08. Jealous boy

Voltei para onde o pessoal do Cobra Kai estava, mas mal percebia as risadas e a conversa ao meu redor. Minha mente estava em outro lugar, presa na última discussão com Lizzie. Não era novidade que ela defendia o Larusso, mas, dessa vez, algo nisso mexeu mais comigo. Era como se cada palavra dela fosse uma agulha cutucando uma ferida que nunca cicatrizou de verdade.

Ele nunca contou pra ela, tenho certeza disso. Anthony nunca teve coragem de admitir o que fez no passado, sobre como transformou minha vida em um inferno. A lembrança de tudo aquilo, os apelidos, as risadas, os empurrões, voltou à tona, trazendo junto aquela raiva que queimava no fundo do meu peito. Fechei as mãos em punhos, tentando controlar a respiração.

— Ei, Kenny. Tá tudo bem? — A voz de Robby me tirou dos pensamentos.

Levantei o olhar para ele, percebendo sua expressão de preocupação. Ajeitei a postura imediatamente, não querendo mostrar qualquer fraqueza.

— Claro que tá. — Respondi, talvez rápido demais.

Ele me observou por um segundo mais longo do que eu gostaria, mas não insistiu. Apenas deu um aceno breve, e eu segui em direção a um dos toboáguas, tentando parecer despreocupado.

Mas minha mente não cooperava. Mesmo enquanto subia as escadas para o brinquedo, meus olhos se moviam de um lado para o outro, como se estivessem procurando por algo, ou alguém. Lizzie.

Tentei convencer a mim mesmo de que não era isso. Que eu não estava procurando por ela. Que ela podia se cuidar. Mas então, um pensamento mais inquietante surgiu, e se Larusso tentasse alguma coisa? E se ele a machucasse?

Eu sabia do que ele era capaz. Sabia como ele manipulava as pessoas ao redor para parecer o inocente, o bonzinho. Lizzie não fazia ideia de quem ele realmente era. Ela via nele algo que eu não conseguia enxergar mais, ou talvez nunca tivesse visto.

A ideia de que ela pudesse confiar nele, enquanto ele era tão... Vil no passado, fazia meu sangue ferver. E o fato de eu me importar tanto com isso me irritava ainda mais.

Dei uma olhada por cima do ombro, tentando disfarçar o movimento. Não estou procurando por ela, eu repetia para mim mesmo. Mas sabia que estava. A preocupação estava lá, mesmo que eu odiasse admitir.

Lizzie era teimosa, impulsiva, e parecia sempre escolher o caminho mais difícil. E por mais que eu tentasse me convencer de que ela era irritante, que suas escolhas não deviam importar pra mim, não conseguia afastar a sensação de que ela estava se colocando em perigo ao lado de Larusso.

Parei no topo da escada do toboágua, olhando para a descida à frente, mas minha mente ainda estava longe. Robby me chamou de novo, perguntando se eu estava esperando por algo ou por alguém.

— Não. Só estava... Pensando. — Respondi, tentando soar casual.

Mas a verdade era que, por mais que eu tentasse, Lizzie não saía da minha cabeça. E, naquele momento, eu sabia que teria que fazer algo para abrir os olhos dela, para fazê-la enxergar a verdade, antes que fosse tarde demais.

⋆౨˚ ˖

O sol já tinha se posto há algum tempo quando comecei a caminhada para casa. Peguei uma carona com alguns amigos do Cobra Kai até o bairro, mas decidi descer antes de chegar à minha rua. Gostava do silêncio das noites, ou melhor, do quase silêncio, quebrado de vez em quando pelo som de grilos ou de algum carro distante. Caminhar por ali era como um pequeno escape, uma maneira de aliviar o peso do dia, especialmente quando estava irritado como agora.

Por mais que tentasse, os acontecimentos no parque aquático não saíam da minha cabeça. Eu podia sentir a tensão nos meus ombros, o maxilar travado enquanto pensava no Larusso. Eu devia ter feito algo. O fato de não ter dado uma lição ainda pior nele naquela hora me irritava profundamente. Ele merecia sentir um pouco do que eu senti no passado, merecia saber como é ser humilhado.

Mas não era só ele. Lizzie também estava na minha mente. Isso era ainda mais irritante. Por que eu ainda me importo? Eu sabia que ela era teimosa e impulsiva, que sempre tentava justificar o injustificável, mas ainda assim, parte de mim não conseguia ignorar.

