⸻ 𝐂𝐇𝐀𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐓𝐖𝐎



CAPÍTULO DOIS

"More Of Them"







               𝓐ntes mesmo de se transformar, Zuri já levava uma vida solitária. Os demônios do passado não a permitiam depender de mais ninguém. A pessoa mais próxima que a garota deixava se aproximar era Ária, e isso só porque a mulher era sua única ligação com os pais.

 Ao chegar à puberdade, Zuri começou a notar mudanças extremas em seu corpo — mudanças que não pareciam humanas. Em apenas um ano, a garota havia crescido quase 20 cm, sem mencionar a força que estava ganhando. O pior, porém, eram as mudanças repentinas de humor. Tudo parecia amplificado: a felicidade era mais brilhante, a tristeza mais profunda e a raiva... ah, a raiva. Como descrever? Era algo indomável. Qualquer coisa a levava à ira. Seu corpo tremia, e parecia que martelos estavam sendo cravados em sua cabeça pela dor avassaladora que surgia. Com o tempo, ela começou a entender o que estava acontecendo.

 Ária ficou surpresa ao perceber o que realmente estava acontecendo com a menina que vira crescer. Como xamã, sabia que era possível, mas, mesmo em sua antiga tribo, nunca havia visto uma fêmea se transformar. Os genes metamorfos sempre haviam sido predominantemente masculinos. Zuri era a primeira de seu conhecimento. Explicar isso à garota foi difícil. Ela era muito nova quando tudo aconteceu e, devido ao trauma, tudo relacionado ao passado parecia uma neblina em sua mente. Zuri achava que Ária estava brincando. Como poderiam existir humanos que se transformavam em lobos enormes? Isso só podia ser uma piada.

 Não era.

 Quando a febre finalmente a atingiu, Zuri ficou completamente derrubada. Sua pele queimava como se estivesse em uma fogueira. Não importava quais chás medicinais tomasse — nada a fazia melhorar. Ela jurava que não sobreviveria, e, de certo modo, essa ideia a confortava. Então, do dia para a noite, a febre desapareceu, e era como se seu corpo tivesse sido substituído por peças de metal. Ela corria mais rápido, ouvia tudo com mais clareza e sentia como se o mundo estivesse mais colorido.

 Zuri tinha 14 anos quando se transformou pela primeira vez. Foi tomada por um surto de raiva sem motivo aparente. Seu corpo superaqueceu e começou a tremer, tudo doía como se todos os seus ossos estivessem se quebrando e se reconstruindo. Só percebeu a transformação quando já estava correndo pela floresta. Nunca havia se sentido tão livre. Sua mente, que antes era barulhenta, ficou subitamente silenciosa, exceto por um leve sussurro que ecoava em seu interior: Corra, Zuri! Desde então, ela não parou de correr... ou melhor, de fugir.

 Voltar à forma humana nunca foi uma opção. Ária costumava dizer que todas as pessoas nasciam com um propósito, e Zuri acreditava que o seu era esse: ser livre. Idolatrava a ideia de não criar raízes, mesmo que, no fundo, sentisse falta de um lugar para chamar de lar. Ela adotou como princípio: quanto mais pessoas entrarem em sua vida, mais sairão. Detestava despedidas, e a última, em especial, a fizera odiar ainda mais esses momentos.

 Foram dois anos vagando sozinha, visitando lugares belíssimos, admirando paisagens deslumbrantes. Zuri nunca quis largar essa vida.

 Até que tudo mudou.

 Sentada ao redor de uma mesa redonda de madeira, comendo a macarronada que Emily havia preparado, Zuri notou o olhar atento da mulher. Não tinha a menor preocupação com bons modos ou etiqueta: já estava no terceiro prato e ainda sentia fome. Mal percebeu quando Emily rodeou a mesa, passando a mão em seus longos cabelos, que batiam na cintura. Mesmo sem cuidados, eles eram hidratados e brilhantes — talvez fosse algo genético, ligado à sua natureza de lobo.

 Zuri soltou um longo rosnado ao perceber o toque.

    — Tire suas mãos de mim — exclamou entre dentes.

    — Seu cabelo é lindo — afirmou Emily, ignorando a reação da garota. — Sam me disse uma vez que o comprimento do cabelo está relacionado ao tamanho dos pelos. Os seus devem ser enormes. Isso não te incomoda?

    — Não tive tempo de pensar nisso — respondeu indiferente, terminando sua comida.

    — Aceita mais? — perguntou a mulher, recolhendo o prato. Zuri apenas acenou com a cabeça.

