02. Time to fly

O ar dentro do barracão improvisado era pesado, denso, como se o espaço pequeno e apertado absorvesse o suor, a respiração ofegante e a determinação de todos nós. O chão era irregular, coberto de marcas de antigos usos que nem queríamos saber, mas era o que tínhamos. Enquanto me aquecia, sentia cada músculo gritar, mas me forçava a ignorar. Era isso que tínhamos agora. Nada de tatames limpos ou equipamentos de ponta como o Cobra Kai. Só o espírito do Presas de Águia e o desejo de vencer.

Estava focado, empurrando meu corpo em uma série de flexões rápidas, o som abafado das palmas das minhas mãos encontrando o chão ecoando pelo barracão. A cada movimento, minha mente ia e voltava para o torneio. Era a primeira vez que o Presas de Águia competiria, e as expectativas eram altas. Johnny não admitiria nada menos do que nosso melhor.

E, sinceramente, eu também não.

Limpando o suor da testa com o antebraço, me levantei e estiquei os ombros, sentindo o calor se espalhar pelos músculos. Bert estava do outro lado, fazendo abdominais desajeitados. Ele sempre colocava esforço, mesmo que nem sempre tivesse a técnica certa.

— Ei, Falcão — Ele chamou, com a respiração ofegante. — Quantas flexões você já fez? Porque parece que você tá tentando quebrar algum recorde.

Dei uma risada curta, secando as mãos na calça de treino.

— Não estou contando, Bert. Só me certificando de que estou pronto.

— Pronto pra quê? Pra acabar com o torneio? — Ele se sentou, apoiando os cotovelos nos joelhos e me olhando com aquele sorriso que ele sempre fazia quando tentava aliviar a tensão.

— Pronto pra vencer. — Respondi, com firmeza. — Com ou sem Cobra Kai. Dessa vez, eu não vou só competir. Vou ganhar.

Ele assentiu, mas havia uma hesitação em seus olhos. Não precisei perguntar para saber o motivo. A ausência de uma garota no nosso time era um problema que ninguém conseguia ignorar. Sem ela, estaríamos fora de qualquer categoria que exigisse equilíbrio entre gêneros. Johnny estava quebrando a cabeça para encontrar alguém, mas até agora, nada.

— Você acha que o sensei Johnny vai resolver isso a tempo? — Bert perguntou, finalmente tocando no assunto que todos nós estávamos evitando.

— Ele vai — Respondi, com mais confiança do que realmente sentia. — Johnny sempre dá um jeito.

Mas enquanto dizia isso, senti um peso no estômago. Sabia que ele estava fazendo o melhor que podia, mas o fato era que nosso dojô ainda era pequeno, construído com pedaços dos nossos sonhos e uma determinação teimosa. Não tínhamos a estrutura do Cobra Kai, nem o legado do Miyagi-Do. Só tínhamos a nós mesmos.

Eu observei o resto do grupo se aquecendo. Mitch estava treinando chutes no saco de pancadas, enquanto Johnny caminhava de um lado para o outro, ajustando nossas posturas e gritando palavras de encorajamento que soavam mais como ordens. Ele era assim, sempre intenso, mas no fundo, sabíamos que ele acreditava em nós.

— Tá falando sério sobre ganhar, né? — Bert continuou, interrompendo meus pensamentos.

— Mais sério do que nunca — Respondi. — Eu já provei que posso lutar. Agora é hora de provar que posso liderar.

Bert ficou em silêncio por um momento, como se estivesse processando minhas palavras. Então, ele sorriu de leve.

— Se alguém pode fazer isso, é você, cara. Eu já vi você se reinventar antes. É o que você faz de melhor.

Suas palavras me atingiram de uma maneira estranha, me enchendo de um orgulho silencioso. Tinha razão. Eu já me reinventei antes. Passei de Eli a Falcão, de alvo de bullying a lutador temido. E agora, era hora de dar mais um passo.

O treino começou logo depois, e Johnny nos colocou para trabalhar pesado. Katas, combos, defesas, tudo era exigido ao máximo. Ele não queria que fôssemos apenas bons, queria que fôssemos imbatíveis.

— Vocês acham que o mundo vai pegar leve porque vocês não são mais do Cobra Kai? Acham que eles vão ter pena porque estamos treinando num barracão? Não! — Johnny gritou, sua voz preenchendo cada canto do espaço. — Vocês vão ganhar porque vocês têm algo que eles não têm, coração! Determinação! E se vocês não derem tudo hoje, não terão nada amanhã!

