46. Say something
❝ Say something,
I'm giving up on you ❞
A água da piscina cintilava sob a luz do parque, mas eu não conseguia me concentrar no brilho. Tudo parecia desfocado, como se um véu nebuloso tivesse sido puxado sobre o meu mundo. Meus olhos estavam fixos em Kwon enquanto ele se afastava com Tory e Yoon, sua figura cada vez menor. Meu coração dava uma pontada estranha, mas não era só emocional. Era físico também. Um peso me esmagava, me deixando mole, tonta.
Eu me sentia uma completa idiota. Como eu pude aceitar aquela bebida? Eu sabia o que Maria era capaz de fazer, e ainda assim, como uma tola, eu confiei. Ou talvez eu estivesse bêbada demais naquele momento, rindo das coisas absurdas que Zara falava, me deixando levar pelo momento. Agora, meu corpo inteiro parecia pagar o preço por essa ingenuidade.
Levantei-me lentamente da beira da piscina, tentando me equilibrar, mas minhas pernas pareciam feitas de gelatina. O mundo ao meu redor girava em um borrão de cores e vozes abafadas. O ar parecia mais denso, pesado, difícil de puxar.
— Zara... — Murmurei, minha voz mole e trêmula. — Acho melhor irmos embora.
Ela resmungou alguma coisa, algo que eu não consegui entender completamente, mas pelo tom, parecia ser uma recusa. Minha visão turva mal conseguia identificar sua figura do outro lado da piscina, ainda sentada e rindo com os outros.
Eu dei um passo, ou pelo menos tentei. Cambaleei, quase caindo, e acabei me apoiando no balcão próximo. O mármore frio tocou minha pele, e aquele pequeno choque de temperatura parecia a única coisa que me ancorava à realidade. Encostei a cabeça ali, fechando os olhos por um momento enquanto tudo girava ao meu redor. A sensação de algo errado começou a se tornar impossível de ignorar. Meu coração batia mais rápido, mas o resto do meu corpo parecia cada vez mais pesado, como se eu estivesse sendo puxada para baixo, para uma escuridão que se aproximava a passos largos.
Foi então que ouvi uma voz. Feminina, suave, mas com aquele tom malicioso que eu reconheceria em qualquer lugar.
Maria.
Eu me esforcei para levantar a cabeça, para encará-la, mas meu corpo não respondia.
— Cuida dela, ok? — Ouvi ela dizer, como se estivesse falando com alguém próximo. — Depois me manda uma foto pra ver se ela está bem. Vou dar uma caroninha pra Zara.
Minha mente gritou em protesto. Não. Não deixe ela levar Zara. Não toque em mim. Não deixe ninguém cuidar de mim. As palavras estavam presas em minha garganta, engasgadas por uma força invisível. Meu corpo se recusava a obedecer, como se tivesse sido desconectado de minha vontade.
Senti mãos na minha cintura, firmes, me segurando. Não eram gentis. Eram práticas, como alguém lidando com um objeto inconveniente. Tentei me debater, mas foi inútil. A cada segundo, a escuridão me envolvia mais, e meus olhos pesavam tanto que manter eles abertos parecia impossível.
Minha última sensação foi de movimento, de ser erguida como se eu fosse uma boneca de pano, seguida pelo som distante de risadas e vozes, agora indistintas. O mundo se apagou completamente, me mergulhando em um vazio gelado e assustador.
⋆౨ৎ˚ ⟡˖
A luz forte atingiu meus olhos assim que os abri. Por reflexo, levei a mão ao rosto, tentando bloqueá-la, enquanto um latejar insistente ecoava na minha cabeça. Tudo parecia confuso, como se eu estivesse acordando de um pesadelo que ainda não fazia sentido. Pisquei algumas vezes, ajustando a visão, e lentamente levantei o tronco. Meus músculos doíam, como se eu tivesse sido atropelada por um caminhão, e minha boca estava seca, com um gosto amargo insuportável.
Quando olhei para baixo, o choque me atingiu em cheio. Eu não estava com as minhas roupas. Uma camiseta enorme cobria meu corpo, desajeitada, como se tivesse sido colocada às pressas. Meu coração começou a disparar, um frio cortante percorrendo minha espinha.
Eu olhei ao redor, tentando entender onde estava. O quarto era pequeno e estranho, com móveis que não reconheci. Não era minha casa, nem o hotel onde Zara e Kwon estavam hospedados. O desespero começou a subir, a sensação de não saber o que tinha acontecido me esmagava. Por que eu estava aqui? Quem tinha me trazido? E, acima de tudo, por que minhas roupas não estavam mais comigo?
Minha respiração começou a acelerar, e eu senti as lágrimas se acumularem nos cantos dos olhos. Tudo isso parecia uma armadilha. Tudo parecia errado. As memórias do que aconteceu antes se misturavam, nebulosas, como se minha mente estivesse deliberadamente bloqueando algo.
De repente, um barulho no banheiro me fez congelar. Era o som da torneira sendo desligada. Meus músculos se enrijeceram, e eu recuei instintivamente um passo para trás. A porta se abriu, e ali estava ele.
Yuri.
Minha mente foi imediatamente tomada por um turbilhão de pensamentos. Eu cobri a boca com a mão, horrorizada, enquanto meu peito parecia afundar em pânico. Será que... Será que nós...? Não. Não podia ser. Não podia.
A onda de emoções me atropelou, e antes que eu pudesse pensar direito, eu avancei nele, empurrando-o com todas as forças que ainda me restavam.
— Que merda é essa?! — Gritei, minha voz trêmula de raiva e medo. — O que foi que você fez?!
Yuri levantou as mãos, tentando se defender, mas eu não estava disposta a ouvir nada. Minhas mãos empurraram seu peito com força, e quando ele tentou me segurar, eu o chutei, forçando-o a recuar até bater as costas contra a parede.
— SEU CRETINO! TARADO! — Continuei, a voz quase se quebrando entre os gritos e os soluços que ameaçavam vir à tona.
— Não aconteceu nada, Calista! —Elee gritou, sua voz cortando o ar como um choque.
Eu parei por um momento, rindo de maneira amarga, incrédula.
— Nada? Então o que é isso tudo?! — Apontei para mim, para as roupas, para o quarto. — O que isso significa?!
Ele respirou fundo, como se estivesse tentando se recompor.
— Maria... — Ele começou, hesitante. — Maria pediu que eu cuidasse de você, que te levasse para um lugar seguro. Você praticamente desmaiou naquele balcão, Calista. E você vomitou nas suas próprias roupas. Eu só estava ajudando...
— Vomitei...? — Murmurei, confusa.
— Sim. Eu não toquei em você. Eu juro. Você se trocou sozinha. Você não se lembra? Te deixei no hotel ontem e voltei agora cedo pra checar se você estava bem, só isso.
As palavras dele ecoaram, mas não fizeram sentido imediato. Minha mente tentou buscar qualquer lembrança disso, mas tudo o que encontrei foi um vazio. A falta de controle sobre o que tinha acontecido comigo era insuportável. Eu passei as mãos pelos cabelos, rindo de nervoso, enquanto um nome escapou pelos meus lábios.
— Aquela vadia...
Yuri franziu o cenho, claramente confuso.
— Do que você está falando?
— Maria — Sibilei, minha raiva crescendo a cada segundo. — Ela batizou minha bebida. É claro que foi isso.
Minha mente começou a conectar os pontos. Era um plano dela. Tudo parecia se encaixar de forma perfeita, cruel. E eu tinha caído como uma idiota.
Eu procurei pelos meus sapatos no quarto, os peguei e avancei novamente em Yuri, batendo com eles no peito dele.
— Se eu descobrir que você fez qualquer coisa comigo enquanto eu estava inconsciente... — Ameacei, a voz cortante e carregada de fúria. — Eu vou te matar, Yuri. Juro pela minha vida.
Ele levantou as mãos em um gesto de rendição, mas eu não esperei por nenhuma resposta. Virei-me e saí do quarto, batendo a porta com tanta força que o som ecoou pelo corredor.
Lá fora, o ar parecia mais pesado, sufocante. Minhas mãos tremiam enquanto eu andava apressada, sem saber para onde ir. Eu nem sabia onde estava, mas sabia que precisava sair dali. O medo e a angústia me sufocavam, e a dúvida sobre o que realmente tinha acontecido ainda me atormentava.
Eu queria acreditar em Yuri. Queria acreditar que ele estava falando a verdade. Mas, ao mesmo tempo, tudo isso parecia exatamente o tipo de manipulação maquiavélica que Maria faria. Eu me sentia vulnerável, traída, e, acima de tudo, desolada.
