jovem loiro a sua frente e o moreno logo adiante também olharam na sua direção, estupefatos.
━ Hein?! Sequestro?!?! ━ repetiu o loiro, atordoado.
━ Espere aí, espere aí, o que está havendo aqui?? ━ interrogou o outro garoto ainda sem nome.
E de repente, o silêncio dominou o lugar mórbido novamente, todos o fitaram, mas ninguém ousou o responder nada, afinal, nenhum de vocês sabia de fato o que estava acontecendo ou onde estavam.
A quietude pairou de forma ameaçadora pelo quarto escuro, que era domado por uma atmosfera assustada e confusa.
━ Que lugar é este? ━ ele tornou a perguntar.
━ Cara, eu não sei! Eu não faço ideia do que aconteceu ou está acontecendo, nem sequer me lembro como vim parar aqui! ━ o garoto loiro que ainda estava no chão decidiu manifestar-se finalmente, dando iniciativa e sendo sincero em demonstrar o quão leigo era diante daquilo.
O moreno mirou o outro e apertou as sobrancelhas após ouvir sua informação.
━ Não se lembra?? ━ ergueu uma sobrancelha, prestando uma atenção maior naquela única frase ━ Não, espera ━ suas orbes de coloração âmbar brilharam enquanto ele parecia notar algo ━ Calma aí, gente! Acho que houve um mal-entendido, vocês parecem tão confusos quanto eu! Creio que ninguém aqui sequestrou o outro ━ levantou-se subitamente da beirada da cama na qual esteve sentado durante toda aquela situação, compartilhando sua opinião com o restante de seus companheiros desconhecidos e dominando a situação, demonstrando querer evitar confusões ━ Eu suponho que todos nós fomos sequestrados por alguma outra pessoa ━ ele deduziu enquanto analisava vocês ━ Então vamos primeiro nos acalmar e tentar compreender o que está acontecendo, podem se juntar aqui por favor? ━ pediu educadamente, caminhando na direção de um carpete que enfeitava o chão daquele quarto — e que só então você havia notado a existência — e se sentando nele.
O restante seguiu os movimentos do garoto com o olhar, eles ainda pareciam hesitantes e desconfiados, então permaneceram imóveis nos primeiros momentos.
O jovem loiro foi o primeiro a se render, jogando a desconfiança de lado, ergueu-se finalmente do chão e se aproximou do garoto, sentando-se ao lado dele.
Aos poucos, a outra garota que até então ainda estava encolhida em uma parede no canto do local foi se movendo, até que juntasse coragem o suficiente para ir para perto dos dois desconhecidos, e foi o que fez após alguns segundinhos.
Você foi a última a se juntar na rodinha que havia se formado naquele carpete macio, e sinceramente só havia o feito porque os três indivíduos lhe fitaram descaradamente, curiosos para ver se você iria se sentar com eles ou não, o peso de seus olhares foi desconfortável e a vergonha subiu a todo vapor por seu interior, então você foi obrigada a sair daquela cama confortável e se dirigir até eles.
Ainda meio rígida e envergonhada com os olhares que estava recebendo, você acomodou-se ao lado da garota e se mexeu por mais alguns momentinhos, encontrando dificuldades em achar uma posição confortável.
━ Então... ━ começou o moreno, assim que você enfim cessou seus movimentos ━ Vamos começar nos apresentando. Eu me chamo Yugi Amane, mas vocês podem me chamar de Hanako caso desejarem, é o meu apelido ━ ergueu uma mão e a pousou em seu próprio peito, em uma forma de se apresentar.
━ Sou o Minamoto Kou ━ o dono das madeixas tão loiras quanto ouro se apresentou brevemente logo em seguida, sentado em posição de borboleta e balançando suas pernas dobradas para cima e para baixo de forma inquieta.
Você demorou seus olhos no garoto agora com nome, observando suas feições e só então percebendo o quão belo ele era.
━ M-meu nome é Yashiro Nene ━ a voz meiga da moça ao seu lado roubou sua atenção, fazendo você desviar o olhar de Kou e pousá-los na figura amável dela, que parecia nervosa.
Percebendo que só faltava você se apresentar, mirou instintivamente suas orbes para frente, fazendo com que elas consequentemente se chocassem com as íris cor de mel de Amane, que também lhe observava atentamente. Uma pontada de enervamento deslizou por suas costas juntamente de seus pelos que eriçaram-se, você não era acostumada a trocar olhares com uma pessoa, principalmente uma desconhecida.
━ ....( Sobrenome ) ( Nome ) ━ bichanou baixo, mas em um tom audível para os outros, derrubando suas orbes no próprio colo e quebrando timidamente o contato visual com o indivíduo a sua frente, mesmo não tendo ele em seu campo de vista atualmente, você ainda era capaz de sentir o olhar dele sobre si mesma.
━ Certo...vocês se lembram de alguma coisa antes de chegar aqui?? ━ questionou Amane, e você conseguiu assimilar seu comportamento com o de um policial durante um interrogatório.
━ Não, não faço a mínima ideia ━ Kou negou novamente ━ Eu estava na rua com os meus amigos, a última coisa que me lembro foi de ouvir um sino tilintando bem alto nos meus ouvidos e....de repente eu adormeci? ━ explicou-se, concentrando suas íris em um ponto fixo do quarto, mas suas palavras que antes eram ditas com tanta certeza tornaram-se abruptamente incertas, como se ele mesmo estivesse em dúvida sobre as próprias recordações.
Você ouviu o garoto, e logo estranhou quando o escutou alegar sobre um sino, lembrando-se do próprio sino que haverá atacado sua audição momentos antes de você dormir e acordar ali.
━ Um sino?..que estranho! Eu também me recordo de ter ouvido um sino e caído no sono logo depois ━ Amane murmurou enquanto coçava o próprio queixo de forma pensativa.
A afirmação dele lhe deixou ainda mais surpresa, como seria possível ter ocorrido a mesma coisa com vocês três?! Aquela coincidência toda estava muito estranha..
━ Vocês também?!?! ━ Yashiro fez uma pergunta retórica perplexa ━ Eu estava arrumando minha fantasia para o Halloween no meu quarto...quando subitamente um barulho extremamente alto de sino fez meus ouvidos doerem...o mais estranho foi que depois disso, eu senti uma sonolência terrível e acabei adormecendo! ━ ela relatou, confusa.
━ A mesma coisa me ocorreu! ━ você se manifestou, movendo bruscamente seu corpo para frente em uma troca de posição e chamando a atenção de seus colegas para si ━ No meu caso, eu estava na sala assistindo série, até que o meu relógio cuco começou a badalar sinalizando que já era meia-noite, e então eu ouvi os sinos tocarem e comecei a cair no sono ━ contou, vasculhando às memórias mais algumas vezes para ver se não havia esquecido de nada.
━ Agora que você falou... ━ Kou começou, pensativo ━ Também era meia-noite quando eu ouvi os sinos tocarem ━ recordou-se brevemente e apertou as sobrancelhas, ponderando.
━ ah, para mim também! Tinha acabado de dar meia-noite! ━ Yashiro concordou.
━ Eu não lembro de ter visto as horas no momento em que ouvi os sinos..mas sei que minutos antes eu tinha olhado no meu celular e era onze e meia ━ Amane proferiu de acordo com suas memórias.
"Sério? Mais uma coincidência!?"
Você pensou, descrente.
━ Os nossos relatos se coincidem em praticamente tudo! Isso é muito estranho... ━ disse, e seus novos colegas murmuraram concordando.
━ Realmente...mas por que meia-noite? ━ Perguntou a garota de cabelo grisalho e degradê nas pontas.
━ Não sei ━ você deu de ombros em resposta, correspondendo ao olhar que ela lhe lançou.
━ Como poderíamos saber? ━ O moreno fez uma pergunta retórica com uma expressão presente em seu rosto que parecia dizer "isso é o de menos" ━ Eu só gostaria de tentar entender como tudo aconteceu...será que fomos drogados em algum momento do dia e não percebemos?
━ Parece o mais provável, isso explicaria o barulho de sino num momento em que não há nenhum sino por perto e a sonolência repentina ━ Kou começou a interligar as situações juntamente de Amane, e os dois pareceram entrar em um consenso de teoria sobre o que poderia ter ocorrido enquanto se entreolhavam.
━ Então eles nos adulteraram com alguma droga que nos deu sono, e enquanto estávamos inconscientes, nos sequestraram...deve ter sido isso! ━ o dono das íris âmbares estalou os dedos, aparentando estar certo de sua ideia.
━ Mas como poderia ser? Se eu nem sequer saí de casa hoje, não vi ninguém além de minha tia de manhã, e ainda as portas estavam todas trancadas! Ninguém adentrou, então como que poderiam ter me drogado em algum momento? ━ você logo refutou a teoria dos garotos, jogando fatos importantes na mesa.
━ igualmente, comigo foi a mesma coisa. Vi somente meus pais hoje ━ Yashiro concordou ao seu lado.
━ Oh...isso muda tudo, nesse caso a ideia de termos sido drogados já não faz tanto sentido assim..mas também não me vem mais nada a mente ━ Kou suspirou um suspiro de derrota ━ a não ser que tenham nos drogado outro dia e o efeito veio funcionar só hoje! ━ bateu com a mão no carpete de repente, pensando em mais uma possibilidade.
━ ou então quem drogou vocês duas foram seus pais e..sua tia ━ descruzando os braços e com uma expressão tenebrosamente séria no rosto, Amane olhou quase friamente para você e a garota ao seu lado, apontando para ela quando proferiu as palavras "seus pais" e arrastando o dedo na sua direção na hora em que disse "tia".
As palavras dele lhe acertaram como uma faca afiada, você se sentiu extremamente ofendida com aquela acusação, e uma pontada de raiva lhe subiu a cabeça.
Sua tia lhe drogar?? Essa havia sido a coisa mais idiota que já haverá ouvido na vida!
━ Minha tia não machucaria nem sequer uma mosca.. ━ sibilou, assoprando as palavras contra os dentes que estavam cerrados. Você não gostava quando levantavam suspeitas contra sua tia, a respeitava muito e viu aquilo como uma ofensa para a grande mulher guerreira que cuidou de você quando não tinha mais ninguém.
Yashiro também demonstrou estar ofendida com a fala do outro, mas diferente de você, ela escolheu reprimir os lábios e o observar com olhos arregalados, parecendo incrédula e assustada com a ideia, mas também não descartando-a.
━ ah, calma! Calma! É só uma probabilidade, não estou acusando ninguém ━ ergueu suas mãos e as balançou de forma descontraída, num ato que pedia silenciosamente por tranquilidade, e, pela primeira vez desde que o conheceu, você viu o garoto abrir um sorrisinho sapeca que mostrava brevemente os próprios dentes e fez com que seus olhos âmbares se semicerrassem levemente.
Foi a sua vez de juntar as sobrancelhas, confusa com a reação do garoto.
Mas todo aquele bate-papo e linha de raciocínio que nasciam naquele carpete, entre vocês, foi totalmente interrompido quando subitamente o chão embaixo de seus corpos começou a tremer, como se existisse algo de tamanho colossal andando lá fora. O tremor era grande, e ainda era acompanhado de sons um tanto quanto abafados de algo que parecia ser...passos?
Os barulhos eram seguidos de breves pausas, mas eram contínuos, e podiam ser escutados claramente e até mesmo sentidos sem dificuldades por qualquer pessoa ali ou à quilômetros de distância.
*TUM*....*TUM*....*TUM*
Era o que vocês conseguiam ouvir, enquanto sentiam uma grande vibração inquietar o chão, os móveis e objetos que existiam e estavam espalhados pelo quarto na qual se encontravam naquele momento eram fortemente movimentados e transmitiam barulhos durante o processo, tornando o cômodo que antes era tão calado, bem barulhento.
Seus batimentos cardíacos saíram novamente da rota calma que seguiam e se aceleraram, enquanto você sentia seus ouvidos tremerem juntamente de todo o seu corpo com aquela anormalidade repentina, você era totalmente capaz de sentir alguma força desconhecida bater contra o chão e toda a estrutura daquele lugar, fazendo com que seu próprio corpo se movimentasse brevemente junto daquele tremor, que sempre dava pausas rápidas.
━ ...Um terremoto..? ━ a voz sugestiva de Kou ecoou pelo quarto.
Você olhou na direção do garoto loiro que observava os arredores com desconfiança.
"Mas terremotos não fazem esse barulho".
Analisou mentalmente, sentindo uma pontada de medo inundar seu interior ao perceber aquele fato.
Aquelas vibrações e barulheira insistiram em permanecer por mais alguns minutos que se desenrolaram de uma forma tão lenta ao ponto de parecerem horas, até que finalmente pararam, tão de repente quanto começaram, e o silêncio voltou ao trono, reinando com grande poder.
A quietude repentina era tanta, que você conseguia até mesmo ouvir a sua própria respiração.
Passado alguns minutos, vocês se entreolharam, percebendo que o tremor de fato havia chegado ao fim e estranhando o acontecimento.
━ .... ━ Amane separou os lábios e puxou ar para dentro da boca, assim que você reparou isso o fitou, percebendo que ele estava prestes a falar algo que você julgou ser importante.
Entretanto, ele foi totalmente calado antes mesmo de sequer ter a chance de falar um "a" quando de supetão a única porta que existia naquele quarto foi inesperadamente aberta, fazendo o barulho da madeira velha e desgastada da mesma ranger em frustração enquanto ela deslizava lentamente para frente, seus resmungos ecoando por todo o local, dominando-o por um momento e roubando a atenção de todos presentes nele.