Cada palavra fazia o sangue correr mais rápido em minhas veias. Era isso. Era por isso que estávamos aqui.

Enquanto terminávamos uma sequência de socos, pensei novamente no torneio. Não importava o que acontecesse, eu sabia de uma coisa, daríamos tudo, e ninguém seria capaz de nos parar.

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O treino finalmente chegou ao fim. Meus músculos estavam exaustos, mas a sensação de ter dado tudo de mim era quase satisfatória. Quase. Ainda havia muito a ser feito antes do torneio, e cada treino parecia um lembrete gritante de como estávamos correndo contra o tempo. O suor ainda escorria pela minha testa enquanto eu me abaixava para pegar minha garrafa d'água. Johnny deu os últimos comandos para limparmos o lugar, mas sua expressão dizia que estava satisfeito com nosso esforço de hoje.

Enquanto eu guardava meu equipamento numa mochila surrada, ouvi passos atrás de mim e, quando me virei, Miguel estava ali, com aquele sorriso meio cansado, meio descontraído que era sua marca registrada.

— Aí, Falcão — Ele começou, jogando a própria mochila sobre um dos ombros. — Tá afim de sair hoje à noite?

— Depende — Respondi, tomando um longo gole d'água antes de me levantar. — Sair pra onde? Porque se for pra ficar olhando você e Sam trocando olhares intensos, eu passo.

Ele revirou os olhos, mas não conseguiu esconder o pequeno sorriso que escapou.

— Nada disso. É na lanchonete de sempre. Parece que eles vão fazer um lance de discoteca hoje. Luzes, música... Sabe, algo diferente.

Levantei uma sobrancelha, cruzando os braços.

— Discoteca? É isso mesmo ou você só quer uma desculpa pra dançar como se fosse dos anos 70?

Miguel riu, mas não mordeu a isca.

— Foi ideia do Demetri, na verdade. Ele me mandou mensagem, dizendo que seria divertido juntar o pessoal.

— Ah, claro — Respondi, arqueando a sobrancelha. — Demetri, o diplomata entre os dojôs. Faz sentido.

Ele deu de ombros, já acostumado com minhas provocações.

— Então, você vai ou não vai?

Dei um sorriso malicioso, deixando minha mochila cair no ombro.

— Vou, claro. Mas espera aí... — Inclinei a cabeça, avaliando Miguel com um olhar suspeito. — Jean vai estar lá, não vai?

O leve rubor que subiu no rosto dele foi tudo o que eu precisava para confirmar.

— Sabia! — Eu disse, apontando para ele como se tivesse acabado de resolver um caso de detetive. — Você tá interessado nela. Admita.

Miguel bufou e tentou parecer indiferente.

— Não é nada disso. E, mesmo se fosse, não importa. Ela não parece muito interessada.

— Ah, é? E por quê? — Perguntei, enquanto saíamos do barracão e caminhávamos em direção às bicicletas encostadas na parede.

— Porque ela tem passado muito tempo com a Sam ultimamente — Ele respondeu, o tom casual, mas havia algo mais na maneira como ele disse. — E a gente sabe como a Sam é. Provavelmente falou mal de mim pra ela.

Minha sobrancelha subiu quase automaticamente, e um sorriso irônico apareceu no meu rosto.

— Falou mal? Tipo o quê? Que você é um garoto bonzinho que se importa demais? Que crime terrível, Miguel.

Ele suspirou, ajustando a alça da mochila no ombro.

— Não é isso, cara. Você sabe como as coisas acabaram entre mim e a Sam. Ela pode ter exagerado nos defeitos. Jean pode nem querer dar uma chance.

A língua coçou, e eu não resisti. Fiz um som de desdém, balançando a cabeça enquanto montava na bicicleta.

— Cara, você tá ferrado. De verdade.

— Valeu pelo incentivo, Falcão. — Ele respondeu sarcasticamente, mas não conseguiu evitar a risada que veio logo em seguida.

— É o que amigos fazem — Devolvi com um sorriso, começando a pedalar.

Ele riu de novo, e nós seguimos pelas ruas escuras. O vento noturno era frio, mas não suficiente para apagar a energia da conversa. A lanchonete logo apareceu à nossa vista, o brilho colorido das luzes de neon contrastando com a escuridão ao redor.

