𝐂𝐡𝐚𝐩𝐭𝐞𝐫 : 𝟎𝟗
A campainha tocou uma, duas, três vezes. Suguru não parecia estar tão atento nas primeiras notas do som, mas na quarta vez ele levantou a cabeça rapidamente assim como um animal rastreador pressentindo o perigo iminente.
O livro estava aberto nas minhas mãos, mas não era como se eu estivesse de fato lendo o seu conteúdo com toda a atenção do mundo, então fui capaz de acompanhar cada pequeno movimento nervoso que ele fez quando sua postura endireitou e a voz do homem que entrou ecoou nos meus ouvidos.
Assim como ele, virei a cabeça em direção a porta e tive quase a mesma reação surpresa, minha garganta ficando seca de repente. Eu estava ficando louca?
Agora existiam dois Sugurus na mesma sala, e eu não sabia exatamente o que fazer ou se deveria fazer alguma coisa em meio a essa bagunça. Era uma cópia idêntica que dificilmente seria confundida se não fosse pela cicatriz em sua testa e as tatuagens que estavam expostas nos braços.
Se antes eu achava o primeiro Suguru assustador e perigoso quando estava em seu estado de mudança de humor, essa versão com certeza superava qualquer expectativa que eu tivesse preparada apenas estando em seu estado normal.
Ele fechou a porta e caminhou devagar pela sala em nossa direção, como se estivesse calculando minuciosamente cada passo que dava. Aparentemente ele estava sozinho também, mas isso não significava que ele não poderia realizar um estrago bem grande por conta própria se estivesse armado e se quisesse.
─ Achou que eu não fosse descobrir a sua ligação para um dos meus setores para limpar a sua bagunça? ─ ele começou, seu olhar fixo em Suguru enquanto parava em uma distância razoável antes do tapete ─ O que foi, decidiu voltar para a antiga vida?
─ O que veio fazer aqui? ─ o moreno franziu o cenho, seus punhos se cerrando em um movimento inconsciente.
─ Só vim ver como o meu irmãozinho está. Eu não posso mais me preocupar com a minha família?
─ Esqueça essa atitude, estou cansado da sua tentativa de parecer uma boa pessoa. Temos um acordo de que você se manteria longe de mim, então por que estou tendo que te ver de novo agora?
─ Você é esperto... sempre foi, não é? ─ ele sorriu e deu mais um passo, cruzando os braços sobre o peito despretensiosamente ─ Mas ninguém pode destruir os meus brinquedos e sair como se nada tivesse acontecido, como se eu não fosse perceber. Nem mesmo você.
Ele esperou alguns longos segundos para aproveitar a realização na expressão de Suguru enquanto ele aparentava assimilar sobre o que ele estava tentando dizer antes de continuar:
─ Ah, mas não se preocupe! Não foi nenhuma traição como você está pensando, e fiz questão de limpar todas as evidências eu mesmo. Eu também gosto de colocar a mão na massa quando se trata de assassinatos, você me conhece.
Aquela conversa estava começando a ficar um pouco estranha a esse ponto, e eu não conseguia dispensar o repentino sentimento de aflição que persistia com a tensão entre aqueles dois. Principalmente em relação a última declaração, da qual eu não tinha ideia do que ele poderia estar se referindo.
─ Quem é ele? ─ arrisquei-me a perguntar a Suguru, meu olhar se voltando para ele em apreensão.
Mesmo com a tentativa de desviar seu foco, o moreno não conseguia tirar os olhos do rapaz que estava a sua frente. Este, porém, foi o que olhou de volta para mim com curiosidade, como se estivesse me reconhecendo naquele cômodo pela primeira vez.
─ Você não contou de mim para ela? Que falta de consideração ─ seu tom era o de pura zombaria, e ele me entregou um sorriso pior do que o anterior enquanto me analisava ─ Muito prazer, boneca. Sou o verdadeiro Kenjaku.
