Isso Tudo É Familiar
7 Meses Antes
Deixo Abby e minha mãe conversando enquanto saio para atender meu celular. O número é desconhecido e eu poderia ignorar a chamada, mas pode ser algo da empresa.
— Alô?
— Dominic? Oi, é a Kristine.
Franzo as sobrancelhas, tentando lembrar de alguma... Ah, sim. Kristine. Nós transamos uma vez, pouco antes de eu reencontrar Abby.
— Oi... Posso ajudar?
— Sim. Sim, eu... Nós precisamos conversar.
— Por qual motivo? Olha, o que aconteceu entre nós...
— Eu vou te mandar o endereço. Esteja lá o mais rápido que puder.
Com isso, ela desliga, deixando-me totalmente confuso com a sua ligação e ao mesmo tempo curioso, por isso volto para a sala e invento uma mentira para minha mãe.
Eu sei que Abby percebe que tem algo errado, mas não insiste.
Quando chego ao bar escolhido por Kristine, a encontro sentada em um canto afastado. Ela continua do mesmo jeito que me lembro, mas parece um pouco abatida, talvez. Não sei direito e sinceramente, não me importo. Eu só espero que o que ela tenha a dizer seja rápido.
— Kristine. — Desabotoo meu terno, sentando-me no banco estofado.
— Achei que não viria. — A mulher diz, parecendo um pouco aflita. Além de notar que segura um envelope, percebo seus pulsos enfaixados. Ela não tinha isso da última vez que nos vimos.
— Eu vim. Agora esclareça o motivo desse encontro. Quando terminamos...
— Eu estou grávida — diz.
— Bom, meus parabéns...
— E é seu.
Isso me deixa sem palavras. A primeira coisa a dizer é que não é possível, mas eu permaneço calado quando ela me entrega o envelope e eu não preciso abrir para saber o que é.
A noite que nos conhecemos vem em minha mente e eu relembro cada detalhe, um deles inclusive é que eu cometi o pior erro de todos: esqueci da camisinha. Podem me chamar de burro, mas foi rápido. Estávamos bêbados e com pressa e por apenas um momento, apenas a porra de um momento, eu me esqueci do preservativo. Kristine, por outro lado, se lembrou a tempo, mas não a tempo o suficiente para evitar isso, pelo visto.
— Como sabe que é meu? — pergunto, achando minha voz e tentando ignorar o pânico. Um filho. Meu Deus. E a Abby... — Não pode esperar que eu acredite em você tão facilmente.
— Eu não estive com mais ninguém depois de você.
Dou risada, levantando.
— Tudo bem, você teve a sua chance...
— Eu faço um teste de DNA. — Kristine também fica de pé. — Eu vi na internet que é possível fazer isso depois do terceiro mês de gestação. Mais quatro semana e eu poderei fazer.
— Então me procure daqui a quatro semanas.
Sem pensar mais, lhe dei as costas e saí do bar.
Foi um decisão idiota e eu agi como um babaca. No fundo eu sabia que Kristine não se arriscaria a tanto apenas para dar o famoso e velho golpe da barriga. Afinal, quatro semanas depois fizemos o teste de DNA — depois de eu ter certeza que não arriscaria a vida do bebê, sendo ou não sendo meu — e o resultado não foi surpresa alguma. Eu vou ser pai.
Agora, volto ao apartamento depois de descer até a entrada do prédio, mas já era tarde mais. Abby já tinha ido e eu não pude ir atrás dela. Falei a verdade quando disse que Kristine precisa de supervisão. Sendo sincero, fico aliviado quando volto e a encontro tomando suco e não cortando os próprios pulsos outra vez.
— Você precisava dizer aquelas coisas a ela? — Pergunto, catando as roupas e embalagens de comida do chão do quarto.
— Eu menti? Viver aqui e em uma prisão não é muito diferente — murmura, encarando a TV.
— Eu quis te colocar em um...
— Hospital psiquiátrico? Você disse que cuidaria do bebê, então até ele nascer, nós dois somos responsabilidade sua. Me jogar naquele lugar...
— Eu quero o melhor para vocês dois. Quando sugeri sua internação, foi para o seu bem, Kristine. Você precisa de ajuda, a prova disso está bem aí. — Aponto para as gazes em seus pulsos. Como sempre, ela resolve ficar calada.
A verdade é que depois dos primeiros cinco meses, ela pirou. Ela literalmente começou a dizer que isso era um erro e que ela não podia ter o bebê, que estragaria a sua vida. A Kristine que me procurou meses antes era totalmente diferente, queria ficar com o bebê, mas que eu arcaria com a responsabilidade — coisa que eu decidi fazer assim que descobri que esse filho é meu.
Desde então, Kristine deixa claro que não quer mais o bebê, que assim que nascer, ela irá sumir das nossas vidas para sempre. Eu ainda tenho esperança que isso seja um blefe, que assim que o bebê nasça, ela perceba que não pode abandoná-lo.
