▒ dois




capítulo dois:






It's fine, it's cool
You can say that we are nothing,
but you know the truth

And guess I'm the fool
With her arms out like an angel
through the car sunroof

I don't wanna call it off
But you don't wanna call it love
You only wanna be the one that I call "baby"

Good Luck, Baby —
Chappell Roan









        O sol sobre minha cabeça estava rachando meu crânio de uma maneira tão esdrúxula que me fazia sentir-me burra demais até para pensar. Faziam trinta minutos que eu tinha saído de dentro dos vestiários e já havia me arrependido da minha decisão de comparecer ao treino da manhã.

Era infernal ter que acordar mais cedo pelo menos quatro vezes na semana para correr às sete, antes de um dia inteiro de aulas. Mas como diria a minha mãe, pelo menos isso me mantinha magra.

Eu nunca gostei de correr, mas sempre fui boa nisso. Lembro-me de ter dez anos e ir a uma nutricionista pela primeira vez. Ela dizia que eu estava pelo menos quinze quilos acima do peso e que, se eu não fechasse a minha boca, seria gorda pelo restante da minha vida. Naquela época, eu não entendia direito, mas minha mãe entendia muito bem. Na semana seguinte, me matriculou nas aulas de corrida, academia e natação. Nunca mais me dei o luxo de passar um dia sequer parada.

É por isso que amo quando eles viajam e me deixam em paz. Eu não era obrigada a passar o dia inteiro na rua queimando calorias até que os agradecesse o suficiente. Com meus pais viajando, posso passar o dia todo em casa sem ninguém para dizer quantas calorias vazias teria meu pacote de biscoitos.

Eu comecei a me alongar na arquibancada antes de todas chegarem, como de costume. Naquele colégio, qualquer garota praticava esportes. Ou você se inscrevia em corrida, ou não era ninguém. O campo já estava cheio do time principal quando comecei a descer os degraus, terminando meu pré-treino, que consistia em descer e subir aquelas escadarias até sentir meus pulmões suplicarem por ar.

——— E aí, ruiva do mapeamento.  — a voz masculina me tirou de meus devaneios, fazendo-me virar abruptamente em sua direção.

Retiro meus fones de ouvido, e a ausência da música me faz notar como ele está baixo em relação a mim, parado dois degraus abaixo na arquibancada. Estou usando um short-saia justo e um top de academia que destacam minha silhueta atlética. Meus longos fios ruivos estão presos em um rabo de cavalo alto, mas nem isso consegue diminuir o impacto de seu comprimento. Eles caem sobre meus ombros como uma cascata de fogo.

— Eu avisei que tínhamos lugar marcado — digo, esboçando um sorriso amigável, ainda que um tanto forçado. O homem à minha frente é moreno, com o cabelo cortado no estilo militar, destacando seu rosto anguloso e olhos intensos. Ele é bem alto e seus ombros largos sugerem força. Sua presença é quase imponente, e por um instante, quase me esqueço da irritação que ele me causou no dia anterior. Ele sorri de volta, observando-me guardar os fones no bolso lateral do short-saia.

— Sou Théodora, aliás — apresento-me, quebrando o silêncio.

— Ah, eu sei quem você é. Todos sabem — ele responde com um dar de ombros despreocupado, enfiando as mãos nos bolsos da calça de moletom preta. Há um ar de confiança relaxada em sua postura.

— Bom, eu não sei quem você é — replico, descendo um degrau com um passo leve, permitindo que meu ombro roce no dele, sentindo um calor imediato com o contato. — Filho da treinadora. — acrescendo com uma voz firme, agora ficando significativamente mais baixa que ele. Estou pronta para ignorá-lo e seguir meu caminho.

Afilhado. — ele corrige com um sorriso, encostando-se no corrimão com uma atitude descontraída. — Sou Damiano.

— Bom, Damiano. Não sei se percebeu, é um treino privado.

— Não me parece muito privado se está cheio de caras aqui — ele observa, inclinando a cabeça na direção dos outros.

Ele tem razão, noto com um olhar rápido. Há muitos homens ao redor, algo que passou despercebido até então. Só então percebo o olhar fixo de Niccolò Govender, que observa nossa interação de maneira nada sutil, seus olhos penetrantes não escondem a intensidade do que sente.

Decido ignorar Niccolò, concentrando-me em algo mais interessante.

— Você tem um ponto.  — admito com um leve encolher de ombros, subindo novamente os degraus. Em um gesto audacioso, agarro a gravata de Damiano, puxando-a suavemente. Sei exatamente o que essa ação implica em termos de intimidade. Sinto uma onda de eletricidade ao pensar na possível raiva ou ciúmes que isso pode despertar em Niccolò. — Mas me diga, veio me secar igual a todos eles?

— Bom, bem que eu gostaria que tivesse sido intencional — ele confessa, seus olhos escuros descendo descaradamente para meu colo. Eu sorrio, fingindo inocência. — Minha madrasta me obrigou a ver o treino — ele acrescenta, apontando com a cabeça para a mulher de meia-idade que berra instruções às garotas na quadra. Sei que logo será minha vez, mas o momento aqui é tão bom que não quero largá-lo para correr desesperadamente na quadra.

— Espero que não tenha se arrependido — comento, olhando para cima, encontrando seu olhar. Damiano é extremamente atraente, mas ele não é o meu tipo.

— Impossível. — ele diz com um sorriso, mordendo o lábio inferior. Dou meia volta, pronta para partir.

