𝐂𝐡𝐚𝐩𝐭𝐞𝐫 : 𝟎𝟏

O confortável silêncio da biblioteca era o que mais me agradava durante a noite. Ninguém ousava fazer nenhum tipo de barulho nesse período enquanto eu estava atrás do balcão cercada por estantes de livros empoeirados e diversas seleções de manuscritos, e esse ponto era simplesmente perfeito.

Também não era como se as pessoas pudessem se dar ao luxo de tentar fazer isso, já que a maioria que ainda permanecia aqui eram estudantes cansados que apenas queriam finalizar seus trabalhos o quanto antes para finalmente poderem ir para casa terem o seu merecido sono.

Alguns até conseguiam se sair melhor nas pesquisas por estarem com copos de café na mesa para potencializar o desempenho dos estudos, mas todos ainda pareciam exaustos de sua própria maneira.

Olhar para toda aquela concentração me lembrava das minhas próprias tarefas, que estavam praticamente todas atrasadas porque eu não tinha nenhum tempo disponível para fazê-las, visto que precisava constantemente cuidar da biblioteca para a minha mãe e sempre havia obrigações inacabadas para terminar. Estudos no geral cobram muito, e infelizmente tenho pouco a oferecer com a minha maravilhosa procrastinação.

Solto um longo bocejo, observando o meu reflexo na tela do computador desligado a minha frente enquanto brinco com o fio do mouse distraidamente. Uma música bastante conhecida tocava nos meus fones de ouvido, sendo o único recurso aceitável que me tirava do tédio eterno desse lugar. Era incrível como o som do guitarrista fazia com que eu me sentisse em outro mundo, parecia ser uma mágica poderosa, e não era atoa que muitas meninas amavam tanto a banda que ele fazia parte. Esse definitivamente não era meu estilo musical, mas também não parecia ser tão ruim como sempre dizem.

Quando chega na metade, eu me viro para a janela para imaginar todo o cenário de um filme musical que passava apenas na minha cabeça, soltando uma risada anasalada ao me pegar pensando se o protagonista correria desesperado por aquela calçada vazia para salvar a sua amada no momento que a letra chegasse ao ápice. Uma cena clássica de um filme alternativo.

Contudo, a movimentação repentina do lado de fora me tira do meu devaneio para me empurrar brutalmente de volta na enfadonha realidade. Um garoto passa pela porta com uma certa urgência e puxa o capuz do moletom para cima, escondendo as longas madeixas negras presas em um coque, enquanto eu retiro o fone do ouvido para recepcioná-lo conforme ele alcança o balcão.

─ Boa noite, como posso ajudar?

─ Poderia me dizer onde fica a primeira fileira daqui? Estou procurando por um livro interessante pra levar, então quero procurar do começo ─ ele declara com um claro tom de urgência em sua voz, parecendo incomodado com algo.

─ Claro, você já tem uma ficha? ─ questiono e ele ergue uma sobrancelha em desconfiança, não entendendo o meu ponto, o que me faz suspirar ─ Se quiser pegar esse livro emprestado, vai precisar me mostrar ela para o cadastro.

─ Bom, eu...

Ele paralisa de imediato assim que se aproxima o suficiente, ouvindo o alto ruído que saía de um dos lados do meu fone enquanto a música ainda tocava. Eu logo sigo o olhar dele, abaixando o volume do celular aos poucos quando percebo do que se tratava, me sentindo um pouco envergonhada por isso.

─ Foi mal, eu sempre esqueço.

─ Essa música... Você é fã de Curse Hunters?

─ Do que você tá falando? ─ minha expressão era de confusão, mas rapidamente vejo sobre o que ele citava assim que olho para a tela do meu celular ─ Ah, isso? Não. Na verdade, é a minha primeira vez escutan-

─ Espero que não seja uma daquelas fãs malucas, já tenho o suficiente delas lá fora ─ ele não me deixa terminar de falar e franze o cenho enquanto olha pela janela de forma pensativa como se não tivesse nem me ouvido.

─ Espera aí, como é?

Meu semblante muda completamente quando finalmente reconheço o rosto do moreno, e a compreensão me atinge como um forte impacto de tijolos. Este era o guitarrista mais famoso do país, e ele estava bem diante dos meus olhos em pessoa! Não que eu estivesse impressionada, mas a situação era estranha e conveniente demais para ser real. No entanto, apesar de sua fama e tudo o mais, só consegui zombar disso depois de recordar o que ele havia declarado.

─ Você acha mesmo que toda garota que escuta sua música é sua fã?

─ Ah, não vejo problemas se você for uma das haters também ─ ele sorri convencido, parecendo ter certeza de que eu estava interessada na banda dele ou em seu trabalho de alguma forma.

─ Claro que não, eu sou aquela que curte o som como qualquer pessoa normal e tem coisas mais importantes pra fazer do que idolatrar um ídolo que nem sabe da minha existência ─ meu tom demonstrava toda a minha indignação enquanto eu me inclinava na cadeira atrás do balcão e cruzava os braços ─ Qual o seu problema?