Mesmo com toda a pressão do torneio, momentos como esse lembravam que, no final do dia, éramos só adolescentes tentando encontrar nosso lugar no mundo, fosse no tatame ou numa pista de dança improvisada. E, naquela noite, estávamos determinados a aproveitar cada segundo.

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Chegamos à lanchonete, e o lugar parecia ter sido transportado diretamente dos anos 80. Luzes coloridas piscavam em sincronia com a música que saía de um rádio antigo no canto. Pessoas dançavam em roupas que variavam entre calças de cintura alta, jaquetas de couro e bandanas. A energia do lugar era contagiante, mas, ao mesmo tempo, havia uma tensão que não dava para ignorar.

Meu sorriso relaxado diminuiu no instante em que vi Robby Keene encostado no balcão com uma expressão de falsa indiferença. Ao lado dele, Kenny Payne estava falando algo e rindo, enquanto Tory Nichols, com aquele olhar característico de quem não tinha paciência para ninguém, estava encostada no jukebox, analisando o lugar como se estivesse à procura de problemas.

O sangue já começou a ferver. Não era nem uma questão de escolha. Eles eram Cobra Kai, e o que nós éramos agora, o Presas de Águia, tinha um histórico difícil de ignorar com eles.

— Olha quem está aqui... — Eu disse em voz baixa, o sarcasmo evidente. — O grupinho que se acha dono do mundo.

— Falcão... — Miguel advertiu, mas eu já estava dando passos na direção deles.

— Vamos ver o que eles têm a dizer agora — Murmurei, já visualizando uma boa oportunidade para cutucar Robby ou provocar Kenny.

Antes que eu pudesse ir longe, senti a mão de Miguel no meu peito, me impedindo de avançar. Ele olhou diretamente nos meus olhos, firme.

— Não vale a pena — Ele disse, a voz baixa, mas cheia de significado. — A gente não tá aqui pra isso.

Bufei, cruzando os braços. Ele tinha razão, mas admitir isso não fazia com que a vontade de ir lá e abrir a boca diminuísse. Ainda assim, respirei fundo, tentei me acalmar e dei um passo para trás.

— Tá bom, tá bom. — Resmunguei, soltando o ar entre os dentes. — Mas se eles vierem com algo, não vou ficar parado.

Miguel balançou a cabeça com um meio sorriso.

— Só tenta aproveitar a noite, cara.

Viramos na direção oposta, ignorando o trio do Cobra Kai. Ainda sentia o peso dos olhares deles enquanto caminhávamos, mas segui em frente, concentrando-me no que realmente importava, a nossa mesa.

Demitri estava sentado em um canto mais tranquilo da lanchonete, comendo batatas fritas e mexendo no celular. Ele nem olhou para cima quando nos aproximamos, mas sabia que era a gente.

— Demoraram, hein? — Ele comentou casualmente, levantando os olhos. — Já estava começando a achar que tinham desistido da vibe anos 80.

— Vibe anos 80 não é o problema — Eu disse, puxando uma cadeira e me sentando. — O problema são as pessoas que ainda vivem em uma rivalidade anos 80.

Demitri ergueu uma sobrancelha, claramente confuso. Miguel suspirou e explicou antes que eu pudesse soltar outra provocação.

— Robby, Kenny e Tory estão aqui. — Ele disse, enquanto puxava uma cadeira ao lado de Demitri.

— Ah — Demitri respondeu, como se isso explicasse tudo. Ele pegou uma batata frita e deu de ombros. — Bom, desde que ninguém comece uma briga, acho que estamos bem.

— Isso depende deles. — Murmurei, ainda descontente, mas peguei o menu para disfarçar minha irritação.

Para sorte de Miguel, Samantha não estava em lugar nenhum. Ela provavelmente tinha algo melhor para fazer, ou simplesmente decidiu evitar qualquer situação desconfortável com ele. Eu, por outro lado, estava mais aliviado ainda por não ver Jean. Não tinha problema vê-la por aí, mas depois do "não" educado que ela me deu algumas semanas atrás, preferia manter as coisas simples.

— Então, qual é o plano da noite? — Perguntei, mudando de assunto enquanto jogava o menu de lado.

Demitri deu um sorriso pequeno, mas óbvio.

— O plano é relaxar, aproveitar a música e não deixar vocês dois se meterem em encrenca.

Miguel riu, enquanto eu apenas revirei os olhos.

— Relaxa, Demetri. Essa é uma das raras noites em que estou fora do tatame. Prometo me comportar.

