Capítulo 44

Acordo com o estômago revirando em meu interior. Com rapidez, e um pouco de brutalidade, retiro o braço do meu esposo, que me envolvia, e levanto correndo da cama. Roy apenas resmunga algo inaudível e vira para o outro lado.

Ergo a tampa da privada e coloco tudo para fora. Um, duas, três vezes... Meus braços tremem ao tentar me apoiar no vaso sanitário. Sento-me no chão controlando a respiração desregulada. Fecho os olhos e apoio as costas e a cabeça na parede gelada. Alguns segundos se passam até que a respiração volte ao normal.

— Acho que os sintomas estão um pouquinho atrasados, querido. — toco meu ventre e sorrio de lado — Pelo menos quero acreditar que este seja um dos sintomas da gravidez, afinal de contas, faz parte do processo, não é verdade?!

Levanto-me, coloco a tampa do vaso no lugar e dou descarga. Vou até a bancada e me olho no espelho. Vejo as olheiras debaixo dos olhos e faço uma careta. Abro a torneira e lavo o rosto rapidamente. Da minha necessaire, retiro a escova de dente, pasta e enxaguante bucal. Faço minha higiene e volto para o quarto, sem um pingo de sono. Roy dorme tranquilamente, deve estar exausto por causa da viagem.

Resolvo pegar um copo de água de coco para me hidratar um pouco, já que coloquei a ultima refeição que fiz para fora. Visto o roupão antes de sair e desço a escada devagar. Surpreendo-me ao ver papai de costas para mim, olhando, através das portas de correr, a paisagem externa da casa.

Ponho uma mexa de cabelo atrás da orelha e me aproximo, ainda em silêncio.

— Pai? — toco seu ombro.

Seu Samuel se vira para mim, com uma expressão que nunca vira antes. Ele estava desolado. Em um movimento inesperado, ele me puxa para um abraço apertado, como costumava fazer comigo e com Sofia, toda vez que precisávamos de consolo.

Apoio a cabeça em seu peito e circulo sua cintura com os braços.

— Minha filhinha! — diz entre lágrimas — Me perdoe pela minha reação.

— Está tudo bem, papai! — digo alisando suas costas — Está tudo bem!

— Eu não estou sabendo lidar com isso agora, mas sei que Deus me ajudará. — me afasto com cuidado e ofereço um sorriso sincero.

— Sei como é. Ainda estou aprendendo a lidar com tudo isso. — aponto para o sofá com a cabeça — Vamos sentar.

Ele me segue e senta ao meu lado.

— Um filme passou mela minha cabeça, essa noite. — diz pensativo, fitando o quadro na parede da frente. Sorri nostálgico — Me lembrei do dia em que Viviane me contou sobre a sua gravidez. Foi um momento único e especial. Eu seria pai.

Coloco minhas pernas em cima do sofá, ficando de frente para ele, e apoio a lateral da cabeça no encosto acolchoado.

— Após algumas semanas, descobrimos que teríamos uma linda princesinha. — olha para mim com os olhos brilhando. Sorrio emocionada — Você chegou em nossas vidas em um momento caótico e totalmente improvável, Clara! Mas veio para nos trazer alegria e esperança.

— Nunca me contaram sobre isso. — digo com a testa franzida.

— Acho que nunca vimo necessidade de falar sobre esse assunto. Até hoje. — ele segura minhas mãos — Eu tinha sido demitido há pouco menos de dois meses. Sua mãe não trabalhava na época. A situação não estava nada boa. Eu enviava meu currículo para todas as empresas possíveis, mas não recebia nenhuma resposta positiva. Cheguei a me candidatar a outras vagas, fora da minha área de trabalho. Mas nada. As portas tinham sido fechadas, e não por mãos humanas. — suspira — Quando sua mãe me entregou o teste de gravidez, fiquei em choque, assustado e confesso que passei dias chorando escondido dela. Não queria preocupa-la mais do que já estava.

— Imagino. — digo em concordância.

— Certo dia, porém, eu tive um sonho. — sorri, no memento em que uma lágrima rola por sua face — No sonho, eu estava em um local, até então, desconhecido por mim. Anos depois descobri que era está casa. — arregalo os olhos com a descoberta — E enquanto eu admirava o ambiente ao meu redor, vi a sua mãe, segurando uma bebê no colo, e ao seu lado, pulando, ansiosa para ver a irmãzinha, uma outra menininha de cabelo loiro e lindos olhos cor de mel. — sinto os olhos arderem — E enquanto admirava aquela cena, eu ouvi uma voz dizendo que tudo ficaria bem. E foi exatamente assim, minha filha, Deus cuidou de tudo. Jamais deixou que algo faltasse para nós, pois Ele é o Jeová Jireh, aquele que provê todas as coisas e está no controle de tudo!