Seus olhos que antes estavam voltados para a figura do belo garoto a sua frente saltaram na direção da porta e você sentiu seu coração vacilar por um momento ao perceber que do outro lado só havia mais escuridão, aquilo de fato havia lhe assustado tanto quanto a zoada inédita que ela causou ao ser aberta. Mas você tinha que admitir, maior do que o medo que você sentiu ao abrirem a porta, foi o medo que você sentiu ao olhar para ela e ver que não havia ninguém adiante.
A porta estava aberta, mas não havia ninguém lá..não havia ninguém para abrir a porta.
"Quem a abriu?"
Você se questionou mentalmente, enquanto sentia suas costas se arquearem entre arrepios, daquela vez, não por culpa do frio avassalador que existia no quarto, e sim por causa de suas emoções medrosas que deram cambalhotas dentro de você e desorganizaram toda a sua mente e alma.
O quarteto que havia se formado no carpete observou a porta, todos calados, assustados, confusos...mas também curiosos, a curiosidade rastejava por suas orbes de uma forma perigosa.
━ .....Aquela porta se abriu sozinha ou eu estou ficando louco? ━ Kou apontou com a cabeça na direção da mesma e perguntou para vocês, ainda sem tirar os olhos dela. Ele foi o primeiro a ter coragem o suficiente para quebrar todo aquele silêncio sinistro que havia se formado novamente e falar, sem demonstrar medo de ser ouvido pelo que quer que tivesse do outro lado.
...Na verdade, havia medo sim, uma pitada de medo que deslizava ameaçadoramente por seu tom de voz, mas que era muito bem escondido por uma falsa coragem e sua face fechada em uma carranca quase inabalável.
━ Parece que sim... ━ Yashiro afirmou, sua voz saindo trêmula e baixa, esta, diferente do garoto Kou, não se preocupou em disfarçar seu medo e desconfiança.
━ ...Uuh..a gente deveria ir lá? ━ você palpitou, erguendo uma sobrancelha no processo.
━ V-você diz...ir para fora do quarto?! ━ a figura apavorada da garota lhe fitou com orbes arregaladas, enquanto ela parecia perder toda a cor de seu rosto com a ideia de ir se aventurar no breu que tinha logo depois da porta na frente do carpete na qual vocês se encontravam.
━ Eu creio que deveríamos..de qualquer forma não temos muitas outras opções do que fazer além disso ━ Amane balançou a cabeça, dando de ombros logo depois.
Dito isso, ele descruzou as pernas e se pôs de pé, acabando por influenciar o restante de vocês, que fizeram o mesmo, Yashiro sendo a última a se levantar.
Antes que pudesse perceber, vocês já haviam atravessado a porta de madeira e saído do quarto, saíram sem olhar para trás, e esta foi a sorte de vocês, pois se tivessem prestado atenção no que estava em suas costas, teriam percebido que um par de olhos de tamanho sobrenaturalmente grande e de tons fortemente avermelhados observava vocês pela janela, olhos estes que haviam surgido há pouco e que eram pertencentes ao que quer que havia causado toda aquela tremedeira outrora.
Na sua frente, o que surgiu em seu campo de vista foi o mais puro preto, a escuridão se propagou pelos corredores finos que foram se formando conforme vocês andavam para frente e se afastavam mais do quarto, ela parecia não ter fim, e era quase que totalmente cegante, se não fosse por sua visão que já haverá se acostumado com todo aquele breu e agora lhe dava uma pequena noção das coisas que tinham ou pareciam ter ao seu redor. O clima não se diferenciava muito do quarto, na verdade parecia que aqueles corredores conseguiam ser ainda mais frios do que o local anterior.
Amane estava na frente, ele era quem liderava aquele pequeno grupo, Kou vinha logo ao lado, e atrás dele estavam você e Yashiro, que havia se aproximado consideravelmente de sua pessoa e em algum momento acabou agarrando levemente a ponta da jaqueta que você usava. Você não reclamou disso com ela, afinal também estava com medo.
━ É melhor tomarmos cuidado, não sabemos o que podemos encontrar, então vamos evitar fazer qualquer barulho..ok? ━ Foi o que o jovem loiro sussurrou para vocês, demonstrando estar de fato apreensivo.
Todos concordaram em murmúrios baixos.
━ Acho bom ficarmos próximos também, se nos separarmos pode ser pior ━ você opinou.
Os outros três ficaram de acordo.
━ Uma lanterna faria tão bem agora..não dá para enxergar nada com todo esse escuro! ━ o moreno disse o óbvio em um bisbilhar.
━ Talvez devêssemos tatear as paredes, provavelmente vamos achar algum interruptor uma hora ou outra ━ propôs o outro garoto.
━ Não, acabaríamos chamando atenção indesejada ━ você interviu, murmurejando um argumento.
━ É verdade.. ━ concordou, descartando a própria ideia ━ Então, o que deveríamos fazer?
━ Eu não faço a menor ideia ━ admitiu Amane em um suspiro.
Você estava preparada para responder exatamente a mesma coisa, mas parou abruptamente no momento em que sentiu uma sensação de desconforto salpicar por toda sua pele e despertar ainda mais seus sentidos, que já estavam totalmente apurados, uma sensação de pânico nasceu lá no fundo de sua alma e começou a dominar tudo que via pela frente, você se sentiu em perigo, era como se seus instintos estivessem lhe alertando de algo.
Suas costas esquentaram e você cessou seus passos, ficando completamente imóvel por um momento, seu corpo parecia pesado de repente, você se sentiu observada..e a sensação era sufocante e perturbadora.
Parecia que havia algo seguindo vocês...na verdade, parecia que por todo aquele corredor, havia diversos olhos espalhados por todos os cantos, os observando. Pensar nisso lhe dava agonia, e a agonia só aumentava ao você ficar cada vez mais ciente do quão escuro realmente estava e de como você não tinha ideia do que estava ao seu arredor.
━ O que foi? ━ Yashiro foi a primeira a notar sua imobilidade repentina, visto que ela estava seguindo seus passos e ainda segurava sua jaqueta.
A pergunta da garota fez com que os outros dois indivíduos poucos passos à frente parassem de andar e olhassem para trás.
As orbes magentas da jovem, que era menor que você te perfuraram enquanto ela lhe observava com preocupação, sendo totalmente capaz de ver o desespero estampado em sua cara.
━ Aconteceu alguma coisa-...ah..eh...esqueci seu nome.. ━ ela se alto interrompeu ao perceber que aquela informação havia escapado de sua mente.
Você instantaneamente separou os lábios para responder.
...
Mas os colou novamente assim que ouviu um grito estridente e agonizante cortar o ar em facadas agressivas. Havia algo, alguém com uma voz que não parecia humana, berrando loucamente em gritos longos de raiva.
Os corredores antes vazios foram preenchidos por aquele brado prolongado que se bateu pelas paredes, fazendo-as estremecerem e tremularem, como se estivesse havendo um outro terremoto ou então uma criatura de tamanho excepcionalmente grande gritando, tal brado era acompanhado de barulhos mais baixos, barulhos estes que você não conseguia identificar o que eram..mas que pareciam estranhamente nojentos.
Agora mais do que nunca o seu coração engatou em sua garganta e palpitou em uma velocidade perigosa.
Os gritos continuaram, continuaram, e continuaram por um bom tempo, até que finalmente foram se cessando aos poucos, deixando para trás somente aquele barulho estranho, que ainda pairava pelos arredores e chegava em seus ouvidos, que o recebiam com desconforto.
Vocês permaneceram imóveis, sem reação e sem fala, o que poderiam fazer perante uma situação como aquela? Vocês não sabiam, e por isso ficaram em estado de choque.
Todos se entreolharam em uma troca de contato visual que transmitia aflição e perplexidade, era como se vocês perguntassem uns aos outros o que deveriam fazer, mas ninguém havia a resposta para essa pergunta ainda.
Os sons ruidosos que permaneceram a valsar pelos corredores e que antes eram baixos, distantes e quase impossíveis de se decifrar aos poucos foram aumentando, como se a origem deles estivesse se locomovendo lentamente e se aproximando de vossas pessoas.
Conforme ia morosamente ficando mais perto e, consequentemente, mais alto, você passava a decifrar e perceber detalhes que antes não tinha notado, e com isso, de forma devagar, o som que antes era irreconhecível para você se tornou, pelo menos um pouco, reconhecível.
Você já não estranhava tanto assim tal zoada, afinal, percebeu que os barulhos produzidos pelo desconhecido eram como uma espécie de grunhidos e rosnados, rosnados esses que você não conseguiu identificar a quem pertenciam....mas não pareciam pertencer a um humano, e muito menos a qualquer animal que você já houvera conhecido em toda a sua vida. Juntamente destes chiados estranhos e medonhos havia outra coisa, um outro som, era um barulho de...algo se arrastando no chão?
Era como se tivesse alguma coisa rastejando, com uma falta de pressa realmente admirável em seus possíveis movimentos.
━ Isso...esse estrépito todo está vindo do lugar em que a gente estava antes ou é impressão minha? ━ Kou questionou-se, suas cordas vocais deixando que hesitação e insegurança fugissem por sua garganta.
━ o eco está vindo detrás da gente, então acho que sim..parece que sim ━ Yashiro sussurrou, como se estivesse com medo de ser ouvida por alguém indesejado.
E ela não estava mentindo, os barulhos de fato passavam a forte impressão de que vinham de vossas costas.
Houve uma breve pausa de poucos segundos daquelas perturbações sonoras que rondavam o ar, e nesses curtos segundos, o silêncio engoliu os corredores novamente, antes de ser mais uma vez despedaçado por aquele som, que se apressou em voltar, e dessa vez foi ligeiro nos movimentos. O que quer que estivesse se arrastando no chão, agora parecia bem impaciente, como se estivesse com pressa para chegar em algum lugar...e algo lhe dizia que aquele "lugar" em questão era justamente onde vocês estavam agora, já que o barulho estranhamente aparentava estar cada vez mais perto.
━ Há algo vindo na nossa direção... ━ você alertou, ainda com certo receio na voz, como se estivesse incerta sobre aquilo ser verdade ou apenas coisa da sua mente lhe pregando peças ━ Há algo vindo na nossa direção!!! ━ repetiu, dessa vez com um timbre carregado da mais pura certeza, a cada segundo que se passava os rastejos ficavam mais perto, até chegar ao ponto em que não dava mais para negar o fato de que realmente, alguma coisa os perseguia.
━ O que a gente faz?! O que a gente faz?! ━ a garota Nene, que em algum momento haverá soltado sua jaqueta, perguntou afobadamente.
━ A gente corre! ━ redarguiu Amane sem demora, se inclinando para frente e puxando a albina que olhava para trás distraída, antes de começar a mover suas pernas velozmente, disparando-as pelo corredor a frente.
Você e Kou seguiram o conselho do mesmo sem nem pensar duas vezes e imitaram o ato dele, seguindo-o com prontidão.
━ E para onde a gente vai?! ━ você o interrogou, suas palavras sendo embrulhadas por arfadas que escapavam de seus lábios secos por culpa do frio, arfava não só por causa do pânico que se alimentava de sua alma, mas também por causa da forma como seus membros desacostumados com ação eram domados pela adrenalina.
━ Não faço a mínima ideia! Nem sequer conseguimos ver um palmo a nossa frente!! ━ disse o moreno, não se preocupando em poupar sinceridade ━ Joga nas mãos de Deus e segue reto!
Foi o que você fez.
"Senhor Papai do Céu, se eu morrer hoje, por favor conceda-me pelo menos a oportunidade de chutar a bunda de Eva por ter comido do fruto proibido antes de ser mandada para seja lá onde eu for após a morte!"
Pediu mentalmente para o Ser Supremo na qual você acreditava existir.
Não era preciso ter um cérebro para perceber o quão desamparados vocês estavam naquela situação e momento. Aquilo que os perseguia aumentou a velocidade, e vocês continuaram a correr por suas vidas, temendo o pior.
O cenário que existia ao redor de vocês era totalmente escondido pela escuridão que os cobria, cegos e desorientados, seguiram correndo em linha reta, esperançosos de que acabariam uma hora ou outra despistando o perseguidor ou então tombando com a saída daquele lugar. Vez ou outra vocês se deparavam com alguma parede que tinha por aqui e por ali e que impedia que continuassem no caminho, aquilo os obrigava a dar um tiro de olhos vendados e escolher outra direção para seguir, direção essa que acabava sendo sempre Amane a escolher, confiando na intuição e correndo direto para mais fundo do breu, que parecia estar faminto e os engolia de forma dolorosa.
O terror, o pânico, a falta de informação e diversos outros fatores os conduziam a ir cada vez mais fundo na garganta daquela residência. Os corredores que a cada momento pareciam se tornar mais estreitos e mais perigosos, se tornavam também motivo de medo e desconfiança, podia ser só coisa da sua cabeça, mas às vezes até mesmo parecia que as paredes que atualmente eram invisíveis em seu campo de vista tinham olhos, olhos sedentos que secavam tanto a sua figura quanto a figura de seus colegas.
...A atmosfera que aquele lugar carregava era pesada, assustadora, e sufocante.