Antes que ele tivesse a chance de rebater, as figuras das supostas "fãs malucas" passam correndo pela janela, visivelmente em busca de algo, lançando olhares atentos em todas as direções. E claro, agora eu sabia exatamente o que elas estavam procurando.

─ Ele entrou naquela biblioteca! ─ uma das vozes femininas grita ao fundo, sendo bem entendida pelo restante.

─ Esquece o que eu falei, você precisa me ajudar a me esconder delas ─ o moreno se volta para mim, sussurrando com certo nervosismo.

─ E você precisa fazer a ficha primeiro, só ajudo pessoas que tenham uma ─ dou de ombros diante da sua impaciência, erguendo uma sobrancelha em um tom de provocação.

─ Tá legal, eu vou fazer essa maldita ficha ─ ele se apoia no balcão para continuar mantendo seu tom baixo, semicerrando os olhos ─ Agora você realmente precisa me ajudar, por favor.

Com um sorriso vitorioso, recuo minha cadeira ligeiramente e inclino a cabeça enquanto desvio o olhar para o exterior, notando que elas estavam prestes a entrar. Também não posso ser tão cruel assim, já que nunca se sabe quando o karma pode voltar para nos assombrar.

─ Tudo bem, passa pra cá.

Ele logo entende e não pensa duas vezes em contornar o balcão, se abaixando rapidamente ao meu lado em um ponto cego. Apesar de sua estatura impressionante e sua proximidade, mantenho minha confiança em ocultá-lo enquanto respiro fundo e sigo mexendo no meu celular, ignorando sua presença quando as garotas entram na biblioteca. Não era um grupo tão grande, talvez fossem apenas cinco delas pela minha contagem.

─ Boa noite, como posso ajudar? ─ repito minha pergunta padrão, sorrindo amigavelmente quando elas se aproximam.

─ Ahm, você por acaso viu Kenjaku por aqui? Achei que ele havia entrado, mas ele não parece estar em lugar algum ─ apenas uma delas me responde, as outras permanecem absortas em sua busca, aparentando estarem desapontadas.

Quase me pego rindo disso, porém, seguro o riso o máximo que posso, pressionando os lábios e limpando a garganta. Seria realmente cômico se elas percebessem que ele está literalmente aos meus pés e, considerando isso, parece incrivelmente fácil simplesmente chutá-lo dessa posição. Não consigo evitar a tentação que essa opção parece representar, enquanto movo meus pés para mais perto de sua perna, apenas para conferir. Ele com certeza não fica satisfeito, pois belisca minha panturrilha com força, me fazendo recuar no mesmo instante.

─ Desculpe, eu não sei quem é esse... ─ tento continuar sorrindo, não transparecendo a pequena dor pontual na minha panturrilha ─ Mas também percebi que uma pessoa passou em frente a porta antes de vocês, talvez ele tenha seguido em frente pelo atalho da esquina?

─ Você tem certeza? ─ ela questiona, ainda desconfiada.

Não, eu não tinha nenhuma certeza, e essa claramente era uma mentira. Mas eu ainda precisava forçar minha apresentação.

─ Sim.

─ Ah, eu realmente queria um autógrafo dele... ─ ela murmura, olhando para baixo com uma expressão chateada que quase me faz sentir pena por ter mentido.

─ Existe mais alguma coisa que posso fazer por vocês? ─ pergunto, apenas torcendo para que elas fossem embora logo.

─ Acho que não ─ a garota declara envergonhada, desviando o olhar ─ Sinto muitíssimo por incomodar sua noite, e obrigada pela atenção.

Ela não espera pela minha resposta e rapidamente avisa as outras, seguindo para fora sem nem olhar para trás. Devo admitir que poderia ser um pouco adorável a admiração delas por Kenjaku e, mesmo que seja estranha essa perseguição, elas não deixam de ser apenas algumas adolescentes apaixonadas que gostam muito de seu ídolo. Esse ídolo, no entanto, não era um dos que se importavam com os seus queridos fãs. Meu olhar se volta para baixo. Ele parecia tão bonitinho encolhido perto de mim desse jeito, assim como uma criança pequena e assustada, e era uma pena que eu não poderia aproveitar mais dessa visão.

─ Elas já foram, pode se levantar ─ aviso em um sussurro baixo ao encará-lo e ele logo se levanta, alisando a roupa enquanto se mantém de pé e caminha para o lado oposto do balcão ─ Você é realmente desumilde, não é? O que custa dar um autógrafo para os seus fãs?

─ Tsk, quem dera fosse só um autógrafo... ─ ele solta um suspiro frustrado, abaixando o capuz do moletom novamente e passando a mão pelo cabelo enquanto olha para a porta ainda atento ─ E eu também não me importo em tirar fotos e nem nada do tipo, mas tenta ficar apenas um dia no meu lugar pra experimentar o que é o verdadeiro terror. Sabe, ser um ídolo não é tão divertido quanto parece.

─ Certo, claro... ─ reviro os olhos em completo desinteresse, desviando do assunto ao estender a mão ─ Me dá sua identidade.