— Aqui, isso é seu — ele chama, depois de remexer nos bolsos e encontrar minha caneta. Ele a estende para mim. Pego a caneta, mas paro ao descer os degraus.

— Quer saber? — digo, girando nos calcanhares para encará-lo novamente. — Fica com ela. — arremesso a caneta em sua direção. Ele a captura no ar com reflexos rápidos, antes que caia no chão. — Agora você tem um motivo pra falar comigo outra vez. — sorrio maliciosamente e me afasto, sem me importar com o que ele possa dizer em resposta.






O vestiário fede a suor e água não filtrada. Eu honestamente sempre detestei entrar aqui. O chão é úmido, o que claramente é um mau sinal. Praticamente significa que as goteiras no teto não são reparadas, mesmo com meu pai pagando milhares de euros por mês para gerenciar os esportes e patrocinar o colégio. E, depois do almoço e do meu último treino do dia, o do time de vôlei, eu ainda não consigo ter um banho decente no vestiário.

Eu fui a última a sair da quadra hoje, o que significa que já passei por uma dúzia de garotas semi-nuas, esperando suas vezes para tomar banho. Isso me deixa no final da fila para disputar os poucos chuveiros, com minha toalha cor marfim sobre os ombros e meu celular na mão.

O Instagram parecia muito monótono, nada de novo, somente as mesmas pessoas de sempre, sendo sem graça e se iludindo com uma vida perfeita. O primeiro stories que apareceu para mim era de Ludovica. Ela tinha poucos seguidores, diferente de mim, que tinha a fama do meu pai em jogo, ou Virgínia, que amava se expor. Era uma sequência de vídeos bem bobos dela e sua mãe jantando. Ela tinha uma taça entre os dedos na maioria das fotos e o último era um boomerang. No canto do boomerang, tinha um moreno tatuado, usando camisa social. Era o novo namorado da mãe dela, credo. Não me contive de responder aos stories, digitando rápido:

@Theodora.romano_
Quem é o gatinho fã de um age gap?

Enviei a mensagem e continuei rolando o feed, sem realmente prestar atenção no que via. As histórias de Virgínia eram as próximas. Ela estava, como sempre, ostentando a última moda, os lugares caros que frequentava, os carros que não dirigia, mas posava ao lado. Deixei escapar um suspiro de desdém. Tudo isso parecia tão superficial.

Como eu. Eu também sou assim.

Mas então veio o seu último stories. Ela estava belíssima, com seu cabelo loiro preso em um rabo de cavalo alto. O vídeo estava mal gravado, começando pelas coxas dela e subindo pelo seu vestido curto. Ela estava sentada no colo de alguém, e eu infelizmente o identifiquei no segundo seguinte, vendo a gravata com a logo do colégio. De repente, percebo que estou sentada num banco duro e sem graça no meio do vestiário, assistindo a esse vídeo. Patético.

Niccolò está segurando sua bunda com avidez enquanto engole os lábios dela, e por um segundo vejo sua língua entrando na boca dela. Enquanto usam um filtro tosco de coelhinho. Droga, eles com certeza usam camisinha. Não sei por quê, mas essa é a primeira preocupação que me vem à mente. O fato de não termos usado.

Merda. Estou vendo um vídeo dos dois se devorando. Não entendo por que ele precisa dela quando me tem o tempo todo. Talvez eu não seja o suficiente. Às vezes, não sou boa o suficiente na cama. Deveria buscar mais experiência ou algo assim, ficar com mais caras, estive com dois garotos além dele mas faz muito tempo; às vezes meu boquete é fraco. Pensamento intrusivo.

Começo a encarar os lábios de Virgínia no vídeo. Eram bem grandes, como se ela tivesse algum preenchimento ou algo assim, mas ela não tem. Ela é natural pra caramba.

Ou talvez eu não seja boa o suficiente para ser assumida. Que pensamento estúpido. Minha família é perfeita. Tudo bem, eu não sou perfeita; já vazaram algumas fotos minhas e me lembro de uma incansável lista de garotas me chamando de vadia. Mas, apesar disso, acho que sou bem assumível.

Eu sou boa o suficiente.

Ou talvez ele só goste de poder foder com as duas. E não falo de sexo, falo de foder com nossas mentes.

É, Niccolò, você deve amar me deixar maluca pensando em você, não é? Penso, encarando o vídeo mais a fundo. Nem mereço sentir ciúmes, ele não é meu.

Não posso sentir nojo do vídeo, porque eles são um casal assumido. Me sinto presa, como se estivesse dentro de um aquário enorme me esmagando. Às vezes, esqueço como sequer respirar e meu cérebro tem que girar uma manivela, me fazendo respirar fundo manualmente.

A fila para os chuveiros avançava lentamente. A umidade do vestiário começava a impregnar minhas roupas e cabelo. A cada passo à frente, o cheiro de suor e água não filtrada se intensificava, misturando-se ao vapor quente dos chuveiros. A sensação era claustrofóbica, como se o ar pesado fosse me engolir.

Finalmente, chegou a minha vez. Entrei no cubículo minúsculo e pendurei a toalha no gancho enferrujado. A água do chuveiro era morna, quase fria, mas era melhor do que nada. Fechei os olhos e deixei a água escorrer pelo meu corpo, tentando relaxar os músculos cansados do treino intenso. Meu pensamento vagava, mas tudo me trazia pra última vez que nos vimos.

Ignoro a vontade de lhe mandar uma mensagem.