Ele arqueou as sobrancelhas em ceticismo, mas não disse nada. Enquanto a conversa continuava, percebi que o ambiente começava a ficar mais leve. A música trocou para um clássico animado, e algumas pessoas começaram a dançar na pista improvisada.

Mesmo com os olhares ocasionais do Cobra Kai, comecei a perceber que Miguel estava certo. A noite tinha potencial para ser divertida, se eu deixasse. Então, respirei fundo, afastei qualquer ressentimento e me concentrei no que estava bem à minha frente, uma noite com meus amigos.

O clima na lanchonete estava no ápice, as luzes coloridas dançavam junto à música retrô, e o lugar parecia uma cápsula dos anos 80. Pessoas passavam animadas, rindo e conversando, enquanto nós estávamos numa mesa mais afastada, rindo entre nós. Ou melhor, os outros estavam rindo.

— Então, Falcão... Começou Miguel, com aquele sorriso provocador que ele sempre usava quando queria tirar sarro de alguém. — Como foi mesmo o fora da Jean? Algo tipo 'Você é legal, mas não curto caras que gritam nomes de aves de rapina?'

Demitri explodiu em gargalhadas, quase derrubando o refrigerante no colo.

— Engraçado — Retruquei, me inclinando sobre a mesa com um sorriso enviesado. —, porque, pelo que eu percebi, você tá babando por ela toda vez que entra na sala. Quem sabe você não é o próximo a levar um fora?

O sorriso de Miguel diminuiu, mas Demitri estava se divertindo mais do que nunca.

— Ah, o amor adolescente — Comentou Demitri, jogando as mãos dramaticamente no ar. — Cheio de esperança, rejeição e infinitas doses de vergonha alheia. Não é lindo?

Eu estava prestes a rebater, mas Demitri parou abruptamente e inclinou a cabeça em direção à entrada.

— Falando nisso... O assunto chegou.

Segui o olhar dele e vi Jean entrando na lanchonete. Ela estava usando uma jaqueta jeans oversized com um vestido simples por baixo. Despojada e elegante ao mesmo tempo. Mas o que realmente chamou minha atenção foi a garota ao lado dela.

Ela era asiática, com uma postura impecável, e seu cabelo estava preso em um coque frouxo, com algumas mechas soltas moldando o rosto. Havia algo em sua expressão — aquela seriedade contida, o olhar direto e avaliador — que imediatamente me fez prestar atenção.

Miguel endireitou-se instantaneamente, e seu olhar ficou grudado em Jean como se ela fosse a única pessoa no lugar.

— Você tem que ir falar com ela. — Disse Demitri, cutucando Miguel com o cotovelo.

— Eu? — Miguel perguntou, apontando para si mesmo, como se Demitri tivesse sugerido que ele fosse atravessar um campo minado.

— Sim, você — Respondeu Demitri, revirando os olhos. — Antes que você fique aqui sentado olhando pra ela como um filhote perdido, coisa que eu faria, mas esse não é você. Além disso, ela não morde.

Miguel hesitou, olhando para Jean e depois de volta para nós.

— E se ela me odeia? E se a Sam inventou coisas sobre mim? Talvez ela não queira nem me ver. Além disso, ela tá com companhia.

Enquanto eles discutiam, minha atenção estava na outra garota. Ela parecia fora do lugar naquele ambiente barulhento e descontraído, mas isso só a fazia parecer mais interessante.

— Ah, relaxa, El Serpiente — Falei, levantando-me de repente e ajustando minha jaqueta. — Deixa comigo. Você paga uma bebida pra Jean, e eu cuido da outra gatinha.

— Essa é uma ideia horrível. — Demitri declarou, cruzando os braços e soltando um suspiro teatral.

— Sei o que estou fazendo. — Retruquei, piscando para eles.

— Claro que sabe — Disse Demitri, pegando o cardápio. — Vou pedir um milkshake pra você afogar as mágoas depois de outro fora educado.

Ignorei o comentário e comecei a andar em direção às duas. A música parecia ficar mais alta com cada passo que eu dava, e meu coração batia mais rápido. Não por nervosismo, claro, eu sou o Falcão. Era mais a antecipação de algo inesperado.

Jean foi a primeira a me notar. Ela sorriu, um gesto educado, mas um pouco hesitante. Já a outra garota — Lauren, como descobri depois — me encarou com um olhar direto, avaliador. Era quase desarmante, mas decidi me apoiar no meu charme habitual.

