﹙ⲁ﹚ capítulo três ─── eu te odeio, p1.

Meses atrás, dia 15 de maio, ainda em 2022. O dia exato que nos afastamos oficialmente, as luzes piscantes machucavam meus olhos, como se tentassem invadir minha mente já sobrecarregada. Aquela melodia - um assobio suave - ecoava incessantemente dentro da minha cabeça. Era "On Melancholy Hill". Eu amava essa música. Ela me trazia uma sensação de paz, ainda que carregada de uma certa melancolia. Era inevitável: ela sempre me fazia pensar em Jorel.

Minha mente, como sempre, era um caos. A confusão parecia se intensificar a cada gole de álcool que descia amargamente pela minha garganta. Era como se o álcool bagunçasse ainda mais os pensamentos que já não se organizavam sozinhos.

Eu estava ali por ele. Gostava de vê-lo sorrir, de observar como seus olhos brilhavam enquanto ele pulava, tomado pela empolgação, ao som de sua banda favorita. Era um espetáculo à parte, e eu me perdia assistindo.

O que ele não sabia - o que talvez nunca tenha desconfiado - é que eu sempre gostei dele. Mais do que gostaria de admitir. Mais do que seria saudável para alguém. Meu mundo girava ao redor dele. Deixei de pensar em mim mesma há tempos; tudo o que eu fazia, planejava ou sonhava parecia inevitavelmente direcionado a ele.

Martha, minha mãe de consideração, costumava dizer que isso tinha tudo a ver com a relação que eu tinha com o meu pai. Ele quase nunca estava presente, sempre ocupado com o trabalho de policial. Ela dizia que, de algum jeito, eu estava projetando em Jorel a atenção que sempre desejei receber do meu pai. Talvez ela tivesse razão, mas, no fundo, eu não sabia como mudar isso.

──── Obrigada por vir comigo, Ariel ──── disse ele, aquele sorriso maldito se espalhando pelo rosto dele. Porra, como eu amava aquele sorriso, mais do que eu deveria, mais do que eu estava disposta a admitir.

──── Amigos fazem isso ──── respondi, tentando manter a calma, mas a bagunça na minha cabeça estava prestes a transbordar. Meu dedo, quase que por instinto, começou a traçar círculos lentos na borda da garrafa de vodka, como se aquele movimento pudesse me dar algum controle sobre o turbilhão que crescia dentro de mim. Eu sabia que as minhas bochechas provavelmente estavam coradas, então tentei me concentrar na garrafa para não pensar nisso.

Mas eu definitivamente não sabia esconder nada. O olhar dele, confuso e profundo, me disse isso. Ele estava me observando com uma intensidade que quase me fez parar de respirar, tentando decifrar o que se passava na minha mente. E, por um momento, os lábios dele se curvaram em um sorriso sutil, antes de ele desviar o olhar e focar de volta no palco. Mas algo ainda ficava no ar, pairando entre nós.

E eu também não sabia como agir perto dele desde aquela briga, no dia 12 de dezembro de 2021. Gosto de ser específica com datas, principalmente com as que ficam gravadas em mim. E aquela data, ah, aquela data... ela queimava como um lembrete constante.

──── Você deveria dizer o que sente, sabia? ──── disse ele, de repente, fazendo com que o som do show parecesse distante, como se estivéssemos isolados no nosso próprio mundo.

Eu congelei, não consegui reagir de imediato. Fiquei ali, parada, olhando nos olhos dele, com uma expressão difícil de ler. Mas a bagunça dentro de mim estava se transformando em um nó.

──── O que quer dizer com isso? ──── minha voz saiu baixa, talvez mais vulnerável do que eu queria.

──── Você nunca me diz nada... depois daquilo ──── ele respondeu, e a forma como falou, com aquela mistura de suavidade e algo mais, me fez ter dificuldade de entender o que ele queria realmente dizer.

──── Achei que já tinha esquecido disso ──── murmurei, desconfortável, movendo a garrafa até os lábios. O líquido queimava minha garganta como vidro, mas eu precisava disso, precisava daquela dor para disfarçar a sensação de estar prestes a perder o controle.

──── Impossível esquecer ──── ele falou, e o sorriso sem humor que veio com essas palavras foi como uma lâmina afiada tocando uma ferida antiga. Me forçou a fazer uma careta involuntária, um reflexo do incômodo que estava crescendo dentro de mim. Por que ele não podia simplesmente esquecer? Eu já queria que ele esquecesse, que todos esquecessem, mas a realidade nunca foi tão simples.

Ele não entendia, eu não escolhi ser Profetizada. E isso pesava mais do que qualquer outra coisa.