Depois de um banho apressado, me sequei rapidamente e me vesti. O vestiário estava quase vazio agora, e o silêncio era uma mudança bem-vinda após a cacofonia de antes. Peguei meu celular para ver se Ludovica havia respondido. Uma notificação apareceu na tela:

@Ludovica_storti
Ai que nojeira, Thea.
🤮🤮

@Ludovica_storti
É o novo namorado ''empreendedor''
da minha mãe.



@Theodora.romano_
Me apresenta ele depois. Sou um bom "empreendimento"

@Theodora.romano_
😈🍆🍆🔥🥱🥵🥵🥵🥵


@Ludovica_storti
Nem fodendo.

@Theodora.romano_
🍆🥵😭

@Theodora.romano_
Preciso descobrir se o meu
boquete é fraco.

@Ludovica_storti
🖕🏻

@Ludovica_storti
Tá doida, piranha?

@Theodora.romano_
😭

@Theodora.romano_
Assim você me magoa.
                                  Visualizada. 

@Ludovica_storti
01. Foto de visualização única.


Era ela, com um sorriso no rosto, me mandando dedo do meio, enquanto sua outra mao se preocupava em segurar o celular. E nenhuma das  duas se atentava ao volante do carro em que ela estava. O de sua mãe. A legenda dizia ''Estou indo te buscar.''

                     





  



— O que quer dizer com "falsifiquei a assinatura para Chiara"? — questionei, com uma mistura de curiosidade e incredulidade, enquanto Ludovica abria a porta traseira do carro de sua mãe, depois de me buscar no estacionamento vazio do colégio.

Estávamos no estacionamento do prédio dela. Não tínhamos o costume de aparecer juntas em público. As pessoas não simpatizavam com Ludo, e minha amizade com ela enfraquecia o meu círculo social. Por isso, tínhamos um voto secreto de nos encontrar depois do colégio ou em bares e boates específicas. Acho que ela era a minha única amiga de verdade.

— Estou falando sério! — Ludovica riu e fechou a porta de trás com força depois de jogar sua mochila sobre o banco. — Ela me flagrou treinando meu choro para a prova de matemática, você sabe... — ela disse balançando a cabeça, e eu assenti, sabendo que ela sempre fingia uma crise para adiar a prova. — Então, eu vi que ela era péssima falsificando aquela coisa e ajudei.

— Então quer dizer que os pais dela não querem que ela vá para os Estados Unidos... — eu disse, abrindo a porta do carona e me sentando no banco da frente. Parecia uma piada, Chiara passara meses falando sobre como a vida dela estaria totalmente estruturada na América. Ontem mesmo, ela havia me julgado por desistir da minha vaga... — Que patética...

— Ei, também não é assim. Eu faria o mesmo por você — Ludo disse, girando o volante e saindo da garagem. Ela dirigia com uma confiança quase arrogante, o que combinava perfeitamente com sua personalidade.

— É, mas eu obedeço meus pais. Ela vai se ferrar muito em breve, você vai ver — eu ri, passando a mão pelos meus cabelos antes de encarar o lado de fora do carro. O sol estava forte, e os raios refletiam nas janelas dos prédios altos, quase cegando minha visão.

— Talvez — Ludovica deu de ombros, mantendo os olhos na estrada enquanto dirigia pelas ruas movimentadas. — Mas às vezes, é bom ser um pouco rebelde, sabe? Fazer as coisas à sua maneira.

Olhei para ela, pensando na nossa amizade e em como, apesar das diferenças, sempre nos entendíamos. Ludovica era ousada e destemida, enquanto eu era mais cautelosa e obediente. Talvez fosse por isso que nos dávamos tão bem.

— Sei que você pensa assim — respondi, sorrindo. — Só espero que quando a merda estoure, você não esteja por perto.

— Bom, a minha irmã estuda nos Estados Unidos e ela diz que é tudo bem normal, igual aqui. — Ludo deu de ombros, deixando seus braços descansarem sobre seu colo.

— Normal? — eu questionei, claramente curiosa.

— É, com casas, carros, árvores... A mesma coisa daqui. — ela disse, apontando pra paisagem na nossa frente

— Pode ser, mas eu daria de tudo pra voltar pra lá. — eu disse, expirando e me lembrando da minha viagem de quando tinha uns treze anos.

— Bom, de nós duas, a única que conseguiria fazer uma viagem dessas é você. — ela disse, virando a cabeça de leve na minha direção, sendo totalmente honesta, antes de trazê-la ao trânsito.

— Se depender dos meus pais, eu nunca mais piso fora da Itália. — eu disse, bufando e deixei que corpo caísse sobre o estofado do banco.




— Seus pais já voltaram? — Ludovica questionou, enquanto esticava as pernas sobre a grama. Estávamos sentadas na beirada do monte, onde costumávamos nos refugiar quando precisávamos fugir da realidade. Era um dos pontos mais altos da cidade e oferecia uma vista panorâmica de Roma. Eu estava com as pernas cruzadas contra o corpo, sabendo que minha saia preta ficaria suja quando me levantasse.

— Não, só voltam na sexta-feira. Se é que vão voltar. — respondi, cruzando meus braços ao redor das pernas, tentando me proteger do vento frio que soprava.

As pessoas lá embaixo pareciam minúsculas, como se fossem figuras irreais em um cenário distante. Eu me sentia como se estivesse observando pequenos pedaços de papel flutuando ao longe. A brisa levantava meus cabelos, fazendo-os dançar no ar, e eu não me importava em ajeitá-los. Respirei fundo, sentindo o ar fresco preencher meus pulmões. Era muito alto.

Me perguntei o que diriam se me encontrassem lá embaixo. Qual seria a reação das pessoas que andavam despretensiosamente até que eu caísse. O que aconteceria. Se eu caísse.