Ainda assim, meu maior medo não é esse. Eu investiguei a sua vida, precisei saber exatamente quem é a mãe do meu filho e isso me rendeu um histórico em vários hospitais psiquiátricos. Acontece que Kristine não é uma pessoa estável e suas intenções, além dos últimos meses, provam isso. Quando eu a conheci, ela estava bem e eu nem mesmo desconfiaria disso se não fosse essa situação, mas ela tomava remédios e precisou parar quando descobriu da gravidez.
Quando ela diz que viver aqui é semelhante a viver em uma prisão, qualquer pessoa acharia que eu a mantenho em cativeiro, mas é ela quem se recusa a sair porque odeia a ideia das pessoas vê-la "desse jeito".
Eu já não sei mais o que fazer, ainda mais com o bebê a poucas semanas de nascer.
— Eu sinto muito — sou tirado dos meus pensamentos por sua voz. Ela está sentada na cama. — Eu não quis piorar a situação com a sua esposa.
— Não se preocupe com isso. — Ponho as roupas no cesto. — Você deveria estar deitada.
— Meu Deus, como você é chato! — apesar de reclamar, ela volta para a cama.
— Você quer alguma coisa?
— Não. O que você ainda está fazendo aqui?Tipo, sua esposa acabou de sair daqui depois de descobrir que você será pai e escondeu isso dela. Por que não foi atrás dela?
— Porque preciso cuidar de você.
— Eu posso cuidar de mim mesma.
— Estarei na sala, caso precise.
Fecho a porta do quarto, pegando meu celular no bolso para ligar para Abby.
A reação no rosto dela, a mágoa...
Deus, o que eu fiz?
Eu devia ter contado assim que saiu o resultado do teste ou até mesmo quando Kristine me procurou, mas eu obviamente não fiz e deu nisso.
Posso estar parecendo calmo, mas a não poder ir atrás da Abby está me matando. Eu sei que expliquei tudo a ela, mas isso não significa nada quando menti para ela e traí sua confiança. Abby nunca vai me perdoar, mas eu espero que perdoe. Nosso casamento não foi para prendê-la. Quando pensei em pedí-la em casamento, a ideia pode ter sido por motivos egoístas, mas no momento que me declarei para ela naquele terraço, eu percebi que querer casar com ela não tinha nada a ver com a situação em que estamos agora.
Eu menti, mas isso me matava um pouco a cada dia. Quando Abby contou que estava grávida, eu me senti ainda mais horrível por ter tido a reação de merda que eu tive. Ela não merecia nada disso.
E não me surpreende quando Abby não atende minhas ligações.
Um zumbido enche meus ouvidos enquanto pisco várias vezes, sentindo algo quente enquanto escorrendo por minha têmpora.
Alguém está batendo na janela do carro enquanto grita alguma coisa e é só então que tomo consciência do que aconteceu: eu bati em outro carro e não tenho dúvidas que o homem que está gritando do lado de fora é o dono do veículo.
— Merda. — Murmuro, soltando o cinto de segurança e abrindo a porta do carro.
— Você tem ideia do que fez?! — o homem de meia idade continua a gritar, mas dessa vez na minha cara.
— Deixa eu advinhar... eu bati no seu carro? Então sim, eu sei muito bem o que eu fiz. — Reviro os olhos, buscando meu celular na bolsa.
— Olha aqui, sua mulherzinha, você sabe quem eu sou? Eu posso...
— Você pode calar a boca e deixar eu resolver isso e tentar não me irritar porque não é um bom dia — digo a ele, não fazendo esforço para soar agradável. — Não gostou que eu bati em seu carro? Continue falando e eu atropelo você.
— Você não...
— Eu disse...
— Olha aqui...
— ... para você...
— Vou te proce...
— ... ficar calado.
O homem fica vermelho, mas se cala e eu posso finalmente ligar para o seguro, ignorando a minha dor de cabeça.
Em meia hora, o problema é resolvido e eu entro dentro de um táxi.
— A senhora quer que eu a leve ao hospital? — o taxista pergunta, notando o sangue em minha testa.
— Não. — Dou o endereço da mansão a ele e seguimos a viagem em silêncio.
Dominic não parava de me ligar e eu desliguei o celular assim que entrei no táxi. Eu sei que ele não vai para casa agora, vi como Dominic se preocupa com Kristine, então sei que não vai deixá-la.
Minha situação e daquela mulher podem não ter sido a mesma, mas Dominic nunca me deixou e ela está carregando um filho dele.
Ao chegar na mansão, vou direto para o nosso quarto, passando por Lucy que se assusta ao ver o meu estado, mas eu recuso seus cuidados.
No quarto, eu encaro a cama.
Nós fizemos amor hoje de manhã, como tudo pode ter desmoronado tão rápido?
Vou direto para o closet, pegando minha mala e colocando em cima da cama. Então começo o processo de colocar as minhas coisas nela, sem me dar o trabalho de dobrar ou pegar roupas que ele me deu.
Isso tudo é familiar.
É, não é? Estou fazendo minhas malas pela segunda vez para ir embora desde que comecei a me relacionar com ele.
Você não deveria ter voltado.
Não, eu não deveria.
Quando passo pela foto de nós dois na mesa cabeceira, meu autocontrole se esvai e eu arremesso o retrato na parede, deixando as lágrimas virem à tona.
