- 𝗥𝗘𝗦𝗢𝗟𝗨𝗖̧𝗔̃𝗢 -


As jogados foram feitas, a partida avançou, e os suspeitos desse crime,  particularmente intrínseco, mal podem imaginar o resultado. Com exceção, claro, do hediondo autor dele.

Cercado pelo que me é mais familiar, um cenário repleto de páginas fantasiosas, contos e relatos. Refleti com profundidade sobre os indivíduos que passaram em minha frente, uma gama diversificada que ia desde a simples tolice até a mais gritante presunção. Cada um a sua maneira parecia carregar o peso de um crime, em suas atitudes e palavras, contudo, não necessariamente se diz a respeito deste assassinato. 

A inferioridade que tece uma teia extensa de comparações e rivalidades, onde a indiferença se torna o refúgio em momentos de fraqueza e os sentimentos que existem não passam de uma afirmação vazia. Um revolver de emoções que não inibiria um ato de fúria desesperado para conquistar um pouco de dignidade.

De igual maneira, a insegurança se faz de raiz para a raiva, a reação explosiva que busca na força, a afirmação de posse. Fúria que rompe os pensamentos, enevoando a lógica e a razão, deixando para trás o desgaste emocional. Estafa que acaba qualquer relacionamento humano.

Diferente deles, a arrogância espreita na esquina do orgulho, disposta a tudo para nos envolver em suas tramas de poder. Confunde a realidade dando uma falsa sensação de invulnerabilidade, gritando a ventos sua superioridade, mas esquecendo que as palavras dos homens é passageira e a verdade, inevitavelmente, prevalece.

ㅡ Quem é o culpado? ㅡ indagou o, meu não tão amigo, inspetor da polícia. Uma descrença cínica se rastejando no tom de sua voz que parecia ansiar por uma resposta simples.

ㅡ Aquele que eu disser ser ao fim da estrada de eventos que percorro em minha mente.

A resposta torta, confiante, fez o sorriso esnobe do mais velho sumir e seu rosto tomar uma feição rançosa muito mais familiar a minha presença.

ㅡ Não seja apressado inspetor, a análise precisa de dados necessita de tempo para ser processado. ㅡ Respirei fundo e me levantei, buscando no bolso o maço de cigarros. ㅡ Caminhe comigo. 

Sem estar isento de resmungos inexpressivos, ditos mais para o vento do que propriamente para alguém, o inspetor escolheu por aceitar meu convite, não sem antes dar instruções rigorosas para seus subordinados. Orientou que mantivessem os olhos cravados nos suspeitos, sem jamais desviar, mesmo que fosse para os acompanhar até o banheiro.

No silêncio daquela manhã criminosa, meus passos ecoaram pela mansão firmes direcionados para um terraço lateral que me permitiria olhar para os terrenos, e observar a tempestade que começava se dissipar. Acendi o fumo após encontrar uma boa posição, estendendo o mesmo para meu acompanhante que nada disse após o aceitar. A fumaça do tabaco queimado era rapidamente levado pelo vento frio enquanto o trago preenchia uma parte vazia do meu aparelho respiratório com esclarecimento.

ㅡ De todos os cavalheiros que passaram pelo interrogatório, para quem sua intuição aponta inspetor?

Um som de deboche rompeu sua boca ㅡ Agora o grande detetive Akaashi deseja a minha opinião? Pensei estar correndo pela sua estrada mental perseguindo a resposta assassina.

ㅡ Independente de sua opinião ㅡ com o polegar bati na base do cigarro fazendo cair as cinzas além do balcão, recebendo algumas gotas de chuva nas mangas de meu casaco no processo. ㅡ Já possuo uma resposta bem formada, preciso apenas de uma confirmação externa.

O suposto superior, ajeitou o paletó, inflou o peito e então antes de começar a fazer a sua deliberação sobre o caso, vi correndo pela trilha lamacenta, a peça final que coloca este caso na pasta de sucessos.

ㅡ Sinto por interromper nossa conversa ㅡ apaguei o cigarro soprando para o alto os últimos traço de fumaça ㅡ, mas temo que chegou o momento de acabar com tudo.

ㅡ Oe, seu pirralho insolente! ㅡ gritou ㅡ Não me pergunte coisas que não tem a intenção de ouvir a resposta!

ㅡ É sempre esplêndido passar um tempo em sua companhia.

Virei rapidamente e saí da varanda entregando a ponta de cigarro apagada nas mãos do policial que nos acompanhava. Deixando para trás os altos xingamentos que o inspetor bradava. Com passos largos e rápidos me levaram diretamente para a entrada da casa, onde o meu companheiro policial jovem e cheio de vigor tentava se livrar dos sapatos lamacentos.