— Já ficou entediada? — Ludovica questionou, virando a cabeça na minha direção e me arrancando dos meus devaneios. Eu sorri para ela, negando com a cabeça. Nunca me entediava quando estava com Ludo. — O que você acha dela? — ela perguntou, seus olhos âmbar me inundaram, consigo sentir a sinceridade da sua pergunta

— Dela quem? — levantei uma sobrancelha em sua direção

— Chiara. — ela sibilou

— Acho ela forçada. — eu disse, dando de ombros — Mas não desse jeito, quero dizer, parece forçada a ser quem ela é.

Irônico como a descrição se aplica claramente a mim. Meus ombros ficaram tensos, acho que Ludo percebeu, porque ela se movimentou nervosamente, balançado o cabelo.

— Vocês precisam aprender a relaxar um pouco. — ela disse, quebrando o clima e rindo no meu rosto

— Vocês quem? — perguntei, levantando uma sobrancelha e encarando-a. Os cabelos recém-cortados de Ludovica batiam em seu queixo, destacando suas feições delicadas. Seus olhos, de um verde profundo, contrastavam com a grama ao nosso redor.

— Vocês. — ela disse, dando de ombros, e eu pude ver seu sorriso amarelado pelo cigarro.

— Eu sou eu. — retruquei, dando de ombros para ela, tentando ignorar a provocação.

— Você tem certeza disso? — ela questionou, claramente se referindo a quem eu sou quando não estamos juntas. A pessoa que eu deixava que me moldassem.

Aquilo sempre foi muito complexo para mim, porque nunca soube quem eu sou ou quem eu já fui. Não me conhecia o suficiente para me defender de algo como aquilo.

— Vai se foder, Ludo. Não sou como eles. — disse, referindo-me às pessoas da escola, ao grupo com quem eu me envolvo e ando há anos, as pessoas que odeiam Ludo simplesmente por ela ser livre.

— Ah, não, você é sim. Igualzinha a todos eles. — ela disse, batendo seu ombro contra o meu e voltando a encarar o horizonte.

— Eu não sou. — disse, sentindo a irritação crescer dentro de mim.

— Você é, mas independente disso, gosto de você. — ela repetiu, me deixando confusa. — Pelo menos quando você quer mudar algo, você muda. Você sabe agir. É por isso que nós damos bem, Thèa. — ela sorriu para mim, e eu suspirei, sentindo uma onda de alívio. Não sei o que faria se visse Ludo me atacando.

Ela era minha única amiga.

— Bom, vai ter uma festa lá em casa hoje à noite. — comecei, tentando mudar de assunto, mas sabendo qual seria sua resposta. Ludo não se envolvia com meus amigos desde que vazaram seu vídeo.

— Por acaso foi ideia sua?

— Quando é? — questionei de volta. Ela sabia que eu não era do tipo que dava festas ou fazia resenhas. Eu só aparecia nelas.

— Mas você quer que ela aconteça. — Ludovica disse, esticando as pernas e me encarando

— É, talvez. Não importo de acontecer.

— Viu? Exatamente do jeito que eu disse. — ela levantou a sobrancelha, atrevidamente e riu. Eu empurrei meu ombro no seu.

—  Mas vai ser divertido, Ludo. Você devia ir. Mudar os padrões, sabe? — eu a convidei com um sorriso no rosto, esperando convencê-la.

Ludo me olhou por um instante, avaliando minha proposta. Então, sorriu de volta e deixou que sua cabeça se encostasse em meu ombro amigavelmente. Eu me senti um pouco mais leve, sabendo que pelo menos consideraria a ideia.



Minha casa está cheia. E quando digo cheia, quero dizer cheia mesmo, ao ponto de sentir um leve arrependimento por ter concordado em ceder o espaço para essa festa. O som da música pulsava através das paredes, e o calor dos corpos aglomerados tornava o ar pesado e abafado. Esbarro nas garotas que passam, algumas me cumprimentando com sorrisos brilhantes, outras apenas lançando olhares rápidos. Os garotos acenam para mim de diferentes cantos da sala, alguns rostos familiares de outras festas, outros apenas vagamente conhecidos.

Estou com uma bandeja nas mãos, cheia de copinhos de tequila. O líquido âmbar reflete as luzes coloridas que piscam em sincronia com a batida da música. Tento equilibrar a bandeja com cuidado, meu foco dividido entre não derramar nada e evitar esbarrar em alguém. O cheiro de álcool e perfumes variados preenche o ambiente, criando uma mistura agridoce que quase dá para sentir no fundo da garganta.

A cada passo, o desafio de atravessar a multidão aumenta. Pessoas dançam despreocupadamente, corpos se movendo de forma descoordenada e imprevisível. A música alta vibra no meu peito, e eu me esforço para manter o controle da bandeja, inclinando-a ligeiramente para evitar que os copinhos tombem. Meu coração bate acelerado, não só pelo esforço, mas pela adrenalina da festa e a constante necessidade de estar atenta a tudo ao meu redor.

Finalmente, vejo uma mesa vazia do outro lado da sala. Respiro fundo, focando minha atenção em cada movimento, desviando habilmente dos obstáculos humanos. À medida que me aproximo, consigo um espaço estreito para passar, mantendo a bandeja firme.

Com um último esforço, coloco a bandeja sobre a mesa, sentindo um alívio imediato. Olho ao redor, observando as pessoas que continuam a se divertir, rindo, dançando e conversando. O arrependimento por ter cedido minha casa para a festa ainda está ali, ao sentir a música alta estourar em meus tímpanos.

