𝕮𝖆𝖕 3
Cap 3: Conhecendo a Clareira
No dia seguinte, Lívia abriu os olhos lentamente, ainda atordoada. Uma leve dor de cabeça pulsava na região onde havia batido, lembrando-a do ocorrido na noite anterior. Piscar era difícil no início, pois a luz que entrava pela tenda fazia seus olhos lacrimejarem. Ela moveu a cabeça devagar, tentando compreender onde estava.
O lugar era pequeno, com paredes improvisadas de tecido velho e alguns utensílios espalhados, como tigelas, faixas e potes com líquidos que pareciam remédios. Lívia estava deitada em um catre simples, feito de madeira e coberto com um lençol áspero. Tudo tinha um ar rudimentar, mas limpo.
— Ontem foi tudo um sonho? — murmurou, sua voz ainda rouca.
Antes que pudesse refletir mais, seus olhos pararam em uma figura ao lado dela. Sentado em um banco improvisado, Newt dormia profundamente, a cabeça apoiada contra a parede, o corpo inclinado de forma desconfortável. Seu rosto parecia tranquilo, mas a exaustão era evidente nas olheiras suaves sob seus olhos.
Lívia arregalou os olhos, surpresa.
— Não foi um sonho... — sussurrou, tentando processar. — Mas pera... ele ficou a noite toda aqui?
Por alguns segundos, ficou apenas observando-o, tentando reunir coragem para chamá-lo. Finalmente, com um pouco de hesitação, ela disse:
— Newt?
A voz suave foi suficiente para fazê-lo despertar. Ele abriu os olhos devagar, piscando algumas vezes até encontrar o olhar curioso de Lívia. O brilho imediato em seus olhos denunciava o alívio que sentia.
— Lívia, ainda bem que você acordou! — disse, sorrindo levemente.
Ela o encarou por um instante antes de perguntar:
— Você ficou aqui a noite toda?
Newt desviou o olhar, parecendo ligeiramente envergonhado.
— Bem... — começou ele, mas foi interrompido pela entrada de outra pessoa na tenda.
Clint, o med-jack responsável por cuidar dos ferimentos dos clareanos, entrou carregando uma tigela com água e algumas faixas limpas. Ele olhou para Lívia e deu um sorriso satisfeito ao vê-la acordada.
— Bom, preciso fazer as tarefas — disse Newt, levantando-se rapidamente. Seu tom era um tanto apressado, como se quisesse evitar a conversa.
— Newt, espera... — Lívia chamou, sua voz carregada de sinceridade.
Ele parou na entrada da tenda, virando-se para ela com uma expressão curiosa.
— Hum?
Ela respirou fundo, hesitando por um segundo antes de dizer:
— Obrigada...
Newt ficou em silêncio por um momento, seu olhar suavizando. Ele apenas assentiu com a cabeça, um leve sorriso tocando seus lábios antes de sair da tenda.
Assim que ele desapareceu, Clint, que havia começado a organizar seus materiais, sorriu de canto e comentou casualmente:
— Ele ficou a noite toda preocupado, sabia? Não queria sair daqui com medo de você não acordar.
Lívia franziu o cenho, surpresa.
— Sério?
— Aham — Clint confirmou enquanto molhava um pano na tigela com água. — Nunca o vi assim com ninguém. Deve ser porque você é a única garota da Clareira.
Lívia ficou em silêncio, refletindo sobre aquilo. Seu olhar foi até a entrada da tenda, onde Newt havia desaparecido minutos antes, e ela não pôde evitar um pequeno sorriso.
[...]
Mais tarde, Lívia já não precisava mais ficar na tenda médica. Clint, depois de insistir que ela descansasse o suficiente, finalmente a liberou. A clareira parecia ainda maior agora que ela podia explorar livremente. O céu estava claro, e o calor do sol esquentava levemente sua pele enquanto ela caminhava sem rumo. Suas botas pisavam o solo arenoso, levantando pequenas nuvens de poeira a cada passo.
Os clareanos estavam ocupados, cada um imerso em sua própria tarefa. Uns carregavam madeira, outros trabalhavam na horta, e alguns simplesmente conversavam, criando um ambiente ao mesmo tempo movimentado e estranho para Lívia. Ela observava tudo com curiosidade, tentando entender como funcionava aquela pequena sociedade.