Chutei uma pedrinha no chão enquanto caminhava, vendo-a rolar pela calçada. O som oco ecoou na rua vazia. Minha mente voltou à discussão com Lizzie. O jeito como ela me olhou – decepcionada, confusa, irritada – ficou preso na minha cabeça. Por mais que eu não quisesse admitir, aquilo me incomodava.

Por que ela não conseguia enxergar? Larusso não era o santo que ela achava que era. Ele nunca foi. E enquanto ela continuasse defendendo ele, seria difícil confiar completamente nela. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que ela não fazia ideia do que aconteceu no passado. Não sabia o quanto aquele garoto me machucou, tanto fisicamente quanto mentalmente.

Suspirei, esfregando a nuca enquanto olhava para as casas alinhadas na rua. A caminhada estava ajudando a aliviar um pouco a raiva, mas não o suficiente. Ainda havia um nó no meu estômago, uma inquietação que não me deixava em paz.

As luzes da rua piscavam ocasionalmente, lançando sombras distorcidas no asfalto. Por um momento, parei de andar, apenas ouvindo o som do vento balançando as árvores. Fechei os olhos por um segundo, tentando afastar os pensamentos. Mas eles sempre voltavam.

Parte de mim queria entender Lizzie. Talvez ela estivesse tentando ser justa, dando uma chance para todos, mas isso só a colocava em perigo. O mundo não era justo. Pessoas como Anthony Larusso sempre conseguiam se safar de tudo, e eu não podia deixar que Lizzie se tornasse uma dessas pessoas que ele usava e descartava.

Continuei andando, o som dos meus passos ecoando na calçada. A noite estava ficando mais fria, e puxei a jaqueta para mais perto do corpo. Minha casa já estava à vista, mas ainda hesitei antes de subir os degraus da entrada. Parte de mim queria continuar andando, como se pudesse fugir dos pensamentos que me atormentavam.

Mas sabia que não adiantaria. Amanhã é um novo dia. Essa era a única coisa que me mantinha firme. O que quer que estivesse acontecendo com Lizzie, com Larusso, com o Cobra Kai, eu lidaria com isso. De um jeito ou de outro.

Eu estava parado em frente à casa dela, as luzes fracas das janelas iluminando a calçada. Meus pés estavam presos ao chão, como se algo invisível me puxasse para frente e me segurasse ao mesmo tempo. Por que eu estou aqui? Essa pergunta ecoava na minha mente enquanto encarava a porta da casa dela.

Eu sabia o porquê. Mesmo que quisesse negar, era impossível. Lizzie estava na minha cabeça desde o parque aquático, desde antes disso, se eu fosse honesto comigo mesmo. O jeito que ela chorou aquele dia, o olhar vazio que ela tentou disfarçar enquanto discutia comigo perto da piscina... Aquilo mexeu comigo. Eu não queria admitir, mas eu me importava. E isso me irritava profundamente.

Dei um passo em direção à porta, minha mão já levantada para tocar a campainha, quando um som me fez congelar. Gritos. Eles vieram do lado de dentro, abafados pela madeira da porta, mas ainda assim audíveis o suficiente para me fazer recuar.

A voz de um homem cortava o silêncio da noite, cheia de raiva, e logo foi seguida por uma voz de mulher, mais alta e carregada de emoção. Depois, o som de algo se quebrando. Vidro? Um prato? Não dava para saber, mas o som ecoou na minha cabeça como um alarme.

Minha garganta ficou seca, e dei um passo para trás, meu coração batendo rápido. O que eu estou fazendo aqui, afinal? Eu nem deveria ter vindo. Era óbvio que algo estava acontecendo, algo que Não era da minha conta, mas ao mesmo tempo... Lizzie estava bem no meio disso. E isso me deixava inquieto.

Estava prestes a me virar e sair dali, convencido de que não era o lugar certo para eu estar, quando ouvi o som de pneus chiando levemente no asfalto. Olhei para o lado e vi Lizzie, parada em frente à cerca branca com sua bicicleta.

Ela parecia confusa, o olhar dela alternando entre a casa e eu. Ela claramente não esperava me encontrar ali, e, por um momento, nenhum de nós disse nada. O silêncio foi pesado, e a única coisa que eu conseguia ouvir era o som da minha própria respiração.