Papai toca meu ventre com um sorriso bobo e volta a me encarar.

— Eu creio que o meu netinho também é um presente de Deus para nós! Assim como você, ele trará a alegria e esperança que precisamos para passar por esse deserto!

— Amém! — jogo-me em seus braços — Obrigada por sempre saber o que dizer, papai! Que Deus continue te abençoando e usando, não apenas para mim, mas para todos que passarem por sua vida.

— Assim seja, minha menina!

***

— Bom dia! — saúdo entre bocejos ao chegar na sala de jantar, onde os três já estavam preparando a mesa para o café da manhã.

Roy vem até mim, com um sorriso lateral nos lábios e me dá um selinho rápido.

— Bom dia, linda! Dormiram bem? — acaricia meu ventre.

— Digamos que a noite foi um pouco agitada... — ele ergue uma sobrancelha.

— O que quer dizer com "agitada"?

— Quer dizer que eu tive meu primeiro enjoo essa madrugada. — digo, mad logo me recordo que na segunda, quando Sofia chegou em Paris, eu tinha enjoado pela primeira vez. Desvencilho-me de seu toque e sigo até os meus pais, dando um beijo na bochecha de cada um. 

— E não me acordou? — Roy vem atrás de mim.

— Você estava dormindo tão bem. Não queria incomodar. — dou de ombros e sento em uma das cadeiras. Ele bufa antes de sentar ao meu lado.

— Como é teimosa!

— Sinto em lhe dizer, querido, mas isso é de família. — mamãe coloca a garrafa térmica na mesa — Ana, fomos à padaria e trouxemos um pouco de tudo. Espero que esteja com apetite, pois você precisa se alimentar muito bem, agora está comendo por dois! — agacha ficando na altura da minha barriga — Não é mesmo, amorzinho da vovó?

— Bom, acho que estou com um pouco de fome sim. — digo pegando um pão francês e uma faca.

— Se dona Thelma estivesse aqui iria mimá-la de todas as formas possíveis. — papai se senta em uma das pontas da mesa.

Paro o que estou fazendo e olho para ele com o coração apertado.

— E como ela está, papai? — pergunto incerta. Ele solta um suspiro pesado antes de ajeitar a postura e responder.

— Cada vez pior, minha filha. Infelizmente. — concordo, sentindo uma tristeza repentina.

— Quero visita-la hoje. Ela está aqui ou na casa do filho? — volto a cortar o pão.

— Na casa do Danilo. Ele não tem como ficar vindo sempre para cá, e como estamos trabalhando, não podemos dar tanta atenção. Já que dona Thelma não aceita uma cuidadora.

— Como é cabeça dura! — reclamo, mais para mim mesmo.

— Acho que posso dizer o mesmo sobre certas pessoas. — Roy comenta ao meu lado, servindo-se de uma xícara de café. Rimos de seu comentário.

Após comermos tranquilamente, subo para me arrumar. Tomo um banho rápido e visto um vestido longo verde oliva, de crepe, sem alça, e calço uma sandália rasteirinha. Um look simples, mas tão a minha cara.

Olho-me no espelho e suspiro fazendo um bico, ao reparar que ainda não havia nenhum sinal de crescimento na minha barriga.

— Você está demorando tanto para crescer... — inclino a cabeça para o lado, observando meu reflexo.

— Querida, descobrimos sobre a sua gravidez há menos de uma semana. — meu esposo entra no closet, achando graça do meu comentário. Contorna minha cintura e fita meus olhos através do espelho — Você está com seis semanas...

— Quase sete! — corrijo. Ele assente rindo.

— Quase sete! Porém andei pesquisando na internet, e vi que a barriga só começa a crescer a partir de doze semanas, em algumas mulheres. — continua.

— Ainda falta muito tempo, mas posso superar isso! — viro de frente para ele — Está pronto?

— Sim! Vamos?

Encontramos com dona Viviane na garagem, onde a mesma nos esperava no carro.

— Papai já foi para o trabalho? — questiono colocando o cinto do carona.

— Saiu ainda há pouco. — diz dando ré com o veículo — Queria ter ido conosco, mas hoje tem uma reunião importante.

