002 - Olhar indecifrável
— Por favor, pare de choramingar e saia do meu carro.
Eu chorei um pouco mais. Eu estava a caminho do trabalho, fazendo a rotina matinal habitual, como vinha fazendo nas últimas duas semanas. E não, não dormi até tarde. Na verdade, saí do apartamento uma hora antes, só para ter tempo de tomar um café a caminho do escritório, sem ficar presa no trânsito da manhã.
E consegui o café que queria desesperadamente e ainda tinha cerca de quarenta minutos para chegar ao escritório. Eu não esperava que meu carro simplesmente parasse de funcionar no meio da estrada. O bastardo tentou seriamente foder comigo.
Eu não tinha muitas opções. Luka provavelmente já estava em seu escritório e teria demorado muito para vir me buscar, considerando que ficava no lado oposto da cidade. Eu não tinha dinheiro comigo, então um táxi não era uma opção.
Minha salvadora, o amor da minha vida, minha melhor amiga Cora veio para me salvar.
Cora e eu nos conhecemos durante a orientação em nosso primeiro ano e nos tornamos próximas desde então. Embora sejamos pólos opostos, nossa vibração combinou instantaneamente e lentamente nos conhecemos. Tínhamos um plano de carreira semelhante em mente. Ela também conseguiu um estágio em uma grande empresa, por isso não nos vemos desde o fim dos exames.
— E se eu for demitida?
Cora suspirou.
— Nesse ritmo, nós duas seremos demitidas. Usei minha emergência familiar para você, então é melhor você sair e entrar.
Avisei Ellie que me atrasaria porque meu carro quebrou, e ela me disse para não ter pressa e que não haveria problemas. Isso foi há quase três horas. Não só cheguei extremamente atrasada, mas também foi a primeira vez que cheguei atrasada. E eu odiava atrasos.
— Tudo bem. Estou indo. Obrigada.
— De nada — ela me deu um sorriso cheio de dentes quando saí do veículo. Assim que a porta se fechou, ela saiu e me deixou sozinha para lidar com minha ansiedade.
Agora, eu sabia que poderia acontecer com qualquer um que chega atrasado. A questão era que isso tinha que acontecer agora. Apenas um fim de semana depois de encontrar meu chefe em um clube onde ele provavelmente não quer ver seus funcionários. Enquanto demorava para chegar ao último andar, comecei a pensar em como foi o fim de semana.
Assim que saí do clube, a primeira coisa que senti foi vergonha. Queria que o chão se abrisse e me engolisse inteira. Porém, esse era o cenário improvável de acontecer. Em vez disso, desabafei com Luka, que apenas riu em resposta à minha infelicidade.
No sábado, mal consegui comer. A maior parte foi por causa da terrível ressaca que tive, mas a menor parte foi por causa da vergonha. Sem mencionar que todas as minhas costas doíam. Quem me bateu naquela noite nas costas deixou um hematoma feio que me impediu de dormir direito.
Agora, domingo foi uma história completamente diferente. Tive dois dias para refletir e o último dia antes de voltar ao trabalho foi o dia em que tomei uma decisão.
Era para pular, ali mesmo em seu escritório. O problema com isso seria que eu provavelmente seria jogada pela janela.
A única opção racional que restou foi agir como se nada tivesse acontecido. Eu tinha certeza de que ele não tocaria no assunto primeiro. Duvidei que ele me reconhecesse, a julgar pela sua reação. Se ele me reconheceu, ele definitivamente escondeu bem. Melhor do que eu, isso era certo.
E por mais estranho que parecesse, tive um estranho momento de compreensão. Não havia sentimentos envolvidos, obviamente, mas eu estava insanamente atraída por Theodore Estevan. Porém, duvido que pudesse alguém que não fosse.
Eu queria fazer sexo com aquele homem, mas parecia impossível. Mesmo que nossos gostos e preferências combinassem completamente, ele ainda era meu chefe e não era alguém que brincava com um funcionário.
E eu mal podia esperar o estágio acabar para tentar alguma coisa, porque agora eu não teria chance de fazer nada.
Decidi simplesmente observá-lo por uma semana e então decidir um plano.
— Graças a Deus, você finalmente está aqui — Ellie exalou um suspiro de alívio ao me ver. Ela parecia frustrada e isso me fez sentir culpada. Bastou uma rápida olhada ao meu redor para entender o quão ocupados todos os outros estavam.
— O que está acontecendo? — eu perguntei enquanto rapidamente colocava meus pertences na minha mesa.
