(05) «𝑶 𝒊𝒏𝒊́𝒄𝒊𝒐 𝒅𝒆 𝒕𝒖𝒅𝒐»
☆꧁༒(05)༒꧂☆
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"𝑬𝒖 𝒆𝒔𝒕𝒂𝒗𝒂 𝒑𝒆𝒓𝒅𝒊𝒅𝒐 𝒏𝒂 𝒆𝒔𝒄𝒖𝒓𝒊𝒅𝒂̃𝒐, 𝒎𝒂𝒔 𝒆𝒏𝒕𝒂̃𝒐 𝒆𝒖 𝒂 𝒆𝒏𝒄𝒐𝒏𝒕𝒓𝒆𝒊"
"𝑬𝒖 𝒕𝒆 𝒆𝒏𝒄𝒐𝒏𝒕𝒓𝒆𝒊"
𝑼𝒏𝒕𝒊𝒍 𝑰 𝑭𝒐𝒖𝒏𝒅 𝒀𝒐𝒖 - 𝑺𝒕𝒆𝒑𝒉𝒆𝒏 𝑺𝒂𝒏𝒄𝒉𝒆𝒛
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P.O.V Autora - 11 anos atrás
Reino Germa.
𝐋𝐄𝐀𝐋𝐃𝐀𝐃𝐄 𝐅𝐀𝐌𝐈𝐋𝐈𝐀𝐑 é uma qualidade de grande valor, capaz de fortalecer laços e consolidar alianças duradouras.
Duas famílias de linhagem real exemplificavam isso de maneiras marcantes, os Lharpy e os Vinsmoke.
Entretanto, era justamente na forma como encaravam essa lealdade que residia a principal distinção entre elas.
Os Lharpy formavam uma dinastia legendária no West Blue, conhecidos por seu santuário em Tabern Island, que alimentava diversos rumores tanto sobre seus temidos exércitos quanto sobre os próprios membros da família. Cada Lharpy era envolto por um mistério singular, em algum momento de suas vidas, surgia um parceiro único - uma ave de rapina.
Com a Grande Harpia como símbolo maior da família, havia diversidade entre os companheiros escolhidos pela natureza. Alguns Lharpy eram acompanhados por corujas, outros por gaviões, águias ou aves semelhantes. Independentemente da espécie, a conexão entre o membro da família e sua ave resultava em uma parceria formidável. A união entre esses laços tornava cada indivíduo da linhagem letal de maneira única. A família defendia ferrenhamente até mesmo seus integrantes mais vulneráveis, perseguindo qualquer ameaça aos confins do mundo. Essa dedicação à proteção mútua e à inclusão - jamais excluindo quem não pudesse se defender sozinho - elevou os Lharpy ao status de uma das famílias mais influentes e respeitadas no Novo Mundo.
Já os Vinsmoke, também pertencentes à realeza, tinham raízes profundas em North Blue, governando o Reino Germa. O reino destacava-se por sua arquitetura medieval de castelos imponentes e fortalezas robustas, refletindo uma sociedade estritamente hierárquica e feudal. Sob o comando do rei Vinsmoke Judge, a força militar e o avanço tecnológico eram os pilares do poder do reino. O desenvolvimento de armamentos futuristas, soldados artificiais e veículos de combate simbolizava sua supremacia sobre a região.
Contudo, dentro da própria família, esse pragmatismo brutal se refletia em relações rigorosas. O amor paternal era condicionado, apenas quem atendesse às expectativas do rei recebia reconhecimento ou afeto. A lealdade cobrada era regida pela obediência absoluta, e os que eram considerados fracos ou inferiores eram humilhados sem piedade. Tal postura consolidou os Vinsmoke como uma das casas mais temidas de North Blue.
Por anos, Judge tentou estabelecer um elo entre as duas famílias por meio de um casamento arranjado. Ária Lharpy, no entanto, recusava firmemente todas as propostas. Para ela, impor tais laços aos filhos era inaceitável; desejava que suas crianças pudessem escolher seus pares livremente e casar-se por amor.
Apesar das diferenças em valores e princípios, havia algo que impedia que as relações fossem completamente cortadas, a amizade entre as mães das respectivas casas. Dessa forma, visitas ocasionais entre as famílias ainda aconteciam.
Em uma dessas ocasiões, Ária caminhava pelos jardins do Reino Germa. Vestia um traje refinado, com um elegante vestido que caía suavemente sobre seus ombros e um chapéu de abas largas que lhe conferia graça e nobreza.
Ao seu lado caminhava Ricky, seu filho mais velho. Com 18 anos, ele trajava uma camisa social de mangas longas dobradas até os cotovelos, acompanhada por um colete que delineava seus ombros, uma calça social e botas de couro bem polidas. Seus cabelos loiros, ligeiramente desalinhados, completavam o visual charmoso. Era impossível ignorar sua presença, Ricky já era considerado por muitos um jovem homem impressionante, cuja aparência deixava inúmeros corações acelerados.
E do outro lado da mulher, havia uma pequena garotinha.
Ela usava um chapéu no mesmo estilo da mãe e vestia um vestido vermelho rodado, combinado com uma blusa de mangas bufantes. Sorria enquanto segurava firme a mão da mulher ao seu lado. Seus cabelos loiros médios estavam soltos, balançando com a leve brisa que passava.
Era a segunda filha da família Lharpy.
Lyra.
E aquela era a sua primeira vez visitando o Reino Germa.
Os três caminhavam em direção a uma das torres que circundavam o castelo principal. Lyra não sabia exatamente por que estavam ali. Disseram-lhe que encontraria outras crianças, mas sua mãe também a tinha alertado para tomar cuidado por onde andava. Qualquer saída sua seria acompanhada de perto pelo irmão mais velho.
A pequena achava isso um verdadeiro tédio.
Conduzidos pelo mordomo, chegaram a um quarto. Escondida atrás da mãe, Lyra espiou o ambiente e reparou numa mulher loira, sentada sobre uma cama. Seus cabelos ondulados cobriam parte do rosto, mas ela abriu um sorriso acolhedor assim que notou sua chegada. Ária, que era a mãe de Lyra, aproximou-se com familiaridade.
- Ária! Que prazer revê-la! - exclamou a loira.
- Como está, Sora? - perguntou Ária enquanto se sentava na beira da cama. Ela olhou para trás e sorriu com ternura. - Veja quem trouxe comigo hoje. Vamos, querida, não precisa ficar com vergonha.
A rainha Vinsmoke arregalou os olhos ao notar a menina escondida atrás da mãe, mas logo exibiu um sorriso caloroso em sua direção. Lyra sentiu um calafrio percorrer o corpo, embora fosse algo bom. Timidamente, saiu de trás da mãe e foi até a mulher.
- Me chamo Lyra! Muito prazer! - anunciou de maneira inesperadamente alta e fazendo uma referência exagerada. Logo depois, percebendo que se exaltara, tampou a boca com ambas as mãos e encolheu-se de vergonha. A mulher riu com a espontaneidade da pequena. - Perdão... senhora - murmurou Lyra, envergonhada.
- Ora, deixe disso, querida, não se preocupe - disse Sora com suavidade, segurando delicadamente a pequena mão da menina enquanto sorria de maneira tranquilizadora. Encantou-se com seu jeito educado e formal. - Essas coisas acontecem. - Os olhos de Lyra brilharam ao admirar o semblante amável da rainha. - Aliás, nada de me chamar de 'senhora'. Pode me chamar de Tia Sora! Não é verdade, Ricky? - disse brincalhona enquanto olhava para o filho mais velho. Ele concordou com um leve sorriso. Sora voltou seus olhos novamente para Ricky e comentou, surpresa --Está ainda mais bonito desde a última vez que nos vimos... e cresceu tanto! O que aconteceu?!
- Os treinamentos dos Lharpy foram intensificados recentemente - respondeu o jovem loiro, acomodando-se numa poltrona ao lado da cama.
- Já começaram? - indagou Sora, intrigada, voltando o olhar para Ária.
- Ricky já completou 18 anos - respondeu Ária com orgulho no rosto.- Agora é esperar pela Lyra... e depois Dafne, que acabou de fazer um ano.
- É mesmo! Que pequena ela ainda deve estar! Como anda a bebê? Você deixou de me contar sobre ela - disse Sora inclinando-se levemente na direção de Ária, como quem cobra notícias antigas.
- Ah, está tudo bem. Stefan ficou tomando conta dela - explicou Ária calmamente. - Acredita que agora ela só quer beber leite da mamadeira? - completou num tom ligeiramente indignado.
- Já? Meu Deus! - exclamou Sora entre risos. - Uma pena eles não terem vindo também.
Por um instante, Sora pareceu pensativa, voltando os olhos para suas mãos sobre o colo. De repente, ergueu a cabeça inesperadamente, mirando Ária como se recordasse algo importante. Depois desviou o olhar para Lyra com delicadeza.
- Mas olha só... Lyra vai poder conhecer e brincar com novos amigos aqui. O que acha? - sugeriu Sora com gentileza no tom de voz.
Lyra piscou surpresa e olhou para sua mãe em busca de orientação. Ária respondeu com um aceno silencioso de aprovação. Não fazia ideia de como seriam os filhos dos Vinsmoke, mas parecia ser uma boa oportunidade para conhecê-los. Depois de refletir brevemente, assentiu timidamente com a cabeça, arrancando um sorriso no rosto da rainha.
- Muito bem. - olhou para a amiga sorrindo. - Mary! - chamou a governanta, que logo apareceu na porta sem hesitar. - Mostre o caminho para Lyra conhecer os gêmeos. - ela se virou para Ricky. - acho que eles gostariam de vê-lo Ricky, eles nunca te conheceram pessoalmente, eram muito novos.
Ricky deu um olhar sério para mãe. Ele sabia que ambas precisavam conversar, por isso Sora havia arranjado um jeito de os tirar do quarto. Ária acenou com a cabeça na direção do filho.
Ainda existiam certas conversas que ele não podia participar.
Sendo assim, Ricky e Lyra saíram do quarto acompanhando a governanta. Lyra segurava seu entusiasmo, estava curiosa para saber como eram os filhos da amiga da mãe. Era sempre curiosa, gostava sempre de descobrir coisas novas e se aventuras para conhecer lugares em que nunca tinha ido. O mundo era tão vasto e não ter a oportunidade de conhecê-lo por completo com certeza seria um desperdício.
Se não esse, qual o sentido da vida?
- Lyra, não se afaste de mim. - advertiu o irmão mais velho, que caminhava com uma postura firme e refinada, digna de um primogênito dos Lharpy. - o Castelo dos Vinsmoke é logo ao lado. Como é a sua primeira visita, é aconselhável não se afastar muito da minha visão.
A menina o observou. Ela tinha consciência de que poderia se perder, mas tinha uma habilidade incrível de sempre conseguir retornar ao local desejado. Lyra tinha a opção de sair por um breve período para explorar sozinha e retornar como se nada tivesse ocorrido. Ela odiava o fato de Ricky ser sempre um estraga prazeres.
Na realidade, ele desejava que a irmã se ferrasse pelas confusões em que se envolvia, mas, querendo ou não, ele teria que intervir, caso contrário, a responsabilidade cairia sobre ele. E Ricky odiava ter dores de cabeça causadas por Lyra.
Embora já tivesse aceitado que isso provavelmente o atormentaria pelo resto de sua vida.
- Você entendeu, Lyra?
- Uhum... - respondeu, sem muito interesse.
- Lyra, não estou brincando. A família Vinsmoke não é como as realezas de perto da Tabern Island, eles...
