01. End of beggining
A luz do sol filtrava-se pelas cortinas mal fechadas do meu quarto, riscando o teto com linhas fracas e desiguais. O ventilador girava lentamente, emitindo um ruído abafado, mas nada disso parecia real para mim. Eu estava deitada na cama, imóvel, como se meu corpo tivesse sido abandonado por qualquer vestígio de energia. Meu olhar estava fixo no teto, mas meus pensamentos estavam em outro lugar.
Haruto.
Era tudo o que eu conseguia pensar. Meu irmão mais novo estava no hospital, ligado a máquinas, enquanto médicos trocavam olhares que diziam mais do que palavras jamais poderiam. Eles sabiam, e eu sabia, que cada segundo que passava sem o tratamento adequado era um passo mais próximo do inevitável. Ele tinha apenas dez anos, pequeno demais para carregar o peso de uma doença tão cruel, e eu... Eu era sua única família.
A ironia me dilacerava. Eu sempre achei que podia dar conta de tudo. Cresci ouvindo que, se trabalhasse duro, o mundo acabaria me recompensando. Que se eu fosse forte, responsável e determinada, nada poderia me parar. Mas agora, aqui estava eu, jogada na cama de um apartamento pequeno e mofado, sem dinheiro, sem emprego e sem esperança.
O aviso de despejo do meu trabalho de professora particular ainda estava amassado no chão, exatamente onde o joguei na noite passada. "Estamos encerrando suas atividades devido à baixa demanda..." As palavras eram educadas, quase simpáticas, mas o impacto delas foi como uma facada. Sem aquele emprego, eu não tinha mais uma fonte de renda. Ensinar inglês para crianças era o que me mantinha de pé, o que pagava pelo apartamento, pela comida, e principalmente pelos remédios de Haruto.
Eu senti meus olhos arderem. Não tinha mais lágrimas para derramar. Já havia chorado tudo o que podia nas últimas semanas. Agora, havia apenas um vazio doloroso dentro de mim. A sensação de que estava me afogando, mas em vez de água, era responsabilidade e medo. Haruto era tudo o que eu tinha. Tudo. E o pensamento de perdê-lo me esmagava mais do que qualquer golpe físico poderia.
Meu corpo inteiro estava paralisado. Cada vez que tentava me levantar, uma onda de cansaço me puxava de volta para o colchão. Minhas mãos estavam fechadas em punhos contra o lençol, enquanto minha mente corria em círculos, buscando uma solução que eu sabia que não existia. Eu já havia esgotado todas as possibilidades. Pedi dinheiro emprestado a colegas de trabalho, vendi quase tudo o que tinha de valor, a televisão, as joias antigas da minha mãe, até mesmo minha bicicleta. Não sobrava mais nada para vender, e não havia mais ninguém para quem pedir ajuda.
Senti meu estômago revirar, mas a fome era um problema secundário. Eu não tinha comido nada desde ontem à noite, e mesmo que quisesse, o dinheiro para o próximo almoço já estava destinado a comprar os analgésicos de Haruto. Era a única coisa que eu ainda podia oferecer a ele, alívio.
Por um momento, fechei os olhos e tentei imaginar um futuro em que tudo isso fosse apenas um pesadelo distante. Onde Haruto estivesse em casa comigo, rindo e reclamando que eu colocava vegetais demais no jantar. Onde eu pudesse vê-lo correndo pelas ruas de Shibuya, saudável e cheio de vida. Mas essa imagem se dissipava tão rápido quanto surgia, como uma bolha estourando.
Um som metálico me trouxe de volta à realidade. O vento bateu contra a janela, forçando a veneziana a ranger. O som ecoou pelo quarto vazio, me lembrando o quão sozinha eu estava. Cada som, cada movimento parecia amplificado, como se o universo estivesse zombando do meu silêncio.
Eu me forcei a mexer um braço, mas ele parecia pesar uma tonelada. Mesmo assim, me obriguei a alcançar o celular na mesinha ao lado da cama. A tela estava rachada, mais um reflexo do caos que era a minha vida. Havia uma mensagem do hospital, um lembrete frio e impessoal de que o pagamento da próxima semana era essencial para continuar o tratamento.
Soltei o celular, que caiu no chão com um som seco. A raiva queimou em mim por um momento, mas logo se dissolveu, deixando apenas o mesmo vazio de sempre. O que eu podia fazer? Roubar um banco? Implorar na rua? Nenhuma dessas opções parecia mais absurda do que a situação em que eu já estava.