Mas uma coisa era certa, Maria não sairia impune. Ela havia cruzado a linha, e eu não deixaria isso barato.
Mas eu sabia no momento de uma única coisa. Eu precisava dele, precisava de Kwon.
Minhas mãos tremiam enquanto eu olhava para a tela do celular, esperando ansiosamente uma resposta de Kwon. Cada segundo que passava parecia uma eternidade. Eu digitei mensagem após mensagem, perguntando onde ele estava, mas nada. Nenhuma resposta. Meu coração batia tão forte que parecia prestes a explodir, um peso esmagador crescendo no meu peito.
Bufei frustrada quando vi que as mensagens continuavam sem resposta e, então, decidi ligar. A voz eletrônica da caixa postal respondeu, fria e indiferente, como se zombasse da minha urgência. Eu apertei o celular contra minha orelha, sentindo uma onda de irritação e desespero me atingir. Ele não costumava demorar tanto assim para responder. Kwon era o desesperado, sempre pronto para responder minhas mensagens ou atender minhas chamadas no primeiro toque.
Respirei fundo, tentando pensar. Quem mais poderia me dizer onde ele estava? Tory. Claro. Talvez ela soubesse algo. Talvez eles estivessem no treino.
Procurei o nome dela na lista de contatos e, com dedos trêmulos, apertei para ligar. O som do toque ecoava, e, por um momento, temi que ela também não atendesse. Quando finalmente ouvi sua voz do outro lado, soando confusa, quase suspirei de alívio.
— Calista? Tá tudo bem? — Ela perguntou, sem entender por que eu a estava chamando.
— Tory, você tá com o Kwon? — Perguntei rapidamente, minha voz mais desesperada do que eu pretendia.
Houve uma pausa.
— Não. Não vejo ele desde o treino ontem. Ele saiu mais cedo, parecia irritado com alguma coisa. Por quê? O que aconteceu?
As palavras dela foram como um soco. O treino de ontem? Então ele estava desaparecido desde então? Eu passei a mão pelo rosto, sentindo o cansaço e o medo me consumirem. Algo estava errado.
— Qual é o nome do hotel em que vocês estão mesmo? — Perguntei, minha voz mais firme agora, apesar do caos dentro de mim.
— É o Marietta Grand. Calista, o que está acontecendo? — Tory soava ainda mais confusa, mas eu não podia explicar agora.
— Obrigada. — Eu desliguei antes que ela pudesse insistir em mais perguntas.
Minha mente estava a mil enquanto eu saía dali, sem pensar em mais nada além de chegar até ele. Eu precisava vê-lo. Precisava do conforto que só ele podia me dar. Eu me sentia tão invadida, tão vulnerável, e a ideia de que algo realmente pudesse ter acontecido comigo me consumia. Por mais que eu quisesse ser forte, naquele momento, tudo o que eu precisava era dele.
Corri até o ponto de táxi mais próximo, cada passo me parecendo mais pesado que o anterior. Meu coração estava acelerado, minhas mãos suadas, e a culpa martelava na minha cabeça sem parar. Eu deveria ter medido a quantidade de álcool, deveria ter recusado aquela bebida. Nunca em sã consciência teria aceitado algo vindo de Maria. Mas eu não estava em meu melhor momento, e agora estava pagando o preço.
Entrei no táxi, falando rapidamente o nome do hotel. O motorista assentiu e começou a dirigir, enquanto eu olhava pela janela, tentando manter a calma. Mas era impossível. Eu sabia cuidar de mim mesma. Sempre soube. Mas, nesse momento, eu precisava de Kwon mais do que nunca. Porque, de alguma forma, ele tinha uma forma única de me proteger. Não era só física, mas emocional. Ele era meu porto seguro, e agora eu precisava dele como nunca antes.
A estrada parecia interminável. Cada curva, cada semáforo vermelho, era uma eternidade. Meu peito estava apertado, e minha mente corria em círculos, repetindo a mesma pergunta, por que ele não respondeu?
Finalmente, o táxi parou em frente ao hotel. Eu paguei rapidamente e saí, praticamente correndo para dentro. Meu coração batia acelerado enquanto eu procurava o número do quarto. E enquanto vasculhava com o olhar pelo quarto dele, parei por um momento, tentando recuperar o fôlego.
Peguei meu telefone, ligando uma última vez, afinal, de contas, ele poderia não estar aqui. O que tornaria minha vinda até aqui inútil. E então, ele atendeu.
— Kwon? — Chamei, minha voz carregada de urgência e emoção. — Sou eu. Calista.
Nenhuma resposta.
Respirei fundo, dizendo em um tom mais desesperado, minha voz subindo um pouco.
— Kwon! Por favor, diz alguma coisa!
Meu coração parecia que ia parar. Por favor, por favor, eu precisava que ele estivesse ali. Porque, naquele momento, ele era a única coisa que me mantinha em pé.
Quando vi meu reflexo no espelho do corredor, senti o peito apertar ainda mais. Eu estava um desastre completo. Uma camiseta larga, horrível, que só me fazia lembrar do cheiro insuportável de Yuri, grudado em mim como um aviso de tudo o que havia dado errado. Meus cabelos estavam uma bagunça, o rosto vermelho, marcado pelas lágrimas, e meus all-stars nos pés pareciam a única coisa que ainda me conectava comigo mesma.
Mas eu não tinha tempo para pensar nisso. Não tinha tempo para lamentar o quanto tudo parecia fora de controle. Eu só sabia que precisava correr. Precisava ver Kwon. Precisava implorar para ele me ouvir, me entender. Mesmo com cada parte do meu corpo gritando em exaustão, continuei em frente, desligando a ligação, visto que não teria resposta alguma.
Cada passo ecoava nos corredores do hotel, e parecia que o ar se tornava mais pesado enquanto eu me aproximava do quarto dele. Meu coração estava disparado, não só pelo esforço de correr, mas pelo medo. Medo do que ele ia dizer, medo de como ele estava se sentindo. Medo de que, talvez, tudo o que tínhamos construído estivesse desmoronando naquele momento.
Quando finalmente alcancei a porta e bati, mal conseguia respirar. Minha mão tremia, e parecia que o mundo estava em câmera lenta enquanto eu esperava por ele.
A porta se abriu, e lá estava ele.
Meu coração parou por um momento ao ver aquele olhar. Não era só raiva. Era mágoa. O mesmo olhar que ele tinha naquele dia do campeonato, quando tudo começou a dar errado. Quando eu pensei que estava perdendo ele.
O que aconteceu com ele?
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, a voz dele saiu, baixa, mas feroz, cortando o silêncio como uma lâmina.
— Você aproveitou a noite?
Franzi o cenho, confusa. Um arrepio percorreu meu corpo.
— Do que você está falando, Kwon?
Dei um passo na direção dele, mas ele recuou, como se minha presença fosse insuportável. Aquilo doeu mais do que eu esperava. Senti as lágrimas ameaçarem cair, mas me obriguei a continuar. Ele precisava ouvir a verdade.
Kwon riu, mas não havia humor algum na risada dele. Era fria, amarga, cheia de uma dor que ele estava tentando esconder.
— Você devia tomar mais cuidado com quem dorme, Calista. O maldito pode ser um maníaco que adora exibir as conquistas dele.
As palavras dele me atingiram como um soco. Dormir? Do que ele estava falando?
— Eu... Eu não dormi com ninguém. — Comecei a dizer, a voz falhando.
Mas então ele levantou o celular.
Eu vi.
A foto.
Minha garganta se fechou, e senti o chão sumir sob mim. Lá estava eu, deitada na cama daquele quarto maldito, com Yuri ao meu lado, sorrindo para a câmera como se fosse a coisa mais natural do mundo. Como se fosse um casal tirando uma selfie casual depois de... Eu não queria nem pensar nisso.
Meu coração disparou. A respiração ficou pesada. Lágrimas finalmente escorreram pelo meu rosto.
— É mentira! Eu nunca faria isso com você! — Minha voz saiu alta, desesperada. — A bebida... Tinha algo nela! Eu não estava consciente, mas eu nunca faria isso, mesmo fora de mim! Ele não encostou em mim, eu juro, Kwon...
Kwon riu de novo, mas dessa vez com mais raiva. Ele apontou para a camiseta que eu vestia.
— E isso não é dele, né? Vai embora, Calista.
Eu tremi dos pés à cabeça, o pânico tomando conta de mim.
— Por favor, Kwon, você tem que acreditar em mim... Eu nunca faria isso com você!
