piloto

O meu pedido de aniversário se realizou e foi uma das melhores coisas que já me aconteceu.

Debruçado sobre o meu bolo de chocolate, concentrado na chama alaranjada quente que refletia em meu rosto, eu sempre fechava meus olhos e pedia a mesma coisa: Que os meus pais não brigassem mais. Um pedido sério demais para quem tinha seis, sete, oito anos e deveria acreditar em estrelas cadentes e unicórnios. Mas no meu aniversário de treze anos, no banco de trás do fusca bege do meu pai, observando a lua através do vidro sujo, eu pedi algo diferente.

Eu pedi para que meu pai morresse.

Eu não sabia exatamente o significado da morte, não sabia o que viria depois ou o que aconteceria, mas se isso significasse que ele estaria longe de mim e da minha irmã, era o suficiente. Talvez sem ele aqui, tudo ficaria bem, com a gente, e com a mamãe.

No mesmo dia, enquanto os dois brigavam dentro do barracão em que morávamos, em uma das favelas de Belo Horizonte, eu escutava os gritos dentro do pequeno carro enquanto minha irmã mais velha tentava fazer com que os dois estivessem vivos pela manhã. Por algum motivo, eu não sentia pena da mamãe.

Duas batidinhas no vidro e a figura alta e magra da minha irmã mostravam que ela tinha voltado. Abriu a porta, com os olhos avermelhados e a voz trêmula enxugou as lagrimas e apareceu com uma velinha, posta sob um pedaço de bolo de abacaxi, o meu favorito. Ela sorriu, me entregando o pires azul, me incentivando a segura-lo.

Ela cantou parabéns, as mãos gélidas se batendo com a voz fraca, forçando um sorriso largo enquanto seus olhos eram iluminados pela chama alaranjada em minha frente. — Vamos, faça um pedido!

Eu pedi o mesmo que antes. Sussurrei em minha mente as palavras e assoprei a vela, trazendo o escuro continuo ao carro. Ela fungou, passando as costas de sua mão nos olhos novamente. — Eu não iria me esquecer de você, sim?

Disse. — Eu pedi pra vizinha um pedacinho de bolo e.. peguei uma vela em casa. Desculpa por não..

A abracei. A verdade era que meus pais não proucuravam saber muito sobre mim, e em todos os anos, o bolo era de chocolate ou o sabor mais barato que conseguissem comprar. Mas, vocês sabem quando dizem "cuidado com o que você deseja"? Os anos se passaram e a teoria em que deveria apenas confiar em Raquel apenas se confirmou. Mamãe fugiu.

Fugiu e nos deixou. Papai se afundando em bebidas e drogas, vendendo aos poucos tudo o que tínhamos e desaparecendo por dias, nós deixando com fome e sem um adulto por perto. Se não fosse por Raquel, e uma das senhoras da vizinhança, eu teria morrido.

Nenhum cartão postal, muito menos ligação ou recado de caixa postal, era assim que os natais eram preenchidos. Ainda sim, todo ano, ainda tinha aquela ponta de esperança, que talvez, apenas nesse ano, ela voltaria ou mandaria mensagem.

Os anos começaram a se passar e Raquel ficava cada vez mais exausta de ser mãe, e eu não a culpo. Não era a sua responsabilidade cuidar de mim, mas com o tempo acabou virando dever. De festa em festa ela passou a se embebedar, entrando em relacionamentos conturbados ou ficadas estranhas apenas para encontrar um espaço para si nessa história trágica. Eu a segui.

Sobre o meu desejo, papai teve uma overdose de álcool e quase faleceu. Uma semana depois dele ter vendido nossa casa, nos obrigando a ir morar na rua, isso se não fosse pela boa senhora que nos abrigou por uns dias. Nem eu e nem Raquel fomos o ver.

Coincidência ou não, mamãe ligou na mesma semana. Três anos depois da noite em que nós deixou, em meu aniversário. E aqui estamos nós, viajando em um ônibus para o Rio de Janeiro, a onde supostamente iremos esquecer todo o passado e reconstruir uma família com nossa mãe. Não diria que é exatamente a nossa intenção, isso se tivéssemos escolha. A propósito, é um prazer conhecer-te, sou Lee Felix.

Apenas Felix para os mais íntimos.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top