Prelúdio.
O corpo estava mutilado e frio como a expressão do capitão da polícia.
Fortes aliciares de vento corriam pelo beco escuro na área mais pobre do vilarejo Sain't Clair, os cães gêmeos latiam ruidosamente ao ver o corpo desfigurado de uma mulher desconhecida. Fora brutal e lento, aquela moça havia sofrido como ninguém, por horas a fio pelo estado do corpo.
Satoru sequer conseguiu lançar as costumeiras piadas antes de solucionar o caso, porque pela primeira vez em anos, nada estava claro. Não havia sinais, não havia sequer um cheiro que denunciasse o que havia de fato acontecido com aquela mulher.
— Pelo tecido das roupas, julgo ser uma jovem - Satoru, disse vagarosamente analisando os pedaços espalhados do vestido em frangalhos e o corpete meramente intacto se não fosse pelo sangue — A paleta de cores entrega que não deve nem ter sido apresentada à sociedade ainda. Talvez tenha entre dezoito a vinte anos.
— Apresentada a sociedade? - seu parceiro de investigação novato respondeu, fitando-o como se procurasse algo que Satoru via mas que ele não — Quer dizer que ela é uma nobre? - o homem concordou com a cabeça em um movimento singelo, voltando a se aproximar do corpo, abaixando-se ao lado da jovem — O que uma garota nobre faz nesta região?
— É isso que procuro entender, Yuuji. - com um graveto qualquer Satoru levanta o braço mole da vítima, tentando encontrar algo que não tenha visto antes, mas nada mostrava o que realmente havia acontecido ali — As jóias foram roubadas. Para dificultar a identificação de qual família a garota pertence.
Satoru disse mais para si mesmo do que para o garoto parado atrás de si. Era tudo muito confuso, o beco estava bagunçado e sujo, mas não parecia que um crime havia acontecido ali...
A polícia local fora acionada pela dona da estalagem ao lado. A senhora de idade diz ter escutado um barulho abrupto do lado de fora do estabelecimento, alguns clientes reclamaram do barulho repentino e para apaziguar os nervos da clientela a senhora fora dar uma olhada no beco sem saída. A velhinha sequer conseguiu gritar pela cena de horror que presenciara, era um pesadelo tomando forma.
Perguntas foram feitas mas de nada serviram, a senhora apenas chorava e dizia que não havia ninguém por perto, que a movimentação estava baixa, apenas o calar da noite assolava a rua naquele horário.
— O assassino a trouxe para ser encontrada... Mas ela não foi morta aqui. - Satoru levantou-se lentamente, observando com mais calma o lugar insalubre — Todos os vestígios de sangue estão nela ou saindo pelos ferimentos, mas nenhum de fato aqui.
Os cachorros aquietaram-se de súbito, o fazendo olhar para trás e dar de cara com a figura obscura de Megumi Fushiguro. O sobretudo preto engolia o corpo esguio do garoto e por entre os dedos um cigarro de cravo dominava a cena do crime com seu aroma envelhecido.
— Mas se ele a trouxesse até aqui haveria vestígios do lado de fora. Não há como trazer um corpo mutilado sem deixar rastros por onde quer que tenha passado. - Megumi disse cético, intrometendo-se na conversa antes unilateral, já Yuuji tentou acompanhar o raciocínio do capitão, mas as possibilidades pareciam castas ao seu ver.
— Talvez a tenha trazido de carroça, é comum o tráfego de mercadorias a essa hora. Talvez tão comum que a senhora não tenha visto necessidade de relatar a nós - Yuuj contrapõe mesmo não sentindo firmeza na própria fala, as engrenagens de sua mente estavam falhando e isso o deixava confuso.
— As tábuas de madeira possuem frestas consideravelmente grandes, se o transporte fosse feito por um carroça simples, com certeza deixaria vestígios, menos que transporte a mão mas definitivamente deixaria rastros. - Fushiguro rebateu a ideia, mas ainda havia algo mais, algo que ele esperava que seu superior soubesse.
Satoru os observou, não contendo a pitada de orgulho que sentiu por seus subordinados estarem evoluindo dentro de uma investigação. Era esperado de Megumi, um garoto naturalmente inteligente e de família rica, era quase um fato de que qualquer carreira que seguisse, seria destaque, mas ainda sim surpreendente o quão apto ele era para aquilo, já Yuuji o deixava orgulhoso pelo simples fato de tentar e conseguir ser cada vez mais atento, não com tanta precisão, mas ainda sim esperto. Para alguém como ele, de família simples e destinado a propósitos bem mais bárbaros dentro da sociedade. Sua visão empática e o conhecimento que tinha sobre outras classes, esclareceu detalhes que pessoas como Megumi não conseguiam ver.