Ele gritou.
— EU MANDEI IR EMBORA, CALISTA!
E antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ele bateu a porta na minha cara.
Por um momento, fiquei parada, encarando a madeira da porta fechada, como se esperasse que ele mudasse de ideia, que ele a abrisse e me desse uma chance de explicar melhor. Mas isso não aconteceu.
As lágrimas vieram com força total, e minhas pernas cederam. Caí de joelhos ali mesmo, no corredor, enquanto o mundo ao meu redor parecia desmoronar. O peito doía tanto que eu mal conseguia respirar.
Ele não acreditava em mim.
A pessoa em quem eu mais confiava, o único que eu esperava encontrar conforto, me rejeitou. Jogou fora tudo o que tínhamos, como se eu fosse um lixo qualquer.
A foto era a prova perfeita. Perfeita demais. Maria tinha planejado tudo. Yuri também. Eles armaram cada detalhe para que parecesse que eu era culpada. E funcionou.
Passei a mão no rosto, tentando limpar as lágrimas, mas era inútil. Elas continuavam caindo, pesadas e incessantes, levando embora o pouco de força que me restava. Meu corpo tremia, e tudo dentro de mim gritava por Kwon, pela proteção dele. Mas ele não estava ali.
Eu encostei na parede, sentindo a frieza do concreto contra as minhas costas. Era como se o mundo tivesse ficado de cabeça para baixo, e eu estivesse caindo, sem nada para me segurar.
A dor era insuportável, pior do que qualquer golpe que já recebi no tatame. E tudo o que eu queria era desaparecer.
Meu telefone vibrou no bolso, me arrancando do transe. Ainda ajoelhada no corredor, com os olhos ardendo de tanto chorar, eu quase ignorei. Mas quando vi o nome de Zara piscando na tela, minha testa franziu. O que ela queria? Será que já sabia? Com as mãos trêmulas, atendi.
— Alô? — Minha voz saiu quebrada, rouca, mal reconhecível.
— Calista, onde você está? — Zara perguntou, a voz apressada, quase exasperada.
Engoli em seco.
— No hotel do Kwon.
— Eu sabia! Eu sabia que você viria pra cá! — Ela continuou, sem dar tempo de eu dizer mais nada. — Escuta, eu vi a foto. E eu vi aquele desgraçado te carregando ontem. Estava bêbada demais pra intervir na hora, mas eu sei que isso tudo é uma armadilha.
Meu coração deu um salto ao ouvir isso. Alívio misturado com desespero. Eu me segurei para não começar a chorar de novo.
— Eu estou aqui na frente do hotel. — Zara continuou. — Sabia que você procuraria por ele.
Engoli o choro que ameaçava transbordar mais uma vez e forcei minha voz a sair firme, mesmo que trêmula.
— Estou descendo.
Desliguei e me levantei, sentindo o corpo pesar como se eu carregasse o mundo nas costas. Meus pés latejavam nos all-stars, e tirei os sapatos no meio do corredor. Andar descalça parecia combinar com o estado deplorável em que eu estava, como se a dor física pudesse abafar o que eu sentia por dentro.
Desci os degraus com passos arrastados, cada um me afastando mais da porta do Kwon e me levando para Zara. Ela era uma amiga. Sempre foi. Mas, naquele momento, até a ideia de conforto parecia distante.
Quando cheguei à entrada do hotel, vi Zara encostada no carro. O mesmo carro de Silver em que fomos juntas na noite passada. Só de olhar para ele, o gosto amargo da lembrança voltou à minha boca. Ela estava ali, me esperando, com um olhar de preocupação que raramente mostrava.
Seus olhos pousaram em mim, avaliando meu estado. Antes que ela dissesse algo, eu corri para ela, jogando-me em seus braços. Tudo desabou. O choro que eu vinha segurando explodiu de uma vez, e meu corpo inteiro tremia.
— Ele não acreditou em mim, Zara. — Eu disse entre soluços. — Ele... Ele realmente achou que eu seria capaz de fazer aquilo. Ele nem me deu a chance de explicar. Só me mandou embora. Ele acha que eu dormi com Yuri... Que eu... Que eu traí ele!
Ela me apertou no abraço, como se pudesse costurar todos os pedaços quebrados de mim.
— Eu sei que você não faria isso, Calista. — Ela murmurou, a voz firme e carinhosa. — Eu te conheço o suficiente pra saber o seu caráter. E sinto muito pelo Kwon. Mas aquela vadia da Maria... — Ela fez uma pausa, e sua voz ficou mais fria. — Eu juro, Calista, eu vou matar aquela desgraçada.
Afastei-me do abraço e limpei as lágrimas do rosto, embora elas parecessem intermináveis. Respirei fundo, tentando recuperar o controle, mas a dor no peito continuava insuportável.
— Eu não vou deixar barato, Zara. — Murmurei, sentindo a raiva começar a ferver em meio à tristeza. — Quando voltarmos para o tatame na segunda-feira, eu vou quebrar mais do que um nariz daquela maldita.
Zara sorriu, apesar da tensão no ar, e balançou a cabeça.
— Esse é o espírito, Calizinha. Agora vamos pra casa. Você precisa de um banho e de suas roupas. Terry está no dojô, então não vamos precisar responder nenhuma pergunta.
Ela abriu a porta do carro para mim, e eu entrei sem dizer mais nada. Sentei no banco, abraçando os joelhos contra o peito enquanto Zara dava a volta para o lado do motorista. O carro começou a se mover, mas o silêncio entre nós era ensurdecedor.
Eu olhei pela janela, tentando me concentrar na paisagem que passava, mas tudo o que conseguia pensar era no Kwon. No rosto dele, cheio de mágoa e raiva. Nas palavras duras que ele gritou para mim. No jeito que ele bateu a porta na minha cara.
Eu o amava. E ele sequer quis me ouvir.
Fechei os olhos, sentindo um vazio profundo tomar conta de mim. Era como se ele tivesse arrancado algo de dentro de mim quando não acreditou. Eu queria acreditar que ele perceberia a verdade, que me procuraria, mas, por enquanto, tudo o que restava era essa dor que parecia impossível de curar.
O silêncio no carro era quase insuportável, mas eu não conseguia quebrá-lo. Zara respeitou meu estado, mantendo os olhos na estrada enquanto eu me afundava nos meus pensamentos, tentando encontrar sentido em tudo. Meu coração parecia dividido entre raiva, tristeza e algo que não conseguia definir.
Eu queria entender o lado do Kwon. Eu juro que queria. Talvez ele estivesse magoado, talvez tivesse sido pego de surpresa pela foto. Mas como ele pôde me olhar daquele jeito? Como se eu fosse a pior pessoa do mundo? Como se eu tivesse feito aquilo para machucá-lo? Ele nem sequer tentou ouvir a minha explicação. Só me mandou embora, como se eu fosse descartável.
Meu peito queimava de frustração. Não era justo. Não depois de tudo o que passamos juntos.
Pensei em todas as vezes em que Kwon errou, em como eu o perdoei. Aquela vez... Aquela vez em que ele ficou com outra garota na minha frente, quando ainda estávamos juntos. A memória veio com força, e meus olhos arderam com lágrimas reprimidas. Eu o perdoei por aquilo. Mesmo quando parecia impossível. Mesmo quando aquilo rasgou meu coração. Eu perdoei porque o amava.
Mas agora, quando eu claramente não tinha feito nada errado, ele não podia fazer o mesmo por mim? Ele não podia confiar em mim o suficiente para, pelo menos, me ouvir?
Era isso o que mais me irritava. Não a raiva dele, não a dor em seus olhos. Mas a falta de confiança. Depois de tudo o que fiz por ele, depois de tudo o que passamos... Como ele pôde duvidar assim tão fácil?
Minha mente começou a repassar os momentos em que me sacrifiquei por ele. Aquela vez no tatame, quando enfrentei Silver para proteger Kwon. O golpe que me mandou para o hospital. Eu podia ter morrido ali. Cada ferida, cada dor, cada humilhação que eu passei foi por ele. Por acreditar nele.
Silver me machucou tantas vezes por causa de Kwon, mas eu nunca desisti. Nunca.
Eu respirei fundo, tentando conter o nó que se formava na minha garganta. Não adiantava chorar agora. Não adiantava se afogar na dor. Mas a verdade é que aquilo doía mais do que qualquer golpe que já levei.
Kwon não tinha o direito de agir assim. Não depois de tudo o que eu fiz. Não depois de tudo o que construímos juntos. Ele tinha o direito de ficar bravo, confuso, até mesmo magoado, mas ele não tinha o direito de simplesmente jogar tudo fora sem nem me dar uma chance de explicar.