Lyra já não dava atenção às palavras do irmão. Não era exatamente por falta de interesse - talvez um pouco - mas, naquele momento, algo mais chamava sua atenção. Eles estavam adentrando o outro castelo, aquele que supunha ser o dos herdeiros. Enquanto a governanta seguia à frente e Ricky caminhava poucos passos adiante, ainda explicando seja lá o que fosse, Lyra se fixou em uma luz amarelada que reluzia em um dos corredores. Brilhava intensamente, viva, quase como uma estrela no meio da penumbra.
E então veio a voz.
Lyra.
Os olhos da garota se arregalaram.
Não... estava ficando louca, só pode.
Lyra.
Instintivamente, ela olhou para frente, tentando encontrar algum sinal de que mais alguém a tivesse escutado. O irmão e a governanta, no entanto, seguiam normalmente.
- Lyra!
A voz de Ricky a fez sobressaltar; ela se virou para ele com os olhos arregalados.
- Lyra, você está bem? - perguntou o loiro, agachando-se à sua frente com um semblante preocupado.
- Sim.... - Sua resposta saiu baixa. - Achei ter visto algo. - Ela lançou mais um olhar ao corredor...
Nada.
Nenhuma luz.
- Venha. - Ricky suspirou ao se levantar e estender a mão para a irmã caçula. - Estamos quase lá.
Ela encarou por um tempo sua mão antes de retribuir o gesto. Sentiu um calor reconfortante percorrendo seu corpo, uma sensação que lhe dizia que enquanto estivesse com ele ao seu lado, nada de mal poderia alcançá-la. A diferença de idade entre eles sempre fora algo desafiador para Ricky no início. Ele tinha quase onze anos quando Lyra nasceu e, mesmo acompanhando o crescimento da irmã até agora, sabia que essa convivência tinha prazo.
Estava se tornando adulto; suas responsabilidades aumentavam a cada dia e, em breve, sequer sabia se permaneceria na Tabern Island. Planejava seguir os passos dos pais e ingressar no exército revolucionário.
Isso significava não apenas menos tempo com Lyra, mas também que mal conseguiria conviver com Dafne, sua nova irmãzinha recém-nascida. Provavelmente não veria seus primeiros passos. Mas Ricky era o irmão mais velho, proteger as irmãs era sua responsabilidade. Não havia espaço para dúvidas; nenhum mal lhes alcançaria enquanto ele estivesse ali. A governanta parou diante de uma porta impressionantemente grande e cheia de detalhes ornamentados e um número 66 enorme.
- Chegamos. -Sua voz foi breve, antes de abrir o pesado portal.
Ricky apertou um pouco mais firme a mão de Lyra e se virou para ela com ar sério.
- Eu vou me apresentar e anunciar nossa chegada. Espere aqui por um momento. Não vou demorar, prometo.
Lyra hesitou, curiosa sobre a luz amarela que ainda a rondava nos pensamentos. Mas o olhar firme do irmão desanimou qualquer ideia de explorar por conta própria - ao menos por enquanto.
- Tudo Bem. - respondeu ela baixo.
Assim que Ricky atravessou as portas e elas se fecharam atrás dele, ela ouviu novamente.
Lyra.
Ela girou a cabeça abruptamente em direção ao som. Era impossível ignorar. Era ela outra vez.
A voz.
Lyra.
Agora vinha de um dos cantos do vasto corredor. Ao olhar em volta à procura de respostas, percebeu atônita que a governanta havia desaparecido sem explicação. Ela estava ali há um segundo. Lyra olhou para os dois lados numa expectativa quase infantil de que isso pudesse trazê-la de volta - mas não havia mais ninguém.
A luz amarelada entrou em seu campo de visão novamente, dessa vez mais intensa, pulsando como se chamasse por ela. A voz soava diferente: masculina, desesperada, mas repleta de necessidade e urgência. Seu coração apertou ao escutá-la; parecia a voz de um homem jovem, talvez com pouco mais de vinte anos.
Lyra!
Havia algo nela que fugia da lógica, não lhe era uma voz estranha, embora não conseguisse identificar por quê. O tom carregava emoção; preocupação genuína misturada a um carinho inquietantemente familiar. Lyra deu passos rápidos em direção à origem da luz até parar diante dela. Seu vestido esvoaçou levemente enquanto seu corpo se movia com determinação inesperada.
- Estou aqui, não há com o que se preocupar, estou bem - Lyra respondeu gentilmente. Não sabia quem a chamava com tanta necessidade, mas quem quer que fosse, deveria saber que ela estava bem. Quem sabe assim a aflição na voz do homem se acalmasse. - Ei! Aonde está indo?!
A garota gritou quando a luz começou a se mover rapidamente. Lyra disparou pelo vasto corredor, com medo de perdê-la de vista; tamanha foi sua pressa que a Lharpy nem percebeu quando o chapéu foi arrancado de sua cabeça, ficando para trás, abandonado no corredor agora deserto.
Seus pulmões ardiam a cada curva que precisava contornar. O treinamento dos Lharpy não era tão árduo para ela, afinal, ainda era uma criança. Ela e seus primos passavam boa parte do tempo brincando, mas isso não os eximia de suas responsabilidades. Aulas e treinamentos também faziam parte de sua rotina, preparando-os para o que viria no futuro.
Lyra hesitou por um momento ao ver a luz entrar numa curva incomum, conduzindo-a para um local com uma abertura estreita. A situação parecia estranha, mas, ainda assim, ela prosseguiu, passando por um quadro adornado com uma luxuosa moldura dourada.
Lyra
- Por amor a Dios! - a pequena disse se. - O que você quer de mim?!
A Lharpy parou de caminhar assim que a luz desapareceu bem em frente a uma porta entreaberta. Um aroma delicioso escapava daquela fresta, algo tão envolvente que a deixou completamente hipnotizada. Quem poderia estar cozinhando tão bem a ponto de criar um cheiro tão viciante?
Lyra ajeitou os seus cabelos que estavam tampando sua visão devido a corrida, e espiou rapidamente pelo vão, mas não conseguiu enxergar nada. Então, com cuidado, decidiu entrar no ambiente. O local estava bem iluminado, com alguns caixotes espalhados pelo chão e, mais à frente, um fogão rodeado por utensílios de cozinha. E lá estava ele: um garotinho loiro cozinhando alegremente diante do fogão. Ele vestia uma camisa amarela e um lenço no pescoço da mesma cor, porém em um tom um pouco mais claro. Seu sorriso era tão radiante que parecia refletir toda a alegria de viver ali mesmo, naquele instante.
O garoto percebeu o movimento na porta e virou-se abruptamente, assustado, como se estivesse esperando que alguém específico aparecesse para repreendê-lo. No entanto, ao encontrar os olhos de Lyra, ele relaxou, e suas bochechas imediatamente assumiram um tom avermelhado. Lyra, por sua vez, o encarava em completo choque, o aroma que havia prendido sua atenção era obra de um garoto? Deixavam mesmo crianças cozinharem assim?
Apesar disso, algo estranho aconteceu. Quando seus olhos azuis cruzaram com os olhos cinzentos do menino, um arrepio percorreu seu corpo. Ela não sabia explicar o que havia mudado, mas sentia, no fundo, que o mundo jamais seria o mesmo.
- Quem é você? - ele perguntou, rompendo o silêncio enquanto os dois permaneciam se encarando.
A pequena Lharpy achou fofo o formato das suas sobrancelhas enroladas ao se franzirem diante de tal pergunta, e percebeu que uma franja caía sobre um de seus olhos. Seus cabelos eram loiros, mas de um tom mais vibrante que o dela. A camisa que ele usava exibia o número três estampado, o que a fez ponderar sobre o significado daquilo.
- Você é um dos Irmãos Vinsmoke? - perguntou Lyra, aproximando-se um pouco mais. Algo no jeito como os cabelos dele caíam sobre os olhos a fazia se lembrar da amiga de sua mãe.
O garoto hesitou por um momento, mas logo respondeu:
- Sou. Meu nome é Sanji.
Lyra esboçou um sorriso singelo ao ouvir o nome dele, sentiu um calor reconfortante crescer em seu peito, como se já tivesse uma conexão inesperada com aquele estranho.
- Eu me chamo Lyra - disse animada.
Um sorriso bobo surgiu no rosto de Sanji. Ele repetiu o nome dela mentalmente. Lyra. Pensou que combinava perfeitamente com ela. Embora não tivesse ideia de como ela havia parado ali, algo dentro dele dizia que seriam bons amigos.
- O que você está cozinhando? - perguntou Lyra, curiosa e disposta a prolongar a conversa.
Sanji desviou rapidamente o olhar para a panela à sua frente e depois olhou de volta para ela.
- Estou fazendo uma cobertura para um bolo. Já provou bolo de cenoura com chocolate? - perguntou, os olhos brilhando de entusiasmo.
- Não... - respondeu Lyra, ligeiramente confusa. Pelo que se lembrava, nunca havia experimentado algo assim. Sanji arregalou os olhos, incrédulo.
- Sério?
- Sim - repetiu Lyra, levemente irritada com a surpresa exagerada dele. Era mesmo tão bom?
- Como não?
- Eu não sei! - respondeu ela, já começando a perder a paciência. Detestava quando insistiam em algo que a não sabia a resposta.
- Então você vai provar - declarou Sanji com firmeza. - Isso é inaceitável. - Nesse exato momento, o som do forno apitando encheu o ar. - E prontinho, está na hora.
Ele tirou a forma do forno com um sorriso enorme e deu uma risada satisfeita. O que Lyra não sabia era que aquele era um momento especial para ele, uma das primeiras vezes em que conseguira fazer um bolo perfeito sem interferências incômodas de seus irmãos. Estava radiante, ainda mais por saber que teria companhia para compartilhar sua criação.
Com cuidado, Sanji desenformou o bolo em um prato de cerâmica. Por seu tamanho modesto, coube facilmente no recipiente. Logo depois, pegou a panela do fogão e derramou a cobertura de chocolate por cima, deixando que escorresse lentamente e cobrisse toda a superfície. Lyra observava tudo com atenção e admiração. Achava incrível como ele lidava com os alimentos, como cada movimento dele parecia guiado por uma paixão genuína.
Quando Sanji finalmente se virou para ela com o bolo pronto em mãos, sorriu satisfeito. - Aqui está! - exclamou alegremente. - Agora vamos lá, você precisa provar!
Logo após cortar duas fatias de bolo e colocá-las em pequenos pratos, ele entregou um dos pedaços a ela. Em seguida, ambos se sentaram sobre os caixotes que estavam por ali.
Lyra deu a primeira mordida na fatia e, no mesmo instante, seu paladar foi tomado por uma explosão de sabores. O creme de avelã, combinado à leveza da massa de cenoura, produziu uma sensação tão intensa que parecia transformar algo dentro dela.
Como eu nunca provei isto? A pergunta martelava em sua mente enquanto levava cada novo pedaço à boca.
Ela mastigava devagar, saboreando cada nuance daquele doce. Era como se cada garfada ou mordida fosse capaz de curar qualquer resquício de mau humor. Lyra tinha a certeza de que, não importava a situação, aquele bolo seria capaz de melhorar o seu dia.
Sanji, observando ao lado, não conteve o sorriso.
- Gostou? - perguntou com os olhos brilhando, balançando os pés de maneira ansiosa enquanto dava pequenas mordidas em sua própria fatia. Lyra virou-se repentinamente na direção dele, ainda mastigando o último pedaço que havia degustado. Assim que engoliu, não conseguiu esconder a surpresa.
- Como é que você fez isso?! - exclamou incrédula. - Por los dioses, está fantástico! - elogiou entusiasmada enquanto se servia de mais uma generosa colherada.