— Kenny? — A voz dela finalmente quebrou o silêncio, suave, mas cheia de incerteza.

Foi como um choque elétrico. Minha mente começou a trabalhar em alta velocidade, tentando encontrar uma desculpa, uma explicação, qualquer coisa. Mas, em vez disso, fiz o oposto do que ela esperava.

Eu me virei rápido e comecei a andar na direção da calçada, com passos apressados. Não olhei para trás. Não sabia o que dizer, o que fazer, e era mais fácil fugir do que encarar a realidade do que eu acabara de ouvir na casa dela.

— Kenny! — Ela gritou meu nome de novo, dessa vez mais alto, mais firme.

Eu congelei. Minhas pernas pareciam feitas de chumbo, e o som do meu nome na voz dela ecoou na minha mente. Não me virei completamente, mas também não consegui continuar andando.

— Eu vi você aí, ok? O que você está fazendo aqui? — A voz dela soou atrás de mim, mais próxima.

Eu ainda não me virei, mantendo os olhos fixos na calçada. Diga algo. Diga qualquer coisa. Minha mente gritava comigo, mas eu não conseguia encontrar as palavras.

— Eu... Eu estava só passando. — Menti, a voz mais baixa do que pretendia.

— Dentro do meu quintal? — Ela não parecia convencida. — Não parece que estava só passando, Kenny.

Soltei um suspiro profundo, fechando os olhos por um segundo antes de finalmente virar a cabeça o suficiente para olhar para ela por cima do ombro. Ela estava lá, segurando a bicicleta, os olhos fixos em mim, tentando decifrar o que estava acontecendo.

— Eu... Achei que você poderia precisar de ajuda. — As palavras saíram mais sinceras do que eu pretendia, e isso me irritou.

O olhar dela suavizou, mas só por um momento. Ela olhou para a casa, para as janelas iluminadas, e depois de volta para mim.

— Você ouviu, não ouviu?

Eu não respondi. Não precisava. O silêncio foi suficiente para confirmar o que ela já sabia.

Lizzie suspirou, abaixando a cabeça por um momento antes de levantá-la novamente, um olhar cansado no rosto.

— Você não precisava vir aqui. Eu sei lidar com isso.

Eu quase ri, mas não de um jeito divertido.

— Lidar com isso? Como? Fingindo que está tudo bem? Porque claramente não está.

Ela franziu a testa, como se estivesse decidindo se deveria se abrir ou me mandar embora. Finalmente, soltou um suspiro e empurrou a bicicleta na direção da cerca.

— Não é da sua conta, Kenny. Volta pra casa.

Aquilo me irritou. Não porque ela estava certa, mas porque... Eu me importava. E ela estava tentando me afastar.

— Lizzie... — Comecei, mas ela ergueu a mão, me cortando.

— Não. Por favor. — A voz dela era firme, mas os olhos diziam outra coisa. Havia algo ali, uma mistura de dor e cansaço que eu não conseguia ignorar.

Eu hesitei por um momento, minha mente dividida entre insistir ou respeitar o pedido dela. Finalmente, dei um passo para trás, engolindo a frustração que queimava no meu peito.

— Se você precisar de ajuda... Qualquer coisa... Você sabe onde me encontrar. — Minhas palavras foram rápidas, quase duras, mas eram sinceras.

Ela não respondeu. Apenas me deu um olhar que eu não consegui interpretar antes de pegar a bicicleta e caminhar na direção da porta.

Fiquei ali parado por mais alguns segundos, ouvindo o som dos gritos abafados dentro da casa dela enquanto ela desaparecia pela porta. Finalmente, me virei e comecei a caminhar para minha própria casa, a raiva e a preocupação me seguindo a cada passo.

Voltei para casa com os pensamentos embaralhados, a imagem de Lizzie parada na frente da casa dela com os olhos cheios de confusão e cansaço gravada na minha mente. Tentei ignorar o nó que se formava no meu estômago, mas era impossível. Alguma coisa estava errada, e agora eu sabia disso com absoluta certeza.

As luzes da sala estavam apagadas quando entrei em casa. Meu irmão estava no quarto dele, como sempre, e o silêncio preenchia os espaços vazios da casa. Mas minha cabeça estava longe de qualquer sensação de calma.

Lizzie.