— Eu sei que pode não parecer, mas o Sr. Estevan acabou de fechar um acordo no valor de seis milhões de dólares. Estamos terminando a papelada, então você vai dar a ele a pilha de papéis para assinar, certo?
Fiquei mortificada por um momento e Ellie inclinou ligeiramente a cabeça, quase me desafiando a dizer não. Eu dei a ela um sorriso cheio de dentes com um aceno de cabeça. Eu já estava atrasado, não tinha como dizer não.
— Mas por que todos estão nervosos?
Ellie suspirou.
— Bem, todos nós queremos que isso acabe o mais rápido possível, porque se terminarmos tudo até quinta-feira, teremos folga na sexta-feira e o chefe vai nos oferecer um jantar na sexta à noite.
Meus olhos brilharam com a menção de um dia de folga e uma refeição grátis com muito álcool. Por mais que eu odiasse admitir, Theodore Estevan não estava economizando dinheiro quando se tratava de jantares de empresa para seus funcionários. Os restaurantes que frequentamos eram sempre tão elegantes e luxuosos quanto aqueles que ele frequentava.
Claro, seria a primeira vez que participaria de um evento como esse e isso me deixou estranhamente animada.
— Agora, vá embora — Ellie colocou uma pilha de papéis em minhas mãos, seguida por três pastas grossas. Quase ri, sabendo que ele levaria pelo menos quatro horas apenas para assinar tudo isso.
Era difícil bater tomando cuidado para não deixar cair nada, mas depois da segunda batida, pude entrar.
— Boa tarde, senhor — cumprimentei, ignorando como minha voz falhou no final da frase.
Theodore parecia delicioso.
Seu cabelo penteado para trás estava recém-aparado nas laterais e, involuntariamente, minha mente desviou-se para a noite de sexta-feira. Ele parecia muito melhor com seu cabelo bagunçado. Suponho que não foi tão profissional, mas ainda assim parecia melhor.
Ele estava vestindo um terno todo preto com gravata combinando e uma camisa branca. Desta vez, a camisa estava totalmente abotoada. Um relógio caro decorava seu pulso enquanto meus olhos seguiam o movimento de seus ponteiros.
Eu queria aqueles dedos lindos enrolados em meu cabelo e em volta do meu pescoço…
Não é a hora, Daphne, não é a hora.
— Por que você se atrasou, senhorita Preston?
Aproximei-me de sua mesa depois que ele fez um gesto com a mão que não havia problema em chegar perto dele.
— Peço desculpas, meu carro quebrou e demorei um pouco para chegar aqui.
Ele fez um zumbido.
— Deixe os papéis na mesa — ele disse e eu segui a ordem. — Qual é a minha agenda para o resto do dia e amanhã?
Sua voz profunda começou a me afetar. Por mais que eu não admitisse isso anteriormente, era algo sobre o qual eu não conseguia mais mentir para mim mesma. Eu me perguntei como seria ter aquela voz rouca e profunda sussurrando em meu ouvido enquanto ele me atacava como um animal selvagem.
— Senhorita Preston, pare de se distrair.
Pisquei.
— Peço desculpas, senhor — limpei a garganta antes de falar novamente. — Você está livre para almoçar e já lhe enviei por e-mail o endereço do restaurante de hoje. Depois disso, você tem uma reunião com a Doyle Entertainment às quatro horas, que é a única de hoje. A senhorita Summers também cancelou o resto de sua agenda do dia, conforme solicitado.
Eu peguei seu olhar penetrante em mim. Embora a forma como ele olhava para mim não fosse diferente do habitual, foi o suficiente para despertar a minha excitação.
— Obrigado, senhorita Preston — ele parou por um momento e depois prosseguiu. — Tenho certeza que apesar de estar atrasada, você ficou sabendo do jantar da empresa que acontecerá na sexta-feira. Escolha um restaurante e faça uma reserva. Verifique com o restante das secretárias quem poderia comparecer e adicione quatro pessoas a esse número.
Esse homem conseguiu lançar sombra em mim tão sutilmente que me deixou chateada, embora eu não tenha deixado transparecer. Além disso, algo que aprendi no primeiro dia em que cheguei aqui foi que ninguém recusava seu convite para jantar. Quem em sã consciência diria não à comida e bebida de graça?
— Sim, senhor.
— Presumo que você também irá comparecer, a menos que tenha... outros planos?
Senti um calor subir às minhas bochechas e às pontas das minhas orelhas. Seu rosto permaneceu inalterado, inexpressivo como sempre, mas a forma como o tom de sua voz mudou quando ele terminou a frase me fez perceber que Theodore Estevan, de fato, lembrava de me ter visto e me reconheceu.
