13. Três, dois, um...





Jules olha sua própria imagem no espelho, pelo que parece ser a quinta vez em três minutos, e esfrega as palmas suadas no tecido da calça. Ela sabe que parece agora a definição literal de nervosismo e insegurança, mas não consegue evitar.

Ela está nervosa e insegura.

Com o que está prestes a acontecer, não é de se espantar que seu coração se encontre na garganta. Dedos frios serpenteiam o bolso da calça, checando se tem o comunicador em fácil alcance. Afinal, ela podia apostar que precisaria dele muito em breve.

As vozes de Scott e Kurt ecoam no corredor, do lado de fora da porta do banheiro onde ela se trancou trinta minutos atrás, e é o sinal que Jules precisa para saber que já enrolou demais. Ela precisa sair agora se quiser ter uma vantagem.

Ainda assim, ela fita seu reflexo outra vez, avaliando. Um pouco de maquiagem deixou mais suave os hematomas em seu rosto, mas não tinha muito o que fazer sobre aquele corte em sua têmpora direita, ou o menor em seu lábio inferior. Sua escolha de roupa, um jeans cintura-alta com uma blusa de mangas de sino, ajudou a esconder os ferimentos em seu corpo.

Ela parecia apenas relativamente machucada, não como se uma bomba tivesse explodido em sua cara.

Bufando, Jules se afasta do espelho, sentindo-se meio boba por estar preocupada com sua aparência física agora. Sendo realista, não é como se ela esperasse que James a olhasse e achasse que ela é a mulher mais bonita do mundo, ou qualquer coisa do tipo.

Além disso, ela tem prioridades maiores nesse momento do que parecer deslumbrante.

Abrindo a porta repentinamente, ela acaba assustando Kurt e Scott, que se distraíram em sua própria conversa. Eles assistem, com expressões atordoadas, quando ela se aproxima, e são sensíveis o bastante para não mencionar sua palidez incomum.

— Pronta pra ir? — Kurt pergunta, sorrindo gentilmente. Jules acena.

— E tem certeza que vai fazer isso sozinha? — Scott franze o rosto, visivelmente incomodado com a ideia.

— Absoluta. — Jules afirma.

— Ainda acho uma péssima ideia. — Resmungando, ele cruza os braços sobre o peito. — O cara quase explodiu a gente.

— Eu já disse que não foi ele. — Argumenta Jules com convicção. — Charles sabe que não foi ele, será que você pode deixar de ser incrédulo só por um minuto?

Silenciosamente, Scott ergue as mãos em forma de rendição, decidido a não fazer daquilo uma grande discussão. Julieta já era teimosa o suficiente por todos eles quando tomava qualquer decisão.

— Você tem seu comunicador? — Kurt pergunta para mudar o foco da conversa. — Estaremos na outra linha,  apenas um toque de distância.

— Chame se precisar de ajuda. — Scott comenta de maneira falsamente casual.

— Ou quando quiser voltar. — Obviamente, Kurt estava tentando evitar que Jules espancasse Scott bem ali no meio do corredor.

No entanto, ela não tinha cabeça para discutir, não agora e não com um amigo. Então apenas suspira, se virando para Kurt e evitando o olhar de seu outro amigo quando diz:

— Podemos ir agora.

Kurt agarra seus ombros com as grandes mãos azuis e, com um estalo, eles desaparecem em uma névoa escura.


✦ . ・゚ .


O silêncio entre Jules e Kurt estava repleto de tensão quando eles reapareceram no beco estreito perto do prédio onde o Cérebro descobriu que James Barnes estava se escondendo. O ar de Bucareste se sentia pesado, e não apenas pelo calor abafado do início de tarde em pleno verão.

Kurt olhou para ela com preocupação, seus olhos dourados mal escondendo sua ansiedade.

— Você está pronta?

Ela assentiu com uma expressão determinada.

— Estou. — Murmurou, sua respiração pegando na garganta enquanto ela observa o edifício de aparência decadente. — Preciso estar.

Era hora de ir. Ela não podia hesitar mais. Kurt deu um aceno de cabeça solene.

— Eu estarei lá, esperando para tirar você quando a hora chegar.

Kurt lhe deu um último olhar de preocupação antes de desaparecer mais uma vez, deixando-a sozinha no beco.