Ela me mandou embora. Antes, ela queria que eu estivesse por perto, mesmo que isso fosse incômodo ou estranho para nós dois. Mas agora... Agora ela só queria distância. Ela ainda estava irritada comigo, e isso era óbvio, mas, por algum motivo, isso não conseguia me deixar com raiva dela. Não completamente.

Eu estava preocupado. A preocupação falava mais alto do que qualquer ressentimento que eu pudesse sentir. Peguei o celular no bolso e abri o chat com ela. Matraquinha. O apelido dela brilhava na tela, e eu fiquei encarando aquilo por alguns segundos antes de finalmente digitar uma mensagem.

"Você está bem? Quer conversar?"

Enviei. E esperei.

Um minuto passou. Depois dois. Nada.

Respirei fundo e comecei a digitar outra mensagem. Dessa vez, tentei um tom mais casual, mesmo que eu estivesse tudo menos isso.

"Quer ir ao parque de novo? Eu te encontro lá."

Enviei e continuei encarando a tela. O silêncio do aplicativo me irritava. Cada segundo sem uma resposta fazia o nó no meu estômago apertar mais. O que estava acontecendo na casa dela agora? Ela estava bem? Eu deveria voltar lá?

Minhas pernas começaram a se mexer sozinhas, e eu comecei a andar de um lado para o outro na sala. A ansiedade subindo como uma maré cheia, inundando cada parte de mim. Eu tentava racionalizar, dizer a mim mesmo que ela ia responder, que estava tudo bem, mas... Algo no fundo da minha mente continuava sussurrando o oposto.

Finalmente, sem conseguir me conter mais, abri a porta da frente, pronto para sair de novo e ir atrás dela, mas parei abruptamente.

Ela estava ali.

Lizzie estava parada na calçada, a poucos metros da minha casa. Os olhos dela estavam levemente marejados, como se ela tivesse chorado recentemente, mas a expressão dela era firme, como se estivesse segurando tudo para não desabar.

Meu coração disparou, e por um momento, não consegui dizer nada. Apenas fiquei ali, parado na soleira, encarando-a.

Ela não disse nada imediatamente. Só cerrou os punhos ao lado do corpo, a mandíbula tensa, como se estivesse segurando uma tempestade dentro de si. Finalmente, depois de alguns segundos de silêncio, ela soltou um curto:

— Vamos.

E se virou, começando a caminhar pela calçada.

Um alívio imediato me atingiu, como se todo o peso que eu estava carregando nas últimas horas tivesse sido tirado de mim. Não perguntei para onde ela queria ir, não tentei fazer piada ou iniciar uma conversa. Apenas a segui.

Mas algo me impediu de andar ao lado dela. Não sei exatamente o quê, talvez fosse o peso da situação, ou talvez fosse o constrangimento de saber que eu tinha feito parte do motivo pelo qual ela parecia tão devastada. Então fiquei um pouco atrás, mantendo uma distância que parecia segura.

Os passos dela eram rápidos e decididos, os ombros tensos. Eu queria dizer alguma coisa, qualquer coisa, mas as palavras simplesmente não vinham. Parecia errado quebrar o silêncio, como se aquele momento fosse frágil demais para ser interrompido.

Caminhamos assim por alguns minutos, em um silêncio que parecia mais alto do que qualquer discussão que já tivemos. A única coisa que eu conseguia ouvir era o som dos nossos passos na calçada e o murmúrio distante da cidade à noite.

Finalmente, ela parou em frente a uma pequena praça, um daqueles lugares com alguns bancos e uma iluminação fraca que parecia mais decorativa do que funcional. Ela se sentou em um dos bancos, sem olhar para mim, os punhos ainda cerrados no colo.

Respirei fundo e me aproximei devagar, sentando ao lado dela, mas mantendo um pouco de distância.

— Lizzie... — Comecei, mas a voz saiu mais baixa do que eu queria.

Ela ergueu a mão, me interrompendo antes que eu pudesse continuar.

— Não fala nada. Só... Fica aqui, por favor.

E foi o que eu fiz. Fiquei ali, quieto, enquanto a noite continuava ao nosso redor.