Vocês não sabiam dizer por quanto tempo correram, apenas sabiam que tardaram naquela situação pelos prolongados minutos que se passaram, até que mais uma vez, Amane deu de cara com outra interrupção que fez seu corpo tropeçar para trás, obrigando o restante que o seguia a frear os passos e cessar totalmente os movimentos da perna. Tateando com as mãos de forma curiosa e apressada aquilo que havia em sua frente, o garoto se esforçou para descobrir no menor período de tempo possível o que era aquela estrutura que os impedia de seguir em frente.
Os grunhidos e o barulho daquela coisa se rastejando insistiram em golpear as paredes e chegar até seus ouvidos, de forma que os deixasse totalmente cientes de que cada segundo parados ali, era terrivelmente perigoso.
━ Uma porta! É uma porta! ━ a voz trêmula e ofegante do dono das madeixas castanhas passeou pelos seus ouvidos como carícias que lhe reconfortavam e dizia que tudo iria ficar bem, resquícios de alegria escapando dos lábios dele, e pela primeira vez desde que abriu os olhos naquele lugar, você sentiu o alívio lhe consumir.
Após sua declaração, Amane passou a empurrar a porta que aparentava ser bem grande, numa tentativa de abri-la, vendo isso, o restante de vocês se apressou em ajudá-lo.
Posicionando firmemente as pernas no chão, você pousou as mãos na porta, sentindo a textura da madeira lascada e desgastada dela fazer cócegas em sua pele, juntando toda a força que conseguia encontrar em seu corpo, você começou a empurrá-la para frente, tentando abrir a mesma o mais rápido que conseguia.
E sem muito esforço, com o trabalho em equipe, vocês conseguiram abrir com sucesso aquela porta, liberando mais um caminho para o que esperavam ser a confortável liberdade e segurança.
O que se construiu ao redor de vocês foi inesperado, ao invés de ser mais um cômodo escuro da casa, vocês viram o lado de fora do lugar que era banhado pelo brilho da lua, a iluminação dava a impressão de ter uma cor azul escuro, mas pelo menos, agora vocês conseguiam enxergar claramente tudo ao redor de vocês.
E o fato de vocês enfim estarem fora daquela casa não foi, de modo algum, o mais chocante, o que mais os surpreendeu mesmo foi o fato de que adiante se construía um cenário do que parecia ser uma cidade..mas não uma cidade qualquer, e sim uma cidade totalmente abandonada e vazia, uma cidade que foi completamente destruída pelo tempo e dominada pela sujeira que reinava com vigor pelas construções.
Era como se tivesse ocorrido um furacão ali, não existia nada mais além da destruição...e aquilo era assustador.
━ Mas o quê.....? ━ você iniciou uma pergunta, mas a deixou fugir pelo ar sem finaliza-la, estava abismada demais para se dar ao trabalho de concluir ela.
━ Onde estamos?? Que lugar é esse?! ━ Kou exclamou dúvidas, olhando para os arredores com uma expressão atordoada.
Aquela DEFINITIVAMENTE não era a cidade de vocês.
━ Rrrrrrrr grrrrehrr ━ aquele mesmo rosnado grotesco que vinha os perseguindo retornou como que para relembrá-los da existência dele, percorrendo todo o nada que os envolvia com oxigênio e golpeando seus ouvidos de forma tão desagradável quanto o barulho de unhas deslizando por uma lousa, o som estava bem mais alto que antes, e denunciava o fato de que o dono dos mesmos estava logo ali, atrás de vocês.
Por um momento, você esqueceu como respirava, sentindo seus pulmões de repente pararem de receber ar e conseguindo arregalar mais ainda as orbes, se virou para trás, permitindo que seu campo de vista agora já não mais cego pela escuridão total visse enfim, aquele que os perseguia.
━ ....!! ━ seu coração errou uma batida, enquanto seus olhos ( cor ) se vidravam na figura deformada que surgiu a sua frente.
Lá, ainda dentro da casa na qual vocês acabaram de sair, havia algo que possuía uma aparência hedionda. Sua pele era toda desconfigurada e tingia uma coloração anormal, em seu rosto, a falta dos globos oculares era nítida, no lugar deles havia apenas um fundo — como se tivessem arrancado os olhos da criatura e deixado para trás apenas um preto assombroso —, sua cabeça era completamente lisa, não havia um fio sequer de pelo ou cabelo, seu maxilar era vultoso e tinha uma forma totalmente desproporcional, ao ponto de sua boca ser sobrenaturalmente maior e bem mais larga que a de qualquer ser humano, seus lábios estavam separados e grunhidos ainda escapavam por entre eles, consequentemente também era possível ver os longos dentes afiados, amarelos, sujos e imundos da criatura, que estava momentaneamente parada..ou melhor, largada no chão, pois as pernas do tal ser pareciam não existir, seu corpo consistia apenas dos quadris para cima. O motivo para a inexistência das pernas? Quem sabe.
Um som surpreso escapou de sua garganta enquanto você o fitava pávida. Seus colegas ao seu lado também o fitaram, tão pávidos quanto você, aquele ser inumano teria correspondido aos olhares se tivesse olhos, mas como não tinha, apenas movimentou a cabeça de forma grotesca na direção em que vocês se encontravam, ciente de que estavam ali, antes de abrir mais ainda a boca e rugir agressivamente, como que para sinalizar que iria atacar, tal como fez logo depois, botando força nos braços e arrastando seu corpo no chão em uma velocidade insólita, aquele bicho conseguia se rastejar pelo chão ainda mais rápido do que alguém com pernas conseguiria correr.
Uma neblina de sentimentos negativos os rodeou, e você sentiu suas pernas falharem como se elas estivessem se afundando no chão e a terra se enraizando em um aperto que as impedia de sair do lugar. A neblina que aquelas emoções de medo, pavor e pânico haviam formado era intensa e cegava, cegava ao ponto de fazer seus sentidos falharem e sua mente ficar em branco, seu corpo esperou pacientemente por um comando do cérebro, mas nada veio, e por um momento você sentiu como se tivesse virado a própria neblina.
Por outro lado, vê-lo ir tão valentemente na direção de vocês pareceu servir como gatilho para fazer com que tanto Amane, quanto Kou corressem da forma mais ágil que conseguiam.
E para a sua surpresa, eles não estavam correndo para fugir da criatura..e sim para ir de encontro com ela, ambos estavam em uma sincronia admirável quando por acaso tiveram a mesma ideia e em um impulso de coragem, fecharam aquela porta no mínimo de tempo possível, conseguindo realmente e inesperadamente fechá-la a tempo e em um ato de segundos antes que o bicho saísse por entre ela, de forma que o perseguidor de vocês acabará se chocando contra a madeira, se batendo contra ela, arranhando-a e rugindo em reclamação por terem bloqueado o caminho dele até suas respectivas presas.
Você observou tudo com olhos assustados, soltando a respiração — que acabou prendendo sem nem perceber — ao ver que aquela coisa já não podia mais alcançar vocês...pelo menos não agora.
Seu coração palpitava de forma selvagem em seu peito, bombardeando tanto sangue quanto podia por seu corpo e também deixando-o tenso de nervosismo, você conseguia ouvir seus batimentos cardíacos até mesmo atrás de sua orelha.
━ O que diabos era aquilo?!?! ━ e mais uma vez, Kou tornou a perguntar enquanto olhava para a porta que era agitada e balançada pela criatura do outro lado, esta que não havia desistido ainda.
━ O que acabou de acontecer aqui..? ━ Yashiro questionou, mesmo sabendo que ninguém tinha posse da resposta.
Isso não faz sentido nenhum!! Como é que viemos parar neste lugar?!
Pensou, sentindo a vontade de chorar despertar de forma brutal no seu interior, fazendo com que seus olhos lacrimejassem e tremessem.
━ Que foi essa coisa? Uma mutação de Chernobyl?! ━ o loiro fez uma interrogação retórica, tirando suas belas orbes azuis da porta e as direcionando para o moreno, que estava ao seu lado, parado.
As perguntas eram muitas, mas as respostas eram poucas.
━ Não sei..e também não quero ficar aqui para descobrir ━ Amane enfim respondeu, movendo sua cabeça levemente para os lados, sinalizando um "não" e fazendo seus fios de cabelo sedosos estapearem o ar e voarem livremente numa valsa temporária, antes de serem obrigados a pousar novamente, alguns sendo ousados o suficiente para repousar no rosto dele.
Mesmo não respondendo nada para aquela afirmação, todos vocês concordaram com o que Amane havia dito, afinal queriam sair dali o quanto antes.
━ uau...olha esse lugar, parece que está abandonado há décadas! ━ e foi Yashiro a mudar o rumo do assunto, quando deixou que seus pensamentos escapassem de sua mente enquanto observava uma fonte de água encardida que estava a alguns passos de distância de vocês, ela já não mais jorrava água e sua estrutura estava toda acabada.
A fala da garota acabou por puxar a atenção do restante do grupo para o cenário que os rodeava novamente, e todos vocês olharam curiosos para trás, vendo mais uma vez a cidade vazia, solitária e com um ar totalmente pesado e sinistro os envolver. Você investigou aquela fonte com os olhos, imaginando por um momento como ela possivelmente era linda antes de ser abandonada e arruinada pelo tempo.
━ Realmente ━ Amane concordou ━ é como se estivéssemos em uma cidade pós-apocalíptica ━ disse enquanto olhava para o céu dominado pelo escuro do lugar. Estava de noite, mas não havia uma estrela sequer.
━ isso me faz pensar...será que aconteceu alguma coisa com a gente e passamos anos em coma? ━ Kou deduziu de repente, coçando o queixo de forma pensativa e deixando suas íris escorrerem pela fonte, as árvores mortas, e enfim pousar na figura de vocês ━ talvez o apocalipse zumbi já tenha acontecido, ou então quem saiba uma guerra, e a gente só acordou agora ━ murmurou, vendo seus companheiros o encarar.
━ Um apocalipse zumbi?..Bom, isso explicaria aquela coisa que acabamos de ver ━ você ponderou, solevantando uma sobrancelha por um momento, antes de enfim apontar com o olhar para a porta onde a criatura ainda rugia e se debatia.
Seus companheiros viraram o rosto na direção dela quase que em sincronia.
━ ...Será que aquilo era um zumbi? ━ questionou-se Yashiro, com uma expressão receosa.
━ Talvez.. ━ Amane falou, e suas palavras navegaram pelo ar numa fulga imperceptível, deixando para trás apenas o silêncio impactante e incômodo.
━ Eu acho melhor saírmos daqui, antes que aquela coisa consiga quebrar essa porta ━ você sugeriu, realmente preocupada que aquele bicho de repente os atacasse por trás.
━ Concordo..mas o que devemos fazer a seguir?? Nós estamos em um lugar completamente desconhecido e sem ninguém por perto! Estamos em apuros.. ━ a dona dos lindos fios de cabelo grisalho pestanejou, trêmula e amedrontada.
Você fitou-a em aflição, também misturada entre sentir pena e desesperar-se junto dela, pois você compartilhava daqueles mesmos sentimentos e pensamentos, e ouvir aquilo fazia o pânico que florescia no seu interior roer sua mente e alimentar-se de seu ser.
Amane, o único dentre todos vocês que não estava em pânico — e se estava escondia muito bem — descansou as mãos nos ombros da garota em uma tentativa óbvia de acalmá-la, fazendo com que ela centralizasse os olhos nele.
━ Olha...você é... ━ prolongou o "e" ao notar no meio do caminho que não havia decorado o nome da mesma.
━ Yashiro Nene ━ informou seu nome novamente com uma voz chorosa, não se ofendendo com o fato de que o mais baixo havia esquecido como ela se chamava.
━ Certo, Yashiro. Escuta, de fato nós não sabemos onde estamos agora e aparentemente só tem a gente aqui..e aquele carinha ali ━ apontou com o queixo na direção da porta ━ Mas veja bem, pelo menos nós não estamos sozinhos e temos uns aos outros! Podemos não nos conhecer, entretanto estamos juntos nessa. Sim, essa situação é aterrorizante, e muito! Só que para sairmos dela precisamos manter a calma, ok? ━ disse com um tom de voz que transmitia tranquilidade para aqueles que o ouviam, massageando os ombros cobertos da garota, que fungou e balançou a cabeça em concordância, aceitando os conselhos do companheiro ━ Respira fundo e tenta não entrar em pânico ━ ele sorriu na direção dela, e aquilo a acalmou.
Sugando todo o ar que conseguia e soltando-o logo depois, Yashiro pareceu se esforçar para expulsar todos pensamentos ruins que com certeza perturbavam sua mente.
━ Muito bem ━ ainda sorrindo, deu leves tapinhas no ombro dela para demonstrar apoio, antes de enfim soltá-la.
━ Você tem razão...ob-obrigada!...Uh, qual é seu nome mesmo? ━ ela perguntou timidamente.
━ Pode me chamar de Hanako ━ informou com uma expressão quase travessa no rosto.
━ Está bem, obrigada Hanako-kun! ━ agradeceu, abrindo um pequeno sorriso que não mostrava os dentes.
Você assistiu a interação entre os dois calada, conseguindo achar aquilo amável e agradável de se ver.
Uma terceira movimentação se despertou em seu campo de vista e lhe chamou a atenção, o que fez com que você acabasse por levar inconscientemente suas orbes até Kou, que apoiou o peso do corpo em uma única perna e observou seus outros dois colegas silenciosamente. Seus olhos se demoraram nele sem que você nem percebesse, e ele pareceu notar isso, já que pouco depois mirou na sua direção e lhe pegou fitando-o no flagra.