Eu passei as mãos pelos cabelos, frustrada. Queria gritar. Queria correr até ele e obrigá-lo a me ouvir. Queria que ele olhasse nos meus olhos e visse que eu estava dizendo a verdade. Mas, ao mesmo tempo, parecia humilhante demais.
O modo como ele me olhou, como me tratou... Era como se eu fosse um monstro. Como se tudo o que construímos não significasse nada. Como se eu não significasse nada.
Eu apertei os punhos, sentindo a raiva crescer. Ele não podia fazer isso. Não depois de tudo.
— Idiota... — Murmurei para mim mesma, com a voz tremendo de emoção. — Você é um idiota, Kwon. Eu te perdoei por tudo, por tudo o que você fez comigo, e você simplesmente me vira as costas assim? Depois de tudo o que passamos?
Zara olhou para mim pelo canto do olho, mas não disse nada.
Eu virei o rosto para a janela, tentando esconder as lágrimas que começaram a cair de novo. Meu reflexo no vidro me encarava, tão desgastado quanto eu me sentia.
—!Eu devia ter deixado você ir. — Sussurrei, embora soubesse que era mentira. Eu nunca seria capaz de deixá-lo ir. Mesmo agora, com o peito em pedaços, eu sabia que meu coração ainda pertencia a ele.
Mas isso não fazia com que doesse menos. Não fazia com que fosse menos injusto.
Eu queria que ele confiasse em mim. Só isso. Eu queria que ele acreditasse em mim do mesmo jeito que acreditei nele tantas vezes. Mas ele não fez isso. Ele nem sequer tentou. E isso... Isso era o que mais doía.
Quando Zara parou o carro na frente da mansão, eu senti um peso ainda maior cair sobre mim. Era como se estar ali, naquele lugar tão absurdamente espaçoso e vazio, refletisse exatamente como eu me sentia por dentro. Entrei sem dizer muito, acompanhando Zara até o meu quarto. Ela estava animada, tentando iluminar a situação, perguntando se eu queria fazer uma "girl's night".
Eu sorri, mas foi um sorriso vazio, mecânico.
— Seria perfeito. Eu faço um brigadeiro pra afogar as mágoas.
Zara sorriu de volta, animada.
— Perfeito! Eu vou procurar um filme enquanto você toma banho.
Entrei no meu quarto, vendo-a pegar o controle remoto e se jogar na cama como se nada estivesse fora do lugar. Por um momento, eu quase invejei a maneira como Zara conseguia transformar qualquer situação em algo leve. Mas, no fundo, sabia que ela estava tentando me distrair, me puxar para fora do buraco em que eu tinha caído.
Peguei uma toalha e fui direto para o banheiro, ligando o chuveiro assim que entrei. A água quente começou a escorrer pelo meu corpo, mas, ao invés de aliviar a tensão, parecia amplificar a dor que eu sentia. Era estranho. Todo o meu corpo doía. Meus ombros estavam rígidos, meu peito pesava como se houvesse um tijolo ali. Cada músculo parecia reclamar, mas eu sabia que não era físico. Não completamente.
Era pânico, talvez. Ou medo. Raiva. Frustração. Um misto de sentimentos que se acumulavam, sufocantes, me deixando tão sobrecarregada que até respirar parecia um esforço.
De repente, ouvi batidas na porta.
— Calista? — Era Zara.
Fechei os olhos e respirei fundo antes de responder.
— O que foi?
— Kwon está ligando.
Senti meu coração disparar no mesmo instante. Por reflexo, abri uma fresta da porta e estendi a mão para ela, esperando que ela entregasse o celular. Eu precisava ouvir o que ele tinha a dizer.
Mas Zara balançou a cabeça, segurando o telefone longe de mim.
— Ah, não. De jeito nenhum. Você não pode continuar perdoando ele minutos depois que ele faz uma merda dessas.
— Zara... — Minha voz saiu quase como um gemido, cansada.
— Não, sério. E outra, talvez o que ele vá te dizer só te machuque mais. Você não pode atender ele agora.
Cruzei os braços, sentindo a água ainda escorrer pelo meu cabelo.
— Eu não vou perdoá-lo, Zara. Talvez só... Xingá-lo um pouco.
Zara me olhou com aquela expressão cética que só ela sabia fazer.
— Eu te conheço bem o suficiente pra saber que, se você atender, vai querer conversar, ouvir, e amanhã vai acabar perdoando ele. Não dá, Calista. Não pode ser assim.
Eu respirei fundo, sentindo o peso das palavras dela. Ela estava certa, mas não queria admitir. Não agora.
Ela olhou para o celular, franzindo o cenho.
— Tá... Mas o que é isso? Ele tá pedindo pra você devolver o Gênio?
— Gênio? — Perguntei, confusa.
— É. Ele tá falando disso aqui nas mensagens.
Suspirei, apontando para a cama.
— O coelho.
Ela seguiu o olhar e viu o coelho branco, com seus olhos azuis e orelhas caídas, jogado sobre o edredom. Era impossível olhar para ele sem lembrar do dia em que Kwon o tinha me dado. Aquele encontro... Quando eu tinha esquecido dele e, ironicamente, estava começando a me apaixonar de novo.
Zara revirou os olhos.
— Nossa... Meu Deus. Ele é muito infantil. Quem fica pedindo um coelho de pelúcia de volta?
Fiquei quieta por um momento, olhando para o coelho. Era doloroso demais pensar em tudo aquilo agora.
— Bloqueia.
— Tem certeza? — Zara perguntou, levantando as sobrancelhas.
Assenti, mesmo com um nó se formando no meu estômago.
Zara suspirou, mas parecia satisfeita.
— Sinceramente, isso é perfeito. Depois do surto que ele deu, ele deveria no mínimo voltar se rastejando pra você. Então só... Finge que ele não existe.
Assenti novamente, fechando a porta do banheiro antes que ela pudesse ver as lágrimas que começaram a brotar. Liguei o chuveiro de novo, deixando a água quente esconder o som do meu choro.
Queria estar satisfeita com aquilo. Queria sentir que estava no controle da situação, que bloquear Kwon era a escolha certa. Mas, na verdade, era como se eu tivesse cortado o último fio que nos conectava.
E isso me fez chorar ainda mais.
O choro veio silencioso, dolorido, como se cada lágrima pesasse toneladas. As palavras de Zara ecoavam na minha mente. Ele deveria voltar se rastejando, deveria lutar por mim, provar que se importava. Mas será que ele voltaria? Ou será que eu o tinha perdido para sempre?
A ideia era insuportável. E, ainda assim, lá estava eu, encostada na parede fria do banheiro, deixando a dor me consumir em silêncio.
Os minutos no banheiro pareciam se arrastar como uma eternidade. Quando finalmente desliguei o chuveiro, minha pele estava avermelhada pelo calor da água, mas não ajudou tanto quanto eu esperava. Ainda havia um peso no meu peito, como se algo tivesse se quebrado e eu não soubesse como consertar. Sequei o rosto e me vesti com roupas que, pela primeira vez naquele dia, eram minhas de verdade. Nada de camisetas emprestadas que eu detestava.
Peguei a camiseta de Yuri do chão com dois dedos, como se estivesse contaminada, e a joguei no lixo sem pensar duas vezes. Só o cheiro dela me deixava nauseada agora, como se aquilo carregasse a essência de toda a bagunça que tinha acontecido.
Abri a porta do banheiro e parei no batente, vendo Zara deitada na cama, mexendo na TV.
— Vou descer pra fazer o brigadeiro. Já escolheu o filme?
Ela se virou com um sorriso de quem tinha acabado de fazer algo que sabia que me irritaria.
— Não é um filme. Escolhi uma série pra começarmos.
— Uma série? — Franzi o cenho e fui até a TV. Assim que vi o título, minha expressão ficou ainda mais confusa. — Jardim de Meteoros? Sério que você quer que vejamos uma série sobre... Amores inalcançáveis? Sério mesmo?
Zara riu, jogando uma almofada em mim.
— Olha, pelo que vi do trailer e da sinopse, esse tal de Daoming Si é igualzinho ao Kwon. Senão pior. — Ela fez uma pausa dramática, apontando para a tela como se aquilo fosse um grande prêmio. — E, aparentemente, eles se casam no final do dorama.
Deixei escapar uma risada, mesmo que curta.
— Bom, no momento eu não quero casar com o Kwon. Quero dar um soco bem no meio da cara dele e quebrar pelo menos dois dentes.