O silêncio entre nós era espesso, denso, e eu me esforçava para encontrar algo que pudesse dizer para aliviar a tensão. Das últimas vezes, parecia que tudo que eu fazia ou dizia só complicava mais as coisas com Lizzie. Mesmo assim, ela continuava ali, perto o suficiente para que eu pudesse vê-la claramente à luz fraca da praça, e essa proximidade me fazia sentir um misto de culpa e alívio. Eu sabia que estava sendo idiota ao tentar afastá-la, mas também era difícil esquecer as frustrações que nos separavam.

Enquanto ela mantinha o olhar fixo no chão, eu observei os detalhes dela como se estivesse tentando decifrá-la. Lizzie estava com o cabelo preso de um jeito casual, como se não tivesse se esforçado muito. Havia pequenas gotas de suor na linha de sua testa, visíveis sob a iluminação fraca do poste mais próximo. Algo me chamou a atenção, e foi aí que notei os hematomas em suas mãos.

Eles não eram exatamente sutis. Eram marcas arroxeadas, novas o suficiente para ainda parecerem sensíveis. Franzi o cenho, sentindo a preocupação começar a crescer novamente. Eu sabia que Lizzie não era do tipo que buscava brigas desnecessárias, então aquilo só podia significar uma coisa.

— Você se meteu em alguma briga? — Perguntei de repente, apontando para as mãos dela.

Lizzie olhou para mim rapidamente, surpresa pela pergunta, e, quase instintivamente, escondeu as mãos no colo.

— Não é nada demais — Disse, a voz dela soando casual demais, como se estivesse tentando minimizar a situação. — Só estava treinando agora pouco.

— Treinando? — Repeti, estreitando os olhos. — No dojô?

Ela assentiu com a cabeça, mas não disse nada imediatamente, como se estivesse decidindo se devia ou não me contar mais. Finalmente, depois de um momento de hesitação, ela acrescentou.

— Foi um convite do Silver.

Minhas sobrancelhas se ergueram antes que eu pudesse me conter. O nome dele acendeu algo dentro de mim, uma mistura de confusão e desconforto. Terry Silver, o mentor do Cobra Kai, tinha convidado Lizzie para treinar fora do horário normal?

Fiquei calado por alguns segundos, processando essa informação. Me perguntei por que ele faria isso. Por que Lizzie? Ela era nova, ainda inexperiente. Talvez fosse por isso mesmo, porque ela era mais jovem e, de alguma forma, parecia mais vulnerável. Mas a vulnerabilidade dela não era fraqueza. Eu sabia disso. E talvez... Talvez Silver tivesse visto isso também.

Apesar de todas as minhas dúvidas, segurei minha língua. Não queria fazer com que ela se afastasse de novo.

— E como foi? — Perguntei finalmente, mantendo minha voz o mais neutra possível.

Lizzie deu de ombros, ainda sem me olhar diretamente.

— Foi intenso. Mas foi bom, eu acho. Ele... Disse que eu tenho potencial.

Essas palavras ficaram ecoando na minha mente. Potencial. Eu me perguntava o que exatamente Silver via nela. Lizzie era resiliente, isso eu sabia, mas ele estava claramente apostando muito nela. Mais do que ele parecia apostar em mim, o que era um pensamento desconfortável de admitir.

— Então... Você vai continuar treinando com ele? — Perguntei, tentando esconder qualquer traço de ciúme ou desconfiança na voz.

Lizzie finalmente ergueu os olhos para mim. Havia algo neles, uma determinação nova, mas também um peso, como se ela estivesse carregando mais do que deixava transparecer.

— Vou — Respondeu ela, simples e direta.

Engoli em seco e desviei o olhar, fixando-o em algum ponto aleatório da praça. Não sabia exatamente como me sentir sobre isso. Uma parte de mim queria dizer a ela para tomar cuidado, para não confiar cegamente em Silver, mas outra parte sabia que ela não aceitaria bem esse tipo de conselho. Lizzie era teimosa. E, de algum modo, eu respeitava isso.

— Só... Toma cuidado, tá bom? — Falei, ainda sem olhar para ela. — Ele sabe como testar nossos limites.

Ela soltou uma risadinha curta, quase irônica.

— Cuidado? Você realmente acha que eu não sei onde estou me metendo?

Não respondi imediatamente. Em vez disso, olhei para ela de relance. Havia algo diferente em Lizzie naquela noite. Algo que eu ainda não conseguia entender completamente, mas que definitivamente me fazia querer estar por perto, mesmo quando tudo ao nosso redor parecia um caos.

