01. Os votos quebrados.



2 de Fevereiro, 2005

Eu, Edward Cullen, prometo amá-la e respeitá-la, Ashlyn Cullen, eternamente.

As palavras, ditas com tanto afeto e devoção, ecoavam na memória de Ashlyn repetidamente nas últimas duas horas, enquanto seus olhos observavam à distância o amontoado de folhas em sua escrivaninha. Os papéis do divórcio.

A sentença final para sua história de amor arruinada.

Ela suspira longamente, rolando os olhos para o teto antes de deixar que seu corpo deslize para baixo na banheira, afundando na água quente até que esteja completamente submersa.

O pensamento de abrir os lábios e respirar fundo, permitir que a água entre pela garganta e invada seus pulmões, é realmente tentador.

Ashlyn não consegue se impedir de pensar se a sensação do afogamento seria tão dolorosa, ou se ainda seria amenizada pela dor de seu coração estilhaçado. Isso não a mataria, não mais. Esse pequeno alívio lhe foi tirado há muito tempo.

Ela não conseguiu assinar os papéis quando chegaram há uma semana. E ainda não consegue agora.

É ridículo, ela pensa, principalmente considerando que foi a única a dar entrada no pedido de divórcio. Mas é inevitável não se sentir horrivelmente enjoada cada vez que pensa em tudo o que foi perdido com o fim de seu casamento. Afinal, ela foi quem saiu, quem deixou para trás a única família que teve por setenta anos, a quem não restou nada e nem ninguém por perto.

No momento em que assinasse aqueles documentos, ela deixaria de ser a mulher de Edward.

E seria o desfecho, o ponto final.

Então, não, ela não conseguiu. Pelo menos ainda não.

Emergindo lentamente até a superfície, Ash abriu os olhos para se deparar outra vez com as luzes baixas do quarto de hotel, e as poucas velas aromáticas iluminando o banheiro. Respirou fundo o cheiro de erva cidreira.

Edward nunca gostou de velas aromáticas, ou de qualquer coisa que pudesse incomodar seu olfato sobrenatural.

Ele era um homem introvertido, composto e pacato, completamente diferente de Ash, que sempre foi agitada, desinibida e exultante. Edward se ressentiu de sua natureza vampira, e odiou cada segundo da existência imortal, odiou a si mesmo e a maior parte do que significa a eternidade.

Mas Ashlyn, que há muito tempo aceitou e abraçou sua natureza imortal, adorava tudo. Ela apreciava a sensação do sol em sua pele, a areia da praia entre os dedos dos pés, a neve cobrindo suas roupas, o cheiro de uma floresta de pinheiros, o canto dos pássaros, a música, as risadas, as lágrimas, a alegria e a dor.

Ashlyn sempre amou a vida, amava cada coisa por mais singela e insignificante que pudesse parecer. Nem a morte foi capaz de tirar isso dela.

Ela sempre pensou com orgulho em como seus opostos se atraíram em todos os aspectos, em como seu casamento os tornou completos. Era fascinante como alguém tão diferente de si mesma poderia amá-la tanto.

Tudo o que ela pensa agora é em como foi estúpida e ingênua o bastante pra acreditar em uma besteira dessas.

Rosalie lhe contou como Edward se aproximou da humana, Bella, logo depois que Ashlyn saiu de cena. Como se quatro décadas de casamento não tivessem significado nada, ele agora estava obcecado por uma garota mortal como se ela fosse a única coisa boa caminhando sobre a Terra.

Uma humana tímida, introvertida e que odeia atenção, alguém nada parecido com Ash, mas muito semelhante ao próprio Edward.

Afinal, parece que ela nunca esteve nem perto de ser o suficiente.





10 de Março, 2005

Ash não voltou a Zermatt desde 1966, quando passou lá sua lua de mel de quatro semanas, 28 dias em um chalé romântico nas montanhas. Curiosamente, aquela casa foi um presente de Edward para seu aniversário de dez anos de casamento.

Ainda assim, levou quarenta anos para que ela pisasse ali outra vez, justamente quando seu casamento está indo ladeira abaixo.

Ela caminha agora pelos corredores familiares do chalé, em seus ouvidos ecoando as promessas de amor feitas décadas atrás, e seu coração pesado de melancolia e decepção. Os poucos raios solares que atravessam as vidraças e banham os cômodos não parecem o suficiente para afastar a escuridão que se alojou ao redor dela.