Mal percebi que as pessoas já tinham começado a ir atrás dos copos quando peguei um shot e o virei. Já era o quarto dessa noite, esperando que algo fizesse efeito, precisava me animar. Precisava me alocar de algum espírito de diversão e ativar meu modo de festa.

Senti o líquido queimar ao descer pela minha garganta, uma sensação familiar que me trouxe um conforto momentâneo. A tequila era como uma poção mágica, transportando-me para um estado de euforia onde todos os problemas e preocupações eram temporariamente esquecidos. Fechei os olhos por um instante, deixando-me envolver pelo calor que se espalhava por todo o meu corpo, uma onda de energia pulsante que me fazia sentir viva.

Quando abri os olhos novamente, percebi que um sorriso involuntário se formava em meus lábios. Olhei ao redor, vendo as pessoas dançando, rindo, conversando animadamente. A música pulsava no ar, criando uma atmosfera vibrante e contagiante. Era como se cada batida fosse um convite para deixar para trás todas as preocupações e simplesmente viver o momento.

Decidi me juntar à dança, deixando-me levar pela batida envolvente. Movimentos fluidos acompanhavam o ritmo da música, meu corpo se movendo com uma graça que só o álcool parecia ser capaz de proporcionar. Por um momento, esqueci tudo o mais, entregando-me completamente à sensação de liberdade e alegria que inundava o ambiente.

O álcool era, de fato, uma força de espírito. Uma energia que me impulsionava para além dos limites da minha própria mente, permitindo-me viver cada momento com uma intensidade renovada. E naquele instante, tudo o que importava era a música, a dança e a sensação de estar verdadeiramente viva.

Saí da pista de dança improvisada, a garganta seca implorando por água. Caminhei em direção à cozinha, mas avistei um copo de plástico cheio até a metade no caminho. Sem pensar duas vezes, peguei-o e virei o conteúdo de uma só vez, ignorando a possibilidade de ter um dono. Senti o álcool descer queimando minha garganta, mas continuei pelo corredor, ignorando a ardência.

Meus passos cessaram abruptamente ao ver Brando empurrando o garoto novo contra a parede, buscando uma briga física. Os dois se encaravam com olhares hostis, enquanto ao lado deles, com um sorriso irônico no rosto, Niccolò fumava um baseado e segurava um copo. Eu não queria me envolver; sabia que meu nome não deveria estar associado a qualquer discussão deles, especialmente com Brando, que sempre fora um completo idiota, e ainda mais quando bêbado.

— Esse aqui é o meu ponto de vendas, e quando eu digo aqui, quero dizer no colégio também. — Brando rosnou, empurrando Damiano contra a parede com força. Damiano, visivelmente irritado, o empurrou de volta. — Aliás, some daqui, ninguém quer usar a sua erva barata.

— Sinto te decepcionar, príncipe. Eu fui convidado. — Damiano respondeu, se desvencilhando do aperto de Brando e dando um passo à frente. Seu olhar mortal intimidava Brando, que era vários centímetros mais baixo e muito menor em comparação.

— Quem convidou você? — Brando perguntou, olhando-o de cima a baixo com desprezo.

— Eu convidei. — Falei, contrariando minha própria decisão de não me envolver. Dei alguns passos à frente, pegando o copo da mão de Niccolò e bebendo o líquido azulado que ele continha, de maneira mais íntima do que deveria, considerando que eu era uma amante que não queria ser descoberta. — Apenas voltem para a festa, ok? Vendam a merda que quiserem. — Revirei os olhos e passei meus braços ao redor dos ombros de Niccolò, que instintivamente recuou, tentando me empurrar levemente para longe. Seu olhar preocupado era nítido; ele odiava meu toque, odiava que eu chegasse perto dele em público, aquilo o deixava paralisado. Eu fiz de propósito.

— Não, obrigado. — Damiano disse, dando passos largos para longe, claramente irritado, e retirou o baseado da boca de Niccolò, não antes de se virar e dizer: — Aliás, seu amiguinho bem que gostou da minha erva barata. — Ele então mandou Brando se foder e andou rapidamente para a porta do meu apartamento.

— Ei, espera. Damiano! — Chamei, me afastando de Niccolò, a fim de ter uma conversa decente com o cara por quem eu estava a fim para variar um pouco. Algo em Damiano me excitava, me fazia querer saber mais. Seus olhos fundos, sua voz grossa e seu ar misterioso me faziam querer entender quem ele era. E era gostoso poder me envolver com alguém que não tinha medo de encostar em mim em público. Era intrigante.

— Espera, porra. No que você estava pensando? — Niccolò agarrou meu braço, me puxando para ele de maneira brusca, bem na frente de Brando, que pareceu não se importar.

Talvez ele visse Niccolò apenas o defendendo, sendo rude comigo como um amigo decepcionado faria para proteger o outro. Brando se sentia protegido como uma donzela enquanto Niccolò apertava meu pulso. Mas eu via o que realmente era: ele estava transparecendo sua raiva, porque ele estava louco de ódio de mim. Não apenas por eu ter me aproximado dele na frente de seu melhor amigo de maneira íntima, mas também por ter convidado Damiano e flertado com ele o dia todo. Ele estava puto comigo, enciumado.

— Que eu saiba, essa porra de festa ainda é minha. — Respondi no mesmo tom, dando um passo para trás e puxando meu braço de seu aperto. — E que eu saiba, eu convido quem eu quiser. — Deixei que meus pés pisassem com força, fazendo meus saltos ecoarem enquanto me afastava, enquanto Niccolò passava a mão pela boca, claramente furioso.