Kenjaku. Esse nome não era algo novo apenas por ser conhecido por milhões de pessoas que apreciavam música no país, mas também porque estava na identidade falsa que Suguru havia me entregado quando tivemos nosso primeiro contato. O principal ponto que me fez entrar em todo esse caos para começo de conversa.
Eu não tinha pensado muito sobre isso antes ou se aquilo tinha alguma veracidade, mas a foto no documento realmente se parecia mais com esse homem do que qualquer outra pessoa. E com aquela cicatriz em sua testa, era praticamente impossível confundi-lo com seu irmão se ambos estivessem no mesmo espaço como agora, o que apenas fazia com que novos questionamentos surgissem em minha mente.
─ Vá embora, você não é bem-vindo aqui ─ Suguru interveio imediatamente antes que eu pudesse dirigir a palavra a ele, seu tom de voz firme e indiscutível ressoando pela sala enquanto estreitava os olhos ─ Se quiser cobrar alguma coisa, escolha outra hora e lugar.
─ Calma, estamos apenas tendo uma boa conversa. Faz tempo que não nos falamos assim, senti falta disso ─ ele rebateu em defensiva, seu olhar se abaixando para o pé enfaixado que estava descansando no sofá ─ E você se machucou feio aí, não é? Não queria que isso tivesse acontecido. Acho que ele foi longe demais, afinal.
─ Então foi ideia sua, hein? ─ o irmão não parecia surpreso, quase como se estivesse acostumado com aquilo ─ Esse é o melhor que pode fazer depois de tudo? Mandar alguém no seu lugar para me prejudicar de longe?
─ E eu já te prejudiquei antes? Vamos, não seja tão rancoroso. Isso não combina com você.
Algo em mim conseguia perceber que eles não tinham uma relação muito saudável de família, e isso realmente havia ficado em evidência desde o começo da interação, mas a cada palavra trocada o desprezo em seus olhares aumentava.
Por um momento desejei sair daquele lugar para não ter que lidar com uma discussão familiar que aparentava estar prestes a explodir a qualquer momento, mas fui interrompida em meu pensamento quando um outro rapaz de cabelos azuis e cicatrizes entrou pela porta com um telefone nas mãos, também ignorando nossa presença para focar em Kenjaku.
─ Chefe? O senhor Geto está ligando.
─ Estou ocupado agora ─ ele dispensou, apertando o maxilar com a menção do homem. O primeiro sinal de desconforto que o vi demonstrar com aquela expressão esnobe.
─ Ele está usando o número de emergência, então tive que atender. Sabe que ele não gosta de ser ignorado.
─ Porra ─ ele murmurou baixo em um tom contrariado, respirando fundo e passando a mão pelo cabelo antes de ceder e pegar o aparelho da mão do azulado bruscamente ─ Me dê esse telefone.
─ Sempre tão sem educação... Não sei como ainda trabalho com você. Vou estar esperando no carro.
O homem sequer deu uma segunda olhada nos arredores ou em nós quando se retirou, mas era como se conhecesse e fosse o dono do lugar apenas pela postura que tomava em seu caminho. Será que todos eles eram assim?
Kenjaku parou um passo antes de também definitivamente sair da casa, girando lentamente para nos observar com uma sua habitual expressão sarcástica enquanto segurava o telefone longe da orelha.
─ Não fique triste, irmão. Eu volto depois para conversarmos melhor.
Ele logo se foi sem olhar para trás novamente e alguns longos minutos se passaram enquanto analisávamos a janela para termos certeza de que ele não voltaria, mas o clima ainda permanecia tenso apesar de tudo.
Então, para piorar a situação, a porta dos fundos que ficava na cozinha se abriu repentinamente e não consegui evitar o aceleramento dos meus batimentos, me fazendo virar mais rápido do que o normal para checar a origem daquele barulho. Não poderia ser ele de novo, poderia?
─ Sou eu, esqueci minhas baquetas favoritas aqui no último ensaio ─ ouvi uma voz familiar explicar sua entrada antes que a figura aparecesse, e o semblante de alívio de Suguru me tranquilizou de qualquer ameaça.