Ash se sente como outra pessoa, como se já não habitasse seu próprio corpo. Ela é uma espectadora de sua própria vida, apenas assistindo enquanto tudo cai em ruínas.

Emmett ligava praticamente todos os dias no primeiro mês, mas a falta de entusiasmo de Ashlyn pareceu tê-lo deixado resignado ao fato de que ela precisava de espaço para digerir tudo. Ele passou a duas ligações por semana, duas bem longas. Ainda assim, Ash só podia amá-lo ainda mais por seu esforço.

Além disso, ele nunca mencionava Edward ou a garota humana, sabendo que qualquer coisa seria um pouco demais pra sua irmãzinha lidar tão cedo.

Rosalie mencionou uma coisa ou outra, mas apenas porque Ash perguntou. E ela só perguntou uma única vez, quando os papéis do divórcio chegaram.

O resto de sua família parecia entender melhor seu desejo de se afastar. Jasper nunca questionou sua decisão, porque obviamente ele sabia melhor que isso, ele sentiu a dor dela como se fosse a sua própria. Esme a apoiaria mesmo que ela estivesse fazendo a maior das estupidezes, simplesmente porque a amava demais para lhe negar qualquer coisa. Carlisle, sempre o sábio, tinha esperança de que tudo acabaria se resolvendo, e que Ash encontraria o caminho de volta para casa.

Mas Alice, a vidente que nunca conseguiu prever nada à respeito de Ash, parecia profundamente chateada consigo mesma. Ela queria ter sabido antes, para que pudesse tê-la preparado, amenizado o sofrimento de alguma forma.

Com toda a honestidade, Ash sabe que nunca poderia culpá-la por isso.

Esse pequeno obstáculo no dom de Alice não era a causa de sua dor, mas as decisões tomadas tanto por Edward quanto por ela mesma.

Ela sabe que poderia ter ficado, ignorado a existência de Isabella Swan e seguido sua vida como se nada estivesse acontecendo. E Edward, sendo sempre aquele que evita um conflito, não pediria o divórcio, não se separaria de Ash e jamais chegaria perto de Isabella. Seu casamento ainda existiria, mas no pior dos cenários.

Seria exatamente como ela disse a ele no dia em que foi embora, que o perderia pouco a pouco pelo resto da eternidade. Eles não estavam destinados, e forçá-lo a seguir com essa união, mesmo quando ele não poderia mais amá-la, era a maior crueldade a qual Ash poderia sujeitá-lo.

Então, ela fez o que deveria ter feito, tomou a decisão difícil e quebrou o vínculo. O deixou livre para amar outra pessoa, a pessoa certa para ele, mesmo que isso estivesse destruindo cada pedaço dela.





28 de Maio, 2005

O baile de inverno da Forks High School seria nesse mesmo dia, e Ash só pensa nisso porque, mexendo em suas malas, se deparou com o vestido que, meses atrás, escolhera para usar na ocasião. O encerramento de mais um ano letivo e, obviamente, um evento que ela frequentaria ao lado de Edward.

Todos os dias, nos últimos quatro meses, ela teve sua vida matrimonial esfregada no rosto em cada pequeno detalhe ao seu redor, nas coisas que Edward lhe deu, no interior das paredes onde ele lhe jurou amor eterno, e em si mesma cada vez que olha no espelho e vê todas as coisas que ele dizia adorar.

Ela odeia que a primeira coisa que esteja vendo seja a mulher por quem Edward foi apaixonado por meio século. Ou pior, a mulher que ele não escolheu.

Isso é tudo que ela não quer ser pelo resto de sua existência, não a ex-esposa, e com certeza não aquela que preencheu o vazio na vida de Edward até que ele encontrasse a pessoa certa.

Naquela tarde, ela doou o caríssimo vestido de designer, tal como várias jóias e algumas obras de arte que Edward lhe dera ao longo dos anos, para um leilão que arrecadaria fundos para a caridade. Porque só se livrar daqueles bens materiais não era o suficiente, ela ao menos gostaria de pensar que poderia tirar algo bom de sua dor.

E quando anoiteceu, Ash se colocou na frente do espelho do banheiro e mapeou em si mesma todas as coisas que Edward afirmou amar ao longo de cinco décadas. Cada vez que ele olhou em seu rosto e disse que ela era linda, que elogiou o brilho de seus olhos, os traços de seu rosto perfeito e seu longo cabelo castanho.