Enquanto caminhava, sentiu uma presença se aproximando por trás. Os pelos de sua nuca se arrepiaram, e ela virou-se rapidamente, apenas para dar de cara com Gally. Ele estava com o semblante despreocupado, mas a postura rígida e o olhar direto deixavam claro que ele tinha algo a dizer.
— E aí, fedelha. Se machucou? — perguntou tentando manter a postura.
Lívia cruzou os braços, franzindo o cenho.
— Não foi nada, o Clint falou que foi só uma batida...
— Isso é pra você aprender a não se meter nas coisas. Você ainda tem muito o que conhecer aqui.
Ela bufou, revirando os olhos com impaciência.
— Eu confesso que ainda estou com um pouco de dor de cabeça, então, se for ficar me dando broncas pode voltar a fazer o que estava fazendo.
Gally arqueou uma sobrancelha, como se não esperasse aquela resposta direta. Após alguns segundos, ele soltou um suspiro e disse, em um tom mais baixo:
— Não, espera... desculpa, beleza? Deveria mesmo ter pegado mais leve com você.
Lívia o olhou surpresa, sem saber como reagir à mudança repentina de atitude.
— Ok?...
Ele deu de ombros, já se virando para sair.
— Até depois, fedelha. — E, com isso, ele voltou a caminhar, desaparecendo entre os clareanos.
Lívia continuou andando, agora se sentindo um pouco mais à vontade. Aos poucos, sua atenção foi atraída pelos enormes portões que separavam a clareira do labirinto. A estrutura era imensa, intimidante, feita de pedra escura e com vinhas crescendo ao redor. Eles pareciam tão sólidos e impenetráveis quanto um muro. Lívia parou a alguns metros de distância, admirando-os, enquanto sua mente imaginava o que havia além.
De repente, ouviu passos apressados atrás de si. Quando virou-se, viu um pequeno grupo se aproximando: Chuck, com sua expressão preocupada, e Newt, que tinha um olhar sério enquanto a encarava.
— Lívia? — chamou Newt, seu tom misturando curiosidade e preocupação. — O que está fazendo aí?
Ela deu de ombros, como se não fosse grande coisa.
— Não sei, estava andando um pouco e, quando me dei conta, já estava aqui...
Chuck cruzou os braços, balançando a cabeça.
— Melhor não chegar muito perto daí, Liv. É perigoso!
Newt, que já havia se aproximado, não perdeu tempo e segurou o braço dela, puxando-a gentilmente para longe.
— Eu concordo com ele, vem pra cá.
Ainda confusa, Lívia olhou para eles.
— Por que estão aqui?
Newt suspirou e olhou brevemente para os portões antes de responder:
— Minho e Ben já devem estar chegando. Ficamos aqui para vê-los caso eles não voltem.
Ela franziu o cenho, intrigada.
— E por que não vamos até eles?
Chuck imediatamente balançou a cabeça, a expressão alarmada.
— Nem pensar nisso. Não podemos sacrificar mais alguém, isso é regra!
— Eu entendo que são regras, mas... — Lívia começou, mas foi interrompida pelo olhar firme e a voz autoritária de Newt.
— Olha, me promete que nunca vai pensar em se aproximar muito menos entrar aí, ok?
Ela desviou o olhar, encarando novamente os portões. Algo dentro dela queimava de curiosidade, um desejo inexplicável de desafiar aquelas regras e descobrir o que havia no labirinto. Ignorando completamente a pergunta de Newt, continuou admirando os portões, enquanto sua mente já arquitetava um plano para explorar o que estava além deles.
[...]
Lívia estava deitada em sua rede na tenda, seus olhos fixos nas estrelas lá fora, tentando refletir sobre tudo o que acontecia ao seu redor. O céu estava claro, e as estrelas pareciam mais brilhantes do que nunca, como se estivessem tentando lhe contar algo. O som suave do vento nas árvores e os ruídos distantes dos outros clareanos preparando-se para mais uma noite de descanso preenchiam o ar. Minho e Ben já haviam retornado dos portões, e o alívio parecia estar em todo o ambiente, apesar da tensão constante.
Ela estava absorta em seus pensamentos, perdida em sua própria mente, até que ouviu o som de passos se aproximando da entrada da tenda que dividia com Chuck. Virou o rosto na direção da porta e viu Newt se aproximando. Ele parou na entrada, a luz da fogueira refletindo em seus cabelos loiros. O semblante de Newt estava sério, mas seus olhos ainda brilhavam com uma intensidade calma.