Zara gargalhou, sentando-se na cama como se estivesse assistindo a um show ao vivo.
— E eu quero cortar o braço dele e enfiar no... — Ela parou, rindo tanto que mal conseguia terminar a frase. — Mas, falando sério, eu sei que vocês vão se acertar. Sempre se acertam. Porque, gostando ou não, foram feitos um pro outro.
Revirei os olhos, mas seu otimismo era quase contagiante. Quase. Murmurei, sem muito ânimo.
— Espero que você esteja certa.
Ela sorriu, satisfeita, e eu desci para a cozinha, tentando deixar a conversa para trás. Pelo menos por alguns minutos. Mas mesmo enquanto pegava os ingredientes para o brigadeiro, minha mente não me deixava em paz. Tudo estava uma bagunça, e eu me sentia como se estivesse tentando consertar algo com as mãos amarradas.
— Você tá muito devagar aí, Cali. — Zara apareceu na porta, cruzando os braços. — Quero achocolatado decente e o leite condensado mais caro. Afinal, isso é o mínimo vindo do velho da lancha, vulgo Terry.
Dei uma risada curta, pegando o achocolatado do armário.
— Claro, madame. Quer que eu sirva em taças de cristal também?
— Se tiver taças, por que não? — Ela deu de ombros, rindo.
Enquanto mexia os ingredientes na panela, Zara continuava com seus comentários sarcásticos, tentando me distrair. E, por um momento, funcionou. Nós ríamos, e eu me permitia respirar um pouco mais leve.
Mas no fundo, bem no fundo, eu ainda estava chorando por dentro. Cada movimento, cada risada, tudo parecia uma tentativa de manter o que restava de mim inteira. Porque, mesmo que Zara estivesse certa, mesmo que no final tudo se acertasse entre mim e Kwon, agora... Agora tudo parecia irreversível.
E essa dor era algo que nem o brigadeiro mais doce poderia apagar.
Passamos horas afundadas no sofá da sala, maratonando a série que Zara tinha escolhido. No começo, parecia só mais uma história cheia de clichês, mas com o tempo, percebi que aquilo me atingia de formas que eu não esperava. A cada episódio, as semelhanças entre Daoming Si e Kwon eram tão gritantes que chegava a ser assustador. Eu via o jeito explosivo dele, a teimosia, mas também a intensidade com que ele amava. Daoming Si não sabia pedir desculpas, assim como Kwon, mas quando fazia algo por Shancai, era como se o mundo inteiro dependesse daquilo.
E droga, como isso doía.
A primeira vez que chorei foi na cena em que ele tentou entregar o colar para Shancai, mas foi rejeitado. Aquela expressão de mágoa no rosto dele era como um reflexo do que eu tinha visto em Kwon mais cedo, mesmo que ele estivesse errado. Eu sabia que por trás daquela raiva havia dor, um medo de perder, de ser traído... Mas isso não justificava o que ele fez. Ainda assim, a cena me desmontou.
Zara olhou para mim, notando as lágrimas escorrendo.
— Cali, pelo amor de Deus, é só um dorama!
— Não é só um dorama! — Retruquei, com a voz embargada, tentando limpar o rosto com a manga da blusa. — Você não entende...
Ela suspirou, meio exasperada, meio carinhosa.
— Tá, eu entendo. Mas você precisa parar de comparar o Kwon com esse cara. Ele é um personagem de ficção! Kwon é real, e... Às vezes ele é um idiota. Ponto final.
Ri sem humor, mas sabia que ela tinha razão. Ou pelo menos parte dela. Porque, nos episódios seguintes, não conseguia evitar as comparações. Quando Daoming Si correu atrás do ônibus onde Shancai estava, tudo que eu conseguia pensar era naquela noite em que Kwon correu quilômetros na chuva para me ver. Ele tinha esquecido o mundo lá fora, como sempre, mas nem ligou. Veio até mim, completamente ensopado, só para implorar de joelhos e com sorte, conseguir o meu perdão.
A lembrança era tão vívida que parecia se misturar com o que eu via na tela. A trilha sonora não ajudava em nada. A melodia dramática repetia algo como "Say something, I'm giving up on you", e isso parecia uma mensagem direta para mim, mesmo que eu não quisesse admitir.
Lágrimas escorriam pelo meu rosto antes que eu pudesse impedi-las. Segurei uma almofada contra o peito, como se aquilo pudesse conter a dor. Mas não podia.
Zara chorava também, mas não como eu. As lágrimas dela eram pela história na tela, pelos personagens. As minhas eram por mim e pelo Kwon. Pela confusão em que estávamos presos e que parecia não ter saída.
— Eu juro, Cali, se ele não correr atrás de você como o Daoming Si, eu mesma vou lá dar uns tapas nele. — Zara brincou, tentando aliviar o clima, mas só me fez rir e chorar ao mesmo tempo.
— Eu não sei se ele vai. — Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia. — O idiota nem quis me ouvir. Não acreditou em mim...
Zara me olhou por um momento, séria.
— Ele vai, Calista. Porque, no fundo, ele sabe quem você é. Pode demorar, mas ele vai perceber que cometeu um erro. E quando isso acontecer, ele vai voltar.
Queria acreditar nela. De verdade. Mas tudo parecia tão incerto agora.
Enquanto mais cenas se desenrolavam, eu me perguntava se a nossa história teria o mesmo final que a do dorama. Shancai voltou para Daoming Si porque, apesar de tudo, ela sabia que ele a amava de verdade. Será que eu faria o mesmo com Kwon? Será que, mesmo com toda a mágoa, eu seria capaz de perdoá-lo e acreditar nele novamente?
Eu estava com raiva, sim. Mas, mais do que isso, eu estava ferida. E ainda assim, em algum lugar no fundo do meu coração, eu esperava que as coisas se acertassem. Que ele acreditasse em mim. Que ele lutasse por mim, como Daoming Si lutava por Shancai.
Porque, apesar de toda a dor, eu ainda o amava. E isso era o que mais me aterrorizava.
⋆౨ৎ˚ ⟡˖
Depois de praticamente dois dias inteiros mergulhadas no sofá, maratonando Jardim de Meteoros, Zara e eu estávamos exaustas, mas no bom sentido. A série foi uma montanha-russa emocional, cheia de reviravoltas que nos arrancaram risadas, suspiros e mais lágrimas do que gostaríamos de admitir. A química entre os protagonistas era linda, mas o que mais me marcou foi a jornada de crescimento deles. Foi impossível não comparar com minha própria bagunça emocional, mas, ao mesmo tempo, consegui esquecer o drama por algumas horas e me perder naquele mundo fictício.
Quando o último episódio terminou, Zara se esticou no sofá, colocando as mãos atrás da cabeça e suspirando.
— Ok, acho que Daoming Si ganhou meu respeito no final. Mas, meu Deus, como ele foi insuportável em uns momentos.
Eu ri, concordando.
— É, ele definitivamente tem a cabeça mais dura que qualquer um. Mas, no fundo, ele sempre amou Shancai, né? Acho que é isso que conta.
Zara me lançou um olhar de canto, como quem analisava cada palavra que eu dizia.
— E o que conta pro Kwon, hein? Vai esperar ele fazer o mesmo tipo de declaração dramática?
Eu suspirei, passando a mão no rosto.
— Não fala dele agora. Hoje é só sobre eu e você. Um dia das garotas. Nada de Kwon, nada de Yuri, nada de Robby. Só nós duas.
Ela deu de ombros, levantando-se e pegando o controle remoto.
— Tá bom, você tem razão. Mas sabe o que seria perfeito agora? Hambúrguer. Muitas calorias. É isso que a gente precisa pra encerrar o dia.
A ideia me fez rir.
— Tá, mas você sabe que só tem uma hamburgueria decente aqui em Marietta, né? E ela também é sorveteria e bar. Se a gente for, pode se preparar pra ver uns rostos familiares.
Zara fez uma careta e cruzou os dedos dramaticamente.
— Por favor, Deus, que o Robby não esteja lá. Não sei se aguento mais uma provocação daquele cretino.
Eu passei o braço ao redor dos ombros dela, tentando segurar o riso.
— Se ele aparecer tentando zombar de você, eu mesma dou um chute nele. E olha que eu nem gosto tanto de violência assim... — Eu dei uma risadinha pela afirmação absurda — Mentira, eu realmente estou implorando pra socar a cara de alguém.
Zara riu alto.
— Tá, mas se o Kwon aparecer? Porque, sinceramente, depois daquela mensagem sobre o coelho, acho que ele não tá em seu estado mais... Racional.