O mar das íris dele se colidiu com o ( cor ) das suas íris quando por acaso uma guerra de contato visual iniciou-se. Reparando que ele havia notado que o fitava, você sentiu um arrepio se instalar por suas costas e o desconforto da vergonha envolveu-te, um rubor nasceu por seu rosto enquanto você acanhada, desviava o olhar afobadamente.
━ Gente ━ Amane chamou a atenção de vocês novamente, fazendo com que todos o olhassem curiosamente ━ Estamos perdidos sabe Deus onde, a única opção que temos é sair explorando esta cidade e ver se encontramos respostas..e eu acho melhor nós não sairmos de perto um do outro durante tudo isso, temos mais chances de sobreviver juntos do que separados! ━ compartilhou sua opinião convosco, antes de lançar-lhes um olhar interrogativo, que perguntava silenciosamente se vocês concordavam com ele.
━ Penso o mesmo! Sei que no momento somos todos desconhecidos uns para os outros, mas eu realmente acho que deveríamos permanecer próximos e não nos separarmos do restante, duas cabeças pensam melhor que uma! ━ Kou cruzou os braços e confirmou com a cabeça, apoiando o pequeno discurso do colega.
━ Eu estou de acordo com isso, vamos explorar esse lugar, mas vamos evitar de nos distanciarmos ━ você concordou.
━ Ufa! Não vamos nos separar igual os personagens de filme de terror, graças a Deus! ━ Yashiro pareceu se animar com a ideia.
━ A gente não é assim tão burro! ━ o loiro gesticulou, demonstrando estar confiante de que vocês eram mais espertos do que aquilo, porém, você pôde ouvi-lo sussurrar um "eu acho" logo em seguida.
E com isso, vocês começaram a caminhar sem um rumo específico, andando pela cidade de clima pós-apocalíptico e investigando-a com cautela. Aos poucos, sem que nem percebessem, foram se afastando daquela casa na qual estavam e da fonte, consequentemente os barulhos que aquela criatura fazia ao se bater na porta foram ficando mais baixos e distantes, até chegar a um ponto em que vocês já não ouviam mais ele, só que estavam tão entretidos com o cenário e a cidade abandonada que ia se construindo e se revelando conforme andavam, que vocês nem sequer perceberam, tal como não faziam ideia de para onde estavam indo ou o que iriam encontrar adiante.
Às vezes era possível ver brevemente sobre o banhar de brilho que a lua lhes dava partículas minúsculas de poeira caminhando e valsando no ar, estas que eram levadas pelo vento afoito que nadava por vocês e assobiava uma canção pavorosa, seus assobios que vinham acompanhados de um friozinho que lhes embrulhava combatiam com orgulho e braveza o silêncio que predominava insistentemente no local em um reinado maldoso e resumido em medo.
A guerra que era traçada pelo poderoso silêncio contra os fortes assobios que a tropa de ventania causavam pelos ares era assustadora, ainda mais num lugar e situação como aquela, que lhe fazia se sentir em um filme de terror. Arrepios passeavam por seu corpo enquanto seus ouvidos tremulavam com os misteriosos sibilos que o ar soltava, quase parecia que eles falavam com vocês.
E parece que você não foi a única a se incomodar com todo aquele silêncio e clima estranho que nasceu ali, já que depois de alguns minutos Amane puxou assunto, aparentemente querendo quebrar o gelo.
━ Vocês já pararam para pensar que se isso aqui for realmente o mundo pôs-apocalíptico, nós provavelmente somos os últimos seres humanos vivos na Terra??
Kou, que trilhava na frente guiando o mini grupinho para sabe Deus onde, ao lado de Amane, deixou um barulho gutural escapar de sua garganta enquanto ponderava.
━ Cara, é mesmo!! ━ concordou após alguns segundos de raciocínio, percebendo a lógica na fala do companheiro ━ Seria provável...já pensou se é este o caso?! Aí nós teríamos que procriar, senão a raça humana estaria em perigo de extinção!! ━ entrou na onda, começando a imaginar e considerar aquela possibilidade.
━ Verdade! ━ Amane olhou na direção de seu colega, parecendo se animar com o assunto ━ Mas já pensou, se fôssemos nós a salvar a raça humana?? Seríamos considerados grandes heróis e lendas nos anos futuros!....e também os novos seres humanos viriam derivados da gente, logo, seriam todos descendentes nossos, não é!? ━ pensou mais a fundo, mergulhando cada vez mais no mar denso de sua imaginação, que agitava-se em ondas animadas.
━ É! ━ Kou correspondeu ao olhar ━ Sendo assim, nós basicamente seríamos os seres humanos mais fortes de todos, certo?! ━ proferiu entusiasmadamente.
━ Wohoho você tem razão!! ━ ele soltou uma risada curta que borbulhou por seu peito enquanto tagarelava com Kou de forma energética.
Você, que como sempre estava alguns poucos passos atrás deles, fitou ambos os garotos com uma expressão julgadora, estranhando aquele papo.
━ Por que é que eles estão falando disso justamente agora?! ━ questionou-se em um tom que somente Yashiro ao seu lado pudesse ouvir.
━ Eu não sei.. ━ suspirou, fitando aos indivíduos com uma face confusa ━ Em um momento como esses e eles falando de procriar e...serem os humanos mais fortes dentre os humanos?? ━ tombou levemente a cabeça para o lado.
━ Qual é a lógica disso? ━ Você fez uma careta, observando-os ainda debater sobre como seria se de fato vocês fossem os últimos humanos na terra.
E continuaram a jogar conversa fora, dialogando sobre assuntos bobos e triviais com sorrisos e risadas baixas que não mais duravam do que alguns segundos, era mais do que óbvio que com aquela conversa eles estavam tentando se distrair e jogar seus problemas e medos para longe, ocupando suas mentes com algo banal e ao mesmo tempo...divertido, talvez?
Um barulho escapou de seu nariz quando você deixou que uma quantia de ar considerável saísse por ele em uma risada silenciosa, apreciando a tentativa de seus mais novos amigos de apaziguar a atmosfera antes tensa que os rodeava.
Vocês continuaram caminhando sem rumo pela cidade por um intervalo de tempo que passou de forma lenta enquanto as construções iam surgindo em seu campo de vista, ao mesmo tempo em que as outras iam sumindo dele, a quietude recheava todo aquele lugar e só era combatida pelos timbres animados de Kou e Amane, que ainda papeavam com vigor, suas vozes rodopiavam por entre vocês e logo depois sumiam, deslizando por entre as construções e se dissipando no nada do ar, até que teve um momento em que elas simplesmente sumiram pelas construções e não voltaram mais, quando os dois garotos cessaram sua conversa e se calaram totalmente, parando até mesmo de andar.
Você, que até então encarava Yashiro de forma interessada — tendo seu próprio diálogo separado com ela sobre o quanto garotos eram estranhos e em como vocês duas só queriam estar na cama dormindo — parou suas pernas abruptamente, percebendo que os garotos já não mais andavam e de repente se tornaram tão imóveis quanto estátuas.
Separando os lábios já preparada para perguntar o motivo da parada repentina, você ergueu suas orbes e as direcionou para frente, logo sentindo uma onda de choque tão grande quanto um tsunami te consumir. As palavras que já estavam na beirada da garganta se desfizeram e toda a sua linha de raciocínio foi mais uma vez bagunçada, um nó confuso nasceu no lugar dela enquanto suas orbes observavam aquilo que haverá deixado todos vocês imóveis.
Seu coração tremulou de uma forma tão selvagem que você quase chegou a sentir dor, o ar que antes era inalado por suas narinas subitamente parecia pesado e se recusava a adentrar em seus pulmões, lhe deixando com algo similar a uma falta de ar, mas aquela falta de ar não lhe incomodou, não, não, de forma alguma, o que mais estava lhe incomodando mesmo era aquela cena que seus olhos vidrados assistiam com pavor, aquela cena horrenda que se desenvolvia na sua frente.
Você engoliu em seco e sentiu seu corpo trêmulo suar frio enquanto mais uma criatura inumana, assombrosa e asquerosa que até então só existia em seus piores pesadelos da infância perambulava, logo ali, ao lado de uma construção que teria sido possivelmente uma igreja algum dia, ele...ou aquilo possuía uma figura alongada e delgada, era como se o corpo daquele ser não tivesse nenhum porcento de gordura sequer, era apenas osso, tanto que em sua pele pálida era possível ver nitidamente o esqueleto que tinha e se desenhava por baixo de sua epiderme, as marcas que as ossaturas traçavam e desenhavam na pele da criatura eram fortes e marcantes, ao ponto de você até mesmo conseguir contar quantos ossos ele possuía. Seus braços eram logos, suas pernas eram longas, seu pescoço era longo, diferente daquele outro que se rastejava no chão, aquela criatura sim possuía pelo, alguns fiapos lisos e pretos que caiam sobre seus ombros ossudos e provavelmente sobre seu rosto também, rosto este que ainda era desconhecido para sua pessoa, já que ele estava de costas, torso curvado e fazendo movimentos de se balançar ligeiramente para os lados, produzindo chiados e resmungos desconexos como se estivesse...quase como se estivesse atordoado com algo. No chão; bem na frente dele, estava jogado um corpo desfigurado e destroçado, este que estava tudo, menos vivo, haverá sido vítima de um desmembramento e...céus! Era nojento olhar para aquilo! Mas aquilo, o que quer que fosse aquilo, estava morto, desmembrado, destroçado e definitivamente algo havia se alimentado de parte dele, algo este que sua mente automaticamente e instintivamente presumiu e assimilou ao ser alto e delgado posicionado ao lado, você nem sequer raciocinou antes de ter em sua cabeça como certeza absoluta que seria aquela criatura a fazer tal ato. E sua mente não errou, de fato havia sido ele o culpado por aquela atrocidade.
Suas orbes foram se arregalando aos poucos, tal como você já havia se acostumado a fazer nos poucos minutos ( ou seriam horas? ) em que esteve neste lugar mórbido e tenebroso. O suor gelado dançava por seu corpo que se estremecia a cada batida que seu coração dava, urrando, berrando e gritando, gritando de medo, gritando para que você corresse o mais rápido possível e se escondesse, você queria realmente fazer aquilo, e como queria, mas suas pernas fraquejavam em estado de choque e sua mente esbranquiçada balbuciava, sem saber que decisão tomar a seguir.
Teria sido aquilo antes vivo um humano? Você não sabia, nunca saberia, e como poderia saber?
O cheiro de sangue que lhe lembrava a metal juntamente de mais algum odor similar de dejetos fecais que era inalado por aquele cadáver e aquela criatura adentrou suas narinas de forma súbita e sem permissão nenhuma, seu estômago se revirou enquanto aquele cheiro se tornava mais forte e infestava todo o local, seu nariz se entortava em repulsa, mas você já não sabia dizer se era por causa do fedor ou da cena em si.
Permaneceram ali, imóveis, sem saber o que fazer ou como reagir, nenhum de vocês se moveu, assim como a criatura também não saiu do lugar...nos primeiros segundos pelo menos.
O medo foi se acumulando entre vocês, de uma forma que era até difícil de segurar, e a criatura pareceu sentir isso, já que subitamente parou de mover seu corpo e chiar, como se tivesse sentido a presença de mais alguém, sua cabeça foi aos poucos se movendo e virando-se para trás, até o momento em que aquele bicho finalmente botou os olhos em vocês e os viu.
Foi horrível e feio, todo seu dorso estava de costas para vocês, mas a face dele estava de frente e os encarava diretamente, como uma coruja fazia ao locomover livremente sua cabeça para os lados sem dificuldade alguma. Seu rosto era o real significado do termo "grotesco", com uma boca grande e que mesmo fechada era possível ver os dentes grandes e pontiagudos sujos de sangue, que escorria por seu queixo e lambuzava toda aquela área e até um pouco mais de seu corpo, suas orelhas eram puxadas para os lados e seus olhos mais pareciam bolas pretas e cintilantes, que brilhavam numa cor perigosa e demoníaca.
Ele notou suas presenças, e assim que os viu, entortou a cabeça, como se estivesse confuso, antes de girar o restante de seu corpo para trás e começar a se mover na direção de vocês, andando, mas antes que pudessem terminar de piscar, correndo, correndo de uma forma estranha, medonha e pior! Rápida, muito rápida.
Seu sensor de perigo começou a falhar enquanto a sensação estourava e transbordava por todo o seu corpo, não foi preciso dizer uma palavra sequer para que tanto você quanto seus amigos começassem a se locomover na velocidade mais veloz que conseguiam alcançar, coisa que era lenta em comparação ao quão ágil aquele ser disforme era.
Barulhos esquisitos que mais pareciam uma risada saíram daquela criatura, arrebentaram o ar e envolveram de forma grosseira a audição de todos vocês, aumentando ainda mais vossos batimentos cardíacos.
Vocês passaram a fugir mais uma vez de uma entidade estranha que os perseguia com sede de sangue, percorreram de forma acelerada as trilhas que se despachavam a sua frente sem prestar atenção para onde iam numa corrida pela sobrevivência, correram bastante, mas não ousaram sair de perto um do outro nem por um instante, chegando até a se puxarem entre si para que ninguém ficasse para trás. Seus pés já cansados se batiam contra a terra dura do chão e imploravam por misericórdia e por descanso, mas você não parava nem por um instante sequer, ignorando todo e quaisquer resmungo que seu corpo sedentário dava e indo de encontro ao seu limite ou até mesmo ultrapassando ele para conseguir sair com vida daquela situação.