Com sua coragem renovada, Jules se dirigiu ao prédio, observando brevemente a rua estreita de edifícios apertados e alguns poucos grupos de transeuntes aqui e ali. Ela não se demora muito, e rapidamente entra na construção que, por sorte, não possui um porteiro.

Décimo primeiro andar, é onde ela sabe que está o apartamento dele, e pra onde se dirige através das escadas. Não há muitos moradores nos corredores agora, e ela suspeita que não muitas pessoas vivam ali atualmente. Motivo pelo qual, provavelmente, James escolheu aquele lugar como esconderijo desde o início.

Além do fato de ser suficientemente isolado. Ela consegue entender o apelo. 

Em sua mente parece levar muito mais tempo do que realmente faz, até que ela finalmente parou em frente à porta do apartamento e respirou fundo, a mão fechada em punho pairando sobre a madeira da porta.

Ela bate. Uma, duas, três vezes. Dois, quatro, seis minutos se passam. E nada acontece.

Ele não está.

É claro que alguma coisa deveria acontecer para jogar um balde de água fria em seus planos.

Jules respirou fundo enquanto estava na soleira da porta do apartamento, as mãos trêmulas enquanto ela tateia os bolsos em busca de seu canivete suíço. Coisinha muito útil essa.

Leva menos de um minuto, e ela praticamente desfaz a fechadura da porta, ouvindo um clique metálico antes que o outro pedaço caia do lado de dentro da casa. A porta se abriu em um rangido silencioso, revelando o interior do apartamento. Uma sensação estranha tomou conta de Jules enquanto entrava, como se não devesse estar ali.

Entrar no espaço pessoal de Barnes, sem nunca ter recebido permissão para isso, está leve deixando angustiada de uma forma que ela nunca pensou ser possível. Lhe causa um certo tipos e náusea.

O lugar estava notavelmente vazio e deprimente. Cortinas grossas bloqueavam grande parte da luz natural, criando uma atmosfera escura e sombria. Os poucos móveis empoeirados e desgastados que se espalhavam pelo espaço pareciam fazer parte do apartamento há muito tempo.

Jules não conseguiu evitar pensar que o lugar parecia completamente abandonado. James não parecia ter feito um esforço para criar um ambiente aconchegante ou acolhedor.

Era como se ele não pretendesse se estabelecer e criar raízes. Como se estivesse sempre pronto para fugir uma outra vez.

Ela se moveu silenciosamente pelo apartamento, incapaz de evitar que seu olhar vasculhe cada canto. Não havia nada ali que remetesse ao homem que ele viu no museu, menos ainda àquele que ela ajudou quase dois anos antes.

A cozinha estava igualmente vazia e negligenciada. Os armários estavam quase vazios, e a geladeira continha apenas alguns itens básicos. Jules se perguntou se ele até mesmo fazia suas refeições ali, ou se ao menos estava se alimento de forma correta. Aquele lugar parecia mais um refúgio do que um lar.

Finalmente, ela se dirigiu ao quarto. A cama estava arrumada, mas com aparência de que não era usada regularmente. Ao invés disso, havia um cobertor no chão, junto de um travesseiro, e esses pareciam um tanto amassados. Jules decidiu não vasculhar mais o quarto, sentindo que estava invadindo a privacidade de James.

Ela não podia evitar sentir uma sensação de melancolia se apossando dela. James estava claramente vivendo uma vida solitária e triste, algo que ela nunca desejou para ele.

Droga, Jules esperava que ele tivesse um pouco de luz entrando por suas janelas, cadeiras confortáveis e comida boa na geladeira. Ela queria que ele pudesse dormir na própria cama, que seus móveis não estivessem cobertos de poeira, que seu apartamento não parecesse prestes a desabar, ou que sua vida não estivesse tão vazia.

Tudo o que Jules esperava é que ele estivesse vivendo, e ela definitivamente não se preparou para descobrir que era o completo oposto.

James parecia estar fugindo da vida.

Voltando para a sala de estar, Jules tirou seu comunicador do bolso e o encaixou corretamente na orelha direita, prestes a entrar em contato com Kurt e explicar a situação, para que eles não se preocupassem muito se ela demorasse um pouco mais.

