𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 𝟐
Eu não sabia exatamente que horas eram, mas ouvia batidas enérgicas na minha porta do outro lado de forma incessante. Desvencilhei-me do meu cobertor e caminhei lentamente em direção à porta. Ao abri-la, com a outra mão, esfreguei os olhos para tentar focar minha visão.
Era Itadori, olhei-o de cima a baixo, observando-o vestido com o uniforme, segurando uma arma, com uma expressão levemente indignada. Arregalei os olhos ao perceber o quão complicada estava a situação, fechei a porta rapidamente e corri para o meu guarda-roupa para pegar meu próprio uniforme. Entrei no banheiro e tomei um banho rápido, e ao retornar ao quarto, comecei a vestir minha roupa.
Movimentava-me rapidamente pelo quarto, vestindo o uniforme e arrumando meu cabelo.
Meu uniforme consistia em uma saia justa, obviamente usarei um short por baixo, uma blusa de mangas médias, polaina branca e os sapatos também do uniforme.
Após uma última olhada no espelho, abri a porta e me deparei novamente com Itadori na mesma posição.
-- Onde estão os outros? - tranquei meu quarto, e me pus ao seu lado, o acompanhando.
-- Esperando lá fora. Tori, qual seu estilo de luta? - ele aproximou seu rosto um pouco de meu rosto, sussurrando.— eu realmente estou curioso, é igual do sensei?
-- Está curioso? Bom, não é igual o do Satoru. Mas você irá ver daqui a pouco. - ele concordou, e logo saímos do dormitório. Avistei Nobara, Fushiguro, e Satoru parados na entrada bem sonolentos, menos meu irmão, que já tagarelava logo cedo.
-- Que demora em. Não tenho nem tempo para te dar sermão, vamos logo. - acenei com a cabeça, e logo começamos a ir em direção a saída da escola..
Aquele idiota nem sequer se deu ao trabalho de me acordar. À medida que caminhávamos, fui me aproximando dele, que andava despreocupado, um pouco distante de mim, enquanto os outros três seguiam na frente.
-- Seu idiota, por que não me acordou? - Ele me olhou de soslaio, com um ar cínico e confuso. - Não finja que não ouviu, você sabia que tínhamos uma missão hoje e saiu sem mim.
-- Você está falando como se fosse minha obrigação te acordar. - ele virou o rosto na minha direção e um discreto sorriso surgiu em seus lábios - A meu ver, você já é bem crescida, poderia ter colocado um despertador para tocar.
-- Não custava nada me acordar! - ele deu de ombros, acelerei o passo e segui em direção aos três que conversavam entre si, deixando Fushiguro para trás.
Apesar de eu saber como lutar e ter o conhecimento básico para exorcizar uma maldição, e também não ser a primeira vez que estarei entrando em contato com uma, eu estava ansiosa. Dessa vez era diferente, não era como se fosse apenas uma maldição em meu caminho que encontrei acidentalmente, eu estava indo até ela.
Não é medo, até porque sou forte.
Não sei explicar o sentimento que experimento neste momento.
Talvez porque meu irmão estará me vendo desta vez?
Satoru explicava que era uma maldição que se alimentava dos desejos mais profundos das pessoas. Para isso, ela colocava qualquer indivíduo em uma ilusão que a pessoa desejava muito.
Conheço bem essa técnica.
Paramos em frente a um enorme edifício, que se encontrava em ruínas de tão antigo que era. Era um monstro de nível especial, ou seja, muito poderoso. E haviam alguns adolescentes perdidos lá. Satoru estava discutindo quais seriam as duplas, e contanto que eu não ficasse com Fushiguro, com quem não trocava uma palavra desde cedo, estava tudo bem para mim. Franzi o cenho ao sentir uma presença sufocante e esmagadora na entrada do prédio. Meus braços, antes cruzados, foram rapidamente para meus ouvidos quando um grito agoniante ecoou, fazendo meus tímpanos arderem.