Sanji corou, encabulado. Não era comum receber elogios pelo que cozinhava; geralmente, apenas sua mãe reconhecia seus esforços. Nunca uma pessoa estranha havia aparecido de repente e sido tão gentil com ele. Sentiu um orgulho tímido enquanto ouvia suas palavras. Minutos atrás, quando havia escutado passos vindos da entrada, seu corpo ficou tenso de imediato, temendo que fossem seus irmãos gêmeos se aproximando. Ele sabia bem o que isso significaria: se eles realmente estivessem ali, o bolo teria queimado antes de ficar pronto e, pior ainda, ele acabaria cheio de hematomas pela confusão inevitável que viria.
- É uma das primeiras vezes que da certo. Ainda estou praticando algumas receitas - Sanji comentou se levantando do caixote e colocando o prato vazio em cima da bancada.
- Que sorte a minha, então! - brincou Lyra, abrindo um sorriso largo e genuíno de orelha a orelha.
Sanji sentiu instantaneamente seu coração dar uma batida mais forte e logo depois parecer falhar. Seu rosto esquentou num rubor que não sabia explicar. Ele levou a mão ao peito, confuso com o que estava sentindo.
O que é isso? Perguntou para si. Esse sentimento era tão estranho, tão novo.
Nunca havia saído do castelo, muito menos conhecido outras pessoas além de seus familiares e os soldados rígidos que o cercavam. Seria isso o que chamam de conhecer alguém de verdade?
Com um rápido balançar da cabeça, afastou os pensamentos indecifráveis e voltou sua atenção para Lyra.
- Como você entrou aqui? Nunca te vi andando pelo castelo antes.
Lyra arregalou os olhos, como se fosse pega de surpresa pela pergunta. De repente, lembrou-se da promessa feita a Ricky - algo que ela claramente havia falhado em cumprir.
- Meu irmão vai me matar! - disse desesperada, num tom alarmado.
- O quê?! - Sanji perguntou ainda mais espantado, quase dando um passo para trás.
- Não! Não nesse sentido! - explicou Lyra rapidamente, agitando as mãos de forma frenética. Com um suspiro pesado para se recompor, começou a esclarecer - Eu vim com minha mãe e meu irmão. Estamos aqui de visita. Ao que parece... nossas mães... - ela fez um gesto apontando para si mesma e depois para ele. - ...são amigas.
Sanji franziu o cenho, visivelmente confuso.
- Não sabia que minha mãe ainda recebia visitas de fora... Meu pai disse que haviam parado faz tempo. - disse enquanto levava a mão ao queixo, pensativo.
- É minha primeira vez aqui. Eu nem conheço esse lugar direito. Meu irmão foi até o salão principal nos anunciar e pediu que eu ficasse esperando por ele. Mas... acabei vendo uma luz...
- Luz? - Sanji rapidamente ficou intrigado.
- É... acho que sim. - respondeu Lyra, meio incerta. A luz realmente havia chamado sua atenção, mas era difícil explicar como algo tão simples poderia tê-la atraído até aquele ponto. - Enfim, você poderia me levar até lá? - perguntou numa súplica inocente, unindo as mãos de forma quase teatral.
Sanji hesitou por um momento. Não era questão simplesmente de ajudar; temia o que poderia acontecer se encontrassem os dois no caminho, especialmente seus irmãos. Não sabia qual desculpa absurda eles inventariam para puni-lo caso o vissem com uma garota desconhecida. Talvez Reiju fosse uma exceção; ela provavelmente entenderia. E, considerando que Lyra também era uma garota, talvez pudesse ajudá-lo a evitar problemas maiores.
- Tudo bem. - respondeu por fim, gentil, mas cauteloso. Ele guardou o bolo em um pote que havia ali para mantê-lo quente e se aproximou dela. - Vamos?
Lyra assentiu com um suspiro de alívio.
Talvez Ricky ainda estivesse enrolando em alguma conversa e nem tivesse notado sua ausência. Pelo menos, essa era sua maior esperança no momento.
Ela o seguiu enquanto ele olhava atentamente para os corredores à frente, verificando se o caminho estava limpo. Lyra notou seu comportamento tenso e não conseguiu evitar franzir o cenho em dúvida. Se ele era um dos príncipes Vinsmoke, por que agia como se estivesse se escondendo? Caso alguém os visse juntos, bastaria dizer que ela era apenas uma amiga. Seria simples assim... ou seria? Os pensamentos sobre sua postura quase paranoica a fizeram recordar a maneira como ele reagiu quando ela entrou pela primeira vez na cozinha - aquele susto enorme ao som de qualquer ruído. Sanji parecia estar constantemente em alerta.
Medo? O sentimento parecia se encaixar. Mas medo de quê?
Ou melhor... medo de quem?
Eles começaram a andar pelo corredor, mas antes que ela pudesse continuar conjecturando, uma voz infantil ecoou pelo corredor como se tivesse perfurado o silêncio de forma afiada.
- Ora ora, o que temos aqui?
Ao som da voz acompanhada de um assobio irritante que fez Lyra estremecer, Sanji virou-se bruscamente na direção dos passos que agora ressoavam cada vez mais perto. Ela imitou o movimento imediatamente, seus olhos já tentando identificar a aproximação ameaçadora.
Eram três garotos, que Lyra julgou ter mais ou menos a mesma idade que ela e Sanji. Cada um vestia uma camisa de cor diferente, com os números um, dois e quatro estampados. Seus cabelos tinham penteados exóticos, combinando com as cores de suas roupas e lenços em volta de seus pescoços. Ao perceber as sobrancelhas enroladas deles, Lharpy imediatamente se deu conta de quem eram, os irmãos de Sanji.
No entanto, ela definitivamente não gostou dos sorrisos maliciosos que lançavam em sua direção e na do irmão mais novo.
- Você sabe como se esconder bem - comentou o de cabelos verdes. - Foi trabalhoso vagar por corredor após corredor para encontrá-lo. - Seu olhar desviou de Sanji para Lyra.
Foi então que os príncipes, finalmente, notaram a presença da garota posicionada atrás de Sanji. Ao reconhecê-la, os três ficaram repentinamente vermelhos e gritaram em uníssono. Sanji imediatamente assumiu uma postura defensiva, pronto para proteger Lyra caso tentassem se aproximar de forma indesejada.
- QUEM É ELA?! - exclamaram todos ao mesmo tempo.
- Isso não é problema de vocês - respondeu Lyra com um tom áspero, mostrando a língua antes de se encolher ainda mais atrás de Sanji. Sentia-se desconfortável com a primeira impressão que teve deles e não pretendia sair de perto do amigo. - Sanji, eles são seus irmãos, não são? - sussurrou suavemente, buscando confirmar o que já suspeitava.
- Sim... - murmurou ele de volta. - Por favor, fique atrás de mim.
Sanji estava inquieto, sentia-se desconfortável com a presença de seus irmãos perto de Lyra. Não sabia exatamente o motivo, mas algo nele lhe dizia que manter distância era o melhor. Ichiji, Niji e Yonji nunca foram gentis, e isso era especialmente verdadeiro quando se tratava dele.
- Não acha que você fala demais para uma garota? - provocou Niji com um sorriso malicioso.
Lyra bufou, indignada.
- E você não acha que se mete onde não é chamado? - retrucou, apoiando-se no ombro de Sanji. Ele era apenas alguns centímetros mais alto do que ela.
- Ora sua...
- Sua o quê, Niji? - Lyra desviou o olhar ao ouvir uma voz feminina vindo do outro lado do corredor.
- Reiju. - Ichiji disse entre os dentes. - Não era para você estar do outro lado do castelo?
A recém-chegada parecia ser mais velha que Lyra. Seus cabelos rosados combinavam com o vestido que exibia um número zero na parte da frente. Um lenço roxo adornava seu pescoço, e, assim como Sanji, sua franja cobria parcialmente um dos olhos.
- Isso é o que você acha - respondeu Reiju com frieza. - Papai mencionou que tínhamos visita e pediu que todos se reunissem, mas parece que vocês já deram um jeito de encontrá-la antes disso.
Os olhos azuis e intensos da jovem encontraram os de Lyra.
- É um prazer conhecê-la, Lyra Lharpy. Sou a irmã mais velha desses garotos que estão te cercando.
Por algum motivo, Lyra simpatizou com Reiju de imediato. Ela não parecia ser tão insuportável como os outros três irmãos e dava a impressão de ter uma firmeza madura para lidar com as situações.
Ao que tudo indicava, Sanji não parecia tão desconfortável com a presença dela. Percebendo isso, Lyra abriu um sorriso cordial e cumprimentou Reiju.
- O mesmo. Acabei cruzando com o Sanji pelo caminho.
- Eu estava indo ajudá-la a voltar - respondeu Sanji, desviando o olhar com timidez evidente.
- Entendo... - Reiju analisava atentamente o momento, observando os detalhes da interação entre eles. Depois de uma breve pausa, tomou sua decisão. - Bem, acho que vou acompanhar vocês também - afirmou com um sorriso leve. Em seguida, lançou um olhar penetrante na direção de seus irmãos, que permaneciam no outro lado do corredor, afastados. - E vocês... - sua voz adquiriu um tom firme. - Não fiquem aí parados, venham também. Papai insistiu para que se comportassem na presença da visita.
O quanto seu pai era inflexível nessa questão não lhe era novidade.
Reiju sabia muito bem o motivo de toda essa rigidez.
Judge temia os Lharpy.
Aquela era a única família cujo nome fazia seus lábios se contorcerem em raiva e seus olhos desfocarem de puro desconforto ao serem mencionados. Ária, a matriarca dos Lharpy, carregava uma presença tão dominante que podia confrontar Judge de igual para igual em uma discussão e sair triunfante, sempre impondo sua autoridade com habilidade e confiança.
Sanji caminhava ao lado de Lyra, que não fazia questão de se afastar. Ela seguia entre ele e Reiju, que mantinha uma conversa educada com a garota, enquanto os outros irmãos acompanhavam mais atrás, resmungando entre si.
- Conheço o seu irmão - comentava Reiju, analisando Lyra com atenção. - Agora, olhando bem, você se parece um pouco com ele - pontuou pensativa. - Como se fosse a versão feminina dele.
Lyra soltou um suspiro. Já estava acostumada com aquele comentário. Por terem herdado os cabelos loiros da mãe, muitos achavam que ela e Ricky eram gêmeos que nasceram em anos separados. Alguns até afirmavam que seus traços faciais eram semelhantes, o que Lyra achava um completo absurdo naquela idade, Ricky estava ficando velho e com rugas, ela ainda tinha a pele de um bebê. Para ela, não havia nada de parecido entre os dois. Ainda assim, era inevitável: onde quer que fosse, alguém sempre apontava.
Pelo menos Dafne não precisaria lidar com isso, tendo herdado os cabelos castanhos do pai.
- Sei... sempre me dizem isso - respondeu Lyra com certo desdém. - Mas Ricky é totalmente diferente de mim - acrescentou, enquanto virava o corredor. O enorme portão com o número 66 à frente era o ponto onde havia combinado de esperar por Ricky. - Ele não tem senso de humor e é muito mais calmo do que eu.
Ao seu lado, Sanji abafou uma risada, encorajando Lyra a continuar com um tom leve e divertido.
- Ele nunca me deixa fazer quase nada... - ela parou por um momento e ficou visivelmente preocupada. - Ele sabe que eu sumi? - perguntou temerosa, mas também desconfiada. Conhecendo o irmão, era provável que ele já estivesse fora de si.
- Imagino que não...