— Jean — Comecei, colocando meu sorriso mais confiante, quase esquecendo por um instante o fora tão educado de Jean, e como ela pagou um milkshake de consolação pra mim. — Que bom te ver por aqui. E você trouxe companhia. Um prazer conhecer você. — Acrescentei, estendendo a mão para a outra garota.

Ela olhou para minha mão por um momento antes de apertá-la brevemente.

— Lauren. — Disse ela simplesmente, a voz baixa e firme.

Ótimo, pensei. Ela parecia do tipo que não se impressiona facilmente.

Enquanto isso, Miguel ainda estava sentado na mesa, parecendo perdido em pensamentos. Demitri, por outro lado, estava se divertindo com toda a cena.

— Vai lá, Romeu. — Murmurei para Miguel, enquanto me virava de volta para Lauren e Jean. — Aproveita antes que alguém mais corajoso tome seu lugar.

Seja como for, essa noite estava apenas começando, e eu estava determinado a deixá-la interessante.

Miguel deu um passo hesitante em direção a Jean, um sorriso tímido no rosto.

— Posso te pagar uma bebida? — Ele perguntou, a voz carregada de uma mistura de nervosismo e esperança.

Jean sorriu de leve, aceitando com um aceno de cabeça. Ela parecia à vontade, mas a garota ao lado dela, Lauren, claramente não estava. Seus olhos percorreram o ambiente como se procurassem uma saída, e sua expressão rígida mostrava que ela estava longe de compartilhar a mesma disposição de Jean.

Ela soltou um suspiro audível, revirando os olhos de forma nada sutil antes de simplesmente se retirar, caminhando até uma mesa no canto oposto da lanchonete.

Aquilo foi como um desafio lançado diretamente a mim.

— Eu já volto. — Falei para ninguém em particular, me levantando e seguindo Lauren. Era impossível ignorar o magnetismo dela, mesmo que fosse um pouco... Intimidador. A verdade é que eu estava curioso, e talvez, no fundo, gostasse de uma boa provocação.

Quando me aproximei, percebi que ela estava ao telefone. A expressão no rosto dela era de raiva contida, e as palavras saíam rápidas, quase cuspidas, em um idioma que eu reconheci como japonês. Apesar de não entender o que dizia, o tom transmitia frustração, e eu fiquei um pouco surpreso com a intensidade dela.

Ela levantou o olhar, notando minha presença. Seus olhos escuros se estreitaram ligeiramente, e por um segundo, achei que ela fosse me expulsar com um olhar. Mas, em vez disso, ela inspirou fundo, amenizando a expressão.

Com um gesto rápido, ela desligou a ligação, suspirando pesadamente.

— Por que você me seguiu até aqui? — Perguntou, direta e sem rodeios.

Ela cruzou os braços, o que só reforçava o ar de resistência ao meu avanço.

Eu não deixei aquilo me abalar. Com a confiança característica que construí ao longo do tempo — ou pelo menos finjo ter —, me sentei na cadeira à frente dela sem pedir permissão.

— Você é nova na cidade? — Perguntei casualmente, tentando puxar conversa.

Lauren arqueou uma sobrancelha, e sua boca se curvou em um sorriso curto e afiado. Ela me analisou de cima a baixo, como se estivesse me classificando em algum tipo de sistema invisível.

Então, ela riu. Um som curto, quase desdenhoso.

— É isso? É o melhor que você tem? — Perguntou ela, inclinando-se um pouco para frente.

Fiquei confuso por um momento, tentando entender o que ela queria dizer.

— Como assim?

Ela sorriu de novo, mas dessa vez com um toque de impaciência.

— Essa tentativa de flerte — Começou, gesticulando levemente com a mão. — Eu até entendo que pode funcionar com Jean. Ela parece gostar desse tipo de abordagem... Direta, sem sutilezas.— Ela fez uma pausa, deixando o silêncio se arrastar por alguns segundos. — Mas comigo? Não vai colar.

Não pude evitar de piscar algumas vezes, tentando processar o golpe direto. Ela tinha acabado de cortar minha tentativa de interação pela raiz.

— Eu não estava tentando flertar. — Retruquei rapidamente, tentando recuperar o terreno.

— Claro. — Disse ela, inclinando a cabeça levemente, como se dissesse "só estou te deixando falar".

Por algum motivo, o desconforto que ela me causava só aumentava minha curiosidade. Ela tinha uma presença que me desafiava a continuar, mesmo que fosse óbvio que ela não queria a conversa.