-- TORI! - Ainda com as mãos nos ouvidos, olhei para Nobara, mas fui puxada para dentro do edifício.
Assim que adentrei completamente, fui arremessada, sentindo meu corpo, principalmente minha cabeça, bater contra a parede. Tentei mover-me, mas meu corpo não respondia à minha vontade, e lentamente minha visão se desfocava, percebendo apenas borrões.
Abri os meus olhos ouvindo diversas vozes, todas desconhecidas. Eu me encontrava no centro... da cidade? Baixei a minha cabeça olhando para a minha roupa, percebendo que eu era uma... criança?
Eu estava parada no meio da faixa de pedestres. As pessoas passavam por mim sussurrando, deixando-me confusa e perdida. Minha cabeça girava e girava, deixando-me tonta e enjoada.
Até que escuto... uma voz conhecida.
—— N-não... Isso não, por favor.
Os meus olhos enchem-se de lágrimas quando a vejo parada ali com as mãos segurando sacolas, com o seu sorriso habitual no rosto, enquanto me chamava. Seus olhos amendoados brilhavam de forma singular e encantadora. A doçura em sua voz ao pronunciar meu nome me trazia uma sensação nostálgica, mesmo que às vezes fosse para me repreender.
Eu não conseguia me mover, apenas conseguia chorar descontroladamente, como uma criança. Acabei caindo sentada sobre meus joelhos, com as mãos fechadas sobre meus olhos. Sentia imensa saudade dela.
Tanta saudade da minha mãe.
Sentia saudade dela repreendendo Satoru por algo que claramente fui eu quem fez, dela punindo aqueles que faziam comparações desnecessárias com meu nome e o de meu irmão, e principalmente dela me levando todas as sextas-feiras para comprar ursinhos.
Eu podia chorar à vontade, pois ninguém veria. Afinal, sou "durona", e não uma garota frágil que ainda não passou da fase de luto.
Eu estava imersa em saudades... uma palavra pequena, mas que carrega um peso imensurável. Lembro-me de minha mãe com um aperto no peito, daquelas saudades que parecem atravessar o tempo e se alojar profundamente em minha alma. Sinto falta das coisas bobas, dos momentos simples que se tornaram preciosos em sua ausência.
Recordo com carinho dos passeios que fazíamos juntos, eu, minha mãe e meu irmão. As risadas ecoando no ar, as histórias compartilhadas, os abraços apertados que nos uniam ainda mais. Cada instante ao lado dela era um presente que eu não sabia que eu não iria mais presenciar na época.
—— Meu amor, por que está chorando? Falaram coisas desnecessárias na escola novamente? — ela sussurrou, enquanto se aproximava, me envolvendo em um abraço. — vai ficar tudo bem, eu prometo. Agora conte para a mamãe o que te deixou tristonha, filha.
—— Enquanto voltávamos da escolinha, minha amiga se irritou e disse que meu nome é assim porque a senhora prefere meu irmão. Ela também disse que, para a senhora não me abandonar eu teria que ser igual a ele.— eu chorava descontroladamente, sentindo medo de minha mamãe me abandonar. — mamãe, é verdade?
—— Definitivamente não. Querida, você é tão especial quanto o seu irmão! Satori e Satoru são como duas estrelinhas no céu: iguais, mas brilhantes de maneiras únicas. Cada nome tem um significado especial que os torna igualmente especiais para mim. Assim como cada estrelinha ilumina o céu de forma única, vocês dois iluminam o meu coração de maneiras diferentes, mas igualmente maravilhosas.— ela murmurou para mim. Eu não entendi, mas ela disse que sou especial. A mamãe me ama.. — Pequena, eu nunca te abandonaria.
Agora, a realidade cruel se impõe diante de mim: nunca mais verei sua face sorridente, nunca mais sentirei seu toque suave. A dor da perda se mistura à saudade imensa, criando um vazio que parece impossível de preencher. Como lidar com a ideia de que aquela presença tão vital em minha vida não está mais aqui e nunca mais estará?