E é quando o som da porta se abrindo a fez congelar no lugar, seu coração martelando contra o peito com uma força que lhe causou dor física. Ela se virou lentamente, prendendo a respiração.

Um ano e onze meses. 694 dias.

Foi o tempo que passou desde a primeira vez que Jules viu aquele rosto, no reflexo embaçado de um espelho velho, iluminado por nada além de uma luz amarelada, e estudou cada traço com a intensidade e o empenho de alguém que olharia uma obra de arte rara. Agora, no entanto, a situação é diferente.

James Buchanan Barnes está sob o batente da porta, apenas sete ou oito passos curtos de distância, menos do que ele jamais esteve antes, e Julieta não pode deixar de pensar que está sonhando acordada. Afinal, não seria a primeira vez.

Ela ofega, levando a mão à boca em um esforço falho de encobrir sua respiração irregular. Mas não há como esconder o choque completo que cobre seu rosto lentamente, conforme ela se dá conta de que ele é muito real dessa vez, não uma ilusão, não um devaneio de sua imaginação fértil.

Julieta deixa seus olhos o percorrerem da cabeça aos pés, e não há nada além de curiosidade, e uma genuína apreensão. É rude encarar, e ela está perfeitamente ciente disso. Mas o homem em questão não parece se importar muito enquanto fica apenas parado ali, imóvel como uma estátua de mármore, se deixando ser estudado

Ela se lembra de cada detalhe de seu rosto, todos os minutos dos últimos 694 dias, mas, com a pessoa em sua frente, sua memória parece não ter feito justiça à imagem real. Há um tipo de ferocidade enraizada em Barnes que, mesmo quando ele encolhe os ombros sob a jaqueta marrom desbotada e esconde parcialmente o rosto sob o cabelo escuro e espesso, nitidamente tentando parecer menor, passar despercebido, sua presença se impõe de maneira sufocante.

Ao menos três palmos mais alto que Julieta, ele tem ombros largos, braços fortes, muito fortes, e suas roupas não parecem fazer muito para disfarçar os músculos de seu tórax. É óbvio que ele tem se alimentado melhor nos últimos meses, se o aumento de massa corporal significar algo, e parece ter tomado um pouco de sol também, porque sua pele tem um bronzeado mais saudável do que a palidez que ela o deixou naquele quarto em Montana.

Jules deixa seu coração se aquecer com a ideia de que, mesmo perdido, James tentou cuidar de si mesmo.

A mandíbula afiada agora tem uma camada escassa de pêlos castanho-escuros, sem uma única falha. Seu cabelo cresceu, ao menos quatro dedos, e agora os fios alcançam o espaço entre seu pescoço e os ombros, um boné cinza-escuro levemente inclinado acima dos olhos.

E é ali que Julieta termina sua avaliação, nos olhos mais bonitos que já viu. No mesmo brilho azul perdido e ingênuo pelo qual ela se apaixonou 23 meses atrás. Lentamente, sua mão cai do rosto, e ela exala uma respiração longa que nem sabia estar segurando.

Ele está ali, bem na frente dela. Sua alma gêmea. É inacreditável. E é um alívio.

— Bucky. — Jules escuta a si mesma dizendo, mas não é nada além de um sussurro quebrado. O apelido que, meses antes, ela achou tão simples e bobo, simplesmente se encaixa, e ela consegue assistir o que aquilo faz com o homem em sua frente.

Centenas de emoções cruzam o rosto do ex-sargento em poucos segundos, como se ele não soubesse o que fazer consigo mesmo nesse momento, e é assim que Julieta descobre que não é a única sendo consumida por seus sentimentos.

A realização de tudo o que Julieta precisou reunir para estar ali agora atingiu Bucky como um soco no estômago. Ela deu o primeiro e mais difícil passo até agora, algo que exigia muito mais do que um impulso de coragem. Até algum dia, ele prometeu naquele primeiro cartão, acendendo apenas uma chama suave de esperança, mesmo sem nunca ter estipulado um prazo.

Esse dia parece ter chegado.

Então, foi enquanto divagava silenciosamente, que ele percebeu estar dando o próximo passo. Um passo literal dentro do espaço físico entre eles. Agora só restavam cinco.