─ O que?

─ Temos um acordo, lembra?

─ Hmph, e você realmente acha que eu vou fazer alguma ficha? Eu nem gosto de livros, e provavelmente nunca mais vou voltar aqu-

─ Ah, então você quer quebrar o acordo? ─ o interrompo, sorrindo meigamente, um óbvio sentimento falso ─ Que ótimo, porque elas ainda estão bem ali do lado de fora e eu posso facilmente reverter a minha parte.

─ Não! Foi mal, eu faço sim ─ ele resmunga mais um pouco e procura algo no bolso do moletom, encontrando a identidade e passando ela para mim sem olhar nos meus olhos.

Pego o documento e ligo a tela do computador, começando a registrar os dados enquanto confiro as informações presentes na identidade. Geralmente não se pedia muito para o cadastro, apenas o básico como data de nascimento, CPF e... Nome.

─ Suguru Geto... Seu nome não é Kenjaku?

Por um momento, parece que o tempo congela para ele, seu corpo fica rígido, a pele torna-se pálida, e seus olhos se arregalam de tal maneira que parecem prestes a saltar das órbitas, revelando um evidente sentimento de pavor. Ele claramente não estava preparado para aquilo, e rapidamente vasculhou os bolsos de seu moletom, encontrando apenas o vazio.

Seu rosto refletia um pânico genuíno enquanto seus olhos alternavam entre minha figura e o documento em minhas mãos. Em seguida, ele se inclina sobre o balcão de forma abrupta, fazendo um movimento rápido na tentativa de retomar o documento.

─ Ei ei, calma ─ ergo minha mão para longe de seu alcance, o provocando com um sorriso divertido assim que percebo seu olhar ─ Por que o desespero? Você é um imigrante ilegal ou algo assim?

─ Até parece! É muito mais complicado do que imigração, embora o documento esteja certo ─ ele reclama e continua na falha tentativa de pegar a identidade de volta conforme eu me inclino para trás ainda mais.

─ E não é melhor dizer que Kenjaku é só o seu nome artístico? Ninguém iria se importar com o verdadeiro.

─ Eu não gosto do passado desse nome. Então, eu prefiro continuar sendo Kenjaku, obrigado.

─ Ahá, então você é um criminoso!

─ Cala a boca, também não é isso! ─ ele quase rosna e seu rosto fica vermelho de raiva, mas ele finalmente consegue pegar a identidade quando abaixo minha guarda ─ Devolve essa merda.

Criminoso. Minha própria declaração me faz paralisar e refletir por breves segundos, e minha mente vaga para longe enquanto penso sobre o assunto. Geto. Esse não é qualquer sobrenome. Geto é o sobrenome de uma das maiores famílias mafiosas que controlam o país pelo meu presente conhecimento, e esse fato com certeza não é uma coincidência. Se o que ele disse for verdade, então o mais conhecido guitarrista não é apenas famoso por sua habilidade, mas também pela sua linhagem, embora a segunda fama seja menos reconhecida pelo público.

Guardando o documento no bolso, o moreno se vira para falar comigo novamente e encontra apenas meu semblante perplexo, um que demonstrava que eu ainda estava tentando encaixar todas as peças. Não, isso era impossível.

─ É a sua família. Você realmente faz parte da família Geto?

─ Você sabe, não é? ─ sua voz era severa, e a maneira como seus olhos escureceram ao me encarar me fez duvidar da minha existência.

Meu silêncio foi a confirmação perfeita que ele precisava para tomar uma atitude e segurar meu rosto entre suas duas mãos, me obrigando a olhar para ele. Aquelas grandes orbes negras me inundavam como se estivessem prestes a me devorar, e cada pedacinho meu me implorava para afastá-lo. Céus, eu só queria uma noite normal.

─ Você não viu nada, entendido? Suguru Geto não existe e nunca existiu, então nem pense em dizer algo sobre isso pra alguém ou vai se arrepender de ter aberto essa linda boquinha.

─ Tudo bem, você tem a minha palavra ─ declaro com um aceno, sentindo meu coração disparar enquanto suas mãos espremem levemente minhas bochechas como um lembrete.

─ Não acho que sua palavra signifique muita coisa ─ ele zomba, finalmente me soltando de seu aperto e virando as costas para ir embora.

Ele tinha razão. Essa informação era perigosa demais para mim, e não consigo permanecer calma diante dessa ideia, mesmo que eu permaneça de boca fechada. Um intenso arrepio percorre todo o meu corpo e estremece meus ossos enquanto o observo sair pela porta da biblioteca em passos firmes, pois temia que esse momento fosse um dos últimos que eu tivesse acesso.

Tenho que confessar que já li muito Dark Romance nessa vida para saber como essa história vai terminar, e não estou nem um pouco orgulhosa disso. Talvez agora seja a hora de preparar meu caixão, porque eu definitivamente não serei a personagem principal pela qual o mafioso se torna perdidamente apaixonado ao ponto de protegê-la da morte inevitável.

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