— Então, o que você tava fazendo aqui antes de eu atrapalhar sua ligação... Animada? — Perguntei, tentando mudar de estratégia e ao mesmo tempo provocá-la.

Lauren sorriu de lado, mas dessa vez havia algo mais genuíno na expressão dela, como se reconhecesse minha tentativa, e até respeitasse minha insistência.

— Sobrevivendo. — Disse ela simplesmente, sem explicar mais nada.

Não era exatamente o que eu esperava, mas decidi que ainda não ia desistir. Afinal, se tem algo que eu aprendi nos últimos anos, é que as batalhas mais difíceis costumam ser as mais interessantes.

— E de onde você conhece a Jean? — Perguntei, a curiosidade finalmente se sobrepondo ao desconforto que Lauren causava com sua atitude afiada.

Ela inclinou a cabeça levemente, estudando minha expressão como se decidisse se minha pergunta valia uma resposta. Depois de um momento, seus lábios se curvaram em um sorriso leve, mas sem muita emoção.

— Sou a irmã mais velha dela. — Disse ela, com um tom casual, quase desinteressado.

— É sério? — Minha reação foi instantânea, minha expressão provavelmente entregando minha surpresa. Era difícil imaginar duas pessoas tão diferentes sendo irmãs.

Lauren assentiu.

— Nos reencontramos hoje, depois de quase oito anos sem nos vermos.

— Oito anos? — Perguntei, tentando entender a distância entre elas.

— Família complicada. — Respondeu ela, encerrando o assunto antes mesmo de começar. Não havia amargura em sua voz, mas o tom seco deixava claro que não era algo que ela queria explicar.

Ainda assim, minha curiosidade estava longe de ser saciada. Apoiei as mãos no balcão entre nós, inclinando-me ligeiramente para frente, tentando capturar a atenção dela de maneira mais direta. Lauren arqueou uma sobrancelha, claramente notando o movimento e provavelmente julgando minha insistência.

— Você também é uma mestre no karatê como a Jean? — Perguntei, sorrindo de lado. — Porque, vou te contar, Demitri não para de falar dela nos treinos.

Lauren cruzou os braços, sua postura relaxada assumindo um tom mais defensivo, mas seus lábios se curvaram em um sorriso afiado.

— Você vai descobrir no regional. — Respondeu ela, com uma segurança que me pegou desprevenido.

O jeito como ela falou não foi arrogante, mas tinha uma convicção que fez meu interesse crescer ainda mais.

— Então você vai lutar? — Perguntei, levantando as sobrancelhas.

Ela inclinou a cabeça, um brilho desafiador no olhar.

— Talvez. Mas e você? Vai lutar?

— Obviamente — Respondi, com um sorriso confiante. — Estou pronto para tudo o que vier pela frente. E mais do que disposto a vencer.

Lauren me estudou por um momento, como se estivesse pesando a verdade nas minhas palavras. Depois de alguns segundos, ela sorriu de lado novamente, mas havia algo quase respeitoso naquele gesto desta vez.

— Bom... — Disse ela, sua voz ainda carregada com a mesma firmeza de antes. — Porque você vai precisar dessa determinação.

Eu ri, sem me intimidar.

— E você vai precisar mais do que palavras afiadas para me parar.

Ela não respondeu imediatamente, mas seu sorriso se manteve. O jogo entre nós continuava, e eu não podia negar que gostava do desafio. Lauren definitivamente não era como ninguém que eu já tinha conhecido antes.

Logo ela inclinou a cabeça levemente para o lado, com um sorriso enigmático, mas ainda carregado de provocação.

— Então, você pretende continuar me importunando a noite toda, ou vai encontrar alguém mais fácil de lidar? — Perguntou, com a voz carregada de ironia.

Fiquei momentaneamente quase ofendido. Mas ao invés de responder à altura, soltei uma risadinha curta, cruzando os braços com confiança.

— Eu não diria que estou te importunando — Retruquei, erguendo uma sobrancelha. — Mas se for pra você não reclamar, eu pago o que você quiser essa noite. Escolhe.

Lauren suspirou, sua expressão mudando para algo mais contemplativo enquanto seus olhos escuros percorreram o ambiente. Por um momento, ela parecia pensar seriamente em minha oferta, e eu me peguei tentando adivinhar o que passava pela cabeça dela.

Então, ela apontou na direção da pista de patinação que ficava do outro lado do salão, logo ao lado da pista de dança.

Franzi o cenho, confuso.

— A pista de patinação? — Perguntei, tentando entender onde ela queria chegar com aquilo.