Reiju mal teve tempo de terminar a frase quando barulhos vindos do outro lado da porta tomaram conta do corredor.
- COMO ASSIM VOCÊ NÃO SABE ONDE ELA ESTÁ, JUDGE? ELA É A SEGUNDA FILHA DA FAMÍLIA LHARPY! SE ALGO ACONTECER, ELA VAI ACABAR COM VOCÊ! - berrou uma voz furiosa.
- EU NÃO SOU O IRRESPONSÁVEL AQUI! - retrucou outra voz grave e cheia de raiva. - FOI VOCÊ QUEM DEIXOU UMA CRIANÇA SOZINHA!
- AH, NÃO VEM COM ESSA! ELA ESTAVA SOB OS CUIDADOS DOS SEUS SERVIÇAIS! ALIÁS, SE ALGUM DOS SEUS GUARDAS ARMOU CONTRA ELA... AH, MEU CARO, VOCÊ NÃO VAI FICAR NADA FELIZ. - A resposta veio carregada de ironia e desprezo. Lyra sabia de quem era a voz.
Ricky.
- ORA, SEU PIVETE INSOLENTE...
Sanji sentiu um calafrio e virou-se para Lyra.
- Não foi você quem disse que seu irmão era calmo? - questionou incrédulo.
- Quem ele pensa que é para falar assim como o nosso pai? - Ichiji se irritou.
- Bem... - murmurou Lyra quase imperceptivelmente. - Quando as coisas saem do jeito dele, ele é calmo.
Reiju caiu na risada e olhou para a jovem maravilhada pela ousadia de Ricky.
- Então as coisas nunca são calmas quando ele está com você? - brincou Reiju com um sorriso no rosto.
- Basicamente. - respondeu ela com um sorriso amarelo.
Foi então que uma pancada forte na porta ecoou pelo corredor. Ela se abriu abruptamente, revelando Ricky em estado de pura raiva. O mais velho dos Lharpy tinha o rosto vermelho e ofegava enquanto tentava inutilmente recuperar a calma. Seus olhos ardentes transbordavam fúria.
- Eu devia ter pedido para Artémis acompanhar ela... - murmurava ele entre os dentes. - Por Dios! Onde ela pode ter ido parar? Ela não pode ter sumido, não pode, não pode, não pode. - repetiu desesperado. - Eu vou pessoalmente punir cada soldado deste reino se não encontrá-la...
As palavras sumiram de sua boca assim que notou, no meio do corredor, o pequeno grupo de crianças o encarando petrificado.
-- ...Lyra? - finalizou boquiaberto.
- Hola, hermano... - respondeu ela sem jeito, tentando soar casual.
...[💛]...
- O que deu em você, Lyra?! - exclamava Ricky, passando as mãos pelo cabelo em um gesto de frustração.
Havia mais de meia hora que Lyra estava parada ao lado do irmão no canto da sala do trono, suportando o sermão severo que ele lhe aplicava. A uma distância considerável, o Rei Vinsmoke e seus filhos observavam a cena. Judge tremia de raiva, os punhos fechados em indignação.
- Eu vi uma luz... - começou Lyra, desviando seu olhar do irmão, cuja expressão intensa parecia atravessar sua alma. Nervosa, ela apertava a barra de seu vestido como se aquilo pudesse ancorá-la. - Uma luz brilhante. Era como se ela me chamasse. Quando me virei, a governanta já não estava, e nenhum guarda apareceu. Então... eu a segui...
Ricky ficou imóvel por um instante, a respiração entrecortada.
Não podia ser.
Ela ainda era tão jovem, não era?
Já seria possível eles aparecem assim tão cedo?
E com um Vinsmoke envolvido, ainda por cima?
- Lyra... - disse, abaixando-se ao nível dela e segurando delicadamente suas mãos pequenas entre as dele. - Essa luz... você sentiu medo?
- Não... - respondeu ela depois de ponderar um pouco. - Na verdade, parecia familiar pra mim, mas eu não conseguia lembrar de quem era. E, depois... um homem começou a chamar por mim. - Sua voz vacilou nesse ponto. - Ele parecia desesperado... angustiado.
Ricky deu um suspiro, hesitante, antes de perguntar.
- Você gostou de algum dos príncipes? Essa luz te guiou para algum deles?
Lyra franziu a testa, claramente confusa com a pergunta que parecia não ter nenhuma relação com o que acabara de relatar.
- Ah, bem... Sanji foi o primeiro que conheci, eu segui a luz até uma porta, e ele estava lá dentro. Ele parece uma pessoa legal e é bem gentil. Pena que os irmãos dele são uns cretinos. - disse, cruzando os braços em descontentamento.
Ao terminar, ela lançou um olhar de soslaio para o próprio Sanji, que estava próximo, ligeiramente tenso. Quando percebeu os olhos dela sobre si, ele esboçou um sorriso tímido, que foi prontamente correspondido por Lyra.
- Você sabe o que era aquela luz? - insistiu ela, retornando ao ponto anterior.
Ele suspirou fundo mais uma vez, uma sombra de preocupação atravessando suas feições. Era óbvio que aquela pergunta o incomodava, mas sua expressão também sugeria que ele temia a resposta que ainda não havia dado.
- Não sei... - mentiu em parte, embora sua voz soa convincente o suficiente para mascarar o turbilhão de pensamentos em sua mente.
Lyra ergueu o rosto semicerrado, desconfiada, reparando na leve hesitação contida no canto da boca de Ricky.
- Você sabe sim! - acusou ela com firmeza, suas palavras carregadas de impaciência ao fim da frase. - Vamos lá, Ricky! Me conta, e eu prometo que nunca mais vou sair do seu campo de visão! - Para reforçar sua promessa, estendeu o dedo mindinho na direção dele, com um gesto entre a determinação e o desespero.
Ricky abaixou a cabeça, deixando escapar um suspiro teatral antes de cruzar os braços de maneira descontraída.
- Primeiro, Lyra, eu te conheço o suficiente para saber que você está cruzando os dedos atrás das costas.
A irmã arregalou os olhos, irritada por ter sido pega no truque barato. Resmungando algo incoerente, rapidamente descruzou os dedos escondidos atrás das costas enquanto ele dava uma risada sutil. Provocá-la era irremediavelmente uma das suas diversões favoritas.
- Mas...tudo tem seu tempo - completou ele ao se levantar, bagunçando os cabelos dela com afeto aparente.
- Ricky! - gritou Lyra pela terceira ou quarta vez naquele intervalo curto de minutos.
- Não. - respondeu ele, inabalável.
- Não seja chato, Ricky...
- Anda logo, Lyra! - interrompeu ele em tom firme, já demonstrando que sua paciência chegava perigosamente perto do limite.
- Taaa...- resmungou ela olhando para o alto e saindo se arrastando.
O mais velho manteve uma postura rígida, apertando os olhos quando estes se encontraram com os de Judge. Lyra, que até então resmungava com certo desdém, finalmente desviou sua atenção o suficiente para perceber a presença do Rei Vinsmoke.
Com longos cabelos loiros que lembravam os de Sanji, Judge exibia um capacete adornado com o símbolo de um tridente, que ocultava boa parte de seus olhos. Sua expressão era severa, complementada por um bigode peculiar que se erguia em dois traços diagonais. De braços cruzados e claramente contrariado, trajava uma vestimenta cinza destacada por um cinto com os números "66", parcialmente cobertos por uma exuberante capa amarela.
Mesmo ao notar a aproximação, ele não alterou sua postura, mantendo a mesma expressão indecifrável.
- Espero que todos os mal-entendidos tenham sido... resolvidos - murmurou Judge, encarando Ricky com olhos carregados de rancor.
- Sem dúvida alguma, Rei Judge - respondeu Ricky na mesma tonalidade firme. Era evidente que Ricky desprezava aquele homem.
Apesar de nutrir profunda admiração pela bondade de Sora, uma das mulheres mais doces que já havia conhecido, ele jamais conseguiu compreender como ela aceitara compartilhar sua vida com alguém como Judge. Esse mistério continuava inalcançável para ele.
Mas seu desgosto ia além. Ricky não podia esquecer o episódio em que o chefe dos Vinsmoke sugerira arranjar um casamento entre ele e Reiju, a primogênita de Judge. Embora não tivesse nada contra a jovem, o problema era claro, Reiju era uma criança e ele, um adulto.
A simples ideia era repugnante. Esse episódio deixou cicatrizes profundas em sua percepção de Judge. Ele não apenas sugeriu tal coisa, mas o fez com uma naturalidade perturbadora.
- Agora podemos nos apresentar formalmente - retomou Judge, exibindo um sorriso malicioso que só acentuava a tensão no ar.
- Pois bem - respondeu Ricky em tom seco, sem esboçar qualquer simpatia. - Lyra, esse é o Rei Judge, pai daqueles que lhe acompanharam anteriormente.
Lyra voltou seu olhar para o homem à sua frente. Era claro como água que ele não inspirava respeito nem afeto. Sua postura parecia insincera, quase grotesca. Ainda assim, Lyra forçou um sorriso educado - ou pelo menos algo que se aproximasse disso.
- Um prazer conhecê-lo - disse, fazendo uma leve reverência sem muita emoção, considerando que alguém como ele não merecia seu melhor esforço. - Sou Lyra Lharpy, segunda filha e princesa do Reino Lharpy.
Lyra ergueu o rosto com a cabeça inclinada suavemente para cima, olhando diretamente nos olhos de Judge. Ele permaneceu em silêncio, fixando nela um olhar penetrante como se tentasse desvendar quaisquer segredos escondidos em sua alma. Ela, entretanto, não se deixou intimidar e sustentou o olhar desafiante sem hesitar. Não permitiria que ele ousasse ferir seu orgulho.
- Acho que já vamos indo, obrigado pela recepção. - Ricky interrompeu os olhares entre os presentes.
Judge, claramente insatisfeito, rangeu os dentes e tentou insistir.
- É mesmo necessário? Lyra ainda nem conheceu Ichiji direito. - Virando-se para o filho, perguntou com um tom incisivo. - Ichiji adoraria conhecê-la, não é mesmo?
- Ahn...? - Ichiji, pegando o pai desprevenido, pareceu confuso por um instante até receber um olhar ameaçador. Reajustando rapidamente a postura - Ah, sim! Claro, acho que seríamos bons amigos.
Ricky apertou o maxilar em silêncio, percebendo as intenções não tão sutis de Judge - outro casamento talvez?
Foi então que algo inesperado aconteceu. A voz firme da pequena Lharpy ecoou no salão, cortando o ambiente.
- Agradeço, mas não será necessário. - Todos se voltaram para ela, inclusive Judge, que foi pego de surpresa. - Já tive o prazer de conhecer Sanji e também conversei bastante com Reiju. Tenho certeza de que poderei falar melhor com Ichiji em outra oportunidade.
O rei apertou os punhos em desaprovação. Ele claramente desejava que Lyra tivesse mais contato com um dos gêmeos, e Sanji não fazia parte de seus planos.
Antes que Judge pudesse insistir, Ricky interveio com um sorriso diplomático.
- Com licença, iremos agora até a ala médica, onde nossa mãe está com a Rainha.
Sem maiores delongas, ele e Lyra se retiraram do salão sob os olhares atentos dos guardas postados em todos os cantos. O corredor ecoava os passos dos irmãos, que se afastavam lentamente. Quando finalmente estavam fora do alcance dos olhos do rei, ambos trocaram sorrisos cúmplices. Lyra sequer entendia completamente por quê, mas gostava da sensação de ter deixado uma impressão clara. Respeitava os mais velhos como sua mãe lhe ensinara, mas nunca seria obrigada a esconder o que sentia em seu semblante.