A cidade ao redor de vocês? Você não conseguia ver, corria tão rápido que as coisas paradas haviam se tornado apenas um borrão para seu campo de vista, e foi isso que fez vocês — que estavam tão preocupados somente em despistar a criatura e que não se incomodaram em ver para onde se locomoviam — acabarem parando sem querer numa rua sem saída.
Antes mesmo que tivessem chance de pensar ao notarem que estavam sem opções para fugir, a criatura hedionda já haverá alcançado vocês, os deixando encurralados como presas a mercê de seu predador.
Aquela criatura os observou com olhos que não esboçavam nenhuma expressão, mas que se fosse para você escolher uma, diria que ele os fitava com deboche enquanto se esgueirava em sua direção, você recuou para trás, assim como seus companheiros, vocês recuaram até onde deu, até que sentiram a parede gélida encostar em suas costas, sinalizando fim da linha.
O ar começou a entrar e sair de seus pulmões mais rápido do que deveria enquanto a hiperventilação te atacava, você observou com pânico aquele ser, pensando nos piores cenários possíveis. Um toque de frustração se misturou entre o maremoto de sentimentos que lhe dominava por inteiro. No meio de um milhão de pensamentos que rodeavam sua mente na velocidade de um relâmpago, uma imagem de sua tia de repente desenhou-se em suas memórias enquanto você se recordava dela e passava a incluí-la nos mil e um pensamentos que estava tendo ao mesmo tempo. Você pensou no quanto não queria morrer, em como não queria deixar sua tia sozinha, em como sua tia ficaria atordoada ao perder mais alguém da família, em como você não queria perder sua tia e em como sua morte seria sofrida e dolorosa se aquela coisa os pegasse. O medo e a aflição eram algemas pesadas que te puxavam para baixo de um mar de emoções que sufocavam-te de forma agonizante.
E durante essa submersão, Yashiro repentinamente se encolheu ao seu lado, fazendo inconscientemente seu corpo encostar no dela, isso foi o suficiente para que sua atenção fosse instintivamente para ela por questão de segundos, segundos esses que foram suficientes para lhe fazer encolher o corpo também, amedrontada.
Foi tudo muito rápido, você não teve tempo de sequer piscar os olhos quando de supetão viu uma figura humanoide e pequena em relação à criatura se mexer atrás dele de forma silenciosa. Quando deu por si mesma, um pedaço de madeira lascada e pontiaguda havia se chocado brutalmente contra o monstro delgado, perfurando a pele magra dele e rasgando-a com bestialidade, enquanto um líquido grudento de tonalidade parecida com um azul bem escuro gotejava de seus novos ferimentos, manchando o chão e até mesmo a madeira, que haverá perfurado o peito da criatura que se debatia de forma angustiosa, berrava alto e rugia de dor. A força do impacto foi tão grande que chegou a transmitir um barulho que rodopiou em uma valsa por toda aquela rua fechada, acompanhada dos gritos de desespero da besta. Não demorou muito para que aos poucos aquele ser fosse parando de guinchar e movimentar-se, seus membros tornando-se tão moles quanto uma boneca de pano.
Entrando em estado de óbito, a criatura perdeu as forças na perna e consequentemente seu corpo já sem apoio se inclinou para frente, caindo e soterrando a cara no chão com tanta força que foi possível ver a poeira antes acumulada subir e levantar voo no local em que ela caiu.
Após o ser magro e comprido cair, foi possível ver uma outra pessoa observar com desdém o corpo morto, tinha sido ela a atacar a entidade com o pedaço de madeira, este que ainda era possível ver em suas mãos meladas do sangue daquele bicho.
Era um garoto, um jovem de estatura mediana com roupas largas que cobriam grande parte de sua pele e um cabelo com certeza chamativo de tonalidade rosa, um rosa que lembrava as flores em um campo.
Ele apertou as sobrancelhas em uma expressão séria, erguendo suas orbes — estas que eram tão rosadas quanto cristal — do monstro e voltando-as para vocês.
━ Hey! ━ chamou-os ━ O que diabos estão fazendo aqui?! ━ questionou algo que nem mesmo vocês sabiam com um timbre que respingava preocupação e indignação.
━ Perdão?? ━ disse um Amane confuso, se desgrudando da parede na qual estava recostado ━ Quem é você??
━ Eu sou Mitsuba Sousuke. E vocês não deveriam estar aqui ━ a nova companhia alertou-os, sua voz saindo de forma séria enquanto ele passava por cima do cadáver da criatura sem se preocupar em pisotear ela.
━ Eehn..onde é "aqui" exatamente? ━ você questionou, ainda sentindo seu coração martelar em seu peito ━ Porque nós não sabemos onde estamos! Simplesmente acordamos aqui do nada, sem motivo nenhum! ━ tratou de explicar as vossas situações.
━ Então vocês também são vítimas deles... ━ arregalou os olhos após ouvir isso e murmurou baixinho, aparentando estar meio nervoso ━ Isso aqui é um lugar cujo vocês nunca iriam desejar estar ━ deu uma resposta vaga, largando o pedaço de madeira e os observando.
━ É..a gente percebeu ━ o moreno ironizou ao mesmo tempo em que varria os seus arredores com o olhar.
━ Ok, mas que lugar é esse e o que são essas coisas esquisitas que parecem estar em todo canto por essa cidade?! ━ Kou indagou abespinhado, não era difícil de perceber o quão ansioso ele estava pelas respostas das perguntas que pareciam enlouquecê-lo em sua cabeça.
━ ....vocês acreditam em demônios? ━ aquilo que Sousuke disse logo em seguida pegou a todos de surpresa.
Todos vocês fitaram perplexos ao garoto que havia acabado de se virar de costas, analisando o céu com um ar de suspense.
━ Você está querendo dizer que-...essas criaturas são demônios..? ━ Yashiro interrogou, trêmula.
━ Bem-vindos ao inferno ━ o dono das madeixas rosadas redarguiu, virando levemente seu corpo para trás e fitando vocês sobre o ombro, lançando-lhes um olhar severo e penetrante.
━ Espera, quê!? Estamos no inferno?! ━ Kou desesperou-se.
━ Não exatamente, mas aqui é quase ou pior do que o próprio inferno ━ revelou, antes de voltar a olhar para frente e soltar um suspiro profundo ━ Venham comigo, eu vou explicar melhor para vocês. Mas primeiro precisamos sair daqui pois estamos muito vulneráveis nesse local ━ articulou com a mão um gesto que dizia "venha aqui" e começou a andar logo em seguida.
Você virou a cabeça na direção de seus amigos e vocês se entreolharam, perguntando de forma silenciosa uns para os outros se deveriam confiar ou não no mais novo companheiro.
Passado alguns segundos, vocês cederam e decidiram o seguir. A curiosidade ganhava da desconfiança.
Seus passos eram dessincronizados e criavam ondas de barulhos consecutivos, na qual mal se acabava um e já se iniciava outro, era um barulho de passos baixos aqueles que vocês produziam, e, confiando na pessoa desconhecida a sua frente para guiar-lhes, vocês seguiram-no sem pestanejos.
━ Então, do que vocês lembram antes de acordarem aqui? ━ interrogou repentinamente após um reinado curto de silêncio que se estabeleceu entre vocês enquanto andavam para algum lugar desconhecido para ti atualmente.
Amane esticou levemente o pescoço e mirou vocês três, o ato do moreno fez com que inconscientemente todos vocês se entreolhassem novamente, como se combinassem uma resposta.
━ ..Nós estávamos cada um em sua respectiva casa, quando de repente um sino tocou em nossos ouvidos, nós adormecemos e acordamos aqui logo em seguida, sem lembrarmos de mais nada ━ Yashiro foi quem respondeu ao rosado por todos.
━ ...É, tal como eu ━ soltou o ar pela boca, liberando mais um suspiro de seu estoque de suspiros.
━ Você também?! ━ o garoto Minatomo o olhou surpreso.
━ Mas a diferença é que isso já me vem acontecendo há semanas ━ balançou a cabeça em concordância antes de falar, ainda de costas para vocês ━ E eu suponho que essa seja a primeira vez de vocês acordando aqui, não é?? ━ fez outra pergunta, olhando brevemente para trás e analisando vocês por um instante.
━ Oi? ━ Amane roubou a atenção para ele novamente ━ Acho que não entendi o que você quis dizer com "primeira vez que acordamos aqui", como assim "primeira vez"? ━ deixou que um pequeno vestígio de ironia cavalgasse por suas falas, dizendo um "acho" no momento em que tinha certeza de que não havia entendido.
━ Bem..digamos que vocês não estão onde moram atualmente ━ deu de ombros, não parando de andar nem por um minuto.
━ Claro, quer dizer, olha para esse lugar! Eu nem sei dizer em qual estado...ou cidade estamos ━ aquele que se denominava Hanako ergueu os braços e gesticulou para a cidade acabada que os rodeava.
━ Não, eu não falo nesse sentido ━ Mitsuba negou com a cabeça, ainda concentrado em sua frente ━ Eu quero dizer que..nós literalmente não estamos no nosso "mundo real" no momento. Tudo isso que vocês vêem ao seu redor é...como eu posso explicar..? ━ deu uma breve pausa enquanto ponderava sobre o que dizer a seguir ━ Basicamente um sonho.
━ ....
━ ....
━ ....
━ ....
━ O qu—
━ Vocês literalmente dormiram e..no processo vieram parar aqui, esse lugar é tipo uma espécie de sonho compartilhado que uma coletânea de pessoas está tendo ao mesmo tempo, e esta coletânea somos nós ━ referiu-se a vocês 5 ━ é como se estivéssemos em um mundo paralelo dos sonhos, uma realidade de coisas que só ocorrem no fundo do nosso subconsciente enquanto estamos dormindo. A única diferença disso para um "sonho comum" é que isso é real, não é uma invenção da nossa cabeça para ajudar a mente a processar o que ocorreu ao decorrer do dia, não. É realmente real, tudo aqui, nada foi inventado por nós, tudo isso já existia antes de estarmos aqui e continuará existindo mesmo quando já não estivermos mais aqui. Esse lugar é de modo total um mundo paralelo que por algum motivo acessamos repentinamente ao badalar da meia-noite ━ Mitsuba não se contentou com as palavras e compartilhou todas as informações que ele mesmo conseguirá recolher com as suas próprias experiências sofridas com o tempo ━ E o pior é que eu venho o acessando toda santa noite, toda vez, quando bate a badalada da meia-noite eu escuto os sinos; os benditos sinos; adormeço e acordo aqui..e ao badalar da meia-noite no horário deste lugar, eu escuto os benditos sinos novamente e acordo no "mundo normal" ━ parou por um momento, antes de retomar a voz ━ é como se tivesse algo nos atraindo..nos convidando para cá...seja o que for, provavelmente é uma dessas pragas meticulosas que habitam esse mundo e nos caçam com tanta insistência, talvez seja só esses monstros que se divertem com a nossa angústia. E seja como for, já que estão aqui, isso significa que elas se interessaram por vocês, assim como se interessaram por mim..quem sabe essa seja a festa de Halloween delas.
━ Um outro mundo...? Mas isso é possível??━ uma Yashiro desacreditada questionou.
━ Totalmente possível, e nós somos a prova viva disso. Aliás, creio que a essa altura do campeonato poderíamos conceituar que tudo é possível, tendo em vista que aquelas criaturas de antes que só existiam em filmes de terror e nas paranóias da nossa cabeça são completamente reais aqui ━ respondeu de forma séria e direta, e a garota arrepiou-se.
━ Uau. Que loucura! Sinto que minha cabeça está prestes a explodir... ━ ela disse, massageando as têmporas e processando todas as informações repentinas que foram brutalmente jogadas em vocês.
━ Mas se isso aqui é como um sonho, só que real e concreto.....o que acontece se morrermos aqui? ━ você que esteve raciocinando silenciosamente e absorvendo tudo aquilo perguntou algo que vinha batucando em sua mente.
━ .... ━ Sousuke ficou calado por um momento e te olhou com uma expressão que você não conseguia identificar os sentimentos que com certeza transbordavam por ela.
━ Voltamos para nosso mundo automaticamente ou morremos nos dois mundos? ━ insistiu na pergunta, vendo-o morder o lábio inferior brevemente.
━ ....nós- ━ Mitsuba se prepara para falar, mas se cala novamente ao ser interrompido por um barulhoso estrondoso que contaminou todo o ar da cidade.
O chão passou a tremer novamente, como se estivesse havendo um terremoto, e ao sentir isso, vocês estremeceram em conjunto — tanto por medo quanto pelo tremebundo —, um rosnado monstruosamente alto saltitou pelo ar, fazendo seus ouvidos doerem e até mesmo as construções ao seu redor vibrarem. Logo em seguida, aquele mesmo barulho de algo que parecia ser passos de um titã caminhando sobre a terra pairou pela superfície, fazendo-a tremer tanto quanto as ondas em um mar tempestuoso, você conseguia sentir seu corpo oscilando entre ir para cima e para baixo durante todo aquele terremoto sobrenatural.
Era como se uma criatura consideravelmente grande tivesse acordado de um sono profundo.
