Capítulo 54

Ao começar o trabalho no studio de ballet Laviolette, Jeanne me deu uma chave extra, pois normalmente sou a primeira a chegar. Neste dia não foi diferente. Prefiro chegar cedo para dançar sozinha. Apesar das dificuldades que enfrento atualmente, devo confessar que nunca estive tão feliz em toda minha vida. É estranho, eu sei, mas é a mais pura verdade.

Sou filha amada e cuidada; tenho um esposo maravilhoso e super companheiro; me tornei mãe de uma princesinha, que já está virando mocinha, e de um príncipe que está prestes a nascer; iniciei meu ministério na casa do Pai; finalmente trabalho com o que sempre sonhei; e tenho uma família e amigos incríveis. O tumor e a gravidez de risco são apenas detalhes que preferi deixar nas mãos Daquele que sabe resolver todos os meus problemas da melhor forma possível: fazendo Sua soberana vontade.

Troco de roupa e coloco meu collant preto, a saia, as sapatilhas e a meia calça. Já vim de casa com o cabelo preso em coque. Sinto-me linda e tão confortável, as sapatilhas são bem melhores do que os saltos altíssimos.

Como de costume, antes de iniciar meu treino, inclino a cabeça, já não posso mais dobrar os joelhos por causa do barrigão de oito meses, e faço minha oração. Entrego minha vida e a vida do meu filho, este dia e todas as possíveis complicações que possam acontecer. Finalizando minha oração, inicio a coreografia.

A cada movimento, sinto o meu corpo se tornar mais leve. Diferente de quando caminho, e sinto o peso da barriga dificultando um pouquinho a locomoção, durante a dança, não há peso. Não há cansaço ou qualquer dificuldade. É algo sobrenatural, não tem como descrever. A presença do Espírito Santo é tão intensa, que finalizo a coreografia em lágrimas.

— Fico tão feliz quando chego e você ainda está dançando! — Jeanne comenta encostada na porta — É impossível não sentir Deus neste lugar!

Respiro fundo, pego a toalha de rosto que ela lança em minha direção e me aproximo.

— E eu fico feliz que pelo menos uma pessoa consegue perceber Deus nisso tudo... — desabafo.

— O que aconteceu dessa vez? O Roy continua tentando te convencer a parar de dançar? — pergunta colocando a mochila no chão, próximo ao banco onde minhas coisas estão.

— Não! Acho que ele já desistiu de tentar, faz tempo. — pego a garrafa de água e dou umas boas goladas antes de continuar — Dessa vez foi a minha irmã. Tivemos uma pequena discussão hoje cedo.

— Ela deve estar desesperada... — retira o sobretudo, revelando o uniforme de professora.

— É, está sim! — sinto alguns chutes na minha barriga, e é inevitável sorrir. Sempre que paro de dançar, ele reclama — Calma, meu amor! A mamãe só está descansando um pouco. — acaricio a base da barriga.

— Esse aí ama uma dança! — Jeanne ri, já se alongando.

— Pois é! — vou até o rádio e seleciono outra música — Jean, conseguiu remarcar o ensaio para às três horas?

— Ah! Que bom que tocou no assunto! — comenta animada — Os dançarinos da minha igreja chegarão mais cedo, por volta de duas e meia, será que o pessoal da sua igreja não conseguiria chegar esse horário também? — faz cara de pidona.

Crispo os olhos em sua direção, mas concordo.

— Tudo bem, mandarei uma mensagem para o grupo do ministério de coreografia. Se eles puderem, ótimo! Caso contrário, passaremos com o primeiro grupo para adiantarmos.

— Perfeito! — comemora confiante — Falta apenas uma semana para o grande evangelismo! Estou super ansiosa!

Há um mês e meio, enquanto caminhava por Champ de Mars, próximo à Torre Eiffel, vi um grupo de dançarinos fazendo uma apresentação que chamou a atenção de muitas pessoas. Era uma espécie de teatro mudo, ou pantomima. Na mesma hora o Espírito Santo falou comigo, inspirou-me a fazer um evangelismo diferente de como estávamos costumados a fazer.

Contei a ideia para Jeanne, pois precisaria da ajuda dela, para ceder alguma sala do studio e na montagem da coreografia. Ela surtou e topou na mesma hora. No dia seguinte, disse que conversou com o pastor da sua igreja, e ele também gostou da ideia, assim como o pastor  John. Dessa forma, nossas igrejas se uniram para a realização do grande evangelismo que ocorrerá no próximo sábado.

Escolhemos a data de forma estratégica, visto que estamos na alta temporada. Paris tem recebido muitos turistas vindos de todo o mundo. Nada melhor do que coreografias e pantomimas para alcançarmos pessoas de todas as nações, sem precisarmos falar nada. Esta noite, iremos unir os membros das nossas igrejas em uma vigília que acontecerá onde congrego. Grandes coisas fará o Senhor!