Edward amava o cabelo de Ash, chegando a passar horas do dia abraçado à ela e escovando os dedos ao longo do comprimento dos fios.

Eu nunca me cansarei disso.

As palavras pesam no peito de Ashlyn enquanto ela vasculha as gavetas. Mentira, mentira, mentira, ela ecoa com um grunhido frustrado. A tesoura de metal cintila na luz do banheiro quando Ash a levanta com a mão direita e agarra uma mexa volumosa de seu cabelo.

Ela não quer ter consigo mesma nada que Edward ainda possa amar.

Os fios castanhos caem na pia e no chão, se acumulando ao seu redor e fazendo com que uma risada borbulhe em sua garganta. Sua imagem no espelho, agora com o cabelo encurtado acima dos ombros, tem um sorriso brilhante que faz seu rosto inteiro se iluminar.

Seu primeiro sorriso de verdade em meses.

Ela não se importa que o corte esteja desigual, ou que o chão do banheiro esteja coberto de cabelo, ou que talvez venha a se arrepender dessa atitude impulsiva mais tarde. A única coisa que interessa é a sensação de leveza se alastrando por todo seu corpo, e qualquer outra coisa pode ser resolvida depois.

Está longe de ser o ideal mas, por agora, é o bastante.





20 de Julho, 2005

          41 anos. Ashlyn se casou com Edward exatamente 41 anos atrás, durante uma noite de inverno nos vales nevados do Alaska. Ela usou um vestido clássico de um designer italiano pouco conhecido na época, Valentino Garavani. Seus sapatos foram emprestados por Alice, os brincos de safira foram um presente de Carlisle, e Rose fez seu arranjo de cabelo com grampos de pérola herdados por gerações de mulheres da família Hale.

Algo novo, algo emprestado, algo azul e algo antigo.

Ela já chegou a pensar que aquele fora o melhor dia de sua vida, antes e depois da transformação. É claro que foi, sim, um dia perfeito. Mas o restante de sua longa existência também foi cheio de momentos tão magníficos quanto aquele.

Ash costumava se considerar muito sortuda, pois tinha tudo o que poderia desejar em uma vida imortal, sua família, um grande amor, e muito, muito tempo com todos eles.

Olhando para trás agora, ela só consegue pensar que o destino é mesmo uma vadia.

Ela está ali, nos mesmos vales nevados onde se casou 41 anos antes, em suas mãos uma folha de papel amarelada que usou como rascunho para escrever seus votos de casamento, e de pé exatamente no mesmo lugar onde estava quando os pronunciou para Edward.

Ash percorre o texto com olhos azuis doloridos, cada palavra cavando ainda mais fundo o buraco em seu peito. Tantas coisas foram ditas e, de sua parte, todas sofrivelmente reais.

Ela tem esse sentimento pesado e incômodo, um instinto que continua empurrando na direção da qual ela tenta fugir tão desesperadamente. É como se ela precisasse voltar, como se nunca devesse ter saído.

Ashlyn odeia essa sensação. Ela não quer estar perto de Isabella, mesmo que a garota não tenha culpa alguma do que aconteceu.

Vamos lá, Ash sabe melhor do que pensar que Isabella acabou com seu casamento, de propósito ou não. A garota estava em Forks há menos de vinte e quatro horas, e disse a Edward menos de três palavras na única aula que eles dividiram juntos.

Ela não fez literalmente nada.

Ash não odeia Isabella, mas isso também não significa que ela tenha que gostar da garota. E ela com certeza não quer. Mesmo que não se ache capaz de ser um tipo de vadia má, considerando tudo, ela se sente no direito de ser ao menos um pouco mesquinha no momento.

O vento sopra uma brisa um pouco mais forte, e Ash sente um impulso incontrolável de rasgar seus votos de casamentos em centenas de pedacinhos. E é exatamente isso que ela faz.

Algo que ela preservou com tanto carinho e respeito por tantos anos, de repente sendo soprado pelo vento em várias direções diferentes, se espalhando e desaparecendo em questão de segundos.

Exatamente como seu casamento.

Edward quebrou seus votos, então Ash abriu mão dos seus.

Ela não seria o porto seguro de Edward, não colaria os pedaços de qualquer coisa que ele partisse, não continuaria escolhendo-o todos os dias, e não o amaria pela eternidade.

Você vai passar por isso, Ash faz um voto para si mesma, e vai ficar tudo bem.






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