━ Que barulho é esse? ━ outra pergunta escapou de seus lábios, porém esta não teve resposta.
━ Essa não..ele já sabe que estamos aqui! Depressa, precisamos nos esconder!! ━ Mitsuba parou de andar por um momento, antes de modificar de supetão a trajetória que vocês percorriam, girando os calcanhares para o lado e correndo na direção das casas da vizinhança na qual passeavam naquele momento.
Vocês o seguiram sem passar duas vezes, apertando os passos e se apressando para ir para um lugar supostamente seguro.
━ "ele"? ━ repetiu Amane, afim de conseguir mais informações.
━ Se isso aqui fosse um jogo, poderíamos chamá-lo de "boss final", ele é; até onde consegui ver; uma das criaturas mais poderosas e aterrorizantes que existe nesse lugar, se não for a criatura mais aterrorizante e poderoso ━ exemplificou de uma forma direta e que pudessem entender ━ Acredite em mim, vocês não vão querer ficar cara a cara com ele.
Ah, e como você acreditava nele.
━ O melhor a se fazer é sem sombra de dúvidas evitá-lo o máximo que conseguir e ficar totalmente fora do alcance de vista dele! ━ disse firmemente, antes de parar de andar e abrir com velocidade a porta da primeira casa que alcançou, posicionando-se ao lado dela e olhando para vocês, gesticulando com a mão livre para dentro da residência ━ Rápido, vamos nos esconder nessa casa até ele ir embora! ━ informou, e vocês se apressaram em atravessá-la, com Mitsuba sendo o último a passar e fechando ela logo em seguida.
Ao adentrarem o lugar, vocês se depararam com um cenário sujo e mofado, a poeira e solidão dominava o lugar com opressão e poder, todos os objetos da casa pareciam enferrujados e tudo cheirava a velhice e abandono.
Você teria reparado melhor no cenário se não fosse a situação, mas infelizmente não deu muita atenção para como era a aparência da casa, se preocupando mais com a própria proteção e o perigo eminente perambulando lá do lado de fora.
━ Fechem as janelas e cortinas! ━ Mitsuba ordenou brandindo, antes de correr para a janela mais próxima dele mesmo e fechá-la, obedecendo ao próprio comando.
Amane e Kou correram para as janelas que viram, e logo você e Yashiro também agiram e fecharam as cortinas do que parecia ser a sala.
De repente, a iluminação do local que antes dependia do pouco brilho que havia do lado de fora foi cruelmente tampada pelas cortinas, fazendo com que aquela casa se tornasse ainda mais escura do que já era.
O silêncio os embrulhou como uma coberta por vocês, todos ficaram calados e prestaram atenção apenas no barulho de fora, que sempre era seguido de tremores horríveis no solo. As respirações irregulares de seus companheiros preenchia seus ouvidos e passeava pela sua audição, que lhe deixava cada vez mais ciente de sua própria respiração e no como seu peito subia e descia rapidamente conforme ela era continuamente realizada.
Os passos foram rapidamente se aproximando, até que chegou um momento em que tanto o barulho deles quanto a tremedeira ficaram mais fortes e mais altos, indicando que certamente a criatura já estava no mesmo local em que vocês estavam. Ninguém ousou mover um músculo ou sequer falar um "a" enquanto aquela entidade caminhava sem pressa alguma do lado de fora.
..Exceto Hanako, que ainda próximo da janela na qual haverá acabado de fechar, com uma mão silenciosa e meio tensa, ergueu um pouco a cortina da janela, fazendo com que uma pequena brecha se abrisse, após isso, ele inclinou levemente o rosto para baixo e bisbilhotou pela brecha da cortina, atrás de observar a criatura de forma despercebida.
Você fitou a figura do garoto ousado e corajoso, perplexa com o ato do mesmo. "E se ele for visto?" Foi o que pensou, preocupando-se e sentindo uma pontada de vontade de ir lá puxá-lo para longe da cortina, mas não o fez pois sabia que aquilo provavelmente faria barulho e que a criatura colossal que passava logo ali na frente do lugar em que vocês estavam escondidos poderia escutar.
Pelo canto do rosto dele, você conseguiu ver uma careta desenhando sua expressão, como se ele tivesse visto algo bem desagradável.
A curiosidade te devorou, mas você foi paciente e esperou até os tremores ficarem mais fracos para dizer alguma coisa.
Foi questão de alguns longos minutos que pareciam não passar nunca, mas quando passaram, o "terremoto" diminuiu e as coisas pararam de vibrar com tanta força, tal como os passos, que se tornaram mais longínquos, até que estivessem quase imperceptíveis na sua audição.
━ E aí, viu ele? ━ perguntou, se aproximando do moreno que logo se afastou da cortina e deixou de segurar a ponta dela para cima.
Ele entortou o nariz e balançou a cabeça positivamente, ainda com as orbes pousadas no lugar em que antes era possível ver pela brecha a criatura.
━ Como é a aparência desse bicho? ━ inquiriu você, curiosamente.
━ Se aquela coisa participasse de um concurso de beleza ela com certeza iria ganhar ━ Amane demorou para responder, mas quando o fez, foi em um tom completamente irônico e com olhos fulvos que lhe encaravam com graça. Diferentemente do que você esperava, a resposta que recebeu não foi nada séria.
Foi a sua vez de fazer uma careta, essa leve e despercebida. Todavia, ainda com aquela resposta brincalhona, você percebeu seriamente que a criatura era horrenda mesmo.
━ É, como podem ver nesse lugar existe diversas entidades estranhas que se alimentam de nós. Somos como ratos presos dentro do covil das cobras ━ Mitsuba retornou a falar, sentando-se em uma cadeira que tinha ali.
Todos vocês olharam na direção dele, que com as pernas cruzadas, cabeça apoiada em uma das mãos e o cotovelo recostado na mesa, bufou, cansado.
━ E o que devemos fazer? ━ tornou a perguntar a menina das madeixas grisalhas.
━ Sobreviver até o badalar da meia-noite ━ ele respondeu de forma direta.
━ ..Como?
━ Fugindo.
O silêncio ganhou a batalha e governou pelas paredes daquela casa; só era possível ouvir de longe os passos pesados do gigante.
As coisas se aquietaram por um momento.
.....
Até que de repente.
TOC! TOC! TOC!
Batidas fortes na porta ecoaram pelas quatro paredes daquela residência e chicotearam o ar. Seu coração deu um salto selvagem no primeiro batucar que seus ouvidos captaram.
━ O q-
━ Não respondam ━ Mitsuba cortou a fala de Kou, ordenando com um timbre tão sério e forte que deixou a todos aflitos.
....
TOC! TOC! TOC!
As batidas prosseguiram mais uma vez ao perceberem que foram ignoradas, retornando ainda mais fortes do que antes.
━ Droga! A porta não está trancada, ele vai entrar... ━ o rosado mordeu o lábio inferior, reparando nesse detalhe infeliz. Ouvir aquela fala fez com que seu coração desse um pontapé em seu peito, nervoso ━ Olhem para o chão, evitem olhar para qualquer outro canto que não seja o chão, não olhem para aquele bicho e em hipótese nenhuma respondam ele, não importa que voz vocês escutem ou o que quer que seja dito, não o respondam ━ vos deu breves instruções de uma forma que deixou claro que elas deveriam ser seguidas a risca, e logo depois derrubou suas próprias orbes na madeira que desenhava a superfície embaixo de seus pés.
Você e o restante de seus novos amigos fizeram o mesmo, o chão nunca se tornou tão interessante de se observar.
O medo foi tanto que você não desgrudou suas íris do canto na qual havia pousado nem por um segundo.
....
TOC! TOC! TOC!
E as batidas procederam mais uma vez, uma única vez, até que a porta foi arrebentada e aberta de uma forma tão brusca ao ponto de seu barulho ecoar por toda a casa vazia.
A porta a ser aberta não era aquela pela qual vocês entraram e sim uma outra, uma porta dos fundos que se localizava na cozinha.
A nova visita indesejada andou em passos lentos por tal cômodo e não demorou mais que alguns minutos para que ela alcançasse aquele em que vocês estavam atualmente, se aproximando de suas figuras enquanto cambaleava de um lado para o outro, como se uma de suas pernas estivesse machucada.
Você não conseguia vê-lo, pois seus olhos estavam voltados para o chão, entretanto, a presença marcante e pesada da criatura denunciava sua localização e aproximação perigosa, a atmosfera se tornava um tipo de corrente que lhe puxava para baixo e lhe afogava no mar de angustia que agora cobria todo o seu corpo submerso.
Sua respiração engatou em sua garganta e você se viu na obrigação de entreabrir levemente e disfarçadamente os lábios para conseguir puxar ar suficiente para seu pulmão, era complicado pensar sobre aquele tipo de pressão, então sua mente estava no mais puro breu ao mesmo tempo em que estava no mais puro caos.
A madeira do chão rangeu continuamente em resposta ao peso dos pés daquela entidade.
━ .... ━ até que os passos se cessaram repentinamente e surgiu em seu campo de vista pés tortos e para fora, eles eram inteiramente inclinados para os lados, deformados e de uma coloração um tanto quanto anormal.
Você sentiu uma respiração pesada no topo de sua cabeça fazer seus fios de cabelo dançarem em uma melodia inquietante, enquanto seu corpo sucumbia ao pânico e seus olhos arregalados se grudavam nos pés que há pouco haviam surgido diante de ti. Ele estava na sua frente, e estava tão perto de você que seu coração até mesmo esqueceu-se como deveria bater por alguns momentos.
Sua pele esquentou, seus pelos se eriçaram e o sentimento de vulnerabilidade lhe dominou enquanto os olhos daquele ser rastejavam por sua figura, a sensação de estar sendo observada era sufocante.
As coisas ao seu redor aparentavam se tornar cada vez maiores em comparação ao seu tamanho conforme os minutos que mais pareciam séculos passavam, seria aquilo o início de um ataque do pânico?
O suor rastejou pelo seu corpo gelado, deixando-o grudento, a expiração daquele bicho de pés tortos que afagava seus cabelos e tensionava sua pele ficava cada vez mais incômoda. O anélito quente dele caminhava por seu rosto, o cheiro não era nada bom. Você não sabia o que deveria fazer, então optou por ficar o mais imóvel possível, e a criatura fez o mesmo, você ficou parada, ele também ficou, e a cada segundo as coisas pareciam mais distantes, sua visão parecia mais embaçada, seu coração batia mais rápido, e o desespero lhe devorava mais ainda.
O seu pulmão era repleto de ar o tempo todo, mas diante daquela situação ele se tornava ganancioso, mesmo expirando e inspirando há todo momento, você estava ofegante, como se lhe faltasse fôlego .
Aquilo era tão apavorante, que a sensação de que iria morrer ali mesmo se refugiou pelo seu interior e dançou juntamente de seu desespero, misturando-se e tornando-se um só com ele.
Para a sua sorte, quando você começou a achar que já não iria aguentar mais, algo ao seu lado roubou ousadamente a atenção daquele bicho de aparência desconhecida; este algo em questão era Amane, que com uma respiração pesada, haverá caído sentado no chão, como se suas pernas tivessem fraquejado e o abandonado no meio da batalha — e de fato foi o que fizeram —, o garoto aparentava estar em transe, seus olhos trêmulos se perderam mais uma vez no chão e sua boca aberta sugava e liberava oxigênio afobadamente igual a um peixe quando tenta incansavelmente respirar fora da água.
Instantaneamente tanto a entidade quanto você e seus amigos olharam na direção do jovem em apuros, que com uma voz abalada, baixa e falha pronunciava o nome de alguém desconhecido.
━ Tsukasa... ━ tal nome que deslizou por seus lábios era preenchido por uma enxurrada de sentimentos angustiantes.
A criatura soltou um barulho gutural estranho, mas que denunciava satisfação, e você pôde ouví-la começar a se mexer lentamente na direção de seu companheiro, porém evitou ao máximo que seu campo de vista alcançasse o bicho, lembrando-se das palavras sérias de Mitsuba que os pedia para não fitá-lo e nem respondê-lo.
Essa não! essa não! E agora?!
Uma nova onda agressiva de medo se expandiu por você enquanto reparava que Hanako estava numa enrascada, você não sabia o que ia acontecer a seguir, no entanto sabia que o que quer que fosse não seria algo bom.
Se questionou e ponderou intensamente sobre o que deveria fazer para ajudá-lo e como deveria reagir — ser leiga sobre aquela e todas as outras criaturas definitivamente não era algo legal naquele tipo de situação — mas o garoto Kou foi bem mais ágil e esperto que você, ele não usou mais do que os poucos minutos que tinha antes de algo desagradável acontecer com seu colega para agarrar a cadeira na qual outrora Mitsuba estivera sentado e jogá-la contra aquele ser, acertando-o com força e fazendo o mesmo cambalear desnorteado, abrindo uma brecha — mesmo que curta — para escapar da fera.
Você logo notou a oportunidade de ouro e não a deixou escapar, ordenando que os membros de seu corpo fossem o mais rápido que podiam, puxou Hanako pelo braço obrigando-o a se levantar e começou a arrastá-lo contigo enquanto disparava em uma fulga apressada para fora da casa, utilizando a porta da cozinha que ainda estava aberta para xispar do perigo.