Mas ainda sim não haviam chegado a uma conclusão concreta. Diferentemente de Satoru.
— Foi uma carruagem. - o capitão disse solene, com fiapos da condescendência costumeira na voz — E pela constatação de não haver rastros, é uma bem revestida. Uma carruagem cara, uma que provavelmente ninguém neste fim de mundo deva possuir. - Ele voltou seus olhos azuis feito joias para o corpo desfigurado da moça, que um dia deveria ter sido bela como uma flor. A raiva aflorou em seu peito e com um sorriso melancólico ele transformou tal sentimento volátil em determinação — Ela foi morta por alguém da nobreza, assim como ela.
— Então temos de achar o local do assassinato traçando a rota da carrugem — Fushiguro acariciou a cabeça do cão branco, pensativo enquanto evitava olhar para o corpo — Para adentrar neste vilarejo só é possível por três rotas capazes de suportar uma carrugem de porte nobre. Podemos definir três esquadrões capazes de investigar essas rotas.
Satoru antes pairou por esta possibilidade, analisando-a por entre conveniências e clichês, mas ainda sim alguma coisa não se encaixava...
— Talvez ela foi morta dentro da carruagem. - a voz de Yuuji cortou o ar denso de seus pensamentos.
— E por que diz isso? - foi a vez de Fushiguro questionar a sugestão de Yuuji.
— Porque as três rotas para adentrar em Sain't Clair são dadas por lugares inóspitos e inacessíveis, se não inadequados, para uma dama. — Yuuji dirigia-se para fora do beco, o cheiro de ferro finalmente fez a bile subir a garganta — A não ser que essa jovem seja uma grande aventureira, atrevo-me a dizer que ela entrou em uma carruagem por livre e espontânea vontade.
O capitão finalmente sentiu uma linha fina de raciocínio estender-se em sua mente — Muito bem, Yuuji. Isso explicaria a falta de rastros...
— Se ela tivesse sido assassinada fora da carruagem, o sangue teria escorrido e ou manchado as rodas caso a mulher tenha sido arrastada até o transporte, mas não há nada na estrada que segue o rumo para as carruagens - Megumi estava cético, mas cedendo a razão a Yuuji. O garoto era difícil de convencer o contrário quando enfiava uma ideia na cabeça, manteria sua postura até que se prove o contrário.
Mas naquele caso, sua teimosia cetista não faria diferença.
— Ela entrou na carruagem por livre e espontânea vontade, foi morta nela e arremessada neste beco. - Satoru abriu o próprio casaco tirando do bolso interno um maço de cigarros importados, acendendo-o com o isqueiro oferecido por Megumi — O assassino é alguém da nobreza, um solteiro considerando a liberdade pela qual perambula pelos cantos ou alguém muito bem casado que o faça se afastar o suficiente da cidade para cometer seus infortúnios.
Os três estavam calados diante do caos da polícia e vizinhos ali presentes, ambos sabiam o que aquela investigação iria custar e como ela chegaria ao fim. Mas ainda sim Satoru sorriu para seus companheiros, com aquela determinação enjoada invadindo as maçãs de seu rosto, ignorando a morte suspirando em sua nuca.
— Já devem ter percebido que como ela é um nobre encontrada morta em bairro plebeu o caso vai ser abafado pela coroa. A família vai chorar mais pela mácula na reputação do que pela da filha… - Seus olhos brilharam — Precisamos dar continuidade nesse caso. Queira a coroa ou não.
— Não temos força para isso, um filho de um conde, o capitão da polícia e um ex-soldado… Sabem que não darão a mínima para nós.
— Mas darão ouvidos a um duque.
Yuuji entortou a cabeça franzindo o cenho confuso — E onde arranjamos o apoio de um duque?
Megumi respirou fundo, apreensivo por já saber o que o mentor iria fazer — Satoru, tem certeza disso…?
— Tenho. - A firmeza em suas palavras não deixou mais espaço para questionamentos — Tirem o corpo daqui e levem-no para o reconhecimento.
— E o que o senhor vai fazer? - Yuuji insistiu na pergunta.
— Eu? - um leve riso saiu de seus lábios — Eu vou me casar.
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