Sem acompanhantes, os dois seguiram rumo à ala externa do castelo. Mas então, um grito inesperado os fez parar.
- ESPERA!
Lyra virou-se de imediato e viu Sanji correndo ao encontro deles, carregando algo nos braços. Ricky estreitou os olhos em confusão.
- Você não deveria estar lá dentro? - indagou o mais velho.
Sanji parou ofegante, dobrando-se para recuperar o fôlego antes de erguer o olhar com um sorriso cansado.
- Na verdade, já planejava visitar minha mãe de qualquer forma. Fiz um bolo para ela... é a primeira vez que realmente deu certo! - declarou orgulhoso.
Lyra iluminou o rosto com alegria e puxou a calça do irmão para chamar sua atenção - Hermano! O bolo dele é muito bom! Você precisa experimentar um dia!
Sanji corou visivelmente ao ouvir o elogio e desviou o olhar para Ricky.
- Nem é pra tanto... ainda estou praticando. Eu diria que os doces são mais fáceis de fazer do que pratos salgados, esses ainda estão saindo meio duvidosos.
- Mas isso não muda o fato de você ser um pequeno chef incrivelmente talentoso! - retrucou Lyra, com um sorriso.
- Ainda tenho muito a aprender. - respondeu ele, com humildade.
- Isso não diminui seu talento. - insistiu ela, convicta.
E assim continuava a conversa entre Lyra e Sanji. Ela não parava de encher o garoto de elogios, enquanto ele, determinado, só sabia argumentar que ainda não era bom o suficiente.
Ricky, observando as duas pequenas figuras que mal chegavam à altura de sua cintura e que discutiam incessantemente.
Senhor... o que está acontecendo com esses dois? Pensou ele confuso.
Quando começou a andar, percebeu, para sua surpresa, que os dois "toquinhos de gente" passaram a segui-lo, ainda discutindo. Ele suspirou, mas preferiu não interferir.
- Você ainda é uma criança, como eu. Temos muito que aprender. - observou Lyra, tentando encerrar o assunto.
- Mesmo assim... - murmurou Sanji, olhando para o chão. - Eu queria fazer algo melhor para minha mãe. Talvez assim ela pudesse ficar bem.
As palavras do menino carregavam um peso inesperado, fazendo Lyra finalmente silenciar.
Até Ricky arregalou os olhos, surpreso. Ele não sabia muito sobre a condição da Rainha Sora - sua mãe nunca quis lhe contar tudo. Sabia apenas algumas coisas, como o fato de que a enfermidade dela era culpa do Rei, mas não fazia ideia do que ele havia realmente feito. Ainda assim, sua mãe afirmara que a única solução era dar continuidade aos tratamentos, ainda que não houvesse garantia de que Sora ficaria bem novamente. Ricky decidiu quebrar o silêncio desconfortável.
- Tenho certeza de que sua mãe logo se sentirá melhor, especialmente com você indo visitá-la. Ela deve adorar ter vocês por perto. Não é nada agradável ficar sozinha o dia inteiro.
O pequeno Sanji ajeitou o grande pote em suas mãos e abriu um sorriso radiante.
- Sim! - exclamou com entusiasmo. - De vez em quando vejo minha irmã, Reiju, indo visitá-la também. Eu tento ir sempre que posso. Já meus irmãos... não sei por que eles não a visitam. Bom, pelo menos, nunca os vi indo lá.
Ricky observou atentamente a inocência do garoto ao seu lado. Era evidente que Sanji não fazia ideia do verdadeiro motivo pelo qual sua mãe estava naquela situação. Ricky deduziu que os irmãos mais velhos de Sanji haviam herdado o lado do pai - e, apesar da pouca idade, pareciam não compartilhar da bondade e da empatia que Sanji e Reiju demonstravam.
O mais velho olhou para cima, avistando o falcão-peregrino de sua mãe, Zeus. A ave os acompanhva a qualquer passo que eles davam, como se os tivesse protegendo. Ricky sorriu e olhou para o menino loiro.
- Você é um bom garoto - disse sorrindo com uma ponta de compaixão.
Quando chegaram à ala médica, Lyra e Sanji dispararam à frente em uma corrida improvisada. Tudo começou porque Lyra havia desafiado o pequeno Sanji para ver quem seria o primeiro a alcançar a porta. Os dois chegaram ao destino ofegantes, mas rindo. Sem demora, abriram a porta. Logo atrás deles surgiu a governanta, igualmente esbaforida - afinal, as crianças haviam passado por ela em um piscar de olhos, e era sua responsabilidade manter a ordem no castelo.
Ao entrarem no quarto, foram recebidos pela surpresa de duas mulheres loiras que repousavam ali - uma cena que paralisou brevemente os visitantes mais jovens.
- Lyra! - Ária disse em um tom de reprovação, franzindo as sobrancelhas ao ver o comportamento da garota.
- Sanji! - exclamou Sora com alegria evidente ao avistar seu quarto filho diante dela novamente.
- Boa tarde, mamãe. - Ele sorriu ao se aproximar da cama. - Olá, tia. - ele conprimentou Ária.
- Como você está, querido? - perguntou Sora enquanto o filho ajeitava-se na beirada da cama.
- Estou bem. Conheci a Lyra. - Sanji olhou discretamente para a garota, que naquele momento era repreendida por sua mãe em sussurros. Ele só conseguiu identificar as palavras "em casa a gente conversa". Mudando de assunto, ele estendeu um pote na direção de Sora. - Fiz um bolo para você.
- Oh! - ela exclamou, surpresa, ao abrir o recipiente. - Ora, veja só! Você está progredindo, meu bem! - elogiou com um sorriso, provocando um rubor no rosto do garoto. - Ária, não sei se já lhe contei, mas Sanji anda praticando seus dotes culinários.
Ária lançou um olhar à mulher sentada na cama. Embora estivesse conectada a aparelhos nos braços, Sora parecia descontraída, emanando serenidade enquanto sorria para o filho. Diante disso, a líder dos Lharpy se acomodou melhor na poltrona ao lado da cama, lançando um último olhar para sua filha antes de comentar:
- Acho que mencionou algo assim. - Ela esboçou um sorriso gentil antes de se dirigir ao garoto. - Faz tempo que não o vejo, pequeno Sanji. Como você está indo?
Ária sabia que, embora ele ainda não tivesse sido testado, Sanji era uma das poucas esperanças em que os esforços de Sora pareciam trazer resultados.
Afinal, ele era humano.
- Estou indo bem, obrigado. - respondeu educadamente, abrindo um sorriso tímido que refletia a conexão óbvia entre ele e sua mãe. - Gostaria de provar um pedaço? Acho que exagerei no tamanho do bolo para minha mãe.
- Eu adoraria. - disse Ária com humor enquanto aceitava uma fatia. - Que honra experimentar as primeiras criações de um futuro e promissor chef! - brincou com um sorriso de lado enquanto Sanji lhe entregava o pedaço. Nesse momento, Lyra subiu na cama e sentou-se ao lado de Sanji. - Lyra! - advertiu Ária imediatamente. A garota virou-se para ela sem saber o que havia feito de errado.
- Não tem problema. - interveio Sora com tranquilidade. --Deixe-os. - disse em voz baixa para Ária enquanto apontava com o queixo na direção deles, observando atentamente a interação entre Lyra e Sanji.
- Você... - começou Sanji hesitante. - Gostaria de outro pedaço? - completou envergonhado.
Lyra notou que ainda havia bastante bolo no pote. Sua mãe e a rainha pareciam estar satisfeitas, mas aquele olhar que Sanji lhe lançava desmontava qualquer formalidade.
- Só se comermos juntos outra vez. O que acha? - respondeu ela com uma sugestão inesperada.
Ária e Sora trocaram olhares discretos antes de se entreolharem com surpresa.
Outra vez?
- Pode ser... - respondeu Sanji com o olhar desviado dos penetrantes olhos azuis da garota, enquanto lhe entregava um novo pedaço de bolo. - Se você gostar mesmo, da próxima vez que nos encontrarmos, faço outros doces para você experimentar.
Lyra sentiu algo diferente dentro de si, como se o estômago tivesse dado um salto... ou talvez fossem pequenas borboletas batendo asas. Impulsionada por uma atitude espontânea que nem sabia de onde vinha, inclinou-se suavemente. Com uma das mãos apoiadas na cama e a outra segurando o bolo, deu um beijo leve na bochecha do garoto.
Foi como se um raio de sol iluminasse o rosto de Sanji naquele instante, preenchendo seus olhos com uma alegria indescritível. Algo despertou entre os dois nesse gesto simples, uma conexão singular que parecia complementar tudo o que sentiam até aquele momento. Lyra sorriu, satisfeita.
- Obrigada. - disse ela suavemente com os olhos brilhando.
Sanji ficou imerso naquele sorriso por um instante eterno. Seu coração disparou num ritmo descontrolado como se quisesse escapar do peito. Sentiu seu rosto aquecer ainda mais enquanto um sorriso involuntário tomava forma. Era como flutuar no ar; seus pés pareciam não tocar mais o chão, e seu estômago dava voltas agitadas.
Tinha sido a mesma sensação que tivera na cozinha quando a conheceu... mas agora parecia ter se intensificado ainda mais.
Um suspiro surpreso foi ouvido da porta, e logo depois disse:
- Era só o que me faltava.
- Ricky! - exclamou Ária. - Onde você estava?
Ele entrou no cômodo, já começando a se explicar. - Estava pedindo desculpas à governanta. - sentou-se na outra poltrona e apertou os olhos, observando as duas crianças em cima da cama. - Dois pequenos tornados passaram correndo e a pobre mulher quase teve um ataque de coração. E agora, ao entrar, me deparo com uma cena... no mínimo, curiosa. Não é, Lyra?
Ricky não guardava ressentimentos contra o jovem Vinsmoke. Ele entendia o significado da luz que Lyra havia mencionado. Até então, achava que seria positivo que os dois fossem apenas amigos. Contudo, ver Lyra beijar a bochecha de Sanji o tirou completamente de sua zona de conforto. Ele sempre se preparara para proteger Lyra de qualquer garoto que ousasse se aproximar dela.
E agora parecia que nem mesmo o caçula dos Vinsmoke era digno de confiança. Sanji acabara de entrar para sua lista negra.
- Deixe de ciúmes - falou Ária, percebendo o olhar cortante do filho em direção a Sanji, que começava a se encolher de medo. - Eles são apenas crianças.
Ricky virou-se para a mãe e murmurou.
- Ela viu a luz... e a seguiu até ele.
No mesmo instante, o queixo de Ária caiu em surpresa, mas logo foi substituído por um sorriso radiante.
- Ora, isso é maravilhoso!
- Mãe, ela só tem seis anos! - disse Ricky, incrédulo, esperando apoio materno.
- Só porque a sua demorou não significa que a dela precise demorar também - respondeu Ária com tom provocador, claramente para instigá-lo. - Além disso, a do seu tio Harry apareceu quando ele tinha apenas cinco anos.
- Mas...
- Sem 'mas'! - rebateu ela firmemente, lançando-lhe um olhar incisivo antes de desviar a atenção para a amiga, que parecia alheia à conversa entre mãe e filho. A mulher estava entretida observando Lyra acalmar Sanji. - Você sabe muito bem que ele foi o único que conseguiu escapar.
O olhar de Ária repousou por um momento sobre Sanji.
Ricky abaixou os olhos, sentindo-se um tanto culpado.
- Sim, mãe... eu sei.
O pequeno Vinsmoke virou-se lentamente para Lyra, com uma expressão de hesitação evidente.