As lágrimas escorrem em meu rosto enquanto me pego desejando poder voltar no tempo, reviver cada momento ao lado dela e gravar cada detalhe em minha memória para sempre. Mas a realidade é implacável, e a certeza de que não poderei mais abraçá-la é uma ferida aberta em meu coração, uma saudade eterna que só aumenta a cada dia.
Sinto um vazio no peito, uma ausência que me consome por dentro. A imagem distorcida da minha mãe, usada pela maldição para me atacar, é como uma ferida aberta que arde em minha alma. Quero reagir, quero lutar, mas a impotência me paralisa. As lágrimas inundam meus olhos, revelando a dor e a frustração que habitam em mim.
É um turbilhão de emoções contraditórias: amor transformado em fúria, lembranças ternas manchadas pela vileza da maldição. A dualidade desses sentimentos me consome.
Eu posso ser forte. Mas a minha mãe é o meu ponto fraco. Sempre será.
Sentia braços me envolvendo e só então pude perceber o quão próxima estava. Meu corpo foi envolto por um abraço, trazendo-me conforto e paz. Tinham o mesmo perfume, o mesmo tamanho, o mesmo calor de minha mãe. Dava-me vontade de permanecer ali para sempre. Mas como poderia ficar, sabendo que isso não passava de uma ilusão?
Olhei ao redor ainda nos seus braços, em busca da maldição, tinha certeza de que estava por perto. No entanto, todos, que obviamente eram ilusórios também, viviam "pacificamente", sem dar indícios de que poderiam ser a maldição.
-- Discernimento... - antes que eu pudesse concluir o nome da minha habilidade, senti a aura sombria emanando da minha "mãe", aquela que me abraçava.
-- Não chores, minha pequena... - Eu já não sentia tanta nostalgia na fala, ao perceber que aquela ilusão, que eu imaginava ser minha mãe, na verdade se tratava de uma maldição. Desvencilhei-me de seus braços rapidamente, afastando-a. Por um momento eu realmente pensei em ficar abraçada ali com minha mãe, mas agora percebendo que era a própria maldição, meu corpo inteiro sentiu repulsa. - O que foi, Tori?
-- Minha mãe... Nunca me chamou pelo meu apelido.- Como se já esperasse, a imagem à minha frente, que antes tão bela refletia a imagem de minha mãe, começou a se distorcer. Algumas partes de seu corpo já estavam tomando a forma de sua aparência verdadeira, verde e viscosa. A voz antes doce e gentil, agora estava rouca e falha. - Antes de eu te erradicar deste mundo, gostaria de expressar minha gratidão por você me relembrar do sorriso da minha querida mãe.
O monstro, agora em sua forma verdadeira, era um ser verde e viscoso, com quase dois metros de altura e seis olhos, avançou em minha direção repleto de ódio. Recuei, cerrando os punhos e concentrando minhas energias naquele local. A criatura lançou um líquido em minha direção, o qual desviei instantaneamente, observando-o atingir a parede e derretê-la em questão de segundos.
Avancei em sua direção e saltei, alcançando sua altura, desferindo um golpe em sua "face", testemunhando o que um dia fora um monstro se transformar em meros detritos.
No fim, ele não era digno de ser considerado de nível especial. Apenas um abusador de lembranças.
Eu pisquei, e de repente não estava mais no centro, mas sim naquele imponente edifício. Minhas pernas fraquejaram, e acabei me apoiando na parede, sentindo-me exausta. Eu sentia a presença de Fushiguro do outro lado da parede, e por um momento me acalmei, sentando-me no chão e baixando minha guarda.
Meus olhos se abriram em espanto ao sentir uma presença sombria. Ao ver algo verde atravessando o teto em minha direção só tive tempo de me jogar para o lado, quando de repente vi a maldição sendo atacada por cães.