— Apenas ore, para que até lá o pequeno Matt continue no ventre da mamãe, não é filho?

— Com toda certeza ele continuará! — finaliza o alongamento.

***

— Pessoal, vocês estão incríveis! — Jeanne comenta com emoção — Estou tão orgulhosa pela dedicação e pelo esforço de cada um, imagine Deus! Por hoje é só, mas não dispersem, iremos juntos para a igreja da Ana daqui a pouquinho!

O salão está lotado de jovens, homens e mulheres. Crianças, jovens e adultos. Ao todo, cerca de cinquenta pessoas. Eles comemoram e conversam entre si, animados por tudo estar dando certo. Emily, Camille, e Mila, a sobrinha da Jeanne, estavam junto com as outras crianças. Elas também participarão. Com muito esforço, os pais da Camille permitiram que ela fosse à igreja conosco, há mais ou menos cinco meses. Aos poucos, eles notaram a mudança no comportamento da filha e se interessaram em ir também. Os três se converteram, e permanecem em nosso ministério até hoje, para a glória do Senhor Jesus!

Meu celular toca e ao ver a imagem do meu pai na tela, atendo na mesma hora. Confesso que desde o dia em que tive minha primeira convulsão, fiquei mais atenta às ligações do meu Pai. Deus sempre fala com ele quando algo ruim está para acontecer, como naquele dia.

— Oi, pai! Como estão? — pergunto ao me afastar da sala.

Estamos bem, filha! Com a graça de Deus! — responde — Que barulho é esse? Está na igreja?

— Não! Estamos no studio de ballet. Acabamos de ter um ensaio geral para o grande evangelismo.

Que benção! Tenho certeza que Deus alcançará muitas almas através de vocês!

— Amém! — suspiro.

Como vocês estão? Meu netinho continua mexendo muito?

Quando papai descobriu que seria vovô de um meninão, ficou todo bobo. Mamãe não desanimou, pelo contrário, ao descobrir que não seria uma menininha, começou a gargalhar dizendo que já imaginava, e que já tinha pensado em outros nomes para o seu netinho. Vai entender...

— Ah, papai! Esse meninão está cada vez mais agitado. Acho que, de alguma forma, consegue perceber que o tempo está chegando. — a gargalhada do outro lado me faz sorrir — Estou com tanta saudade de vocês!

E nós de vocês, querida! Não vemos a hora de voltarmos para a França.

— Clarinha! — Emily se aproxima, com as meninas em seu encalço — Estamos com fome.

— Um minuto, pai! — afasto um pouco o aparelho do rosto e dou atenção a ela — Estou falando com o seu avô agora, assim que acabar iremos passar na lanchonete aqui do lado, ok?

— Ok! — as três respondem juntas batendo palmas.

— É o vovô Samuel? Posso falar com ele? — pergunta com os olhos brilhando. Ela é apaixonada pelo meu pai.

— Claro! — aproximo o aparelho do rosto novamente — Pai, a Em quer falar com o senhor. Depois conversamos melhor. Dê um beijo na mamãe. Amo vocês!

Pode deixar, minha filha! Também te amamos!

Passo o aparelho para Emily, que pega da minha mão, quase derrubando-o no chão de tanta agitação. Meneio a cabeça e volto para a salão, onde a maior parte do pessoal continua concentrado. Converso com alguns jovens da nossa igreja rapidinho, pego minha bolsa, e volto para a recepção, onde me surpreendo ao ver meu esposo conversando com as meninas.

— Então, tio Roy, a tia Ana disse que iríamos comer na lanchonete daqui a pouco. — Mila comenta esfregando a barriga — Mas não nos importamos em ir para um restaurante chique! — Emily e Camille concordam com a baixinha.

Minha risada chama a atenção dos quatro. Roy se afasta das meninas e se aproxima de mim.

— Como foi o dia, minha linda? — pergunta após selar nossos lábios rapidamente — E o garotão do papai, se comportou direitinho ou deu muito trabalho para a mamãe? — direciona a segunda pergunta para o meu ventre.

— Estamos muito bem! O dia foi produtivo e bastante agitado! Estou exausta, mas animada para a vigília. — dou de ombros.

— Ok! Mas antes de irmos para igreja, vamos alimentar a senhora Cárter e estas mocinhas. — aponta para as três, que nos encaram atentamente.

— Aceito uma refeição de verdade, estou faminta! Só irei falar com a Jean, já volto.

Após comunicar a minha parceira de trabalho que os encontraria na igreja, saio com meu esposo e as três crianças. Jeanne deixou Mila ir conosco, visto que a mesma não desgrudava de Emily. Jantamos em um restaurante perto da igreja mesmo. As meninas não paravam de conversar entre si. Riam, tagarelavam e riam mais um pouco.