O silêncio se instalou entre nós novamente, pesado como chumbo. Não era o tipo de silêncio confortável que às vezes acontecia entre amigos, era algo desconfortável, quase sufocante. Eu me peguei olhando para as sombras que as árvores faziam sob a luz da rua, evitando encontrar os olhos dela. Lizzie não era assim, ela sempre tinha algo a dizer, sempre preenchia os momentos de vazio com piadas ou histórias aleatórias. Mas agora ela estava quieta, e isso só deixava a situação ainda mais tensa.

Finalmente, ela suspirou, quebrando o silêncio de forma abrupta.

— Kenny... — Começou, hesitando um pouco, como se estivesse escolhendo bem as palavras. — O que aconteceu realmente entre você e o Anthony?

Eu estalei a língua, desviando o olhar.

— Você já sabe — Respondi, com mais irritação do que pretendia. — Ele deve ter contado a versão dele.

— Não — Ela me interrompeu, a voz dela firme, sem deixar espaço para dúvidas. — Ele não me disse nada. Eu quero ouvir de você. Sem exageros. Sem drama. Só a verdade.

Fiquei quieto por um momento, ponderando. Ela parecia sincera, e era difícil ignorar a determinação no olhar dela. Suspirei profundamente, sentindo um nó se formar no meu estômago. Reviver aquilo não era algo que eu gostava de fazer, mas, ao mesmo tempo, havia algo na maneira como Lizzie estava me olhando que me fez ceder.

— Tá bom, mas foi você quem pediu — Comecei, meu tom seco, mais como um mecanismo de defesa do que qualquer outra coisa. — Quando eu me mudei pra escola nova, não conhecia ninguém. Era só um garoto novo, tentando me adaptar. Eu era tímido, um pouco desajeitado, e isso me tornou... Um alvo fácil.

Parei por um momento, sentindo a garganta apertar. Lembrar daqueles dias ainda doía.

— Anthony e os amigos dele... Eles me viam como motivo de piada. Pregavam peças em mim, me trancavam em armários, roubavam minhas coisas. Às vezes... — Hesitei, mas continuei. — Às vezes batiam em mim. Nada muito grave, mas o suficiente pra me fazer sentir... Pequeno

Lizzie ficou em silêncio, ouvindo atentamente. Eu continuei, sentindo a raiva surgir enquanto falava.

— Antes de descobrir o karatê, eu não tinha pra onde correr. Era só o garoto bobo, que todo mundo achava engraçado humilhar.

Quando terminei, Lizzie ficou quieta por alguns instantes, absorvendo tudo o que eu tinha dito. Eu esperava uma reação de compaixão ou talvez de raiva por Anthony, mas o que veio foi algo totalmente inesperado.

— E valeu a pena? — Ela perguntou finalmente, a voz dela baixa, mas carregada de significado.

Eu franzi o cenho, confuso.

— O quê? O que você quer dizer com isso?

Ela me olhou nos olhos, e as palavras que vieram em seguida foram como um soco no estômago.

— Valeu a pena se tornar alguém que você não é pra se vingar deles?

Fiquei sem palavras. Literalmente, sem palavras. As perguntas dela ecoavam na minha mente, cada uma como uma faca afiada. Eu abri a boca para responder, mas nada saiu. Era como se as palavras tivessem ficado presas na minha garganta.

Finalmente, depois de um longo momento, murmurei.

— Você não entenderia.

Lizzie respirou fundo, cruzando os braços.

— Você tem razão. Eu não entendo. Mas estou tentando.

A sinceridade dela me desarmou. Eu queria rebater, dizer que ela não tinha ideia do que eu tinha passado, mas a verdade é que ela não estava ali para brigar. Ela estava tentando... Me entender. De verdade. E isso me deixou ainda mais desconfortável, porque talvez eu mesmo não entendesse completamente por que tinha tomado certas decisões.

Ela desviou o olhar, parecendo um pouco frustrada. Eu queria dizer algo, qualquer coisa que pudesse aliviar a tensão, mas as palavras simplesmente não vinham. Então, ficamos ali, em um silêncio diferente agora. Não era mais sufocante, mas pesado, como se ambos estivéssemos carregando o peso de nossas histórias e escolhas. E pela primeira vez, eu me perguntei se talvez, só talvez, Lizzie estivesse certa.