    — Então, Zuri... — começou Emily, atraindo o olhar da menina. — O que te trouxe a Forks?

    — Minhas patas — respondeu Zuri, como se fosse óbvio, arrancando uma risada de Emily.

    — Quero dizer... qual o motivo da sua vinda?

    — Nenhum. Estou apenas de passagem — afirmou, observando Emily colocar mais comida em seu prato.

    — Indo para algum lugar específico? Encontrar alguém, talvez? — insistiu a mulher, notando o maxilar de Zuri se contrair.

    — Eu não tenho ninguém.

 Emily a encarou por longos minutos. Apesar do tom indiferente da garota, havia um peso evidente em suas palavras. Com um sorriso solidário, a mulher se levantou.

    — Vou pegar uma toalha para você. Imagino que faz tempo que não toma um bom banho — afirmou, recebendo um olhar curioso da garota. — Daqui a pouco os rapazes chegam. Aposto que eles terão mais perguntas do que eu.

 Sem esperar resposta, Emily deixou o cômodo.

 Zuri sentiu o nervosismo crescer. Nunca havia encontrado outros como ela. Tinha muitas perguntas, mas não podia externá-las. Não enquanto não entendesse os motivos de terem-na levado ali.

 Emily voltou com uma toalha e uma muda de roupa, indicando o banheiro e deixando Zuri sozinha para se lavar. A garota se olhou no espelho antes de entrar no chuveiro. Parecia mais velha, diferente. Seus cabelos estavam maiores, sua feição mais madura e seu corpo havia ganhado curvas antes inexistentes.

 O banho quente aliviou seus músculos tensionados. Após anos correndo sem descanso e dormindo em qualquer lugar, sentiu uma estranha sensação de conforto. Vestiu as roupas que Emily havia deixado: uma calça jeans flare de lavagem clara e uma regata branca. Penteou os cabelos e saiu do banheiro.

 Ouviu vozes masculinas vindo da cozinha. Os "rapazes" haviam chegado. Pensou em fugir e voltar à forma de lobo, mas, pela primeira vez, escolheu não correr.

 Zuri adentrou a cozinha, sentindo todos os olhares recaírem sobre si. Por um instante, sentiu vergonha, mas o sentimento logo desapareceu.

    — Venha, sente-se aqui, Zuri. — Emily acenou para uma cadeira ao seu lado. — Eles não mordem.

    — Fale por seu homem, Emily — provocou o rapaz sem camisa à frente dela, com um sorriso zombeteiro.

    — Paul! — o homem mais velho na mesa repreendeu o jovem, que cessou a risada.

 Zuri caminhou lentamente até a cadeira indicada, sentando-se em silêncio. Não sabia como agir diante daqueles estranhos, cinco no total, todos a observando atentamente.

    — Eu sou Sam — começou o mais velho, apresentando-se. — O engraçadinho é o Paul — acrescentou, lançando um olhar de aviso ao rapaz, que sorriu de canto. — À direita está o Jared — o jovem acenou —, e esses são Embry e Quil. São recém-transformados e ainda estão aprendendo a lidar com isso.

 Zuri manteve-se em silêncio, analisando cada um. De canto de olho, notou que os mais novos, Embry e Quil, não paravam de encará-la, quase sem piscar.

    — Você ficou desacordada por dois dias. A pancada deve ter sido forte. Emily cuidou do seu machucado, e ele se curou rapidamente — explicou Sam, recebendo apenas o silêncio da garota em resposta.

    — Ei, garota, o gato comeu sua língua? — provocou Paul, visivelmente irritado pela falta de reação.

    — Fica quieto, Lahote — Jared interveio, revirando os olhos.

    — Não ligue para ele, Zuri — Emily brincou, tocando de leve o braço da garota, que se sobressaltou com o gesto inesperado.

 Os rapazes voltaram a conversar entre si, como se Zuri não estivesse ali. Ela ficou surpresa com o quanto comiam — pareciam um batalhão, e Zuri, com seu apetite voraz, não era diferente.

    — Então, Zuri... — Sam retomou o diálogo, encarando-a com seriedade. — Você se lembra do que aconteceu?

 Zuri assentiu.

    — Jared, Paul e eu estávamos em patrulha quando a vimos. Perseguimos você, e então aconteceu o acidente — continuou ele, observando a expressão impassível da garota. — Emily me disse que você estava aqui só de passagem.

    — Estou só de passagem — repetiu Zuri, com firmeza, pela primeira vez se manifestando verbalmente. Isso causou certa surpresa entre os presentes.