Roy estava muito quieto, mas permanecia com um meio sorriso de lado.

— O que foi? — aproximo-me dele e pergunto baixo.

— Nada de mais. Só estava pensando em como o tempo passou rápido. — segura minha mão fazendo leves carícias — Daqui a pouco faremos um ano de casados. Nosso filho estará em nossos braços. A Emily é quase uma pré-adolescente e você... — ele se cala — Isso me alegra e me preocupa ao mesmo tempo.

— O que exatamente te preocupa? O fato de a Emily estar crescendo, e dentro de alguns anos estará levando algum rapaz para te conhecer, ou o fato de que dentro de alguns meses ou anos eu posso não estar mais aqui? — ele muda a expressão na mesma hora.

— Achei que tinha certeza de que é apenas uma questão de tempo para o milagre acontecer. — ignora minha pergunta.

— Eu tenho essa certeza, mas você não! — ficamos nos encarando até que Emily chama nossa atenção.

— Ro, já são dez para as sete. Vamos?

— Vamos! — desvia o olhar do meu, ergue a mão e chama um dos garçons.

Chegamos na igreja às sete em ponto. O local estava lotado, como nunca vi antes. As meninas correm para ficar com o grupo das crianças. Já Roy e eu nos aproximamos dos jovens, que estão sentados nos primeiros bancos.

Meu esposo dobra seus joelhos para orar. Eu me sento na cadeira e inclino a cabeça. Vê-lo angustiado me deixa mal. Porém entendo que agora é entre Deus e ele, a única coisa que posso fazer é orar e ser paciente.

— Ana, a sua barriga está cada vez maior! — Stela, uma das jovens que está ao meu lado, comenta. — Olha só Lea!

As duas ficam acariciando o meu abdome até o culto iniciar. Roy se levanta e toma o seu lugar atrás da guitarra, junto com os componentes do ministério de louvor. O culto estava sendo uma benção. A vigília, que na verdade seria uma mini vigília, encerraria meia-noite, porém as meninas já estavam sonolentas. Como no dia seguinte elas terão aula, decidimos ir para casa por volta das dez e meia. Camille e Mila dormirão lá em casa, então nós cinco nos despedimos de algumas pessoas e saímos juntos.

Preparei um lanche, rápido e leve para as três não dormirem com fome. Onze e vinte elas já estavam no mundo dos sonhos. Deposito um beijo na cabeça de cada uma e saio do quarto. Roy está sentado na cama lendo sua bíblia.

Passo em silêncio para o banheiro. Tomo um banho rápido e visto uma roupa de dormir quente e confortável. Sento ao seu lado e espero que ele termine sua meditação. Ele fecha a bíblia e vira para mim.

— Estou sendo um idiota! — arregalo os olhos com sua afirmação.

— Como é que é? — meu esposo suspira, coloca o livro na mesa de cabeceira e vira para mim.

— Estou tendo a sensação de estar voltando ao início. Quando descobrimos sobre o câncer e sobre a gravidez. — apenas assinto — Deus tem sido tão bom para nós! Tem mostrado sua misericórdia, graça e amor por nós e nossa família! Ele ressuscitou nosso filho, — toca meu ventre com carinho e Matt dá sinal de vida, arrancando um pequeno sorriso de nós — não entendo porque tenho deixado a dúvida ganhar espaço novamente em meu coração.

— Ro, você só está exausto! — repouso minha cabeça em seu ombro — E de certa forma, isso é normal, você é um ser humano, amor! — toco sua mão, que está em meu ventre, e a seguro — Deixa eu orar por você! — fecho os olhos e inicio minha oração — Querido Deus, obrigada por estar aqui, neste momento! Obrigada por não nos desamparar em momento algum! Por guardar as nossas vidas em mais um dia! Mas eu também quero te pedir perdão por deixarmos a dúvida e o medo entrarem em nossos corações e mentes, nos momentos de fraqueza e exaustão. Somos o pó dessa terra, se o senhor não nos ajudar, não conseguiremos continuar. Por favor, tome o coração do Roy em tuas mãos. Restaure sua força, ânimo e fé em Ti! Ajude-o a crer! O senhor já fez milagres em nossas vidas, que ninguém poderia fazer! Nos ajude a crer que o senhor continuará fazendo muito mais por nós e em nós, Pai! Em nome de Jesus! Amém!

— Amém! — responde baixo.

Deito na cama e o puxo para os meus braços. Hoje quem precisa receber apoio e consolo é ele.

>>>><<<<

Mais um capítulo 😍♥️ Awww a Ana bailarina é tão linda! E esse bebezinho que está prestes a chegar 😱

Até amanhã pessoal!!

Att.
NAP 😘

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top