Minha expressão endureceu por um instante, mas logo relaxei.
— Se ele aparecer, eu vou ignorar. Ou talvez dar um belo soco na fuça dele. Ainda não decidi.
Ela gargalhou, me puxando em direção ao quarto.
— Então vamos nos arrumar. Lindíssimas, irresistíveis. A gente finge que nenhum desses idiotas existe, combinado?
Eu assenti, sentindo um pouco de animação pela primeira vez em dias. Era exatamente disso que eu precisava, sair, me divertir e lembrar que minha vida não girava em torno de Kwon, Yuri ou qualquer outra complicação romântica.
Fui para o meu quarto e comecei a procurar algo para vestir. Zara estava no quarto ao lado, já esbravejando sobre como Terry podia ter uma casa tão grande e ainda assim não ter espelhos em todos os cômodos. Ri sozinha, puxando um jeans preto justo que eu não usava há tempos. Era simples, mas realçava minhas curvas de um jeito que me fazia sentir confiante. Combinei com uma jaqueta de couro, porque, afinal, era inverno, e finalizei com coturnos de salto.
Enquanto me maquiava, ouvi Zara bater na porta.
— Cali, você vai com qual vibe? Porque eu tô indo de 'olha o que você perdeu', só pra deixar claro.
Abri a porta com um sorriso, afirmando em um tom brincalhão.
— Então estamos na mesma vibe. Quero que eles se arrependam só de me olhar.
Ela entrou no quarto, analisando meu visual.
— Tá perfeita. Vamos arrasar.
Quando finalmente estávamos prontas, nos olhamos no espelho uma última vez. Zara usava um vestido vermelho de mangas longas e batom combinando. Ela parecia uma femme fatale de filme, enquanto eu estava mais para a roqueira casual que não dava a mínima. Mas, juntas, éramos uma força da natureza.
— Pronta? — Ela perguntou, pegando as chaves do carro.
— Mais do que nunca. — Respondi, sorrindo. E tentando me sentir um pouco menos abalada com tudo que estava me assombrando.
Enquanto descíamos as escadas e saíamos pela porta, senti uma pontada de ansiedade no peito. Havia uma grande chance de encontrarmos alguém conhecido, e eu não sabia como reagiria. Mas, por outro lado, estava determinada a aproveitar a noite. Essa era a minha chance de provar para mim mesma que eu podia me divertir sem depender de ninguém.
Quando entramos no carro e Zara ligou o motor, ela olhou para mim com um sorriso travesso.
— Cali, esquece eles. Hoje é só sobre nós. Vamos comer, rir e deixar o mundo girar sem a gente por um tempo, combinado?
Assenti, sentindo um pouco mais de leveza.
— Combinado.
Enquanto o carro seguia pelas ruas de Marietta, eu me permiti sorrir. Por mais difícil que as coisas estivessem, eu ainda tinha Zara ao meu lado. E, por enquanto, isso era tudo que eu precisava.
No entanto, eu sabia que aquele domingo à noite ia acabar mal assim que Zara começou a reclamar do estacionamento. Estávamos tão animadas para sair, tentando esquecer nossos problemas, que nem prestamos atenção ao fato de que as ruas estavam lotadas, o que significava que todo tipo de gente estaria circulando por ali. Quando ela sugeriu parar na guia rebaixada para irritar o Terry, eu apenas ri e disse que ele provavelmente nem notaria, porque uma multa não faria nem cócegas na conta bancária dele. Zara riu também, mas havia uma pontada de verdade nas minhas palavras.
Apesar disso, eu estava aliviada. Terry estava ocupado demais com suas intrigas de senseis, e por alguns dias eu me senti livre. Ou quase isso, porque o peso de tudo o que aconteceu com Kwon ainda estava me esmagando.
Nós caminhávamos em direção à hamburgueria, conversando sobre coisas aleatórias, quando Zara, do nada, agarrou meu braço como uma criança assustada.
— Sério, Zara? — Comecei a zombar, pronta para chamá-la de medrosa. Mas as palavras morreram na minha garganta quando uma figura saiu de um beco escuro à nossa frente.
Eu congelei, e ela também. Um garoto apareceu, e depois outro, e outro. No total, eram cinco, e no meio deles, como se fosse a estrela de um show patético, estava Maria, com o nariz ainda engessado, empinando-o como se fosse um troféu.
— Pensou que fugiria por muito tempo, vadiazinha? — Ela perguntou, cruzando os braços, o tom de desprezo tão irritante que me fez cerrar os dentes.
Tentei não demonstrar fraqueza e dei um passo à frente, rindo com escárnio.
— É claro que foi você esse tempo todo. Me diz, Chica, o que acha que vai ganhar tentando ferrar com a minha vida? — Meu tom pingava sarcasmo, cada palavra cuidadosamente escolhida para cutucá-la.
Zara, sempre a minha fiel escudeira, zombou ao meu lado.
— Talvez ela ganhe outro nariz quebrado.
Rimos juntas, mas a tensão no ar era palpável, e nosso riso não durou muito. Maria sinalizou para os garotos, e as palavras que saíram da sua boca foram tão simples quanto aterrorizantes.
— Peguem elas.
Minha reação foi instintiva. Dei um passo para trás, meu corpo já preparado para correr, mas não tivemos chance. Outros dois garotos surgiram atrás de nós, e antes que percebêssemos, estávamos cercadas.
Um deles agarrou meus braços, outro segurou Zara. Comecei a espernear, tentando me soltar, mas os malditos eram fortes, e o aperto deles era tão doloroso que parecia que meus ossos iam se partir. Eu podia ouvir Zara gritando, mas minha mente estava focada em me soltar.
Eles começaram a nos arrastar para o beco escuro, e Maria caminhava à nossa frente como se fosse a rainha de algum reino macabro. Sua voz ecoava pelo beco enquanto ela falava, e eu não sabia se ria da dramaticidade dela ou se ficava furiosa.
— Você humilhou e destruiu minha honra mais de uma vez. — Ela começou, como se estivesse ensaiando aquele discurso há meses. — Eu não sei o que Kwon viu em você, sinceramente. Mas agora... Você vai pagar. Agora, você vai morrer.
A palavra "morrer" me atingiu como um soco no estômago. Meu coração disparou, mas mantive a expressão firme. Antes que eu pudesse responder, Zara gritou.
— SUA VADIA MALUCA, NÃO ENCOSTA NELA!
Aquilo me deu forças. Cerrei os dentes e encarei Maria.
— Você é só uma garota frustrada consigo mesma que precisa destruir tudo o que te ameaça. — Cuspi. — Eu sei que tem medo de mim. É por isso que trouxe sua equipe, porque sabia que nunca teria coragem ou força o suficiente para lutar comigo sozinha.
Maria ficou vermelha de raiva.
— Cala essa boca. — Ela disparou, apontando para mim. — Acabem com ela.
Foi quando eles me jogaram no chão. Senti o impacto em todo o meu corpo, uma dor surda que parecia vibrar nos meus ossos. Mas antes que pudessem me manter ali, me levantei de um salto, pronta para lutar.
A primeira coisa que fiz foi chutar o joelho do garoto mais próximo. Ele grunhiu, mas logo senti um soco nas costas, me fazendo perder o equilíbrio. Eu me virei, tentando acertar outro chute, mas eram muitos. Eles me cercaram, e a cada movimento que eu fazia, outro golpe vinha de algum ângulo que eu não conseguia prever.
A dor começou a se acumular. Meu corpo parecia pesado, e meus reflexos, lentos. Podia ouvir Zara gritando meu nome ao fundo, e o som das risadas abafadas de Maria.
Um dos garotos me acertou um soco no estômago, me derrubando no chão novamente. Tentei me levantar, mas fui empurrada de volta. Tudo parecia em câmera lenta. Minha respiração estava pesada, minha visão começava a embaçar.
Maria finalmente se aproximou, seu rosto completamente impassível.
— Você é patética. — Ela disse, como se quisesse finalizar o show.
Minha mente gritava para continuar lutando, para não desistir. Mas meu corpo estava chegando ao limite. E enquanto estava ali, no chão frio e sujo daquele beco, senti algo que não sentia há muito tempo, medo.
Meu corpo estava um inferno de dor. Cada parte de mim queimava, como se eu estivesse sendo consumida de dentro para fora. Senti o gosto metálico do sangue na boca, um lembrete amargo de que eu estava perdendo. Zara chorava em algum lugar atrás de mim, o som abafado como se estivesse vindo de um sonho ruim, mas não havia espaço para desespero. Eu não podia desistir. Não agora.