──── Mas não é isso... ──── ele continuou, com uma intensidade que parecia ir além das palavras. - Senti sua falta.

Meu olhar se voltou para a garrafa de vodka em minhas mãos. Suspirando fundo, tentei afastar o peso daquilo tudo, mas sabia que não conseguiria. O clima estava mudando. E eu não queria que fosse agora, no meio de um show que eu havia pago um preço absurdo para estar ali. Era como se tudo estivesse à beira do colapso, por conta de algo tão frágil, algo que eu não queria enfrentar.

Falando assim, parecia que eu não me importava, que eu estava desconectada. E, talvez, de certa forma, fosse isso. Mas, porra, ele sabia como mexer comigo.

──── Mas agora estamos juntos de novo ──── falei, forçando um sorriso, tentando fazer as palavras saírem naturalmente, mas não consegui manter o olhar por muito tempo. Meus olhos se desviaramm rapidamente. Algo pesado pairava no ar.

E aí, algo estranho aconteceu. O clima entre nós ficou mais denso, mais palpável. Não era desconfortável, mas também não era agradável. Era diferente, de um jeito que eu não sabia explicar, algo que parecia nos envolver sem que pudéssemos afastar.

O olhar dele se aprofundou, ainda mais confuso e magnético, e, sem querer, meus olhos se fixaram nos lábios dele. Algo dentro de mim se agitou. Então, ele fez aquele gesto inesperado - sua mão se estendeu e afastou uma mecha do meu cabelo, empurrando-a para trás da minha orelha. A suavidade daquele gesto me pegou de surpresa. Mas, ao mesmo tempo, aquela proximidade me fez sentir algo que eu não estava pronta para lidar.

──── Isso é clichê ──── ele disse, com a voz carregada de algo que eu não consegui identificar. Era como se estivesse brincando, mas ao mesmo tempo, algo sério se escondia por trás daquelas palavras.

──── Pra caralho. Não combina com você ──── eu falei, tentando manter o tom leve, mas o sorriso que se formou no meu rosto traía a minha tentativa de disfarçar o que realmente estava sentindo. Ele não parecia tão sério quanto eu.

Depois disso, ele simplesmente fingiu que nada aconteceu. E, bem, talvez nada realmente tivesse acontecido. Nos limitamos a trocar algumas palavras casuais, como se o clima entre nós não tivesse mudado um pouco. Mas estávamos em um show, então a maior parte do tempo foi passada cantando, imersos na música, no barulho da multidão e na energia ao nosso redor.

Até que, em um determinado momento, Jorel teve a ideia mais idiota do universo, algo que só ele seria capaz de fazer, ou pior, achar uma excelente ideia.

──── Cara, e a minha música favorita! ──── disse ele, com aquele brilho de empolgação nos olhos, antes de simplesmente começar a andar no meio da multidão. A coisa é que ele não parecia preocupado nem um pouco, como se fosse uma missão pessoal encontrar o que ele queria, sem pensar nas consequências.

Eu fiquei parada, completamente confusa. O que ele estava fazendo? Ele não parecia notar a bagunça que estava criando, não parecia perceber o caos que se desenrolava ao redor dele enquanto ele tentava abrir caminho pela multidão. Eu só o observava, sem saber se deveria ir atrás ou se seria mais sensato ficar parada, apenas esperando que ele voltasse.

Mas, claro, era Jorel. Ele sempre fazia algo impulsivo, algo que me deixava sem palavras. E no fundo, talvez fosse isso que o tornava tão... Jorel.

E foi aí, no exato momento em que ele tentou se jogar no meio da multidão, que Jorel, com sua típica falta de cuidado, acabou quebrando o braço.

Eu fiquei em estado de choque por alguns segundos, sem saber como reagir. O som de um estalo quebrou a música, e o caos se instaurou imediatamente. Ele caiu no chão com uma expressão de dor no rosto, e o pânico rapidamente tomou conta do ambiente. A multidão ao redor começou a se dispersar, algumas pessoas parando para olhar, outras nem se importando.

Mas o que eu não esperava, o que eu nunca poderia prever, é que isso seria apenas mais um capítulo para a lista dos meus piores dias, desde o momento em que eu nasci. Eu não sei por que parecia que toda vez que algo bom estava prestes a acontecer, algo sempre dava errado. Como se o universo estivesse me testando, ou me pregando peças só para ver até onde eu conseguiria ir antes de quebrar.

Eu me agachei ao lado de Jorel, ainda atordoada, mas já tentando encontrar uma maneira de ajudá-lo. Ele estava se contorcendo de dor, e tudo o que eu consegui fazer foi olhar para ele, sem saber exatamente o que fazer. Mais uma vez, a situação saiu de controle, e a sensação de impotência se espalhou por mim.


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