Não era uma voz provocadora, quase parecia que ele estava me ameaçando para não ir àquele clube novamente.
A sala inteira cheirava a tensão e eu só conseguia ouvir meu coração batendo forte nas costelas, mal conseguindo não pular. Respirei fundo e lancei um sorriso falso no rosto.
— Não se preocupe, senhor. Os planos que tenho podem ser facilmente adiados para sábado.
Sua sobrancelha ergueu-se, mas ele permaneceu em silêncio. Joguei um osso para ele e em alguns dias veria se o cachorro o pegou ou enterrou.
— Isso é tudo, senhorita Preston. Me mantenha informado sobre os preparativos amanhã. E não se atrase novamente.
Inclinei levemente a cabeça em respeito.
— Claro que não, senhor. Com licença.
Fechei a porta atrás de mim e soltei um suspiro trêmulo. Que raio foi aquilo? Por que ele diria coisas tão sugestivas?
Para as pessoas que não o conheceram ou conversaram com ele, não parecia que ele estava falando muito. Mas, na realidade, ele estava dizendo muito, ou pelo menos insinuando sem dizer as palavras.
Ele queria saber se eu estava disposta a perder uma noite em um clube para jantar. O filho da puta não sabia que era bem possível fazer as duas coisas. Eu iria para aquele jantar idiota, pediria licença por volta das dez e iria para o clube.
Como a Stricto ficava em um bom bairro, havia muitos restaurantes luxuosos nas proximidades. Rapidamente mandei uma mensagem para Luka e, em poucas frases curtas, expliquei que tipo de restaurante estava procurando e se ele poderia recomendar algum nessa área.
Luka sendo Luka demorou para responder, mas foi uma boa resposta. Ele me enviou uma lista de restaurantes exclusivos, com temas diversos que estavam por perto, e teve a gentileza de fazer uma lista com os três melhores.
— Por que todo mundo está de mau humor? — perguntei a Ellie uma vez que resolvi fazer uma pausa e tomar um café.
— O Sr. Estevan está expandindo a empresa, é claro, e vai abrir uma em Londres no próximo ano.
Meus olhos se arregalaram.
— Isso não é uma coisa boa?
Ela estalou a língua.
— Para os negócios, sim. Mas isso significa que ele ficará em Londres por um bom tempo e que contratará pessoas para fazer o trabalho que está fazendo atualmente, o que coloca suas secretárias em desvantagem.
— Ah, você está preocupada em ser demitida?
Ela acenou com a cabeça.
— Nem todas nós, mas ele terá que demitir quatro pessoas e manter uma secretária aqui apenas para manter a ordem, ou as outras quatro pessoas serão realocadas em algum lugar dentro da empresa, mas a questão principal é que o salário não é tão grande quanto aqui.
— Quem você acha que ele manterá para cuidar das coisas para ele?
Os ombros de Ellie caíram.
— Bem, eu sei que provavelmente não sou eu, e é por isso que eu estava babando o ovo dele mais do que o normal. Ainda preciso do dinheiro para pagar meus empréstimos estudantis.
Bem-vindos ao sistema educacional americano, pessoal. Um lugar onde você trabalha a vida inteira só para poder devolver dinheiro por não lhe ensinar absolutamente nada.
Eu gostaria de poder ajudá-la de alguma forma, mas considerando que era Luka quem estava pagando meus estudos, eu não sabia como.
Só consegui pelo menos confortá-la em silêncio enquanto as bebidas quentes em nossas mãos esfriavam.
Cora saiu do trabalho mais cedo e eu a encontrei no meu apartamento depois do trabalho. Foi uma surpresa agradável vê-la, ainda mais ver que ela trouxe vinho consigo.
— Nós realmente não deveríamos beber — comentei, mas bebi a deliciosa bebida azeda de qualquer maneira. Eu sabia quanto álcool meu corpo era capaz de suportar, então tomei cuidado para não exagerar. Eu ainda tinha trabalho a fazer.
— Ah, quem se importa — ela pegou uma cadeira e puxou-a para perto da janela. Nunca entendi por quê, mas ela sempre se sentava perto da janela e ficava olhando.
— Você ainda tem rosa no cabelo.
Um gemido saiu de seus lábios enquanto ela puxava uma mecha de seu cabelo loiro e a inspecionava. Seu cabelo era rosa chiclete, mas como a empresa onde ela trabalhava lhe disse que era inapropriado, ela teve que descolorir o rosa, mas ainda era visível em alguns lugares.