Não sei qual ítem do qual eu quebro depois, mas de repente, eu estou destruindo tudo o que vejo pela frente, tomada pela raiva e a dor da traição.
Foi nesse quarto que eu chorei quando eu achei que ele fosse morrer quando ficou desaparecido. Nesse quarto, eu tomei a minha decisão. Aqui, eu contei a ele que queria me casar. Disse-lhe sim sem saber o real motivo de ele querer casar comigo, acreditando que ele era a pessoa certa para mim, que nunca faria algo que fosse partir o meu coração.
Burra. Burra. Burra.
Quando jogo o despertador na parede, é por pouco que não acerto a cabeça de Liam quando ele entra no quarto.
— Posso saber por que raios você está destruindo a porra da mobília? — pergunta, olhando em volta.
Respiro fundo várias vezes e volto a pegar minhas roupas para pôr na mala.
— Saia daqui — digo a Liam. Ele provavelmente deve saber o que seu irmão vinha escondendo.
— Abby. — Liam se aproxima, mas não olho para ele — Abby. — Não satisfeito, ele me impede de passar. — Puta que pariu, você está sangrando?
— Estou avisando, Liam: me deixe em paz. — Tento passar, mas ele me segura.
— Primeiro, diga o que está acontecendo, porque eu sei que destruir casas ainda não é um esporte, então você não pode estar praticando para as Olimpíadas.
— Vá se foder você e suas piadas. E não finja que não sabe do segredinho do seu irmão.
— Você se esqueceu que eu me apaixonei pela esposa dele? Não somos exatamente melhores amigos agora. — Me sinto egoísta por não me importar com a mágoa em seus olhos agora.
— Está me dizendo que não sabe sobre a Kristine? — Olho bem para ele, porque do mesmo jeito que conheço seu irmão, também conheço Liam.
— Quem? — Sua confusão é genuína e eu não nego que me sinto aliviada.
Solto-me dele, porque preciso respirar antes de admitir que meu marido mentiu para mim por meses.
— A mulher que está esperando um filho do seu irmão.
— Como é que é?
Conto tudo a Liam enquanto termino de arrumar minhas malas.
— Ele sabe que você está indo embora? — é tudo o que pergunta, mas eu vejo o esforço que ele está fazendo para manter a boca fechada.
— Quero fazer um surpresa — respondo secamente, fechando a mala.
Liam suspira, passando a mão no rosto.
— Essa família é um combo de novela mexicana — murmura. — Para onde você vai?
— Não vou contar. Será a primeira coisa que ele irá perguntar a você. — Ponho a mala no chão e pego minha bolsa.
— Eu não vou contar, Abby, pelo amor de Deus! E quer saber a primeira coisa que eu vou fazer? Dar um soco nele.
— Seja feliz. — Arrasto a mala, mas não vou muito longe pois Liam me para.
— Você não tem um lugar para ficar, tem?
— Sim. — minto. Eu não posso ir mais para o meu antigo apartamento ou para a casa da minha família. Ir para a casa de algum dos meus irmãos está fora de questão porque não quero levar isso a eles ainda.
— Você mente muito mal, gata borralheira. — Liam suspira. — Eu tenho um lugar e não vou contar ao Dominic.
Eu o avalio. Sei que posso confiar em Liam, mesmo com tudo o que aconteceu. Ele ainda é meu melhor amigo e eu confio nele, além de não ter mais ninguém agora e minha cabeça estar doendo muito.
— Apenas me tire dessa casa.
O apartamento de Liam é muito parecido com a cobertura de Dominic e lembrar disso me faz hesitar por um momento, mas mesmo assim fico grata por ter um lugar para ficar até saber o que farei daqui pra frente.
— Não tem comida, mas há alguns números de delivery na porta da geladeira — Liam está dizendo enquanto olho em volta. — Você pode ficar com o quarto de hóspedes no final do corredor.
Deixo minha mala e vou até a janela de vidro para olhar a cidade.
Dominic já foi para casa? Ele está me procurando agora?
Isso importa? Ele mentiu para você.
Não sinto que posso mais chorar por isso. O poço de lágrimas dentro de mim secou e minha raiva já não me faz querer destruir mais nada. Tudo o que restou foi o silêncio em minha consciência.
Sinto o toque de Liam e viro-me para olhá-lo.
— Venha, deixa eu cuidar de você — diz. Deixo ele me guiar até o sofá, notando que tem um quite de primeiro socorros em sua mão, lembrando-me que eu tenho um ferimento na têmpora.
Liam faz tudo em silêncio e eu agradeço por isso.
Quando termina, eu não perceberia se não dissesse nada.
— Eu vou voltar para a mansão. Você precisa de alguma coisa?
— Não. Liam, por favor, não...
— Eu não vou contar que você está aqui.
Grata por isso, suspiro antes de seguir os movimentos de Liam e ficar de pé.
— Obrigada — digo, pois não tinha lhe agradecido ainda.
— Apenas se cuide, está bem? Estarei aqui pela manhã.
Faço que sim e me despeço com um abraço antes de deixá-lo ir.
Sozinha, eu volto a encarar a vista.
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