— Piranha. — Brando sibilou, para Niccolò, que concordou com a cabeça antes de cruzar os braços e se encostar na parede, levando seu copo à boca.

Brando passou por nós, voltando para a festa na minha sala de estar, pisando com força e lançando um xingamento evidente na minha direção. Aquilo me fez parar de andar e encarar o piso. Ele me acha uma puta. Eu sou uma puta? Antes que eu pudesse sequer raciocinar essa informação, sinto meu pulso ser puxado com força para a parte mais escura do meu apartamento. O apartamento dos meus pais. Niccolò me segurava com raiva, sua força evidente no meu pulso, que eu sabia que ficaria roxo depois, por conta do meu tom de pele claro e sensível.

— O que foi? — digo, quase rindo, quando ele me empurra para dentro do meu quarto, mas não sem antes verificar que ninguém nos observava. Minha tentativa de aliviar a tensão foi interrompida quando meu corpo foi jogado brutalmente contra o espelho atrás da porta.

— Ficou maluca, porra? — ele semi-sussurrou, mas o tom parecia um grito em meu rosto. Preciso olhar para cima para encontrar suas íris cinzentas me encarando com raiva.

— Eu não disse nada demais. — respondi, dando de ombros, tentando manter a calma. Toquei levemente seu ombro, tentando fazê-lo perceber minha tranquilidade. Ele deu um semi passo para trás, soltando meu pulso dolorido, sem perceber que me machucara. — Sou solteira, e convidei um amigo para minha festa.

— Solteira. Entendi. Solteira pra caralho, né? — ele disse, completamente enciumado, me empurrando de volta contra o espelho. Instintivamente, o empurrei de volta.

— Sim... — digo, encarando-o de cima a baixo quando ele se aproxima novamente, dessa vez segurando minha nuca com firmeza.

— Não parece solteira quando eu venho passar a semana aqui te fodendo. — ele disse com um tom de sarcasmo e ódio na voz. Sua mão deslizou pela minha perna desnuda, levantando levemente meu vestido, e eu senti o calor subir pelo meu corpo, mas sua agressividade me desconcertava.

— Ah, entendi — eu ri, em escárnio — Quer falar assim? Ok. — disse apontando o dedo em sua direção —  Você também não parece namorar quando sai daqui para foder a Virgínia. — retruquei, deixando transparecer um leve rancor. Estava magoada com o descaso dele, mas também não queria que ele me largasse. Não era como se eu tivesse muita coisa sem ele.

— Vai se foder, Thèa. Ela quem é minha namorada. — ele disse e aquela frase teve o impacto suficiente para me fazer querer chorar. Aquele era um fato eu estava longe de ser a namorada dele.

— Talvez eu deva arranjar um namorado também. — digo, dando de ombros, como se fosse a coisa mais natural do mundo. — Assim você teria motivo para me tratar igual merda.

— Você não vai arranjar namorado. Você nem conseguiria.— ele disse, se aproximando de mim, dessa vez com mais suavidade. Colocou a mão na base da minha nuca, como se pedisse desculpa pela brutalidade de antes. — Na verdade você não precisa, Thèa... — ele sussurrou, dando um beijo no meu rosto, me fazendo fechar os olhos involuntariamente. — Você já me tem...

— Tenho? — perguntei, sentindo-me fraca. Mal abri os olhos quando senti sua língua invadir minha boca em um beijo molhado e quente. Ele me segurou contra a parede, e eu temia que, se aquele espelho quebrasse sobre minhas costas, eu estaria ferrada. Ele apenas sibilou um "hum" entre o beijo, como se respondesse à minha pergunta.

Niccolò era invasivo, mas de um jeito que eu não recusava. Ele deslizou a mão por debaixo do meu vestido, indo direto para onde ele realmente queria. Aquilo me fez arder contra sua boca de uma maneira que me fez perder o ar, mas, mesmo assim, eu não queria transar com ele. Agora não. Não queria que ele me tocasse, que ele enfiasse os dedos em mim enquanto sua namorada dançava com nossas amigas na sala ao lado. As possibilidades daquilo dar errado eram tantas que perdi totalmente o tesão. A música alta parecia oca, mesmo que eu a ouvisse claramente do outro lado da porta.

— Niccolò... — sussurrei ao sentir ele descer minha calcinha e levantar uma das minhas pernas contra seu quadril, sem nenhum escrúpulo. Ele não parecia se importar com o que eu queria dizer. Sua mão desceu até meu clitóris, fazendo movimentos circulares que quase me fizeram perder a consciência, mas consegui murmurar:

— Sabe que ela está aqui do lado, não sabe? — Isso foi o suficiente para ele parar no lugar, ficando lívido. Eu sabia que tinha causado o impacto desejado, porque ele se afastou, ajeitando a própria calça e limpando a saliva dos lábios.

— Puta. — ele disse, irritado e murchando toda a vontade que ele tinha de me comer. Ele se abaixou, pegando a jaqueta do chão que eu nem tinha percebido que ele tirara.

— Niccò... — chamei, tentando puxá-lo de volta para mim, mas ele se desvencilhou, indo embora. Minha calcinha ainda estava ao redor dos meus tornozelos quando ele tentou sair, mas eu a empurrei rapidamente pelo quarto e me joguei na direção dele, trancando a porta.