— Entendi. — observo as ruas do condomínio mais uma vez — A senhora ligou para o Nilo? — questiono após algum tempo.

— Sim, ele está nos esperando. Mas não contou nada para a mãe. Pedi para ser uma surpresa. — sorrio e assinto.

— Não irei contar sobre minha doença para ela, apenas sobre a gravidez. Não há motivos para preocupa-la ainda mais.

— Tem razão, querida.

O filho da dona Thelma, meu velho amigo, não morava muito longe de nós. Porém com o trânsito caótico de São Paulo, até mesmo a menor distância se torna longe. Passamos o percurso mostrando um pouco da cidade para o meu esposo, que não teve tempo de conhecer da última vez que viemos.

Combinei com ele que ao longo da semana iríamos dar vários "rolês" por aí, como dizem meus conterrâneos.

— Dogão? — pergunta com o cenho franzido — O que é isso? — mamãe e eu rimos de sua confusão.

— É uma espécie de hot dog americano, só que muito melhor e mais saboroso. — olho para trás com um sorriso maroto nos lábios.

— Então quero experimentar.

— É claro que você irá experimentar, meu bem! — digo como se fosse o óbvio.

— Chegamos! — dona Vivi interrompe nosso bate-papo.

Danilo abre o portão de casa com um sorriso gigante no rosto ao me ver.

— Quem é vivo sempre aparece! — diz me envolvendo em um abraço.

— Também senti sua falta, Nilo! — respondo com ironia. Olho para trás e percebo Roy nos observando com uma cara nada feliz — Amor, — sigo até ele, dizendo em inglês — quero que conheça o Danilo, filho da Thelminha. Nilo, este é o Roy, meu esposo. — sorrio bobamente, ao completar a última frase em português.

— É um prazer te conhecer, mano! — Danilo puxa o francês para um abraço um tanto quanto bruto, dando alguns tapas em suas costas.

Roy estava, claramente, desconfortável. O que quase me fez gargalhar.

— Podemos entrar? — mamãe pergunta, percebendo o desconto do genro.

— Minha casa é sua casa, tia Vivi! — dá espaço para passarmos.

Seguro a mão do meu esposo e dou um beijo em sua bochecha antes de entrarmos.

— Viviane! — escuto a voz de dona Thelma vinda da sala — Achei que só viria no fim de... — ela para de falar ao meu ver — meu Pai! — leva as mãos à boca, em sinal de surpresa — Menina Ana! Você por aqui? — ela estava deitada no sofá, e tenta se sentar, mas sem muito sucesso. Danilo e Carol, sua esposa, vão ajuda-la.

— Thelminha! — digo com emoção, aproximando-me da senhora tão amada por mim — Que saudades! — envolvo-a em um abraço saudoso — Como está? — pergunto ao me afastar e sentar ao seu lado.

— Melhor do que eu mereço, filha! — sorri, e então avista o meu esposo — Olá, querido! Venha falar com a sua avó postiça!

Roy me olha com uma enorme interrogação no rosto. Então traduzo o que a senhora acabara de falar, e ele sorri, aproximando-se de nós.

Passamos a manhã toda conversando animadamente. Em certo momento, Danilo nos contou sobre a condição da mãe e sua saúde debilitada. Segundo ele, o médico disse que os remédios já não estão tendo mais o efeito desejado, de retardar os sintomas. Tinham dias que ela se perdia dentro de casa, em outros, tinha alucinações. Dona Thelma estava entrando na segunda fase do Alzheime.

O clima estava ficando um pouco deprimente, porém dona Viviane decidiu trazer um pouco de alegria para a família, ao contar que finalmente seria avó. Os três fizeram uma grande festa com a novidade. Thelminha chorou bastante ao saber que sua pequena Ana seria mamãe.

Foi um momento realmente especial. O que partiu o meu coração foi a hora da despedida. No fundo, sentia que aquela seria a última vez que nos víamos. Não sei se por causa da minha doença, ou por causa da dela. Mas o choro foi inevitável, assim como os muitos abraços e carinho de ambas as partes.

>>>><<<<

Eu amo todos os capítulos em que o seu Samuel aparece! E o que falar da Thelminha 🥺💔 Mas essa é a chamada vida... Enfim, este foi o capítulo extra que trouxe essa semana. Estou tendo alguns problemas com meu computador, por isso o motivo de eu só posta-lo hoje.

Att.
NAP 😘

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