Os cães divinos.
A parede em que eu estava apoiada segundos antes foi destruída, e por ela Fushiguro passou, realizando selos com as mãos.
-- Como você...
-- Eu percebi que você baixou a sua guarda. Por capricho seu, ia morrendo. Tenha mais cuidado da próxima. - Ele declarou. Me levantei, notando que a porta da entrada estava aberta. Cambaleando tentei ir até ela. - Não passe por esta porta se não quiser morrer.
-- Hm? - Olhei para a porta, que se movia incessantemente, até que começou a se distorcer. A porta se transformou em uma boca enorme, e a parede naquele ser verde e viscoso. Então aquilo era uma ilusão... Como pude não perceber? - Você não morre, não é?
-- Os outros que atacamos não passavam de meros clones. Percebe algo de diferente neste? - A energia era diferente. Este tinha uma presença aterrorizante e amedrontadora, totalmente distinta dos outros. Ainda pior. - Este é o verdadeiro.
-- Fushiguro, pode cuidar desse? - Eu poderia apenas usar uma arma para acabar com isso, mas não tenho, então o que custa deixar Megumi fazer isso apenas hoje. Minha mente está imersa em lembranças passadas.
-- Posso.
Dei alguns passos para trás cambaleando até estar atrás de Fushiguro. Me sentei no chão tombando para o lado fechando meus olhos. Meu corpo estava esgotado, eu estava fraca.
Mãe.
Minha mãe.
—— Alguém nos ajude!
Abri os olhos rapidamente ao ouvir vozes vindas do outro lado, erguendo-me imediatamente. Sem dúvida, eram aqueles adolescentes. Caminhei com exaustão até o buraco feito por Fushiguro, passando por ele da mesma forma. As vozes aumentaram, vindas de dentro de uma caixa de madeira em um canto da sala, então decidi me aproximar dela.
Ao me aproximar, desferi um soco sem hesitar na caixa, vendo-a se quebrar, e dentro havia dois rapazes. Um deles estava desacordado, gravemente ferido, enquanto o outro me observava atônito.
No mesmo instante senti a presença daquela maldição sumir.
—— Está tudo bem agora. — murmurei.
—— Tem certeza? — concordei levemente com a cabeça. Colocamos o ferido no meio ajudando a se levantar.
Passando pela saída, senti um leve desconforto pela luz sendo refletida em meu olho. A cortina havia sido erguida. Ijichi e médicos levaram o ferido e seu amigo.
-- Vocês demoraram bastante, pensei que tivessem perecido. Vamos? - ele disse virando-se de costas.
-- Tori! Vejo que conseguiu sobreviver. - Nobara acenou assim que notou minha presença. - Está bem acabadinha, parece que sua dupla chegou um pouquinho tarde.
-- Dupla? - olhei de soslaio para Megumi.
-- Sim. Você e Megumi são colegas de dormitório, logo são duplas de missões também. - Satoru explicou. Como se estar no mesmo dormitório que ele não fosse ruim o bastante, ainda virei colega de missões. Suspirei fundo, sentando entre Satoru e Nobara, no carro, um tanto chateada. As lembranças da ilusão agora pouco não sumiam de minha mente, e o sorriso de minha mãe ainda estava preso em minha memória. E eu sentia ainda mais vontade de saber sobre sua morte repentina.
Ao chegar no alojamento, dirigi-me imediatamente ao meu aposento. Ao adentrar o recinto, todo o meu corpo doía, e gradualmente ia cedendo. Respirei fundo ao perceber a presença de meu irmão ao meu lado, segurando meu ombro e envolvendo minha cintura.
—— Uma maldição que se alimenta de memórias felizes, criando ilusões com os desejos mais profundos das pessoas — sussurrou ele. — Deixe-me adivinhar, pensou na mamãe, não foi?
Mania de fazer protagonista sofrer, né???
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top