— Você consegue foder com qualquer clima, Thèa. — ele disse, puto, mas pelo menos não significava que ele não queria mais ficar comigo. Ele não disse que ia me largar, e isso já era uma vitória. Aquela era apenas mais uma das vezes em que eu o fazia perder a paciência. E isso era bom, porque eu não teria que transar com ele sem vontade, como agora. Eu só precisei dizer o que ele não queria ouvir para ser ele quem não me queria por perto.

— Eu sei, me desculpa... — disse de maneira manhosa, tentando trazê-lo para perto de novo, mas ao sentir meus lábios contra seu pescoço, Niccolò se afastou, resistindo e dando um passo para trás.

— Esquece essa merda. — Ele disse me deixando confusa, e abrindo a porta com brutalidade.

Então, não consegui dizer mais nada, porque de repente a música parou e pude ouvir diálogos abafados do outro lado da sala. Niccolò saiu do meu quarto, deixando a porta bater com força. Fiquei sozinha no quarto escuro, ouvindo as risadas abafadas na sala de estar. Subi minha calcinha rapidamente, curiosa para saber o que tinha acontecido lá fora.

Mas o que ele quis dizer com "esquece essa merda"? Será que estava falando sobre nós arriscarmos tudo por uma transa? Ou queria que eu simplesmente esquecesse Virgínia e focasse apenas no que fazemos de melhor? Ou, pior ainda, será que ele queria que eu esquecesse dele? Mas que porra! Esse turbilhão de pensamentos me fez querer me esconder, me encolher como uma ostra até que ele viesse me encontrar e pedir desculpas. Mas isso nunca aconteceria. Era o Niccolò. Ele nunca pediria desculpas. Então, em vez de me afundar mais nesses pensamentos, caminhei até a porta e saí, determinada a descobrir o que causou o barulho que fez a música parar.

A música parecia distante enquanto eu caminhava pelo corredor da minha própria casa, como se o barulho da festa fosse uma realidade paralela. Tudo estava abafado, mas as risadas... essas eu ouvi bem. Elas começaram baixas, depois foram crescendo, até ecoarem pelos alto-falantes. A voz que soava... não podia ser. **Ludovica.**

Eu parei no meio do caminho, meus pés hesitando enquanto meu coração começava a bater mais forte. Havia algo errado. Muito errado. A curiosidade me impulsionou a seguir em frente, mesmo com um peso se formando no fundo do estômago. Quando me aproximei do grupo de adolescentes amontoados ao redor do projetor, senti o impacto da cena. Não era uma música, não era um vídeo engraçado... era um pesadelo. Na tela, eu vi Ludovica. Não, eu vi *o* vídeo.

Ela estava ajoelhada, claramente vulnerável, com Brando. Meus olhos se desviaram quase que imediatamente, como se eu tivesse invadido algo que não era para ser visto. Aquilo não deveria estar ali. Não desse jeito. Uma mistura de nojo e tristeza me tomou. Como alguém poderia fazer isso com ela?

Mas as risadas... Deus, as risadas não paravam. Elas apenas ficavam mais altas, mais cruéis. E então eu vi Virgínia, bem ao lado das amigas, de braços cruzados, rindo como se tudo aquilo fosse a coisa mais engraçada do mundo. Eu queria gritar, mas não conseguia. Eu estava congelada, com o coração disparado e a mente gritando que aquilo precisava parar.

Olhei de novo para a Ludo, só que agora tudo estava em câmera lenta. Ela estava lá, bem no meio da sala, cercada por risadas e olhares de desprezo, as lágrimas escorrendo pelo rosto enquanto ela tentava cobrir os olhos, encolhida. Meu peito apertou de um jeito que eu mal conseguia respirar. Ela estava... quebrada. E todo mundo ao redor parecia se alimentar da dor dela, como se a humilhação pública fosse o grande espetáculo da noite.

Por um segundo, meus olhos voltaram para Virgínia. Como ela podia fazer isso? Como alguém podia ser tão... cruel? A raiva começou a borbulhar dentro de mim, misturada com um desespero que eu não sabia como controlar. O que eu deveria fazer? Eu precisava parar aquilo, mas meu corpo estava travado.

Eu só conseguia olhar para a Ludo, para as lágrimas dela, e sentir meu coração se despedaçando junto com ela. Como eu deixei isso acontecer?

Eu vi quando a Ludo pegou o celular com as mãos trêmulas, os dedos quase escorregando na tela enquanto ela tentava inutilmente desligá-lo. As risadas ainda ecoavam pela sala, mas para mim, tudo ficou em silêncio por um momento. O som só voltou quando o celular bateu no chão com força, escorregando até parar perto dos meus pés. Em um segundo, ela estava parada. No outro, ela pulou pra cima da Virgínia, gritando, sem se importar mais com nada. Os braços dela voaram, tentando acertar Virgínia de qualquer jeito.

E eu fiquei ali, parada. O mundo girando em câmera lenta enquanto as duas se engalfinhavam. As pessoas ao redor começaram a se afastar, abrindo espaço para o espetáculo. Virgínia gritou, mas não foi um grito de medo. Foi um grito de desprezo, como se soubesse que, não importa o que acontecesse, ela já tinha ganhado. Ludovica estava destruída. E, naquele momento, eu também.

Eu deveria fazer alguma coisa, deveria... defender a Ludo. Ela era minha melhor amiga, não era? Mas meus pés estavam colados no chão, minha mente gritando para eu me mexer, e eu simplesmente não conseguia. Porque, se eu fosse contra Virgínia, o que aconteceria comigo? Eu não teria mais ninguém. Eu já não tinha ninguém.