Ela sorriu de lado, como se soubesse exatamente o que estava fazendo.

— Isso mesmo. Vinte minutos. — Disse ela, com a voz firme.

Por algum motivo, aquilo parecia mais um desafio do que uma simples escolha.

— Tá falando sério? — Perguntei, arqueando uma sobrancelha.

— Eu nunca estou brincando. — Respondeu ela, cruzando os braços novamente.

Por mais que a ideia de patinar não estivesse nem perto dos meus planos para a noite, não hesitei em aceitar. Na minha cabeça, isso só provava que ela estava cedendo aos poucos, mesmo que seu jeito rígido tentasse esconder.

— Fechado. — Respondi, com um sorriso confiante. — Vinte minutos, e eu pago pra você também, claro.

— Nem precisa — Disse Lauren, rindo pelo nariz. — Eu não vou me juntar a você. Prefiro só assistir.

Aquilo me pegou de surpresa.

— Então você só quer que eu patine sozinho enquanto você fica aí julgando?

— Basicamente. — Disse ela, dando de ombros.

Eu ri, balançando a cabeça enquanto caminhava na direção da bilheteria da pista.

— Você é meio complicada, sabia?

— Obrigada. — Respondeu ela, ainda com aquele meio sorriso que parecia carregar um toque de diversão e desdém ao mesmo tempo.

Enquanto eu pagava pelos vinte minutos na pista de patinação, não pude evitar de me perguntar qual era exatamente o jogo dela. Mas, no fundo, eu gostava da ideia de descobrir.

E no momento em que segui até o balcão, enquanto eu entregava o recibo para pegar meus patins, ouvi um som metálico leve ao meu lado. Quando olhei, vi Lauren colocando um par de patins sobre o balcão, a mesma expressão calma e enigmática no rosto.

— Espera aí... — Comecei, arqueando as sobrancelhas, um sorriso surgindo nos meus lábios. — Você não disse que ia só assistir? Mudou de ideia?

Ela deu de ombros casualmente, pegando o par de patins e examinando-os como se estivesse decidindo se valiam o esforço.

— Assistir de longe não é tão interessante. — Disse ela, com aquele tom indiferente que parecia sempre me deixar desconcertado desde o primeiro segundo em que ela abrira a boca. — Prefiro ver o caos mais de perto.

Soltei uma risadinha zombeteira, me inclinando ligeiramente para ela enquanto amarrava meu par de patins.

— Caos, é? Vai ser difícil causar caos quando eu estiver deslizando como um profissional e você tropeçando atrás de mim.

Ela lançou um olhar curto na minha direção, o suficiente para me fazer hesitar por um segundo.

— Você acha que eu tropeço? — Perguntou, o tom quase desafiador, mas ainda com aquele sorriso contido.

Fiquei sem resposta por um momento, e ela não esperou. Calçou os patins com precisão, os movimentos ágeis, como se aquilo fosse rotina para ela. Quando terminou, ela se levantou com uma facilidade que me deixou ligeiramente impressionado, caminhando na direção da pista com uma confiança tranquila.

Enquanto eu lutava um pouco para me equilibrar nos meus próprios patins, ela já estava alguns passos à frente, deslizando pela superfície da pista sem nem olhar para trás.

— Ei, espera aí! — Chamei, tentando manter o tom casual, mas ainda meio desconcertado.

Lauren não respondeu, mas girou a cabeça apenas o suficiente para lançar um olhar por cima do ombro, o tipo de olhar que fazia parecer que ela sabia exatamente o que estava fazendo, comigo, com a situação, com tudo.

Caminhei até a pista, tentando não parecer desajeitado enquanto ajustava os patins e entrava no espaço, que estava cheio de pessoas patinando sob luzes coloridas. A música dos anos 80 ainda ressoava pelo ambiente, e a pista parecia uma cena saída de um filme antigo.

Lauren estava à frente, patinando em um ritmo calmo, quase despreocupado, mas havia algo na sua postura que parecia desafiar o ambiente ao seu redor. Ela era tão segura de si que fazia as outras pessoas parecerem pequenas, e por algum motivo, isso só me fazia querer impressioná-la mais.

Eu finalmente comecei a deslizar pela pista, alcançando-a com uma manobra um pouco mais ágil do que o esperado, o suficiente para me sentir orgulhoso.

— Então, você costuma desafiar todo mundo assim ou eu sou só um caso especial? — Perguntei, deslizando ao lado dela.