─ E desde quando você tem a chave da minha casa? ─ ele levantou a sobrancelha, também virando a cabeça na direção da porta assim que Satoru surgiu em nosso campo de visão.
─ Desde sempre? E por que isso é importante agora? Você me deixa entrar aqui todas as vezes.
─ Claro, quando eu aviso que não estou em casa. É para isso que existe a campainha.
─ Não queria acordar as meninas.
─ Como se você se importasse.
─ Ei, eu amo elas, tá bom? Mas a campainha daqui é barulhenta demais, e com certeza as incomodaria ─ ele retrucou, voltando a seguir o seu trajeto original para uma sala do corredor enquanto mantinha o ritmo apressado ─ É só uma visita rápida. Eu já estou de saída.
─ Então aproveitando a sua simpatia, você poderia me ajudar a levá-las para a escola amanhã? ─ Suguru perguntou da sala em um tom considerável para que o escutasse, e tivemos ciência de que ele havia entendido quando um resmungo soou de volta ─ Mesmo que eu queira muito quebrar essa regra, o médico me disse para ficar de repouso.
─ Hmm, na verdade eu vou estar um pouquinho ocupado ─ ele apareceu novamente com as baquetas na mão livre, girando a chave nos dedos em um breve momento de reflexão antes de continuar ─ Mas peça para a mocinha aí, ela parece ser uma boa companhia.
─ Não, eu não. Sou péssima com ajudas ─ disparei em defesa, tirando a possibilidade de jogo. Eu já tinha ajudado o suficiente para aprender a minha lição.
─ Isso não parece ser verdade. Se fosse, você já teria ido embora a muito tempo e sequer teria ido ao hospital ─ ele apontou com um excelente argumento, e não consegui negar com os fatos na mesa ─ Pense assim, se ajudar ele amanhã, eu mesmo estarei te devendo um favor. E um favor de Satoru Gojo é algo valioso, se quiser saber.
─ Caramba, eu deveria me sentir lisonjeada por ter essa oportunidade?
O platinado soltou uma risada, passando por nós para chegar até a cozinha. A gente se conheceu apenas naqueles instantes antes do show, mas ele parecia convencido de que poderia confiar em mim para assumir responsabilidades com Suguru, ou talvez queria uma desculpa plausível para não ter que se preocupar com a solicitação do amigo.
─ Deveria sim, você vai se dar bem.
─ Mas não estou pedindo a ela, estou pedindo a você ─ Suguru interferiu, não apreciando a ideia de que eu realmente pudesse fazer isso ─ Você também está me devendo uma. Não é tão difícil, e você tem um carro.
─ Bom, que pena. Aliás, foi mal por não ter ido te segurar no palco. Na real, foi péssimo. Eu nem tinha percebido a sua queda ─ ele desviou o assunto, evitando aceitar enquanto começava a andar devagar em direção a saída ─ Mas prometo te recompensar depois trazendo a sua comida favorita ou o que você quiser. Qualquer coisa me liga.
E assim, tão rápido quanto chegou, ele também foi embora sem chance de continuar uma conversa. Não imaginei que aquilo pudesse ser importante, mas o moreno ao meu lado parecia um pouco frustrado com a recusa.
Ficar em um estado em que você depende dos outros era realmente apavorante, mas não conseguia culpar Satoru por sua escolha, já que ele também poderia ter planos relevantes para resolver no momento.
No entanto, aquela súbita aparição foi exatamente o que precisávamos para aliviar um pouco a inquietação crescente, o que fez minha cabeça voltar a funcionar como deveria para me tornar curiosa sobre o evento anterior.
Retornei minha atenção para o perfil de Suguru, e ele soltou um suspiro quando sentiu a intensidade do meu olhar, mas não tentou me encarar de volta para responder.
─ Não precisa falar nada, eu já sei o que você tá pensando.
─ Que bom, porque agora você me deve mais explicações. Todas elas.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top