— Mal posso esperar que as aulas comecem para que eu possa pintar de volta.
Eu ri. Passou pela minha cabeça contar a ela o que aconteceu com meu chefe, mas considerando o quanto eu sentia falta dela, queria falar sobre ela e ver o que ela estava fazendo.
— Ei, se você quiser ficar com alguém, eu conheço um cara que pode realizar todos os seus sonhos mais loucos - eu sorri.
Cora revirou os olhos.
— Se for sobre Luka de novo, juro por tudo que é sagrado que vou enfiar essa garrafa na sua garganta.
Cora e Luka nunca se conheceram. Na verdade, também nunca mostrei a ela uma foto dele. Eles se conheciam através de mim, mas isso era tudo. Na minha opinião, os dois formavam um casal perfeito. Na minha opinião, Luka precisava de alguém gentil, amoroso e estável em sua vida, enquanto Cora precisava de alguém que a deixasse louca de vez em quando.
O principal problema era que Luka ainda não estava pronto para namorar, e foi por isso que nunca falei sobre isso com ele.
— Quero dizer, eu conheço suas preferências sexuais porque você nunca sabe quando calar a boca, e eu conheço as dele porque, bem, fizemos sexo algumas vezes e acho que seria uma combinação perfeita.
Embora Cora tenha me contado todos os detalhes de sua vida, e eu quis dizer todos eles, ela era muito tímida e reservada com todos os outros. Ela tinha outros amigos, mas nunca estava tão relaxada e aberta como quando estava comigo. Isso me fez sentir especial.
Cora engoliu sua bebida antes de arrumar os óculos com o dedo indicador.
— Escute, Daph — ela começou com um suspiro. — Esse par pode ser incrível na sua cabeça, mas eu nunca conheci o homem. Duvido que seríamos um bom par.
— Por quê? — eu fiz uma careta.
— Pelo que você me contou sobre ele, ele é definitivamente um Dom.
— E qual é o problema?
Cora piscou, mas então um sorriso malicioso tomou conta de seu rosto. A inocência que sempre cobria seu rosto desapareceu em um instante enquanto ela ria.
— Não há nada que eu ame mais do que ir por cima e dominar.
Engoli em seco.
— Vou parar de fazer perguntas agora.
Eu podia ouvir sua risada enquanto minha mente ficava em branco. De repente ela ficou quieta. Olhando para cima, vi suas sobrancelhas franzirem enquanto ela olhava para fora da janela.
— Ué, aquele não é seu chefe?
Eu estava ao lado dela num piscar de olhos, meus olhos seguiram o movimento de seu dedo.
E fiel ao que ela viu, era Theodore. Ele estava do lado de fora do carro, estacionado do outro lado da rua do meu prédio. Dei um passo para o lado e tentei me manter escondida. Parecia que eu era uma perseguidora, observando cada movimento seu, mas era estranho que ele estivesse naquela área.
A casa dele ficava do outro lado da cidade e eu não achava que ele tivesse família por aqui.
Isso foi até eu ver uma mulher sair do prédio em frente ao meu e entrar para dar um maldito beijo. Minha boca se abriu e olhei para a cena na minha frente em estado de choque. Tentei lembrar onde vi a mulher antes, porque ela tinha uma aparência estranhamente familiar, quando isso me ocorreu.
Foi a mesma mulher que o vi no clube.
Cora não disse uma palavra, mas pude sentir seu olhar ardente sobre mim quando parei de me esconder atrás da parede.
Ele não poderia ter uma namorada. Isso não estava acontecendo. Como porra? Não, não, por que caralho isso estava acontecendo comigo?
Obviamente, se fosse a namorada dele e não um caso aleatório de uma noite, eu recuaria, não era uma destruidora de lares, mas ainda assim parecia uma merda.
Cora era uma pessoa observadora e não demorou muito para perceber que algo estava acontecendo.
— Tem alguma coisa que você queira me contar?
— Agora não — eu simplesmente respondi e ela não se intrometeu mais.
Eu não sabia por que, mas o segundo seguinte pareceu durar toda a eternidade. Seu olhar penetrante encontrou o meu e simplesmente nos encaramos. Ele queria me contar algo com aquele olhar, mas eu não sabia o que era nem como interpretar. A mulher em seu braço agarrava-se desesperadamente a ele, como se ele fosse seu último suspiro.
Em vez de lhe dar satisfação e responder de alguma forma, simplesmente fechei as cortinas.
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