ㅡ Detetive Akaashi! ㅡ exclamou assim que me viu.

ㅡ Trouxe o que pedi? ㅡ me aproximei.

O rapaz abriu os botões da farda e então revelou algumas folhas de papel amassadas, franzi pelo desajeito da prova, mas daria os créditos por não te-las deixado molhar no caminho da velha cabana até a casa principal. Tomei-a de suas mãos, passando rapidamente os olhos pelas linhas.

ㅡ Algo de errado, senhor? ㅡ o jovem indagou.

ㅡ Mê de uma das balas de menta que guarda no bolso esquerdo da farda — pedi sem desviar a folha ㅡ, agora mesmo.

Rapidamente, apesar de desajeitado, o policial deixou cair na palma de minha mão uma das balas individualmente embaladas.

ㅡ Minha bala tem algo a ver com o caso?

Abaixei a folha olhando para seu rosto expectante por uma grande explicação ㅡ É claro que não.

Joguei o pedaço de doce mentolado na boca e virei balançando a folha no ar a batendo contra o peito do inspetor assim que ficamos próximos o suficiente. ㅡ Aqui está a peça final, a última cartada. Venha comigo, e traga as algemas, vamos prender o autor do crime nesse instante.

Sem ar por ter me perseguido até ali, não pode reclamar da minha atitude anterior, provendo a brecha necessária para me dirigir até os suspeitos.

A tensão no local onde os nove suspeitos estavam sendo mantidos sob supervisão é praticamente palpável, e protagonizada por aqueles que condiziam respectivamente ao presente e antigo relacionamento amoroso. 

ㅡ Cavalheiros, agradeço pela colaboração até o momento. Após deliberar, graças ao auxílio dos senhores, foi possível chegar a uma conclusão.

ㅡ Não se preocupe, Tsukishima ㅡ uma voz ecoou, atraindo todos os olhares em sua direção. ㅡ As leis do estado preveem a assistência de um defensor público para aqueles que são… Desprovidos de meios para arcar com um advogado particular. 

O loiro que estava tensionado no canto completamente oposto do Sr. Kageyama, fez menção de avançar em sua direção. Mas devido a circunstâncias anteriores, policiais já haviam sido posicionado os acompanhando a fim de evitar novos incidentes.

ㅡ Cale a sua boca imunda, esnobe de merda! ㅡ os gritos de fúria ecoaram para além da sala, percorrendo até os cantos mais escondidos da mansão. ㅡ Você, que cresceu acostumado a ter tudo, que não suportou ser trocado por alguém que considera inferior.

Sem mexer um único fio de cabelo, mantendo a postura confiante, respondeu ㅡ Ignorância é uma benção, não espero que alguém como você realmente entenda como o meu mundo funciona.

Inevitavelmente todos os holofotes apontavam para a dupla, havia aqueles que pareciam aliviados por não serem o foco das atenções e também os que esperavam com ansiedade para que se atracasse ali mesmo apenas por conta do entretenimento. Porém, nas sombras dos sentimentos acalorados a verdade começava a ser subjugada pela fúria das mentiras.

ㅡ Senhores ㅡ o chamei, fazendo a voz cortar a discussão momentaneamente irrelevante. ㅡ Permitam-me fazer algumas considerações. Como vocês já devem estar cientes, a jovem senhorita Shimizu sucumbiu cruelmente, vítima de esganadura. Um ato tão violento que as impressões digitais do assassino se imprimiram com notável clareza em sua pele, registrando até os menores detalhes.

Andei pela sala observando com cuidado suas reações, e continuei ㅡ As marcas em si dizem muito sobre o nosso procurado algoz, começando pelo fato dele não usar acessórios nas mãos. Caso contrário, teríamos observado isso.

ㅡ Parece uma visão rasa e estreita senhor Detetive, se for uma ação premeditada, é fácil retirar e colocar um anel após o crime.

ㅡ Como esperado de um colega intelectual, Sr. Ushijima, uma válida colocação ㅡ apoiei as mãos num pequeno aparador de madeira avermelhada ㅡ, se não houvesse outros dados para analisar.

Seguindo com minha narrativa, transitando enquanto criava a minha própria ambientação, fiz daquele local meu palco, e a exposição das complexidades de um crime, meu monólogo.

ㅡ A fragilidade do ego, reflete as inseguranças e receios mais profundos que vivem no âmago de um ser humano, um pequeno ato de gentileza pode criar quaisquer ilusões para suprir essa falha. Mesmo os indivíduos mais poderosos, carregam, atrás das suas máscaras, a vulnerabilidade. A diferença reside no status. Na vida de luxo frívola que preenche esse sentimento falho de segurança e a aceitação de uma realidade ludibriante para aqueles que nascem fracos.