Eu sabia que precisava me levantar. Precisava ir até o hospital ver Haruto, segurar sua mão e mentir dizendo que tudo ficaria bem. Mas meu corpo não se movia. Estava presa entre o medo e a culpa, uma prisioneira da minha própria impotência.
E enquanto encarava o teto, sentia que o mundo inteiro estava desabando sobre mim. E eu, como sempre, estava sozinha para segurá-lo.
Levantei-me da cama como quem carrega o peso de um mundo inteiro nos ombros. Minhas pernas pareciam feitas de chumbo, os passos pequenos e arrastados. Cada movimento parecia um esforço monumental, mas eu sabia que não podia ficar ali, paralisada, enquanto Haruto lutava pela vida no hospital. Precisava me mexer. Nem que fosse só para sentir que ainda tinha algum controle sobre alguma coisa na minha vida.
Peguei meu celular do chão, limpando a tela rachada com a ponta da camiseta velha que eu usava. Abri o aplicativo de mensagens, hesitando por um segundo antes de digitar. Eles eram o tipo de amigos que qualquer mãe avisaria para você evitar. Karube, Arisu e Chōta eram caóticos, irresponsáveis e, na maior parte do tempo, completamente inúteis. Mas, mesmo assim, eles eram minha válvula de escape. Um pouco de normalidade em meio ao caos.
Comecei a digitar no grupo
"Ei, vocês podem me encontrar? Quero ir até o hospital. Preciso de companhia."
A resposta veio quase instantaneamente, como sempre. Arisu foi o primeiro.
Arisu: "Estou literalmente na rua. Meu pai me colocou pra fora de casa hoje de manhã. Acha que isso me impede?"
Chōta: "Haha, eu deveria estar no trabalho agora, mas chamei o chefe de babaca e saí. Estou livre, mas pobre. Tá ruim?"
Karube: "Eu? Demitido. De novo. Adivinha quem não vai pagar o aluguel esse mês? Mas beleza, nos encontramos onde? Traz uns lanches, Mizuki, porque a gente tá quebrado."
Sorri pela primeira vez em dias. Era incrível como eles conseguiam fazer piada de tudo, até mesmo das piores situações. Não importava o quão ferrados estivéssemos, sempre parecia haver espaço para risos quando estávamos juntos.
"Estação Shibuya," mandei de volta. "Nos encontramos lá. Vamos pro hospital. E com sorte, podemos vender umas miçangas no metrô. Vai que a gente fica rico."
Karube respondeu quase imediatamente:
Karube: "Ricos? Do jeito que a gente tá, nem vendendo a alma pra Yakuza a gente paga as contas. A gente devia era roubar o Arisu que nasceu em berço de ouro."
Ri sozinha enquanto colocava meu celular no bolso. A piada era idiota, mas exatamente o tipo de coisa que eu precisava ouvir. Peguei uma mochila velha, joguei dentro uma garrafa de água, um pacote de biscoitos e uns trocados que sobraram da última compra. Não era muito, mas era o que eu tinha.
Enquanto andava pelas ruas em direção à estação de Shibuya, o céu parecia mais cinza do que o normal. Talvez fosse o clima, ou talvez fosse eu. As ruas estavam lotadas como sempre, um turbilhão de rostos anônimos, todos apressados, todos indo para algum lugar. Olhei para aquelas pessoas e me perguntei quantas delas carregavam fardos tão pesados quanto o meu.
Shibuya era um caos organizado. Os painéis luminosos piscavam acima de mim, anunciando coisas que eu nunca teria dinheiro para comprar. O cruzamento famoso estava abarrotado de gente, cada um com sua própria direção, como formigas. No meio de toda aquela confusão, eu sentia uma estranha calma. O caos da cidade sempre me lembrava que, apesar de tudo, eu não estava sozinha.
Cheguei à entrada da estação e me encostei em uma das colunas, esperando pelos garotos. Karube foi o primeiro a aparecer, com aquele sorriso cínico de sempre. Estava vestindo uma camiseta de estampa chamativa e calças jeans sujas, mas isso nunca parecia incomodá-lo.
— Se a gente tá vendendo miçangas, eu fico com o lucro. A ideia foi minha. — Ele disse, com um sorriso provocador.
— Você não teve ideia nenhuma, Karube. Você só reclamou da sua vida miserável. — Respondi, rindo.
Arisu chegou logo depois, parecendo ainda mais perdido do que o normal, com uma mochila pendurada de qualquer jeito nas costas.