Movimentando seu corpo numa velocidade que pensou nunca ter que alcançar, você afundou com força seus pés na superfície e impulsionou-as para irem mais rápido, apertando com firmeza os dedos que rodeavam o pulso do moreno. O barulho dos passos acelerados de seus companheiros que também lhe acompanhavam naquela escapada estapeava seus ouvidos, mais uma vez vocês fugiam e corriam sem rumo por aquela cidade, apenas buscando sobreviver a todo custo.
━ Obrigado... ━ um timbre masculino e melancólico subitamente acariciou sua audição. Você olhou brevemente para trás, fitando seu companheiro moreno que agora já não mais estava naquela espécie de transe, a expressão em seu rosto era difícil de decifrar, entretanto você conseguia enxergar a tristeza e ao mesmo tempo gratidão pela ajuda nele.
Balançando ligeiramente a cabeça em um aceno, murmurou um "de nada" que escapou de sua garganta e foi levado para longe pelo vento forte que agredia vossos corpos em constante movimento.
Não muito depois, você já foi capaz de captar os barulhos pesados e estranhos que aquela coisa emitia ao correr, o que só significava que ele vos perseguia.
Mitsuba que agora assumia a liderança e corria na frente guiou vocês por aquele extenso lugar com precisão, era nítido o fato de que ele já conhecia bem aquele trajeto, provavelmente já haverá passado muito sufoco e fugido bastante até adquirir tamanho conhecimento do local.
Você o seguiu confiando em seus possíveis conhecimentos, até que não muito tempo depois vocês adentraram um beco na qual atravessaram uma passagem, esta que foi rapidamente fechada pelo rosado com a ajuda de Kou e de Amane; que se soltou de seu aperto no momento em que pararam temporariamente de correr.
━ Ele sabe que entramos aqui e não vai demorar muito para abrir esta passagem novamente ━ disse o Sousuke, referindo-se às diversas caixas pesadas e entre outras coisas que os três garotos tinham botado para tampar a abertura ━ precisamos continuar correndo até que o tiremos totalmente de vista ━ afirmou logo após, retornando a mover suas pernas com ligeireza e indo mais a fundo no novo cenário que se desenhou ao redor de vocês, que como ele, não perderam tempo e zarparam rumo a frente, deixando o mesmo guiar-lhes.
━ Quem era aquele?! ━ Yashiro perguntou de forma ofegante por culpa do cansaço.
━ Se eu saísse por aí dando nome para cada criatura esquisita que vejo nesse lugar certamente já estaria louco ━ o rosado foi franco ━ A única coisa que eu sei é que aquela coisa entra na sua mente e usa seu ponto mais fraco contra você.
━ Como assim? ━ tornou a perguntar a grisalha.
━ Aquele bicho implanta ilusões na gente, assim que olhamos para ele ou que respondemos aos chamados dele. Ele nos engana de forma sorrateira, usando a voz das pessoas ou o som dos animais que você mais ama e tem apego, logo depois te bota numa mentira bonita, finge que é aquele que você ama e te seduz direto para a morte ━ explicou.
Em resposta, Yashiro deixou que um barulho assustado escapasse de sua garganta e uma expressão perturbada pintasse sua face.
A curiosidade cutucou-lhe a cara, fazendo com que você olhasse brevemente para trás, apenas para descobrir que a entidade já estava na cola de vocês e se batia brutalmente contra as caixas para abrir caminho, fazendo com que as mesmas tremessem em um aviso prévio de que já vacilavam contra ele e iriam perder a batalha.
━ Já nos alcançou! ━ avisou ao restante da turma, ainda olhando para trás, porém não parando de correr nem por um segundo sequer ━ E agora? ━ sua voz espavorida correu pelo ar e alcançou o ouvido de seus colegas, que também curiaram na direção da entrada temporariamente fechada.
━ Não se preocupe, mesmo que ele entre agora vai ter dificuldade em nos achar ━ Mitsuba acamou-lhe.
━ Quê? Por q- ━ ficou confusa com o que foi dito por ele, porém perdeu completamente a fala quando tornou a olhar para frente e se deparou com um espelho enorme.
Vossos reflexos se espelhavam naquele objeto, deixando-os totalmente ciente de como estavam naquele momento. Suas orbes foram atraídas para a sua própria figura e você pode reparar no quanto suas bochechas estavam vermelhas e seu rosto estava suado — mesmo em um lugar de clima tão frio —, mas aquilo não poderia lhe importar menos naquela situação.
━ Porque assim que atravessarmos isso entraremos numa espécie de labirinto de espelhos, então vai ser mais fácil de nos escondermos lá ━ redarguiu, apontando para o enorme espelho em vossas frentes no processo.
Vocês pararam de correr por um momento e todos observaram o objeto, até que o som da criatura desconhecida arrebentando as caixas e tentando entrar ecoasse por todas as paredes daquele canto.
━ É melhor nos apressarmos ━ notando isso, Mitsuba acelerou o passo novamente, chamando a atenção de vocês.
E logo, todos atravessaram o espelho, entrando literalmente dentro dele, que absorvia tudo que o tocasse e mandava para uma sala rodeada de espelhos e do mais puro vazio silencioso.
Você sentiu um breve receio de lançar seu corpo contra o espelho, entretanto o medo daquela entidade os alcançar era maior, então juntou sua coragem, fechou as orbes e foi de encontro com o vidro, se surpreendendo ao não sentir o impacto de seu corpo chocando contra tal e ao invés disso sentir as coisas ao seu redor girarem sem parar brevemente, lhe dando náuseas, até que de repente parou, e quando abriu as orbes novamente, você se viu em um lugar que para onde quer que olhava, via a si própria.
Analisando atentamente os arredores, você varreu todas as direções com as íris, e não importava o quê, havia espelho em todos os lados possíveis, até mesmo no teto. Desacreditada, fitou sua parte posterior afim de ainda encontrar o lugar de antes, ficando de queixo caído ao perceber que atrás de si só havia ainda mais espelhos. Era tão confuso que em poucos segundos você já haverá perdido a noção do que era a sua frente e o que era a suas costas.
Assim que deixou de prestar atenção no cenário, você reparou em mais uma coisa: não havia mais ninguém ali além de você....e de Mitsuba que estava parado ao seu lado.
O restante do pessoal tinha sumido.
━ Cadê os outros? ━ você perguntou com um tom meio baixo.
━ Não dá para saber, eles podem estar em qualquer lugar desse labirinto. Nós somos transportados aleatoriamente por ele ━ seu companheiro disse em um dar de ombros.
Compreendendo aquilo, você acenou com a cabeça, sentindo-se preocupada com eles.
━ Vamos andando, são pequenas as chances, mas ainda é possível que aquele troço acabe parando no mesmo canto em que estamos, precisamos ficar o mais imperceptíveis possível ━ gesticulou na sua direção, começando a caminhar.
Você o seguiu, ficando confusa ao vê-lo andar direto para o que parecia ser uma parede, porém se aliviando após notar que mesmo entre os dois espelhos que tinha no canto da sala havia um corredor de paredes pretas, este que estava muito bem infiltrado e era quase impossível de notá-lo.
Adentraram o corredor sem delongas, e antes que percebessem vocês já estavam em outra sala envolvida por mais espelhos, e assim se seguiu sucessivamente por diante, continuaram a caminhar pelo enorme labirinto, escolhendo direções e corredores aleatórios na intenção de apenas ficarem longe do perigo, foi um percurso silêncio e repetitivo, os cômodos eram todos idênticos, tanto que quase parecia que vocês estavam andando em círculos e não saiam do lugar, a aparência do labirinto não mudou por um longo tempo, e vocês continuaram a percorrer pelos corredores. Nenhuma palavra foi dita por nenhum dos dois e o silêncio os acompanhou cuidadosamente até o momento em que depois de cerca de 30 minutos, vocês finalmente entraram em um cômodo repleto por espelhos tal como os diversos outros, entretanto tinha algo diferente do restante, nesse cômodo havia dois corredores completamente notáveis, um no lado direito e o outro no lado esquerdo, e dentro deles havia uma caixa igualmente chamativa, esta que foi a primeira coisa que vos chamou a atenção ao pararem no centro do local. E foi ali que vocês expulsaram o silêncio que os rodeava.
━ Devemos abrir essas caixas ou é mais uma armadilha de algum bicho? ━ interrogou você, receosa enquanto fitava a caixa do corredor direito.
━ Devemos abrir, talvez tenha algo útil para nós ━ considerou Mitsuba, observando a caixa do corredor direito.
Concordando com o pensamento dele, você se dirigiu em direção à aquela na qual já mirava. Seu companheiro notou isso e logo fez o mesmo, só que para o lado oposto do seu.
Agachando-se na frente dela, você a abriu com hesitação, ainda temendo que uma criatura horrenda pulasse de fora dela e te devorasse.
Mas ao invés de monstros ou qualquer outra coisa grotesca, você encontrou apenas vários pedaços de isopor picados e espalhados por toda a caixa.
O desanimo lhe consumiu e seus ombros caíram, mas antes de deixá-la totalmente de lado, você mergulhou sua mão dentro de todo aquele isopor e tateou a caixa em busca de algum objeto ou coisa interessante que pudesse ter lá. Infelizmente seu tato não foi capaz de sentir nada além da textura do isopor.
E quando estava prestes a desistir e a puxar a mão de volta, sentiu subitamente a ponta gelada e dura de algo que parecia ser feito de metal, o que fez com que parasse de mover seu braço automaticamente, deslizando seus dedos por ele, conseguiu perceber que tal objeto tinha um formato fino e meio longo, sua curiosidade foi novamente atiçada e você o envolveu em um aperto, se preparando para puxá-lo para fora da caixa.
━ ( Nome )...
Mas parou abruptamente, se tornando imóvel e cética.
━ ....
A voz que haverá lhe chamado tão de repente....você não conseguia acreditar.
Não, isso é impossível.
Afirmou para si mesma, olhando assustada para a parede a sua frente.
━ ( Nome ) ━ chamou-lhe novamente, e mesmo não querendo, você sentiu uma enorme força lhe dominar e impulsionar seu corpo a se virar para trás, sabia que com certeza era enganação e que provavelmente era obra daquela criatura de antes, mas sua mente foi a sua maior inimiga e lhe atentou de uma forma que quase parecia que algo além do seu controle passava a dominar o seu corpo e lhe atentava a se virar.
━ ....Mãe..? ━ e foi justamente o que fez após poucos segundos de luta contra si mesma.
Suas orbes não acreditaram no que viram. Todo o seu ser negava, era impossível, totalmente impossível! Ela estava morta, completamente morta! Você havia a visto morrer e não era possível que estivesse ali parada na sua frente.
Sim, estava ciente de que aquilo tudo não era real, as palavras de Mitsuba ecoaram em sua mente por um único segundo e você tentou lutar contra aquilo, afinal sabia que não era a sua mãe de verdade....mas, há cada milissegundo que se passava seu raciocínio ficava tão distante...
━ Oh, minha filha! Que saudades de você.. ━ os lábios da mulher a sua frente tremeram como se ela estivesse a beira de um choro, enquanto ela falava e lhe fitava com aquela expressão meiga que antigamente sempre lhe lançava, mãos grudadas como se fosse orar e próximas de seu rosto.
━ Mas você-....como? A Senhora está morta... ━ murmurou numa tentativa de afirmar para si que aquilo era golpe, erguendo-se do chão e esquecendo-se completamente da caixa.
━ Eu nunca estive morta, meu amor. Estou aqui na sua frente, não estou? ━ você e todas as suas negações em relação àquela figura feminina a sua frente vacilaram feio quando ela deu um passo para se aproximar de você e pousar a mão em uma de suas bochechas, acariciando-a com os dedos.
━ ..... ━ um lado seu batalhou arduamente contra a vontade de se jogar nos braços dela e simplesmente esquecer o mundo lá fora, enquanto o outro só queria agarrá-la e chorar como um bebê recém-nascido ━ Está... ━ seu ser cedeu à tentação e você se pegou inclinando-se para o toque da mulher que dizia ser sua mãe, ao mesmo tempo em que seus olhos lacrimejavam e à vontade de chorar lhe inundava por completo.
Entendia que aquilo era uma ilusão..mas afinal, o que era uma ilusão? O que era verdade e o que era mentira? Você já não sabia mais, seus sentidos ficaram bagunçados e sua mente ficou totalmente em branco.
O corredor que antes envolvia o seu redor mudou repentinamente sem que você nem notasse, e antes que percebesse, estava num lugar que conhecia bem: sua antiga casa.
O conceito de realidade e a diferença entre o que era ilusão ou não começou a escapar de você e ir para longe, lhe deixando totalmente leiga sobre o que estava acontecendo. Você só sabia que seja como fosse, a voz e as carícias daquela mulher lhe deixavam cada vez mais imersa e distante de seu raciocínio lógico. Aos poucos, sem que reparasse, suas lembranças também fugiam de sua mente, e você esquecia-se completamente do que estava acontecendo antes daquele reencontro.
━ Me perdoe por te deixar sozinha por tanto tempo ━ sorriu-lhe amorosamente e cobriu sua outra bochecha com a outra mão dela, erguendo sua cabeça e fazendo você olhar nos olhos da mesma ━ Vamos passar o dia juntas como fazíamos antes?? Assistir alguns filmes, assar uns biscoitos, sair por aí comprando coisas que gostamos..o que quer fazer? ━ perguntou, e você adorou como aquilo soava.