Cinco nunca pareceu um número tão grande quanto agora.

Julieta, parecendo perceber sua hesitação, e a intenção por trás dela, projetou seu corpo para frente, um pé na frente do outro. Um, dois, três, quatro. E, quando restava apenas um único passo entre seus corpos, ela parou, dando-o a chance de se afastar. Ela estendeu a mão, o calor de sua pele pairando apenas a centímetros do rosto de Bucky, e esperou, e deixou que ele lhe concedesse, ou não, esse direito.

Ele soube que, se escolhesse sair agora, se fugisse dali sem dizer uma única palavra, ela não o seguiria, ela entenderia. Se possível, isso só tornou Julieta ainda mais perfeita aos seus olhos.

Pareceu uma eternidade, o rosto de Bucky reluzindo em fascínio e curiosidade, todas as emoções que ele era incapaz de esconder na presença dela, a respiração tensa e a mandíbula cerrada enquanto ele parecia travar uma batalha interna.

Mas Jules sempre foi uma mulher paciente.

Quando finalmente Bucky inclinou o rosto e os dedos de Julieta escovaram cuidadosamente o músculo tenso de sua mandíbula, o rosto dela rasgou em um largo sorriso, e cada centímetro de sua pele se iluminou suavemente. Sem nenhum exagero, Jules estava brilhando, e foi possivelmente a coisa mais bonita que ele já presenciou na vida.

Jules acariciou sua bochecha, deslizando o polegar pela maçã de seu rosto, e sua pele muito quente parecia derreter cada centímetro do frio em Bucky.

— James Barnes. — Ela sussurrou, e o calor em suas palavras, o visual terno e gentil de seus olhos amendoados e brilhantes, poderiam ter sufocado aquele homem quebrado, afogando-o no mais profundo mar de transgressão.

Bucky fechou os olhos, e sua garganta estava seca quando os dedos de Julieta subiram por sua têmpora, o polegar roçando suavemente sua pálpebra fechada. Uma respiração profunda deslizou por seus lábios entreabertos, o medo escorrendo para fora de seus ombros como se, de repente, ele tivesse sido agarrado por mãos gentis e puxado para fora de um lago congelado.

Quando decidiu entrar no apartamento, mesmo ciente de algum tipo de visitante indesejado, ela era a última pessoa que ele esperava encontrar ali. Ele quase correu porta afora no momento em que ela se virou, tomado pelo mais sufocante dos medos. Se Bucky a machucasse de alguma forma, jamais se perdoaria.

Ele foi incapaz, no entanto, de se mover para longe quando se viu olhando diretamente para aqueles grandes olhos de corça, o todos os mais bonitos tons de marrom e dourado mesclados em suas orbes. Deus sabe que ele deveria ter saído enquanto teve a chance.

Bucky não tinha ideia do que esperava ver no rosto de Julieta. Mas sabia o que não queria ver. Medo, desprezo, infelicidade. Essas eram as coisas com as quais ele não poderia lidar. Não vindo dela. Isso o teria quebrado irremediavelmente.

No entanto, ali estava Julieta, olhando-o como se ele fosse a lua e todas as malditas estrelas do céu; tocando-o com tanto cuidado, como se ele pudesse quebrar ao menor deslize, como se ele merecesse esse tipo de afeto; dizendo o nome dele como se essas palavras sempre estivessem ali, e ela as tivesse guardado no canto mais seguro de seu coração.

Como se ela estivesse esperando a vida toda por ele. Ela não tem medo, ela não o despreza, e ela não está infeliz.

Oh, céus, Bucky não tinha ideia de que poderia cair tão rápido e profundamente por alguém. Ele está tão perdido.

— Julieta Fawley. — Ele praticamente ofega seu nome, finalmente conseguindo forças para abrir os olhos, enquanto se inclina ainda mais ao toque gentil da mão de sua alma-gêmea.

Julieta não sabe dizer quantas vezes sonhou em encontrá-lo, mesmo uma única vez, mesmo que apenas por um minuto. E agora que ele está ao seu alcance, tudo que ela deseja é ter o poder de congelar o tempo, para que nunca precise deixar isso acabar. Esse momento poderia durar para sempre, e ela ficaria feliz em segurá-lo pela eternidade.






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