— Oi... — ele disse, com sua voz suave, mas carregada de algo mais, como se estivesse procurando uma forma de quebrar o silêncio.
Lívia não se incomodou muito, apenas deu uma resposta monossilábica, ainda imersa em seus próprios pensamentos.
— Oi — ela respondeu sem dar muita atenção, os olhos ainda voltados para as estrelas.
Newt deu um pequeno sorriso, mas parecia hesitar antes de continuar. Ele olhou ao redor, como se quisesse ter certeza de que estavam sozinhos, e então perguntou:
— Cadê o Chuck?
— Não sei, deve estar terminando de jantar — respondeu Lívia, sem mudar de posição, suas mãos entrelaçadas sobre o estômago enquanto ainda observava o céu.
— Beleza. Podemos conversar? — Newt perguntou, dando um passo à frente. Sua voz estava mais firme agora.
Ela se virou um pouco para ele, sentando-se na rede e encarando-o com um olhar cético.
— Sobre o que? — Ela levantou uma sobrancelha, ainda desconfiada.
Newt respirou fundo antes de começar a falar, seus olhos olhando para o chão por um momento, como se buscasse as palavras certas. Ele parecia pesar cada frase antes de soltá-la.
— Olha, eu sei que ficou chateada sobre o que eu disse hoje mais cedo, sobre não entrar no labirinto. Mas saiba que eu só disse isso para o seu bem.
Lívia não gostou muito do tom dele, e seus olhos estreitaram ligeiramente enquanto ela retrucava.
— Não preciso de ninguém cuidando de mim.
Newt, sem dizer nada, se aproximou um pouco mais e sentou-se no chão ao lado da rede de Lívia. Ele se acomodou ali, os joelhos dobrados e as mãos descansando sobre as coxas, mas sem perder a postura. Ele então levantou a barra de sua calça, revelando uma cicatriz velha e profunda, que serpenteava por sua perna.
— Eu fui um corredor também — ele disse de maneira simples, sem nenhuma dramaticidade, mas a seriedade em sua voz era inconfundível.
Lívia olhou para a cicatriz e, por um momento, seu olhar suavizou.
— Sério? — Ela perguntou, surpresa, olhando para ele com mais atenção.
Newt assentiu, o olhar distante enquanto relembrava a história que carregava em sua pele.
— Aham, e foi assim que eu ganhei isso. Se não fosse por Minho, eu nem estaria aqui. Ele salvou minha vida depois que eu subi no maior muro que vi e pulei...
Lívia engoliu em seco, a imagem de Newt, ainda tão jovem, enfrentando o mesmo labirinto que agora ela queria explorar, parecia um reflexo do que ela sentia. Ele estava ali, vivo, mas marcado pelos traumas do passado.
— Newt... eu entendo sobre o que passou, mas isso não vai mudar o que eu quero — disse ela, suas palavras saindo com mais firmeza do que ela esperava.
Newt olhou para ela com uma expressão preocupada, seu rosto refletindo uma mistura de dor e preocupação. Ele não queria ser um obstáculo, mas a preocupação era maior do que sua vontade de se manter em silêncio.
— Eu sei, mas eu só estou te pedindo isso porque eu não quero que você se machuque, ou até que morra dentro desse labirinto. Não quero perder mais ninguém... — disse ele, a última frase saindo quase como um suspiro, um pesar profundo em sua voz.
Lívia sentiu um aperto no peito, a intensidade do pedido de Newt, e o que estava por trás dele, mexeu com ela de uma forma que ela não esperava. Ela sabia o que ele sentia, mas a vontade de entender o labirinto e a razão pela qual estavam ali não diminuía.
Sem dizer nada, ela olhou novamente para o céu, tentando processar tudo o que ele havia dito, enquanto a sombra do labirinto ainda pairava sobre seus pensamentos.
— Boa noite, Liv — disse Newt, se levantando do chão e dando um passo para trás. Sua voz ainda carregava aquele tom de preocupação.
Lívia apenas assentiu, ainda com os olhos no céu.
— Boa noite... — respondeu ela, sua voz suave, quase imperceptível.
Newt, então, se afastou da tenda, e Lívia ficou ali, sozinha, com suas próprias reflexões, o som distante de seus passos ecoando até que a clareira se calasse novamente.
Continua...
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