Minhas mãos começaram a tremer, e eu senti uma onda de pânico tomar conta de mim. Eu podia ouvir as batidas do meu coração nos meus ouvidos, abafando as vozes ao redor. Meus olhos focaram em Virgínia, mesmo quando a Ludo continuava tentando alcançá-la com socos desajeitados, e de repente eu não conseguia mais ver a Ludo. Só conseguia pensar no que eu perderia. Virgínia era cruel, mas ela era popular. Ela era... a razão de eu ainda ser alguém nesse grupo.

E se eu não tivesse Virgínia? Se eu a perdesse... eu perderia tudo. Os meus amigos, as festas, as conversas... Niccolò. A imagem dele surgiu na minha cabeça como um soco. O rosto dele sorrindo pra mim, o jeito que ele me olhava. Eu não podia perder aquilo. Mas ele já não me queria, não é?

Meus pés começaram a dar passos para trás, devagar, quase sem eu perceber. Eu só queria sair dali, queria fugir dessa cena, dessa bagunça. Queria fugir do peso da culpa que começava a me esmagar, mas eu sabia, no fundo, que já era tarde demais. Quando dei mais um passo, vi Niccolò entrar na confusão. Ele segurou a Ludo pelos ombros, separando-a de Virgínia como se ela fosse um problema que precisava ser resolvido.

"Louca do caralho," ele gritou para ela, segurando Virgínia ao lado dele, como se a estivesse protegendo da Ludo. Os olhos de Virgínia se iluminaram com um brilho vitorioso. Ludovica parou, os ombros caindo, e me olhou.

Eu queria dizer algo. Queria fazer alguma coisa, qualquer coisa. Mas não consegui. O olhar dela era tão triste, tão... machucado. E eu sabia, naquele momento, que ela sabia. Sabia que eu não iria defendê-la. Que, no final das contas, eu estava do lado da Virgínia.

Ela deu um passo para trás, e depois outro, até se virar e sair correndo da festa. Eu só consegui assistir, meus pés presos ao chão, enquanto ela desaparecia pela porta, deixando tudo – e todos – para trás.

Eu fiquei parada lá, observando enquanto tudo se acalmava aos poucos, como se a confusão nunca tivesse existido. Niccolò estava abraçando Virgínia como se ela fosse o único tesouro que ele tinha, o que me fez sentir ainda pior. Eu era apenas a outra, a merda da amante, a que ele escondia. Me sentei ao lado deles, mas não para apoiar. Até aquele momento, eu não tinha dito uma única palavra. Estava perdida nos meus pensamentos, tentando decidir se deveria fazer algo ou não. Peguei meu celular, hesitei algumas vezes antes de tentar mandar uma mensagem para a Ludo. Mas era cedo demais para pedir desculpas, não era?

— Aquela desgraçada quebrou meu celular! — Virgínia choramingou, enfiando o rosto no pescoço de Niccolò, aproveitando a oportunidade para tirar uma casquinha dele.

— Eu sei, eu sei — ele respondeu com um tom de impaciência. Por um momento, nossos olhares se cruzaram, e logo depois ele beijou a cabeça dela, num gesto de proteção.

— Calma, amiga... — Carla disse, acariciando o ombro de Virgínia. — Vai ficar tudo bem.

Eu me segurei para não revirar os olhos. Não aguentava mais aquilo. Estava cansada, com raiva e completamente saturada da situação. Tudo o que eu queria era minha casa de volta, vazia e em paz. A música estava alta demais, tinha gente demais se agarrando em todos os cantos da casa, e eu sabia que no final da noite, eu ainda teria que lidar com a bagunça. E era um dia de semana, droga. Quem faz festa em dia de semana? Que ideia estúpida.

"Sinto muito. Sou uma amiga de merda" digitei e enviei, sem pensar duas vezes. "Me desculpa."

No meio desses pensamentos, senti algo molhado no meu vestido. Quando olhei para baixo, vi uma mancha amarela de bebida se espalhando pelo meu vestido branco. Um garoto bêbado tinha tropeçado e derrubado tudo em cima de mim enquanto tentava se aproximar para falar alguma coisa.

— Desculpa... — ele murmurou, completamente envergonhado, enquanto tentava limpar a bagunça. Só que, no processo, acabou passando a mão pelo meu peito, esfregando o tecido molhado.

— Me solta, porra! — Eu disse, irritada, empurrando ele com força. Levantei de um salto e comecei a andar para o meu quarto, com passos pesados de tanta raiva. No caminho, esbarrei em Brando. Ele estava me encarando, ou melhor, encarando meus seios que agora estavam quase transparentes sob o tecido molhado do vestido.

— Tá olhando o quê, palhaço? — eu gritei, furiosa.

— Nada. — Ele desviou o olhar, mas não sem deixar escapar um sorriso sarcástico. — Mas se quiser ajuda pra tirar isso aí... — ele acrescentou, com uma sugestão descarada.

— Vai se foder, porra! — Levantei o dedo do meio para ele, me afastando o mais rápido possível e caminhando direto para o meu quarto. Quando cheguei, bati a porta com força e respirei fundo, tentando segurar a raiva que estava me consumindo.

Eu queria gritar. Meu celular apitou, no mesmo instante. Levantei meus olhos para minhas mãos, Ludo tinha me respondido. "Tudo bem" estava escrito na tela. "Onde você está?" Eu perguntei, digitando o mais rápido possível. Então ela me respondeu, com sua localização.












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7053 palavras

Finalmente esse capítulo saiu!
Espero que gostem, bl4ckzstar promessa é dívida
Comentem se puderem!
Com amor, Back.

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