Um chute acertou meu lado, me derrubando novamente. O impacto foi como uma onda que atravessou meu corpo, e, por um momento, minha visão ficou turva. Mas eu me forcei a levantar. Minha mente gritava "levanta, Calista!", mesmo quando minhas pernas tremiam.
Foi então que Maria se aproximou outra vez, segurando meu cabelo com força, me obrigando a olhar para ela. O sorriso cínico em seu rosto me enojava, mas suas palavras... Suas palavras foram piores que qualquer soco que eu tinha levado até então.
— Dessa vez, ele vai me escolher. — Ela começou, sua voz repleta de veneno. — Eu arquitetei tudo perfeitamente para que ele acreditasse que dormiu com Yuri. E olha só... Ele não te quer mais, Calista. Ele vai me escolher ao invés de você.
O mundo parou. Tudo ao meu redor ficou em silêncio. Minha raiva, minha dor, tudo se transformou em uma onda sufocante de incredulidade. Antes que eu pudesse revidar, antes que eu pudesse gritar, uma mão segurou o cabelo de Maria, puxando-a para trás com tanta força que ela gritou.
Eu pisquei, confusa, até meus olhos focarem na figura à minha frente. Era Kwon. O choque foi como uma descarga elétrica que percorreu meu corpo. Ele estava ali, e sua expressão era algo que eu nunca tinha visto antes: puro ódio.
— Ela te põe no chinelo, baranga maluca. — Ele rosnou para Maria, antes de jogá-la de lado como se fosse um brinquedo descartável.
Mas antes que eu pudesse processar aquilo, outra figura apareceu logo atrás dele. Axel. Meu coração quase parou. Axel. Depois de tudo o que tinha acontecido entre nós, ele estava ali? Com Kwon? Meu cérebro parecia incapaz de juntar as peças, mas não havia tempo para perguntas. Axel já tinha começado a lutar contra os garotos, seus golpes rápidos e precisos.
Kwon, por sua vez, correu até mim. Eu ainda estava no chão, tentando reunir forças para me levantar. Ele se ajoelhou ao meu lado, segurando meu corpo fraco com tanto cuidado que parecia medo.
— Eu sinto muito, Cali. — Ele começou, sua voz rouca, quase um sussurro. Ele segurou meu rosto com as mãos, os olhos desesperados. — Sinto muito, dinamite. Eu sempre acreditei em você, eu juro. Eu só... Eu estava cego pela raiva. Porque eu sou um babaca idiota e inseguro que sabe que não é perfeito pra você. Sempre tive medo de te perder pra alguém melhor. Foi culpa minha, tudo culpa minha. Eu queria estar no seu lugar. Por favor, só me dá um soco na boca, me bata o quanto quiser, porque eu sei que eu mereço. Diz alguma coisa, por favor. Eu sinto muito....
Eu não sabia o que dizer. As palavras estavam presas na minha garganta, sufocadas pelo choque e pela dor. Ele estava chorando. Kwon estava chorando. E, pela primeira vez, percebi o peso que ele também carregava.
Antes que pudesse responder, ele me puxou para um abraço apertado. Senti suas lágrimas caírem no meu ombro, e isso quebrou algo dentro de mim. Eu desabei, meu corpo inteiro tremendo enquanto as lágrimas que eu segurava há tanto tempo finalmente caíam.
Mas não havia tempo para fraqueza. Não ali, não agora.
— Não dá pra ficar aqui... — Murmurei contra seu ombro, minha voz fraca.
Ele se afastou ligeiramente, confuso.
— O quê?
— Não dá pra ficar no chão. — Repeti, me forçando a levantar. — Precisamos ajudar eles.
— Ah... Issso... — Ele hesitou, me observando com olhos cheios de preocupação. — Você está bem pra lutar?
Eu não estava. Meu corpo gritava para desistir, mas minha mente não deixava. Assenti, encarando-o por um momento. Havia tanto que eu queria dizer, mas aquilo precisava esperar. Kwon limpou as lágrimas rapidamente, como se estivesse se preparando para uma guerra, e assentiu de volta.
Ele se levantou comigo e foi direto para os garotos que me machucaram. Sua fúria era algo quase palpável. Cada golpe era carregado de raiva, e ele não mostrava misericórdia. Sangue escorria do rosto dos idiotas que o enfrentavam, mas ele não parava.
Eu, por outro lado, tinha outro alvo. Maria. Ela veio na minha direção, os olhos cheios de ódio, mas eu estava preparada. Bloqueei seu ataque, segurei seu cabelo com força e puxei para trás. Ela gritou, tentando se soltar, mas eu a mantive firme.
— Nos vemos no tatame amanhã, chica. — Murmurei perto do ouvido dela, e vi o medo atravessar seu rosto.
Para finalizar, arranquei a tala do nariz dela com um puxão violento. O grito de dor que ela soltou foi quase satisfatório, mas eu estava exausta demais para comemorar.
— Vamos embora daqui! Agora! — Maria gritou para os outros, segurando o rosto enquanto recuava.
Eu os observei fugir, meu corpo implorando por descanso. A adrenalina finalmente começou a desaparecer, e minhas pernas cederam. Caí no chão, sentindo tudo ao meu redor ficar embaçado.
A última coisa que ouvi foi a voz de Kwon, desesperada, gritando meu nome. Eu sabia que precisava me levantar. Amanhã, eu teria uma oponente para destruir no tatame. Mas, por agora, tudo o que eu queria era fechar os olhos e respirar.
E assim que abri os olhos, devagar, senti a claridade me incomodar. Minha cabeça latejava, uma dor aguda que parecia ecoar dentro do meu crânio. Soltei um suspiro pesado e levei a mão à têmpora, tentando massagear o local, mas não ajudou em nada. Olhei ao redor, confusa. Estava em uma cama de hospital, os lençóis brancos e o som monótono dos aparelhos ao meu lado confirmavam isso.
A primeira coisa que vi ao virar a cabeça foi Kwon, Zara e Axel. Os três estavam parados, me olhando, e a expressão de preocupação nos rostos deles era quase palpável. Kwon parecia que tinha passado dias sem dormir, Zara estava com os olhos vermelhos, e Axel... Bom, Axel tinha aquele olhar típico de quem queria estar em qualquer outro lugar, menos ali.
Eu tinha muitas perguntas, muitas coisas para entender e, principalmente, muitas coisas para dizer. Quando Kwon deu um passo à frente, o olhar exalando preocupação enquanto me chamava suavemente, levantei a mão.
— Nós resolvemos isso daqui a pouco. — Murmurei, apontando na direção de Axel. — Eu quero falar com ele.
A tensão no rosto de Kwon aumentou, mas ele assentiu, trocando um olhar com Zara antes de ambos deixarem a sala. Assim que a porta se fechou, virei minha atenção para Axel. Ele engoliu em seco, claramente desconfortável, e deu um pequeno passo para trás quando comecei a arrancar os intravenosos do braço.
— Calista, você não pode... — Ele começou, mas eu o cortei.
— Cala essa boca. Eu estou ótima.
Era mentira. Meu corpo ainda doía, mas, de alguma forma, eu me sentia forte. Talvez fosse o efeito do soro, ou talvez fosse apenas a raiva me consumindo e me impulsionando para frente. Não importava. Ignorei a pontada de dor ao me levantar da cama e fui até ele, minhas mãos cerradas em punhos.
Axel levantou as mãos em um gesto de rendição, mas não foi rápido o suficiente. Meu punho acertou bem no meio do rosto dele, e o som do impacto ecoou pelo quarto. Vi o sangue brotar do canto de sua boca, mas ele não reagiu. Só me olhou com uma expressão que eu não conseguia decifrar.
— Que isso, Calista... — Ele começou, mas eu o segurei pelo casaco antes que ele pudesse terminar.
Ele era o dobro do meu tamanho, mas naquele momento, nada disso importava. Meu corpo tremia de raiva, minha visão parecia limitada a ele e ao peso esmagador do que eu precisava dizer.
— Como você ousa aparecer aqui depois de tudo o que você fez? — Gritei, minha voz quebrada. Depois de ter me entregado para o Terry? Você sabe o quanto ele me machucou por causa do que você disse pra ele? Seu idiota!
Minhas mãos golpearam o peito dele, uma, duas, três vezes, mas ele as segurou antes que eu pudesse continuar. Seu aperto não era forte o suficiente para machucar, mas firme o suficiente para me imobilizar.