- Lyra, você tem certeza que seu irmão é tranquilo? - murmurou, preocupado, após perceber o olhar soturno que Ricky havia lançado em sua direção.
A jovem Lharpy olhou para ele com uma expressão de confusão antes de virar os olhos para o irmão, que estava do outro lado da cama.
- Ricky! - chamou sua atenção com firmeza. - Para com isso, você está assustando ele! - reclamou, bufando, claramente irritada.
O mais velho franziu o cenho, ofendido, enquanto a mãe suspirava, parecendo exausta. Estava acostumada com as brigas constantes entre os dois. Embora Ricky já tivesse 18 anos, Lyra tinha um talento especial para fazê-lo entrar em discussões infantis. Ele, orgulhoso como era, não resistia à provocação. "Não vou perder para uma criança", dizia sempre que ela o manipulava. Principalmente se essa criança fosse Lyra.
- Você vai mesmo ficar o lado dele? - questionou Ricky, incrédulo. - Lyra, você não pode simplesmente me pedir para não encarar um garoto que você beijou na bochecha.
- E daí? - respondeu Lyra, dando de ombros. - Eu já te vi com a Tess no corredor.
Ricky arregalou os olhos, alarmado. Ela não faria isso... pensou, apreensivo. Mas Lyra continuou.
- Você estava com o rosto colado no dela e segurando a bun...
- CHEGA!!! - interrompeu Ricky, o rosto tingido de vermelho, antes que ela pudesse completar a frase.
Sora, que assistia à cena, não conseguiu conter o riso. Para ela, aquela interação era puro entretenimento.
- Ricky?! - exclamou sua mãe, chocada. - Por amor a Dios, o corredor definitivamente não é lugar para isso! Arranjem um quarto. Lá dá para ter mais privacidade e aproveitar melhor. Além disso, você sabe que não pode...
Ricky sentiu o desejo profundo de desaparecer na poltrona. Sua mãe nunca foi conhecida pela discrição nessas conversas. Quando ele começou a demonstrar sentimentos por Tess, uma vizinha e amiga da família, ela foi a primeira a perceber e imediatamente lhe oferecer conselhos. Conselhos esses que eram constrangedores na melhor das hipóteses. Depois veio seu pai, que abordou o assunto de maneira mais sutil e discreta.
- Sua mãe sempre foi bastante direta quanto a esses assuntos - havia dito o pai num mês passado. - Se preferir evitar constrangimentos, melhor nem tocar nesse tema perto dela. Sabe bem que ela é cuidadosa em excesso e acaba sendo... explícita.
Para o azar de Ricky, parecia que Lyra tinha herdado exatamente essa característica da mãe.
- Mãe, eu entendi. Você não precisa repetir isso toda vez - disse Ricky, esfregando as têmporas em busca de paciência.
Ária cruzou os braços, lançando um sorriso malicioso.
- Nunca se sabe quando terei meus tão sonhados netinhos - comentou ela casualmente. - Ah, seria uma abuela tão jovem... Será que minha mãe se sentiu assim também? - refletiu em voz alta.
- Não, mãe! Você não vai ser abuela agora! Nem eu nem a Tess estamos casados! - respondeu Ricky se sentindo perder a sanidade.
- Não precisam estar casados para isso acontecer... - devolveu Ária com um olhar travesso.
- Mãe... - insistiu Ricky, fechando os olhos por um momento para tentar manter a calma.
A risada estridente da rainha Vinsmoke ecoou pelo ambiente. Ao lado dela, Sanji observava tudo sem entender completamente a situação, enquanto Lyra tentava segurar uma risada discreta. Não era segredo. Adorar embaraçar o irmão era uma das suas maiores diversões.
- O foco aqui era a Lyra! - explodiu Ricky, apontando um dedo acusador para a irmã mais nova. - Eu sou mais velho do que você! Você ainda é só uma criança! - tentou argumentar como forma de defesa.
Lyra arqueou as sobrancelhas desafiadoramente.
- A mamãe disse que não tinha problema - respondeu com um sorriso travesso no rosto. Ricky olhou para a mãe com incredulidade; ela só estava piorando toda a situação. - E além disso, se eu quiser... eu beijo ele outra vez.
- Nem se atreva! - rosnou Ricky entre os dentes cerrados.
- Será mesmo? - perguntou Lyra provocativa, arqueando uma sobrancelha fina enquanto deixava escapar uma expressão de desafio. E então, ela se virou para Sanji. - Tudo bem pra você?
O menino ficou imóvel. Ela realmente estava pedindo para beijar sua bochecha novamente? Isso parecia certo? Ele não se importaria, claro que não. Pensando assim, acenou afirmativamente enquanto seu rosto adquiria mais uma vez um tom avermelhado.
Lyra, então, depositou um leve beijo em sua bochecha. Ao se afastar, seus olhos encontraram os dele, de um cinza intenso. Nesse instante, ela sentiu o calor subir ao rosto.
- Desculpa - murmurou ela, desviando o olhar. Não queria que ele pensasse que estava apenas o usando para provocar o irmão. Na verdade, ela havia gostado daquilo.
- Não precisa se desculpar - disse Sanji em um tom baixo e gentil. - Eu não te impedi - complementou, ainda corado.
Para a sorte de Lyra, que já estava perdida sobre o que dizer ao menino devido à própria timidez, o som repentino de asas batendo na janela aberta chamou a atenção de todos que estavam no quarto.
- Zeus! - exclamou Ária, animada, ao ver o falcão-peregrino negro pousar no parapeito e começar a limpar suas penas.
O falcão ergueu os olhos amarelos, encarando intensamente sua dona. Era evidente que se comunicava com ela, algo que Lyra, Ricky e Sora sabiam muito bem. Esse era um dos dons únicos concedidos aos Lharpy e seus companheiros: a habilidade de conversar mentalmente com suas aves destinadas.
- Entendi... - murmurou Ária por fim, após a troca silenciosa. Ela então olhou com pesar para Sora. - Desculpe, mas precisamos ir.
Sora a encarou com compreensão. Sabia que não era fácil para Ária visitá-la, mas a amiga fazia questão de aparecer pelo menos uma vez ao mês. E como se isso não bastasse, ainda havia o problema óbvio: a inimizade entre Ária e Judge complicava tudo ainda mais.
- Não se preocupe - respondeu Sora, sorrindo de forma delicada. - Sou grata por terem vindo. Foi um prazer conhecer você, Lyra - disse, dirigindo-se à jovem Lharpy ao lado de seu filho. - E vocês dois podem continuar brincando da próxima vez que vierem.
- Ela não vai vir tão cedo... - resmungou Ricky, visivelmente irritado com a crescente familiaridade entre sua irmãzinha e Sanji.
- Pode ficar tranquilo que ela vai sim - garantiu Ária ao filho, lançando-lhe um olhar mortal enquanto fingia um sorriso.
- Obrigada, tia Sora - respondeu Lyra com educação.
A menina começou a descer da cama, mas antes que pudesse terminar o movimento, Sanji foi mais rápido. Ele se posicionou à sua direita, à frente da cama, estendendo-lhe a mão como um perfeito cavalheiro. Com um meio sorriso nos lábios, ele a encarou.
- Vamos, minha bela dama.
Lyra sentiu seu rosto corar intensamente, mas aceitou o gesto. Segurou delicadamente a mão dele e desceu com cuidado, sem a impulsividade com que havia subido antes.
- Muito obrigada, meu príncipe - agradeceu ela com um sorriso suave, dando-lhe outro beijo na lateral do rosto. Ela levantou um ponta dos pés, mas não muito, e o fez segurando na barra de seu vestido.
- Já chega de beijos! - protestou Ricky, vermelho de raiva.
Sanji estremeceu ao ouvir a explosão do mais velho, mas não se deixou intimidar. Sua mãe sempre havia ensinado que boas maneiras eram indispensáveis. Ele segurou novamente a mão de Lyra e, antes de fazer o que planejava, curvou-se lentamente. Então, levou as costas da mão dela aos lábios e as beijou com um gesto gracioso.
Sora observava a cena com um sorriso orgulhoso e soltou uma risadinha discreta, enquanto Ricky parecia prestes a explodir de puro ciúme.
- Até logo, minha bela dama - disse o garotinho com um sorriso travesso.
Ele mesmo não compreendia de onde vinha tanta ousadia, mas sentia que não era exatamente errado.
- Eres un chico descarado... - resmungou Ricky, lançando um olhar de reprovação para as duas crianças.
...[💛]...
Sem dúvida, aquele havia sido um encontro memorável para ambas as famílias. A amizade entre Lyra e Sanji fez com que as visitas dos Lharpy à mansão Vinsmoke passassem a ocorrer quinzenalmente.
E Judge odiava isso.
Mesmo assim, ele tentava tirar algum proveito dessas ocasiões. Sempre dava ordens a um de seus filhos para interferir nas brincadeiras dos dois, na esperança de que Lyra se afastasse de Sanji e desse atenção aos outros irmãos. Contudo, seus esforços nunca davam resultado.
Lyra simplesmente não gostava dos demais irmãos Vinsmoke. Ela achava ridícula a maneira como viviam provocando e implicando com Sanji. Muitas vezes, ela mesma intervinha nessas brigas, repreendendo-os e ordenando que fossem embora.
- Por que você não revida? - perguntou certa vez enquanto cuidava dos ferimentos em Sanji. - Eu sei que são seus irmãos, mas até o Ricky não faz isso comigo.
Os gêmeos mais velhos haviam encurralado Sanji no corredor, o que resultou em hematomas por todo o corpo do menino. Mas, para o azar deles, Lyra apareceu logo depois. E ela não era do tipo de pessoa que deixava algo assim passar em branco.
Os treinamentos de artes marciais de Lyra tinham dado frutos. Os Vinsmoke eram a prova viva disso.
- Eles são... diferentes de mim... - murmurou Sanji, meio cabisbaixo. - Eu não sou como eles... forte.
Lyra não respondeu com palavras; em vez disso, deu-lhe um tapa firme no braço. Sanji recuou rápido, olhando para ela com os olhos arregalados enquanto esfregava o local atingido.
- Lyra... o que...
Ele se calou ao perceber o olhar furioso que ela lançou em sua direção. Seus olhos azul-claros, profundos como o oceano, brilhavam intensamente. Os cabelos loiros e ondulados estavam soltos como de costume, com a franja repartida caindo suavemente sobre sua testa. Ela usava uma jardineira jeans e uma camiseta branca simples, formando uma composição harmoniosa que realçava sua presença forte e determinada.
- Seu tolo! - exclamou Lyra irritada. - Eu já percebi que seus irmãos têm características diferentes. Mas isso não significa que você deve se rebaixar por causa disso! - disse ela com firmeza. - Sanji, você não precisa ser forte por eles; precisa ser forte por você mesmo. Para provar a si próprio que é capaz de superá-los, mesmo com todas as críticas e provocações que recebe. - Ela segurou a mão dele ao dizer estas palavras, encarando-o diretamente. - Você pode vencê-los sendo quem você é, sem mudar para agradar ninguém.
Sanji piscou algumas vezes, atônito. Era como se estivesse levando uma bronca de alguém muito mais velho e experiente.
- Onde você aprendeu isso? Geralmente você é mais... Imatura, como eu. - disse ele surpreso.
Os olhos de Lyra brilharam por um momento antes de desviar o olhar.
Com o tempo, Sanji havia se aberto mais para ela, fazia piadas e já não era tão tímido quanto no início de sua amizade. Afinal, já se passavam seis meses desde que começaram a conviver; o vínculo de intimidade entre eles havia florescido naturalmente.