ㅡ O tempo nesse enigma é nosso aliado, três visitas consecutivas que provam, sem sombra de dúvidas, que nossa vítima estava viva durante tais encontros, deixando um intervalo de oportunidade pequeno para o crime se materializar. ㅡ continuei ㅡ A cena do corpo solto descuidadamente, e a falta de cuidado com os arredores refletem como um espelho a mente desalinhada, que consegue apenas olhar o alvo. O rastro de sentimento falho e momentâneo que, em seu ápice, saciou a vontade de roubar de todos os outros o último olhar de sua vítima.

Enquanto a maioria dos homens pareciam confusos, ou entediados pelas minhas palavras, um deles começou deixar escapar os primeiros sinais de libertação. Um riso começou a ecoar contido e então ganhou força fazendo sair das sombras o verdadeiro culpado.

ㅡ São meus! ㅡ proclamou a voz, ressoando com um traço de insanidade. ㅡ Todos os últimos momentos são meus. 

Finalmente, o inspetor, com uma serenidade firme, deu a ordem há muito aguardada:

ㅡ Shirabu Kenjirou, você está preso, acusado do assassinato de Kiyoko Shimizu.

ㅡ Ela me amava, ela morreu feliz por ser eu. Não a do ex namorado que nunca superou, do namorado que só sabia a machucar, ou o suposto melhor amigo desesperado para colocar suas mãos nela! 

O caos foi momentaneamente instaurado enquanto os policiais tentavam segurar alguns dos suspeitos de avançar no assassino.

ㅡ Observei todos vocês, por muito tempo, qualquer um poderia estar no meu lugar. Qualquer um poderia ser o último! ㅡ ele se debateu nas mãos do policial ㅡ Só que no fim, foi para mim que Kiyoko dirigiu seu olhar em seus instantes finais, e as lágrimas que derramou enquanto tinhas as mãos presas em seu pescoço pertencem inteiramente a mim!

O orgulho em ser o ponto final, o fez se livrar das inibições e assumir para aqueles que observou das sombras, a suposta vitória.

Por um momento as brigas cessaram e então os poucos que tinham motivo realmente resolveram ceder ao seu luto, como deveria ter sido desde o começo ao invés de usar a morte de alguém para incriminar outros. O inspetor deu as últimas orientações para aqueles que se provaram inocentes, e os que decidiram deixar aquele grande tabuleiro ao fim do jogo foram escoltados.

ㅡ Foi uma esplêndida atuação, senhor detetive, Keiji Akaashi. Adoraria convidá-lo para uma partida de xadrez, tenho certeza que seria… Notável. ㅡ o professor Ushijima Wakatoshi estendeu-me a mão num cumprimento solene.

ㅡ Tenho certeza que sim, professor. ㅡ respondi seu aperto ㅡ Porém, não me lembro de ter dito meu nome completo.

Um brilho desafiante passou pelos seus olhos ㅡ Existem pessoas astutas em todos os cantos, senhor detetive, não precisa deixar suas barreiras tão altas, além disso, os outros policiais falam.

O homem soltou a minha mão e ajeitou as vestes, saindo do local deixando para trás uma sensação… Peculiar. 

Repentinamente fui interrompido de devaneios mentais pela inocência de uma grande participação desse caso.

ㅡ Incrível detetive, fez o assassino se revelar! ㅡ o jovem policial juntou as duas mãos na frente do corpo. ㅡ Como esperado, eu o admiro muito Sr. Akaashi. Mas… E se ele não falasse nada? Mentisse até o final?

ㅡ Nenhum dos outros acusados possuíam mãos do tamanho correto para realizar o assassinato, a perícia também irá confirmar como prova os cacos do vazo presos na sola dos sapatos dele. ㅡ coloquei a mão em seu ombro ㅡ E a peça final, que não poderia ter sido conseguida sem a sua ajuda, a lista de convidados.

ㅡ Ah! Eram listas diferentes, o assassino deve ter dado um jeito de alterar os nomes e enviou para os responsáveis. Mas não sabia que o vovô da cabana tinha uma original que foi entregue antes, impresso, porque ele não usa computador!

ㅡ Continue assim ㅡ me afastei ㅡ, mais alguns anos e posso fazer de você meu aprendiz.

ㅡ Seria uma honra!

Dentre as nuvens de tempestades desfeitas, o sol brilhou, revelando a beleza da paisagem verde, alheia ao cenário de assassinato que envolvia. 

As rodadas aconteceram, as escolhas dos jogadores foram meticulosamente traçadas durante o decorrer dos eventos, e ao término deste imenso tabuleiro de mistérios que é a investigação de um crime, existe uma conclusão.

Caso encerrado.

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