— Calista, escuta! — Ele disse, a voz alta, mas não agressiva. Ele esperou até que meus olhos encontrassem os dele antes de continuar. — Eu nunca disse nada pro Terry. Eu odiava ver você com o Kwon, sim, mas eu aceitei que não havia espaço pra mim, que vocês eram perfeitos um pro outro.
Eu tentei me soltar, mas ele não deixou.
— Fugi de você nesses dias porque sabia que não me ouviria e que não acreditaria em mim. — Continuou. — Foi tudo a Maria. Maria e aquele Yuri. Eu sabia que ela era podre, mas eu não sabia que ela era capaz disso. Um dia, nos encontramos por acaso, e ela veio falar comigo. Agora eu sei que era só pra me distrair enquanto o Yuri pegava meu celular. Ele enviou as mensagens pro Terry. Eu só percebi horas depois, tarde demais.
As palavras começaram a se juntar na minha mente, mas ainda pareciam fora de lugar. Eu não queria acreditar nele, mas algo no tom da voz dele... Algo me fez parar para ouvir.
— Sinto muito pelo que aconteceu — Ele disse, a voz mais baixa agora. —, mas eu nunca faria isso com você, Calista. Eu já expliquei isso pro Kwon. Expliquei tudo pra ele. Sobre as mensagens. Sobre a foto. Yuri mandou a foto pra Maria, e ela enviou pra todo mundo, até pra mim, pra Kwon, pra Zara. Eu queria te proteger disso tudo. Eu só queria que vocês dessem certo. Está bem?
Meus braços pararam de lutar contra o aperto dele. Minhas mãos ficaram penduradas ao lado do meu corpo enquanto processava o que ele dizia.
— Você está falando sério? — Perguntei, minha voz saindo mais fraca do que eu esperava.
— Sim. — Ele respondeu, assentindo.
Passei as mãos no cabelo, sentindo meu corpo pesar. A adrenalina estava começando a desaparecer, e a realidade de tudo o que ele tinha dito me atingiu com força. Sentei-me de volta na cama, tentando organizar meus pensamentos.
— É muita coisa pra processar... — Murmurei, olhando para as minhas mãos. Depois de um momento, levantei os olhos para ele. — Mas eu entendo. Só que agora, eu preciso falar com o gênio explosivo lá fora.
Axel soltou um pequeno suspiro de alívio, mas o sorriso que apareceu em seu rosto era mais de nervosismo do que de alegria.
— Que bom... — Ele disse, se movendo em direção à porta. — Porque eu já estava esperando ele arrombar essa porta a qualquer momento.
Eu ri. Não queria, mas ri. Axel sorriu também, como se aquele momento de leveza fosse uma vitória pessoal. Ele abriu a porta e saiu, e eu sabia que, em poucos segundos, Kwon estaria ali. E que eu teria muito mais para resolver com ele.
Eu estava sentada na cama, ainda processando tudo o que Axel havia dito, quando a porta do quarto se abriu novamente. Kwon entrou como um cão com o rabo entre as pernas, o olhar baixo, os ombros curvados. Ele parecia tão arrependido e vulnerável que, por um breve momento, senti uma pontada de pena. Mas só por um momento.
— Calista, eu... — Ele começou, mas não o deixei terminar.
— ...Só faz merda. — Completei, cruzando os braços.
Ele soltou uma risada baixa, a cabeça balançando em concordância. Veio até a beirada da cama e se sentou, olhando para mim com aquele sorriso triste que ele usava quando sabia que tinha passado dos limites.
— Sim. — Ele disse. — Eu só faço merda. E ainda não sei como você consegue me amar.
Inclinei a cabeça e arqueei uma sobrancelha.
— Sinceramente? Também não sei. — Respondi, sem conseguir segurar um pequeno sorriso. — É a segunda vez que eu venho parar no hospital por sua causa, Kwon. Isso já está virando um padrão.
Ele passou as mãos nos meus braços, o toque dele era leve, quase hesitante.
— Os intravenosos... Você não pode arrancar essas coisas, Calista.
Revirei os olhos, soltando um suspiro fundo.
— Kwon, você não está aqui para falar dos intravenosos, está? Vamos lá. Não estou com paciência para sermões. Eu quero ouvir um pedido de desculpas decente.
Ele assentiu, engolindo em seco. Quando abriu a boca, sua voz estava mais baixa, quase um sussurro.
— Justo... — Ele começou, olhando para as próprias mãos por um momento antes de erguer os olhos para mim. — Calista, eu nunca tive amor em casa. Meu pai... Bem, as coisas sempre foram difíceis com ele. Ele era duro comigo. Sempre fui ensinado na base da dor. No dojô, a mesma coisa. Nunca fui o favorito de ninguém, nunca tive apoio. Ninguém se importava. Então eu me tornei cruel e implacável porque era a única forma que eu conhecia para sobreviver. Mas então você chegou.
Fiquei em silêncio, deixando-o falar.
— Você chegou na minha vida como uma avalanche. Eu não sabia o que era amor, cuidado, compaixão... Até você aparecer. E, por mais clichê que pareça, isso me assustou. Eu não sabia como lidar com nada disso, porque era tudo novo. Minha reação mais rápida era explodir. Sempre foi. E aí, quando eu percebia o que tinha feito, já era tarde demais. Eu já tinha te machucado, e o arrependimento não mudava nada.
Ele segurou minha mão, o toque dele quente contra minha pele fria.
— Eu sei que fui um merda com você, mais de uma vez. — Ele continuou, a voz embargada. — Sei que sou culpado por grande parte do sofrimento que você passou. Mas, Calista... Eu te amo. Te amo mais do que qualquer coisa nesse mundo. E essa foi a última vez. O último empecilho que nos separa. Porque eu não quero mais ser um babaca, não quero mais cometer os mesmos erros. Esse foi o definitivo para que eu aprendesse a abrir os olhos e ser melhor.
Os olhos dele começaram a brilhar com lágrimas não derramadas, e senti meu peito apertar.
— Quando eu vi você caída, achei que ia te perder de verdade dessa vez. E só de pensar nisso... Eu não quero mais ficar longe de você nem por um segundo. Você é como oxigênio pra mim, Cali. Você me mantém nos trilhos, me faz querer ser alguém melhor. Prometo que nunca mais vou ser explosivo com você. Prometo que vou te ouvir, mesmo quando estiver com raiva, porque você não merece nada do que passou por minha causa. Se eu precisar, morro por você só pra provar que te amo incondicionalmente.
Virei o rosto por um momento, tentando conter as lágrimas que ameaçavam cair. Ele apertou minha mão mais forte, como se estivesse tentando me ancorar naquele momento.
— Você promete mesmo? — Perguntei, minha voz mais baixa do que eu pretendia.
— Eu prometo. — Ele respondeu, a voz cheia de convicção. — Com cada fibra do meu ser. E, se eu errar de novo, você pode quebrar minha cara, e eu vou agradecer por isso.
A risada escapou antes que eu pudesse impedir. Revirei os olhos, mas o sorriso teimava em surgir.
— Dramático como sempre. — Murmurei, balançando a cabeça.
Ele abaixou o olhar, como se estivesse implorando sem palavras.
— Você vai me afastar de novo? — Perguntou, a voz carregada de vulnerabilidade.
Balancei a cabeça negativamente, soltando um suspiro pesado.
— Nem se eu quisesse conseguiria, Kwon. Porque, por mais que eu tente negar, o meu peito arde por você. É um amor que eu nem consigo explicar. Quebra todas as regras e supera todos os limites. E, de um jeito ou de outro, eu sempre acabo voltando pra você. Porque eu simplesmente te amo.
Ele abriu um sorriso presunçoso, aquele que me irritava e me encantava ao mesmo tempo.
— Você me ama? — Perguntou, o tom brincalhão.
— É, gênio. — Respondi, rolando os olhos. — Eu te amo.
Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ele me puxou para um beijo. Senti a dor escapar do meu corpo por um momento, como se tudo se dissipasse no calor daquele contato. O beijo era intenso, mas ao mesmo tempo, delicado. Ele parecia ter cuidado para não me machucar, mas não deixou de colocar ali toda a paixão contida que carregava.
Quando nos afastamos, ambos ofegantes, nossas testas se encostaram. Eu murmurei, com um pequeno sorriso.
— Acho que está na hora.
Ele franziu a testa, confuso.
— Na hora do quê?
— De termos algo com rótulo, gênio. — Respondi, dando um pequeno sorriso.
E, naquele momento, senti que, por mais quebrados que fôssemos, estávamos exatamente onde deveríamos estar.
Obra autoral ©
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top