Ela apenas se levantou, suspirando fundo, dizendo que parecia ser uma hora boa para voltar, e então seguimos rumo à sua casa, no entanto, quando vi as luzes acesas dentro de sua casa, e uma voz se sobressaindo, eu simplesmente não consegui me controlar.

Quando puxei a Lizzie para longe da casa dela, foi algo meio instintivo. Nem pensei direito, só sabia que não podia deixá-la entrar lá de novo, não com aquelas vozes altas e o som de algo quebrando que tinha acabado de ouvir. Meu coração estava acelerado, e minhas mãos suavam enquanto ela me olhava com aquela expressão confusa, como se eu fosse louco.

E de fato, talvez eu fosse.

— Kenny! O que você tá fazendo? — Ela perguntou confusa, soltando-se do aperto e massageando o pulso, talvez no calor do momento, eu tivesse esquecido de medir a força.

Foi então que soltei a frase...

— Você pode dormir aqui hoje.

No mesmo instante, senti meu rosto esquentar. Eu sabia que soava estranho, sabia que ela provavelmente ia rir ou me achar um idiota. Mas eu estava falando sério, e o jeito como os olhos dela arregalaram me fez perceber que talvez eu tivesse sido um pouco direto demais.

Ela riu. Uma risada nervosa, meio sem graça.

— Que?!

— Eu tô falando sério, Lizzie — Respondi, tentando parecer mais confiante do que realmente estava. Eu nem sabia de onde tinha tirado essa ideia, só sabia que não queria que ela entrasse naquela casa. Não depois de tudo que já tinha visto e ouvido.

Ela cruzou os braços, me encarando, desconfiada.

— Kenny, você tá brincando, né?

Balancei a cabeça rapidamente, negando.

— Não tô. Só... Sei lá, fala pra sua mãe que vai dormir na casa de uma amiga. Vai ser melhor assim.

Ela deu outro riso, mas dessa vez parecia irritada.

— Melhor assim? Por quê?

Engoli em seco. Não era fácil explicar. Apontei com a cabeça na direção da casa dela, onde as vozes continuavam altas.

— Porque lá... Não parece bom pra você agora.

Quando ela olhou pra casa, o silêncio entre nós ficou pesado. Eu sabia que ela podia ouvir. E sabia que isso doía nela, mesmo que ela não fosse admitir.

— Kenny, eu não posso simplesmente dormir fora assim, sem avisar direito. Minha mãe vai ficar preocupada.

Dei um passo à frente, tentando me aproximar, mas não muito.

— Então avisa. Manda uma mensagem. Qualquer coisa. Fala que tá com uma amiga. Mas não volta pra lá hoje, Lizzie. Por favor.

O "por favor" escapou antes que eu pudesse me segurar, e senti minha garganta apertar. Eu odiava soar assim, mas não conseguia evitar. A ideia de deixá-la entrar naquela casa, com todo aquele caos... Não parecia certo.

Ela me olhou de um jeito que me deixou desconfortável. Era como se estivesse tentando ler a minha mente, entender por que eu estava tão preocupado. Mas como eu ia explicar isso?

— Kenny... — Ela começou, mas eu a cortei antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa que me faria duvidar de tudo.

— Olha, você pode dormir no meu quarto. Eu fico na sala. Tá tudo bem. Eu só... — A voz falhou um pouco, e precisei engolir em seco antes de continuar. — Eu só não quero que você volte pra lá assim. Não hoje.

Ela ficou me encarando. O silêncio dela era insuportável. Eu sabia que estava sendo idiota, talvez até um pouco invasivo, mas eu não me importava.

— Por que você tá fazendo isso? — Ela perguntou, finalmente quebrando o silêncio.

Desviei o olhar por um momento, porque eu mesmo não sabia responder. Ou talvez soubesse, mas não queria admitir.

— Porque eu me importo, tá bom? — Soltei de uma vez, sem pensar. Quando percebi o que tinha dito, senti meu rosto queimar.

Lizzie arregalou os olhos de novo, abrindo a boca para dizer algo, mas simplesmente ficou completamente muda, e dessa vez, eu só queria que ela dissesse alguma coisa. Qualquer coisa. O silêncio dela parecia me matar lentamente. Será que eu fui direto demais?

Obra autoral ©

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