Lauren lançou aquele mesmo sorriso de antes, mas não respondeu imediatamente. Ela apenas deu uma pequena aceleração, me obrigando a segui-la.

Por um segundo, não consegui decidir se ela estava zombando de mim ou me testando. Mas de qualquer forma, eu estava disposto a descobrir.

Lauren começou a deslizar ao meu redor, em círculos lentos, o olhar sereno como uma superfície de lago tranquilo, mas havia algo profundamente ameaçador em seus olhos. Como se, por baixo daquela calma, houvesse uma tempestade pronta para surgir. Cada movimento era preciso, calculado, quase como se ela estivesse me estudando.

— Na vida — Começou ela, a voz baixa e controlada —, existem coisas difíceis e coisas impossíveis. Convencer-me a sair com você... — Ela fez uma pausa, olhando diretamente nos meus olhos — É uma das coisas impossíveis.

Soltei uma risada curta, tentando manter o tom descontraído.

— Ah, então você está dizendo que ainda há esperança?

Por um instante, pensei ter conseguido arrancar algo diferente dela, mas tudo o que recebi foi uma risada. Não qualquer risada, mas algo quase maléfico, um som que gelou o ar mais do que o próprio gelo sob nossos pés. Não sei exatamente se minha ideia dela estar "cedendo" parecia tão clara agora.

— Admiro sua coragem. — Disse ela, os lábios se curvando em um sorriso que não tinha nada de caloroso. — Ou melhor, a sua idiotice e insistência em atirar para todos os lados.

Franzi o cenho, sentindo algo mudar no clima ao redor.

— O que você quer dizer com isso? — Perguntei, tentando manter o tom firme, mas a curiosidade evidente na voz.

Lauren parou de deslizar, cruzando os braços enquanto seu olhar avaliava cada detalhe meu, como se estivesse decidindo se eu era digno de uma resposta. Quando finalmente falou, o tom era carregado de desdém, como se ela estivesse ofendida apenas por estar tendo aquela conversa.

— Primeiro, você tenta algo com minha irmã — Disse ela, sua voz afiada como uma lâmina. — Leva um fora e, agora que foi descartado, acha que pode vir atrás de mim. Como se eu fosse algum tipo de prêmio de consolação.

Eu levantei as mãos defensivamente, abrindo a boca para me explicar.

— Olha, não foi assim que aconteceu...

Mas antes que pudesse terminar, Lauren deslizou para trás com um movimento rápido e preciso, girou levemente e, em um movimento que parecia ao mesmo tempo elegante e calculado, passou a perna em mim. Não tive tempo de reagir. Meus pés perderam o contato com o gelo, e no segundo seguinte, eu estava no chão, as costas batendo no gelo rígido com um impacto que me fez soltar um gemido de dor.

O mundo pareceu ficar em silêncio por um momento enquanto eu olhava para o teto iluminado por luzes coloridas, tentando processar o que acabara de acontecer. Então, o rosto dela apareceu acima do meu enquanto ela se agachava ao meu lado. Seus olhos estavam diferentes agora, carregados de raiva, como um aviso silencioso de que eu estava brincando com fogo.

— Se você tentar, outra vez, me usar como isca para que o seu amiguinho se aproxime da minha irmã... — Começou ela, a voz baixa, mas cheia de intensidade. — Eu não vou hesitar em fazer mais do que apenas te derrubar.

Por um momento, eu fiquei completamente sem reação. Sua postura, seu tom, tudo nela gritava seriedade. Não era só uma garota irritada. Ela estava me ameaçando, e o mais estranho era que eu acreditava em cada palavra que dizia.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Lauren se levantou com a mesma precisão com que havia me derrubado. Sem olhar para trás, deslizou pela pista com movimentos fluidos até chegar à saída, deixando-me no chão, em meio à mistura de choque, perplexidade e, acima de tudo, irritação crescente.

Cerrei os punhos, me sentando e depois me levantando devagar. O gelo ainda estava sob os meus pés, mas agora parecia menos escorregadio do que antes. Uma coisa era clara: essa garota era muito mais do que parecia.

— Abusada. — Murmurei para mim mesmo, enquanto ajustava os patins e olhava na direção em que ela havia ido. Eu sabia que as coisas não ficariam assim. Não comigo. Essa garota podia parecer ameaçadora, mas no fundo, ela era só alguém que gostava de mandar e desafiava qualquer um que cruzasse seu caminho. Uma princesinha.

E eu? Eu não ia deixar barato.



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