- Se você não estivesse tão machucado, eu te daria outro tapa. - resmungou ela, cruzando os braços e batendo o pé contra o chão. Sanji não conseguiu conter um sorriso brincalhão. - Meu pai já me disse isso uma vez. Ele é um homem muito sábio. Acho que você gostaria de conhecê-lo. - comentou com um ar despreocupado, enquanto pegava gaze para continuar limpando os hematomas na bochecha do garoto. - Mas tenho quase certeza de que ele não sentiria o mesmo.
- Ei, isso dói! - reclamou Sanji ao perceber o ardor no local onde ela fazia os curativos. Apesar de terem apenas sete anos, Lyra já sabia como cuidar de ferimentos graças aos intensos treinos que fazia com seus primos e nos quais acabava tratando tanto os outros quanto suas próprias lesões. E ainda tinha a coragem de dizer que não era nada pesado. - Por que seu pai não gostaria de me conhecer? - perguntou ele, intrigado.
- Vamos dizer que Ricky é quase uma réplica exata dele. - respondeu ela com uma risadinha. - Meu pai é extremamente ciumento quando se trata de mim, da Dafne e, especialmente, da minha mãe. Para ser honesta, ele até queria vir aqui para discutir com o seu pai, e apesar da minha mãe achar isso uma boa ideia, acho que só traria um monte de problemas para todos nós.
O Vinsmoke sentiu um calafrio percorrer a espinha.
- É... talvez seja melhor não nos encontrarmos por enquanto - disse ele, hesitante. Lyra deu uma risada leve.
- Somos apenas amigos. O que de tão grave poderia acontecer? - respondeu com tom despreocupado.
Sanji abaixou ligeiramente o olhar, lutando para esconder o desconforto que brotava em seu peito. Um aperto inexplicável parecia tomá-lo, como se algo dentro dele estivesse se fechando lentamente. Mesmo assim, ele apenas acenou, disfarçando os pensamentos que o afligiam.
Para Lyra, a amizade entre os dois era algo natural e especial. Ela gostava da dinâmica que compartilhavam e preferia acreditar que aquela sensação estranha que surgira quando o beijara não passava de nervosismo diante de uma nova experiência - afinal, fora sua primeira vez com um garoto desconhecido. Não deveria significar nada... Certo?
- Mas acho que ele vai adorar a sua comida - disse Lyra de repente, mudando de assunto.
- O quê? - Sanji piscou, despertando de seus devaneios.
- Meu pai - explicou Lyra enquanto guardava os remédios com calma. - Ele ama comer. Você pode conquistá-lo através da comida.
Sanji arregalou os olhos, levemente nervoso com a sugestão inesperada.
- Mas eu ainda não terminei de testar todas as receitas... - respondeu apressadamente, tentando justificar sua insegurança.
- Não agora, tu tonto! - Lyra riu. - Mas no futuro, quando você realizar o sonho de ser um grande cozinheiro, pode apostar que nós iremos ao restaurante onde estiver trabalhando!
- Hm... É um bom plano - murmurou ele, ajeitando o lenço no pescoço e tentando conter o sorriso tímido que começava a despontar. Lyra sorriu abertamente, prendendo as mãos atrás do corpo em um gesto enérgico e animado.
- Quando esse momento chegar, você tem que me prometer uma coisa.
Sanji franziu o cenho levemente, intrigado com o pedido repentino.
- Prometer o quê? - questionou, curioso.
Ela ergueu os olhos para o teto, como se tentasse organizar os pensamentos antes de responder.
- Minha família é meio... complicada. Você conheceu só um pedacinho bem pequeno dela até agora, mas há muito mais por trás disso. O que quero dizer é que tenho um grande sonho: quero explorar todos os mares da Grand Line! Conhecer o mundo todo! Só que... nem todos concordam com isso - confessou ela, fazendo uma pausa dramática antes de continuar. - Meu irmão vive dizendo que minha ideia vai me levar à ruína antes que qualquer inimigo consiga fazer isso por mim.
Sanji soltou uma risadinha baixa ao ouvir a última frase, mas manteve-se atento.
- E aonde você quer chegar com isso? - perguntou arqueando as sobrancelhas em expectativa.
- Pera aí! - protestou Lyra bufou irritada, embora seu tom mostrasse que havia diversão em sua irritação. Sanji simplesmente sorriu, achando engraçada a forma como ela reagia. - O que quero dizer é... talvez... um dia a gente se reencontre em algum lugar por aí. Mas eu preciso que você prometa uma coisa importante: nesse dia, você terá que fingir que não me conhece.
O sorriso de Sanji desapareceu instantaneamente de seus lábios. Confuso e até um pouco ofendido pela ideia, ele protestou com veemência.
- O quê?! Por quê?!
A ideia de fingir indiferença ao reencontrar uma pessoa importante era simplesmente absurda para ele.
Lyra suspirou e segurou delicadamente o rosto dele com as duas mãos, forçando-o a encará-la diretamente enquanto seus olhos refletiam uma determinação inabalável.
- Sanji... Algum dia posso acabar fazendo inimigos sérios. E se descobrirem que eu tenho alguém próximo como você, podem tentar te machucar para chegar até mim. Não quero pôr você em perigo por minha causa - explicou ela seriamente, sua voz mais suave do que nunca.
Sanji permaneceu imóvel por um instante, tentando digerir aquelas palavras e pesar a lógica por trás do pedido dela. Ainda assim, ele achava aquilo difícil de aceitar, parecia exagerado e sem propósito real. Mas Lyra era uma criança com uma imaginação muito fértil, tudo parecia possível para ela.
- Lyra, isso não va...
- Não importa! - Ela soltou o rosto dele e estendeu o dedo mindinho. - Prometa pra mim.
O olhar de Lyra era tão resoluto e sério que Sanji não viu outra saída senão suspirar. Eram apenas crianças, impossível ter qualquer garantia sobre o futuro, mas se isso a deixaria mais tranquila, que fosse assim. Além disso, ela era incrivelmente teimosa.
- Eu prometo. - O garoto correspondeu ao gesto.
O sorriso de Lyra brilhou de satisfação, e em um ímpeto de alegria, ela o puxou pelas mãos, arrastando-o para o meio do quarto. Começou a dançar de forma despreocupada, sem qualquer ritmo ou coordenação. Não importava. A leveza do momento inundava o espaço.
Sanji não conseguiu conter o riso. Ao lado de Lyra, ele tinha a rara sensação de ser apenas uma criança comum, desfrutando de uma infância que nunca pensou ser possível. Desde que ela chegou, sua visão de mundo havia mudado. Tudo parecia diferente: uma nova chance, uma realidade além dos muros do castelo que antes pareciam sufocantes. Lyra era fascinante. Ela falava dos primos da ilha em West Blue onde vivia, de suas viagens com a mãe, e dos primeiros passos em busca de seu sonho. A convicção dela era contagiante.
E ali, sob a influência daquela energia inesperada, Sanji começou a acreditar que seus próprios sonhos também poderiam se tornar realidade
Quem sabe um dia...pensou ele.
...[💛]...
Lyra estava em casa, em Tabern Island. Apesar de adorar viajar, nada se comparava à sensação de familiaridade: deitar na própria cama, sentir o perfume do jardim, aproveitar a comida caseira, até mesmo apreciar os pequenos detalhes que só tinha ali.
Na ampla sala do castelo, onde viviam todos os descendentes dos Lharpy - tios, primos e mais -, reinava uma agitação contínua. A grandiosidade do castelo era justificada justamente pela quantidade de parentes que lá habitavam. Os cômodos eram divididos estrategicamente: de um lado, os quartos e o jardim; mais adiante, o local de treinamento; e, nos fundos, um edifício que abrigava toda a história da família. Um dia, quando atingisse certa idade, Lyra também carregaria o símbolo dos Lharpy, gravado em seu corpo como uma tatuagem simples: um círculo rodeado por formas que lembravam asas.
Mas viver sob o mesmo teto com tantas pessoas trazia os seus desafios. O caos era inevitável e surgia várias vezes ao longo do dia.
Dafne era a caçula e estava prestes a completar um ano. Depois vinha Lyra, seguida pelos primos Luke, Axel e Castiel, que tinham a mesma idade. Já Ethan havia completado 16 anos, enquanto Ricky era o mais velho e já havia completado a maioridade.
- Luke! Devolve isso! - gritava Lyra furiosa atrás do sofá, espreitando como uma predadora pronta para atacar. Ela segurava firme no encosto e se preparava para saltar.
- Hmmm... Acho que não - provocou Luke, balançando o papel nas mãos com um semblante zombeteiro. - Quem é Sanji mesmo?
- É o filho dos Vinsmoke - respondeu Axel sem tirar os olhos do livro que lia calmamente: "Dicas de Como Ignorar seu Irmão". Ele mantinha uma expressão de serenidade enquanto os fios brancos caíam displicentes sobre sua testa.
- Luke - avisou Lyra com o tom grave de quem está à beira de perder a paciência. - Não vou repetir.
- Eu aposto 100 berries na Lyra! - exclamou Castiel animado, batendo na mesa. Os cabelos loiros balançaram enquanto ele observava a cena com diversão.
Em resposta, Luke soletrou silenciosamente e com puro deboche: N-Ã-O.
Era o sinal que Lyra precisava. Num salto, ela lançou-se sobre o primo, que caiu no chão com o impacto.
- Sua louca! - berrou Luke enquanto tentava afastá-la.
- Eu avisei! - gritou Lyra, tentando pegar o papel que ele mantinha bem acima de sua cabeça com o braço esticado. Mas ele revidou segurando o rosto dela com a mão livre para atrapalhá-la.
- LYRA E LUKE, SAIAM DE CIMA UM DO OUTRO! - A voz autoritária ecoou pela sala.
Os dois pararam imediatamente, como estátuas. Lentamente, seus olhares se voltaram para a porta. Lá estava ele: o pai de Lyra. Trajando calças pretas e uma camisa branca com mangas arregaçadas e alguns botões abertos, seu cabelo castanho exibindo um ar despreocupado parecia contrastar com a severidade em seus olhos amêndoados
- Oi papai - disse Lyra com um sorriso travesso e constrangido.
- A culpa foi dele(a)! - Luke e Lyra disseram ao mesmo tempo, apontando um para o outro.
- Não importa. - sentenciou o homem sem demonstrar humor. Ele voltou-se para a menina. - Lyra, preciso conversar com você.
Um frio percorreu a espinha da garota. Seu pai costumava ser brincalhão, mas havia algo no olhar sério dele que fazia seu coração acelerar.
Ela seguiu até a porta em silêncio e lançou um último olhar aos primos, pedindo ajuda com os olhos. Axel e Castiel sussurraram "boa sorte", enquanto Luke murmurou com desdém: "bem feito". Irritada, ela mostrou-lhe o dedo médio antes de sair apressada, deixando-o indignado.
- Está tudo bem, papai? - perguntou Lyra baixinho enquanto caminhavam pelos corredores. Instintivamente ajeitou as roupas amarrotadas do treinamento com cavalos de mais cedo.
O homem notou sua expressão preocupada e relaxou o semblante. Um sorriso leve escapou de seus lábios.
- Está sim, querida. Desculpe-me por parecer tão sério - respondeu enquanto paravam diante de uma imensa porta dupla.
Ela reconheceu imediatamente o lugar. Era a sala de reuniões onde seus pais costumavam se reunir com membros do exército revolucionário. Assim que ele abriu a porta, um grito animado ecoou pelo ambiente, marcando a entrada de Lyra.
- Ahhhh, meu Deus! Onde está a minha afilhada linda?!