    — Você não é quileute — afirmou Jared, franzindo o cenho. — De que tribo você é?

    — Não sei — respondeu quase inaudível, mas claramente audível para ouvidos superdotados como os deles.

    — Não sabe? — indagou Paul, incrédulo.

    — Não conheci minha tribo — respondeu, seca. Em seguida, questionou: — Por que me trouxeram?

    — Você voltou à forma humana quando bateu a cabeça. Não podíamos deixá-la desacordada na floresta — explicou Sam, com um tom sério.

    — Por quê? — insistiu, apertando os dentes.

    — Você é uma de nós. Não matamos os nossos — Jared respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

 A garota ficou em silêncio, tentando encontrar segundas intenções nas palavras dos rapazes. Não encontrou nada. Eles pareciam honestos.

 "Você é uma de nós." A frase ecoou em sua mente. Zuri nunca havia ouvido algo assim antes. Por um breve momento, sentiu que pertencia a algum lugar. Mas a sensação não durou muito.

    — Eu não sou uma de vocês — disse, de forma ríspida, sentindo o ambiente pesar.

    — Há quanto tempo você se transforma? — perguntou Quil, um dos mais novos.

    — Depende. Em que ano estamos? — respondeu com desdém, inclinando levemente a cabeça.

    — É sério isso? — Paul zombou, até perceber que ela falava sério. — Estamos em 2006. Em que mundo você vive?

    — Me transformei aos 14 anos e estou assim desde então — respondeu Zuri, seca.

    — Você ficou os últimos dois anos em sua forma de lobo? — perguntou Sam, visivelmente surpreso.

A garota acenou afirmativamente.

    — Como conseguiu voltar para a forma humana com tanta facilidade?

    — Não sei. Estava desacordada — falou, como se fosse óbvio.

    — Isso é incrível! — exclamou Embry, empolgado, fazendo Zuri sorrir pela primeira vez em muito tempo. A sensação a pegou de surpresa.

 Rir a fez se sentir diferente. Ela era feliz em sua forma de lobo, mas aquele pequeno gesto trouxe um sentimento inesperado de leveza.

    — Como eu disse antes, estou de passagem. Agradeço pela hospitalidade, mas não planejo ficar — afirmou Zuri, olhando diretamente para Sam e Emily.

    — Fique esta noite. Você deve estar cansada — insistiu Emily, sorrindo gentilmente. — Pode partir amanhã cedo.

    — Eu agradeço, mas não posso aceitar — respondeu Zuri, tentando ser educada.

    — Eu não aceito um "não" como resposta, mocinha — retrucou Emily com firmeza.

 Diante da insistência, Zuri cedeu. Já havia ficado ali por duas noites; uma terceira não faria tanta diferença. Apesar disso, sentiu-se inquieta ao perceber que, de certa forma, começava a baixar a guarda.

 Zuri relutava em admitir, mas havia algo reconfortante em dormir sob um teto novamente, mesmo que fosse no sofá. Não que fosse dos mais confortáveis, mas era um alívio depois de tanto tempo na floresta. Quando os rapazes se despediram e Emily preparou o lugar para ela dormir, Zuri percebeu que não usaria o cobertor deixado ali — seu corpo quente dispensava isso.

    — Durma bem, Zuri — desejou Emily, sorrindo calorosamente antes de sair da sala.

    — Boa noite, Emily — respondeu a garota, surpreendendo-se com sua própria gentileza.

 Zuri deitou-se, revivendo mentalmente os eventos do dia. Pensou na conversa com Emily e na maneira como a mulher a tratava, com carinho e paciência, apesar de sua rispidez. Isso a fez sentir uma pontada de culpa. Depois, lembrou-se dos rapazes, dos olhares curiosos e das palavras de Sam: "Você é uma de nós." Era difícil processar tudo.

 Por mais que tentasse resistir, Zuri sentiu que havia algo ali, uma conexão que nunca experimentara antes. Não era só a questão de serem como ela; era o fato de, pela primeira vez em anos, alguém querer que ela ficasse.

 Enquanto os pensamentos a consumiam, seus olhos começaram a pesar. Não sabia se era o cansaço acumulado ou o calor daquela casa que a fazia sentir algo próximo de conforto. Antes que pudesse evitar, Zuri adormeceu profundamente, como não fazia há muito tempo.







Capítulo não revisado

Estou animada para desenvolver a
relação de Zuri com o bando, vai ser muito bonitinha


Me contem aqui o que estão achando
 da história, aceito críticas construtivas

⤷ Não se esqueçam de votar e comentar na fic, isso ajuda muito



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