Você pensou um pouco enquanto sentia as mãos dela descerem de seu rosto e estacionarem em seus ombros, segurando-os. Não muito depois, uma sensação molesta perfurou o local em que ela segurava e contaminou-o, era algo doloroso, como se houvessem fincado unhas afiadas e grandes em sua pele e as estivesse afundando ainda mais no tecido há cada segundo que se esvaia.
Um gemido de dor escapou por entre seus lábios, suas maçãs já úmidas pelas lágrimas que começaram a percorre-las durante sua conversa com sua mãe foram mais uma vez molhadas pela chuva que caia de seus olhos lacrimejados, dessa vez, as lágrimas que escorriam não eram de saudades e sim de dor, e embora tal dor fosse aguda e incomodasse bastante, você nem sequer se questionou sobre o motivo de estar sentindo-a, era como se estivesse em uma espécie de hipnose, não importava o quanto seus ombros estivessem sendo judiados, sua mente ainda se preocupava em pensar sobre o que gostaria de fazer com a sua mãe. A dor era muita, mas você a ignorou, era como se não a estivesse sentindo.
Aos poucos, sua visão foi se tornando turva e manchas vermelhas começaram a surgir nela, seus sentidos que já estavam confusos começavam a falhar mais ainda. Você se viu entregando-se para algo que nem sabia o que era.
━ Venha comigo, ( Nome ), venha com a sua mãe~ ━ chamou-lhe e você não pensou duas vezes antes de se inclinar mais na direção dela, mesmo sentindo aquela dor insuportável apenas aumentar mais.
Ela soltou seus ombros — aliviando a dor por um momento — e os escorregou por volta de sua figura, na intenção de dar-lhe um abraço.
...
Mas antes que pudesse fazer isso, alguma coisa lhe puxou bruscamente para trás com uma força que te fez cambalear e quase cair.
━ Hey! Você! ━ uma voz meio distante atacou seus ouvidos, mas você ainda estava inerte e perdida no olhar de sua mãe ━ Não caia nas lábias desse escroto!━ gritou, fazendo seu corpo virar para o lado, direção em que o dono da voz estava ━ O que quer que você esteja ouvindo, não acredite, entendeu?! É mentira! É tudo mentira! Eles já estão mortos!! Essa pessoa na sua frente não é quem você pensa que é! ━ e começou a lhe chacoalhar, tentando trazer-te de volta a lucidez e lhe tirar do estado de transe.
A mulher começou a cantarolar com aquela voz doce que há muito você almejou e chorou implorando para ouvir novamente, aquilo atraiu facilmente sua atenção e você virou a cabeça na direção dela, concentrando suas orbes na mesma e deixando que mais algumas lágrimas caíssem.
Todos os gritos protestantes do sujeito à sua frente caminharam por sua audição mas não conseguiram entrar verdadeiramente na sua cabeça, logo sendo expulsos de lá e ignorados por ti.
E ele percebeu isso.
━ Eu sei que é uma ilusão muito bonita e que a gente realmente queria que fosse verdade...mas não é. Garota cujo nome desconheço, não se deixe enganar por essas palavras bonitas ditas por aquela pessoa, elas são carregadas de malicias e de desonestidade ━ insistiu mais um pouco ━ Nada é real. Este que está na sua frente, seja quem for, não existe mais e provavelmente já está morto ━ suspirou, com um tom melancólico, como se recordasse de algo vívido por ele próprio.
E com isso, o garoto desistiu do discurso e se botou na sua frente, tampando a figura da sua mãe de seu campo de vista.
━ Aí, deixe ela! ━ ele parou de olhar para você e se virou para a mulher, apontando descaradamente na direção dela.
O que era para ser sua mãe soltou um barulho inumano, e foi quando você saiu do transe e recuperou os sentidos, agora livre do que parecia ser uma hipnose.
Conseguindo formular e controlar seus pensamentos novamente, você respirou fundo com dificuldade e segurou um de seus ombros, se incomodando grandemente com a dor que reinava neles.
Assim que os tocou, sentiu o líquido que deslizava por lá manchar sua mão, lhe deixando ciente de que sangrava.
Você piscou algumas vezes e finalmente conseguiu compreender o que estava acontecendo: havia caído na ilusão da criatura de nome desconhecido.
━ M-Mitsuba?? ━ sua voz falhou quando você ergueu os olhos novamente e viu o garoto na sua frente.
━ F-fuja daqui! ━ foi o que ele falou para você com uma dificuldade notável e sem olhar na sua direção.
Você se afastou um pouco.
━ O que?? Mas e voc- ━ Antes que pudesse terminar, a criatura pulou na direção do rosado e você pode finalmente ver a aparência dela.
...Não havia palavras para descrever aquela aparência e nem sinônimos no dicionário que pudessem explicar o quão horrenda e medonha era ela. Se pudesse, você gostaria de ter arrancado os próprios olhos.
Então era aquilo que há pouco se passava por sua mãe?
A investida repentina do bicho lhe assustou e seu corpo por impulso se afastou ainda mais, na hora do medo você se abobalhou com as próprias pernas e acabou caindo no chão.
A figura de Mitsuba estava tão trêmula quanto uma corda em movimento, agora quem estava sendo imerso de ilusões era ele e não mais você.
A entidade envolveu o pescoço do garoto em um aperto extremamente firme, fazendo com que uma careta contornasse a face dele, que começou a arfar com dificuldade em respirar.
O ser deformado rosnou e brandiu para o menor, erguendo com uma grande facilidade o corpo dele para cima e apertando ainda mais o pescoço do mesmo. Você foi capaz de ver as lágrimas começarem a transbordar pelo rosto dele, assim como haverá ocorrido contigo, Sousuke tentava quase que desesperadamente achar oxigênio com os lábios entreabertos.
Você estava extremamente abalada com a situação, mas não queria abandoná-lo e nem deixá-lo sofrer nas mãos daquele ser ilusório, você gostaria de ajudá-lo.
Entretanto, assim que cogitou em levantar-se para resgatá-lo, a criatura foi bem mais rápida que você e carregada de uma ira absurda, dilacerou o corpo do pobre rapaz com as garras monstruosamente afiadas, fazendo sangue correr para todo lado e manchar chão, parede e sujar até ele próprio, aquele maltrato foi feito com tanta brutalidade que não era preciso um cérebro para notar o tanto de ódio que o bicho deveria estar sentindo de Mitsuba.
Você observou assustada e imóvel quando a criatura rasgou-o, fazendo com que o cheiro metálico de sangue subisse pelo ar e surfasse por suas narinas, preenchendo de forma desagradável seu olfato.
Era uma cena extremamente nojenta de se observar, e só piorou mais quando o monstro aproximou o corpo sem vida do jovem e começou a comê-lo. Seu estômago revirou e seu rosto esbanjava choque e desespero.
Você queria sair daquele lugar, queria correr, mas não conseguia se mexer, o medo era tanto que lhe deixava paralisada.
A vontade de gritar consumiu-te e você teve se que esforçar ao máximo para não soltar um berro enquanto assistia aquilo, assustada.
O desespero fazia a festa dentro de seu ser e durante isso seus pensamentos lhe consumiam, você tinha certeza de que seria a próxima e que não conseguiria escapar.
Foi quando, de repente, um barulho de sino longíquo soou.
...
BLÉM-BLÉM-BLÉM-BLÉM.
O tilintar começou longe e baixo, mas só precisou de alguns poucos segundos para se tornar mais forte e bem mais alto, tão alto ao ponto de fazer seus ouvidos tremerem e doerem.
O mesmo badalar de sinos de antes voltou, e junto dele aquela sonolência e peso absurdo. Você sentiu suas forças se esvaindo de seu corpo enquanto reparava no quão turva a sua visão ficava, começando a deixar a figura deformada da criatura que ainda se alimentava de Mitsuba ficar totalmente desfocada e mais escura, cada vez mais escura...
Já era meia-noite novamente.
Seus membros se tornaram bambos e moles, e antes que percebesse, você já havia caído totalmente no sono e sucumbindo à escuridão, que lhe envolveu, fazendo com que os barulhos ao seu redor sumissem completamente e você apagasse.
............................
......................
.................
Uma panqueca voou pelo ar instantaneamente, antes de ser aparada por mãos ágeis que a fizeram cair em uma panela, o estralar dela sendo feita dançou por toda a cozinha, tal como o seu odor suculento e gostoso, que acariciou e enfeitou todo o apartamento.
Uma mulher alta e formosa assobiou alegremente enquanto balançava o objeto de cozinha em sua mão e preparava o café da manhã com um bom humor contagioso e reluzente.
━ E aí! Como foi a noite? ━ ela perguntou de repente, quebrando o silêncio agradável que rodeava o cômodo e sorrindo em sua direção.
Você olhou para a sua tia ao seu lado, posicionada em frente ao fogão, fazendo panquecas.
Ainda lavando a louça e não parando de enxaguar o copo nem por um minuto, derrubou suas orbes na pia a sua frente, pensando em uma resposta sincera para aquilo.
━ Hm.....normal..eu acho ━ murmurou com incerteza na voz.
━ ...... ━ ela calou-se momentaneamente, lhe fitando com certa preocupação ━ Você está bem, ( Nome )? Está ainda mais quieta do que o costume ━ analisou.
Posicionando o último talher sujo que tinha de lavar no seca louça, você apoiou sua mãos na beirada da estrutura dela e observou a pia agora seca e limpa.
━ Eu estou sim ━ falou, ainda de forma receosa ━ Eu só.....eu... ━ tentou encontrar palavras para descrever o que estava sentindo ━ Eu tive um pesadelo essa noite..e ele foi horrível ━ contou ━ Foi muito longo..e foi tão realista! Eu consegui sentir tudo nele, como se realmente estivesse acordada. Tinha umas criaturas horríveis que ficavam me perseguindo e era assustador! ━ relatou, acariciando seus ombros que ainda doíam ao se lembrarem dos acontecimentos do sonho.
Você lembrava detalhadamente de tudo que havia vívido naquele pesadelo, e se assustou ao acordar com ele ainda fresco em suas memórias. Nunca em toda sua vida desejou tanto esquecer um sonho como haverá desejado com aquele, que foi extremamente desconfortável para ti.
Sua tia mirou-te calada, absorvendo tudo que você falava com cuidado, para no final abrir outro de seus sorrisos radiantes e cutucar-lhe a cabeça de forma animada.
━ Ora essa, já entrou no clima do Halloween logo cedo da madrugada?? Muito bem, ( Nome )!! Ha! Ha! ━ brincou, tentando claramente transmitir calma com suas palavras e lhe deixar mais relaxada ━ Não se preocupe tanto com isso, anjo, foi apenas um sonho, não foi? Um sonho que já acabou e não irá mais te atormentar ━ bagunçou seu cabelo com um timbre de voz leve ━ Hoje vai ser um dia muito divertido, então não fique remoendo esse pesadelo pelas próximas horas, esqueça ele e relaxe, ok?
━ ...ok ━ você concordou, erguendo os cantos dos lábios em um sorrisinho fantasma.
━ Isso aí, sem baixo astral hoje! Agora, poderia ir buscar a calda para as panquecas que eu esqueci em cima da mesinha na sala, por favor? ━ pediu-lhe enquanto voltava a atenção para a panela.
━ Está bem! ━ aceitou o pedido, girando os calcanhares e marchando em direção a sala.
━ Obrigada~~ ━ você conseguiu ouví-la gritar da cozinha assim que adentrou o cômodo da sala.
Soltando uma risadinha para o comportamento sempre alegre de sua tia, você procurou com os olhos pela calda de panqueca, não demorando muito para avistá-la sobre a mesinha que se encontrava no centro da sala, pertinho do sofá.
Andou em passos calmos até ela e a pegou, logo se virando e já se preparando para voltar para a cozinha.
Mas algo lhe parou.
Uma coisa de repente dita pela TV que estava ligada em um canal qualquer cujo uma reportagem das últimas notícias passava naquele exato momento havia chamado sua atenção.
Tendo a impressão de ter escutado um nome familiar, você se virou lentamente para trás e olhou na direção da televisão.
━ .... ━ a embalagem da calda escorregou de suas mãos e caiu no chão, o choque do impacto transmitiu um barulho que se bateu contra as paredes da sala e foi abafado pelo som alto da reportagem que passava na tela do grande aparelho.
Você não conseguia acreditar no que via, a ansiedade lhe atacou com vigor enquanto assistia a imagem de um jovem garoto de cabelos rosados que era estampada lá e era acompanhada de uma manchete que enfeitava logo abaixo, nela, estava escrito: "Jovem morre nesta madrugada de causas desconhecidas durante o sono".
Se horrorizou após ler aquilo, mas se assustou ainda mais ao ouvir uma fala do repórter que revelava e reafirmava mais uma vez o nome da vítima.
━ Os especialistas ainda estão tentando descobrir se o falecido Sousuke Mitsuba morreu de causas naturais ou se foi uma morte manipulada. Seus familiares lamentam pelo ocorrido [ ... ] ━ e continuou a dizer diversas outras coisas que foram completamente ignoradas por seu raciocínio já afetado com aquele tanto de informações novas.
━ Isso é.....não pode ser.. ━ levou a mão até a boca e a tampou, descrente. Seus globos oculares tremeram e lágrimas tornaram a valsar por seu rosto.
A resposta era clara, porém difícil de aceitar...
Não havia sido só um sonho.
...
ᶤ ᶫᵒᵛᵉᵧₒᵤ ❤️🎃
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top