Antes que Lyra conseguisse dizer qualquer coisa, foi envolvida por um abraço apertado e caloroso. Tudo que pôde distinguir naquele momento foram os cabelos encaracolados e tingidos de roxo.
- Olá, tio Ivan! - respondeu Lyra, aconchegando-se no abraço com um sorriso confortável.
- Minha princesinha! Que saudade eu estava de você! - Ivankov exclamava enquanto envolvia Lyra em um abraço apertado. A garota, ainda que praticamente sem ar, tentou retribuir o gesto da melhor forma possível.
- Ivan, solte a menina. Vai acabar sufocando ela até morrer! - disse Dragon, observando a cena com um sorriso discreto enquanto o advertia.
- Lyra! - Ivankov afastou-se subitamente, segurando a afilhada pelos ombros e examinando seu rosto com preocupação. - Ah, meu amor, me desculpe! - acrescentou num tom choroso.
- Está tudo bem - respondeu Lyra, respirando fundo e sorrindo com leveza. - Também é bom te ver, padrinho - finalizou com entusiasmo antes de acenar para o outro homem. - Oi, Tio Dragon!
Dragon acenou com a cabeça, esboçando um sorriso que carregava tanto carinho quanto admiração. Ele sempre valorizou a determinação que via em Lyra, imaginando que, assim como o pai, a mãe e o irmão, talvez ela um dia se juntasse à causa do Exército Revolucionário.
A sala onde estavam era imponente e raramente aberta para Lyra. Um vasto salão iluminado pelos raios solares que atravessavam as altas janelas exibiam paredes recobertas de estantes repletas de livros. Atrás da enorme mesa redonda no centro do espaço havia quadros: alguns ostentando os símbolos da família Lharpy e outros com belas paisagens.
Ária, a mãe de Lyra, olhou para a filha com uma expressão de leve desaprovação ao notar o estado bagunçado de seus cabelos.
- Lyra, o que aconteceu? - perguntou, franzindo o cenho.
A garota fez uma careta indignada, arrancando uma risada de Ivankov assim que ele a colocou de volta ao chão.
- Eu estava escrevendo uma carta para o Sanji, mas aí o Luke apareceu pra me atrapalhar - começou Lyra, cruzando os braços com fingida seriedade. - A gente acabou saindo no soco.
Diante disso, Ivankov explodiu numa gargalhada sonora enquanto Dragon observava curioso.
- E venceu? - perguntou o líder revolucionário, com um brilho contido nos olhos que denunciava seu interesse genuíno na resposta da sobrinha.
Lyra suspirou, revirando os olhos dramaticamente.
- Você acredita que o papai chegou bem na hora? - respondeu como se mal pudesse acreditar na interrupção.
Ivankov bufou teatralmente de reprovação:
- Ah, Stefan, custa deixar mais uns cinco minutinhos?
Stefan limitou-se a suspirar.
- Eles têm muitos outros dias para tentarem se matar à vontade se quiserem - justificou-se, com seu tom habitual de serenidade.
Dragon então abaixou-se para ficar na altura de Lyra e sorriu de forma reconfortante:
- Eu sei que você teria ganhado.
Lyra correspondeu ao sorriso, agora mais relaxada:
- Claro que sim, tio - disse, o comprimentando com um saquinho.
Dragon levantou-se enquanto Ária chamava a filha com um tom sério na voz. Lyra percebeu imediatamente a mudança na expressão da mãe e correu para perto dela.
- Lyra... Você estava escrevendo uma carta para o Sanji?
- Sim, mamãe - confirmou a garota com sinceridade. - Faz muito tempo que não nos vemos. Quero mandar uma mensagem. Achei que seria mais fácil usar as nossas aves para enviar.
Desde que as visitas ao Reino Germa haviam sido interrompidas há mais de sete meses, Lyra vinha sentindo uma falta crescente do amigo. No início, ela não questionara; lembrava-se bem do estado debilitado em que encontraram a rainha da última vez e também do combinado feito entre ela e Sanji de realizar uma apresentação na visita seguinte para tentar alegrá-la. Contudo, o tempo foi passando e Sanji parecia cada vez mais estranho em suas poucas trocas de palavras. Sempre desconversava quando ela trazia à tona os intensos treinamentos que ele realizava ao lado dos irmãos.
Certa vez, ao buscar respostas por si mesma, foi Yonji quem cruzou seu caminho. E sem qualquer filtro ou tato respondeu às suas perguntas:
- Ele é um fracasso. Nem sei como pode ser nosso irmão. Até Reiju é menos fraca que ele.
As palavras frias e debochadas bastaram para acender a fúria de Lyra. Sem hesitar, ela deu uma rasteira certeira no menino antes de acertá-lo com um chute doloroso entre as pernas.
- Não fale assim dele, estúpido - disse ela, com raiva evidente.
Lyra estava inquieta, sua mente girando em pensamentos sobre como estaria seu amigo naquele momento.
- Lyra... - começou sua mãe, hesitante. - Sora faleceu.
O rosto de Lyra se transformou imediatamente. Uma sombra de tristeza cobriu suas feições, e seus lábios começaram a tremer descontroladamente. Não... Não podia ser verdade. Ela e Sanji ainda tinham a apresentação preparada para mostrar a Sora...
Lágrimas surgiram em seus olhos azuis e deslizaram silenciosamente por suas bochechas. Sora fora sempre tão amável e compreensiva, o oposto de Judge. Demonstrava paciência com Lyra, mesmo quando ela falava rápido demais ou tomava atitudes que não condiziam com o comportamento esperado de uma dama.
- Você será uma bela moça quando crescer. Vai deixar muitos homens aos seus pés - dissera Sora certa vez, sorrindo. - Seu irmão provavelmente vai enlouquecer.
- Tia - respondeu Lyra naquela ocasião, com firmeza. - Que eles corram atrás, porque eu, certamente, não vou atrás de ninguém. - Sua resposta arrancou uma risada da rainha. - Sanji às vezes quase me tira do sério, mas, honestamente, ele sabe ser mais educado que meu primo Luke.
Agora, ouvindo a notícia devastadora, Lyra tentou resistir ao aperto no peito e sussurrou, com a voz embargada:
- Co... como?
- Querida... - Ária disse delicadamente, afastando uma mecha do cabelo da filha para trás de sua orelha. - Você sabe que ela já estava... em um estado muito delicado... - Sua voz começou a falhar, tomada pela emoção. - Ela não resistiu mais...
Incapaz de conter o sofrimento, Ária caiu em prantos.
- Amor - disse Stefan suavemente, segurando os ombros da esposa e tentando confortá-la.
Lyra se encheu de preocupação por outro motivo e perguntou, lutando contra o desespero em sua voz:
- E como está o Sanji?
Stefan permaneceu calmo enquanto amparava Ária até que ela se acomodasse numa cadeira próxima à mesa. Ele trocou um olhar significativo com Ivan e Dragon, que entenderam a gravidade da situação e se aproximaram.
Depois de um momento tenso de silêncio, ele finalmente respondeu:
- Ele foi dado como morto.
As pernas da pequena criança fraquejaram, e ela sentiu o corpo ceder. Antes que caísse, Dragon e Ivan estavam lá para segurá-la.
- Calma, filha. - Stefan aproximou-se com cuidado. - Olha para mim. - pediu, numa voz tranquila.
Os olhos de Lyra encontraram os do pai, e naquele olhar havia algo que aquecia e acalmava seu coração. Ainda assim, a incredulidade dominava seus pensamentos. Ela tentou falar algo, mas as palavras ficaram presas entre as lágrimas que teimavam em cair. Os soluços eram incontroláveis, e suas mãos esfregavam os olhos em desespero. Stefan sentiu o coração apertar diante da fragilidade da filha.
- Lyra... - ele chamou, tentando ser reconfortante.
- NÃO É JUSTO! POR QUE? POR QUE ISSO ESTÁ ACONTECENDO? - gritou ela, entre lágrimas que explodiam em sua voz.
O choro dela ecoou pela casa, atraindo Ricky até o cômodo. Ao chegar, ele viu a cena: Dragon e Ivan próximos à irmã, a mãe cabisbaixa junto à mesa e o pai lançando-lhe um olhar carregado de significado. Ele entendeu imediatamente.
Ricky se aproximou. - Lyra. - disse suavemente, enquanto Stefan segurava os pulsos da menina, afastando as mãos do rosto dela.
- Ricky, Rhea e Karasu foram até North Blue para investigar o ocorrido. - informou seu pai.
Lyra parou por um breve instante, encarando seu pai e depois o irmão, que já havia se abaixado ao seu lado.
- Ele está vivo, Lyra. - disse Ricky com firmeza. - Pedi a Dragon que verificasse melhor a situação, e ele confirmou. - então olhou na direção do líder. - Sanji foi encontrado em um navio... está trabalhando como aprendiz de cozinha.
- O... o quê? - sussurrou Lyra, como se temesse acreditar naquelas palavras.
Mais cedo naquele mesmo dia, haviam dado a trágica notícia da morte de uma amiga próxima de sua mãe, e ela temia que o pior tivesse acontecido com Sanji também. Mas agora... ele estava vivo?
- Você não está brincando comigo, não é, Ricky?! - ela perguntou, quase gritando, embora soubesse no fundo que o irmão jamais faria algo assim.
Ivankov tomou a palavra com sua expressão cortês, chamando a atenção de Lyra. - Minha princesinha, não é brincadeira.
Seus olhos então se voltaram para Dragon.
- Ele está vivo. - confirmou o líder com sua voz grave e segura.
Um alívio enorme tomou conta do coração de Lyra. Ela deixou escapar um suspiro carregado de emoção. Nunca sentira tamanha felicidade em toda a sua vida; era como se um peso descomunal tivesse sido retirado de suas costas.
Seu pensamento então foi para Sanji... ela não conseguia sequer imaginar o quanto ele devia estar sofrendo por ter perdido a mãe. E só de pensar em como seria perder a sua própria mãe, Lyra já sentia o desespero crescer como uma onda avassaladora.
Sem conter a gratidão que a consumia, ela abraçou fortemente Ricky.
- Obrigada, Ricky! - murmurou de maneira trêmula, afundando seu pequeno rosto no ombro do irmão mais velho enquanto as lágrimas continuavam a cair.
Ricky, embora nunca tivesse sido exatamente fã do garoto que tanto sua irmã falava, sabia que nada poderia ser pior do que vê-la chorando daquela forma. Com um sorriso discreto nos lábios, ele envolveu Lyra em um abraço apertado.
- Por nada, hermana.
Sanji estava seguindo seus sonhos. Lyra sabia que, de alguma forma, também precisava continuar atrás dos seus. Havia ainda tantas aventuras aguardando por eles nesses vastos mares... e o futuro reservava o reencontro que ela tanto esperava.
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• Finalmente acabou skskskskskks, demorei mais chegou o cap. Espero que tenham gostado, eu realmente demorei para escrever por causa que eu queria deixar alguns mistérios sobre a família da Lyra.
• Eu fiz uma votação lá no meu Insta, e votaram em cap grande, aí veio esse pergaminho 🤡
• "Mas o que era a Luz que a Lyra seguiu?" Isso é um segredo que vai ser revelado futuramente, por enquanto criem suas teorias com base na voz masculina que a Lyra escutou vindo dela skskskksksks
• Fiz esse cap com a intenção de mostrar como a Lyra e o Sanji se conheceram. Obviamente vai ter outras cenas em alguns cap, como flashbacks, mas isso deixa para depois.
• Espero que tenham gostado, e não se esqueçam de deixar o voto e comentar💛
• Obrigada por ler até aqui, até o próximo capítulo 💛💛
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