— Meu pai me jogou fora igual um saco de lixo. Talvez eu devesse vender a mochila, pelo menos ela vale alguma coisa.
— Eu tenho certeza que a mochila vale mais que você, Arisu. — Chōta disse, aparecendo por trás dele e rindo alto.
Eu balancei a cabeça, rindo junto. Era sempre assim com eles. Por mais que a vida fosse uma bagunça, eles conseguiam transformar tudo em uma piada. E por mais que eu soubesse que nenhum deles tinha dinheiro, segurança ou sequer um plano para o futuro, naquele momento, eles eram minha família.
— Vamos. — Eu disse, começando a descer as escadas para o metrô. — Com sorte, o hospital não vai nos expulsar por sermos tão pobres.
Karube colocou um braço em volta dos meus ombros.
— Se eles expulsarem, a gente vende as miçangas lá na porta.
E, pela primeira vez em muito tempo, eu me senti um pouco menos sozinha.
Descemos as escadas para o metrô aos tropeços, rindo como idiotas enquanto tentávamos alcançar o trem que estava prestes a chegar. O som dos nossos passos ecoava pelas paredes de concreto, misturado às nossas vozes e ao som do trem que se aproximava. Era quase cômico como, no meio do caos da minha vida, aqueles três conseguiam me fazer esquecer, ainda que por alguns instantes, de tudo o que me atormentava.
Karube foi o primeiro a passar pela catraca, pulando-a com a habilidade de quem já tinha feito aquilo mil vezes. Ele olhou para trás e gritou.
— Vamos, Mizuki! Ou vai ficar aí pensando na vida enquanto o trem vai embora?
— Karube, você é tão irritante. — Eu respondi, rindo enquanto passava minha passagem rapidamente.
Chōta e Arisu vieram logo atrás, sem nem se preocupar em disfarçar suas risadas altas. Arisu quase tropeçou na própria mochila ao tentar passar pela catraca, o que nos fez rir ainda mais.
— Você tem que admitir, Mizuki," Arisu disse, ofegante de tanto rir. — Quando você tá com aquela expressão de brava, dá medo de verdade. Tipo... Muito mais do que qualquer cara da Yakuza.
Eu revirei os olhos, tentando segurar o riso.
— A única coisa assustadora aqui é o estado da sua mochila, Arisu. Quando foi a última vez que você lavou isso?
— Tocou num ponto sensível! — Chōta gritou, batendo nas costas de Arisu enquanto o empurrava para frente.
Apesar de tudo, eu estava sorrindo. O som das risadas deles era algo raro em minha vida, algo que parecia puxar a gravidade de toda aquela dor que eu carregava, tornando-a um pouco mais leve, ainda que por um momento.
O trem chegou logo em seguida, e nós entramos em uma cabine quase vazia. Isso era estranho para o horário, mas ninguém comentou. Nos sentamos em um dos bancos, ainda fazendo piadas e trocando provocações. Karube estava reclamando sobre a quantidade de vezes que já havia sido demitido, e Chōta sugeria que ele considerasse virar dançarino em algum bar noturno.
E então, a luz apagou.
Foi instantâneo. Tudo no vagão ficou completamente escuro, e o som familiar do trem se movendo nos trilhos cessou de repente. Não houve um estrondo, um aviso, nada. Só escuridão e silêncio absoluto.
— Ok, isso não é engraçado... — Karube disse, sua voz soando mais nervosa do que ele provavelmente queria demonstrar.
— Que diabos foi isso? — Perguntei, levantando-me do banco. Meu coração começou a bater mais rápido, e eu olhei ao redor, tentando enxergar algo na escuridão. Não havia nada além de sombras e o reflexo distante de luzes piscando em algum lugar fora do vagão.
Arisu foi o primeiro a caminhar até a porta aberta da cabine.
— Ei, isso não tá certo. — Ele disse, olhando para fora. — A estação... Tá vazia.
Eu e os outros nos levantamos e seguimos atrás dele. Assim que saímos do trem, a cena que se desenhou à nossa frente me deixou completamente inquieta. A estação de Shibuya, que normalmente estaria fervilhando de pessoas, estava deserta. Nenhum som de passos, nenhuma voz ecoando pelos corredores, nada. Era como se a cidade inteira tivesse sido engolida pelo vazio.
— Pra onde foi todo mundo? — Perguntei, minha voz saindo mais baixa do que eu pretendia.
Chōta estava parado ao meu lado, olhando ao redor com os olhos arregalados.
— Será que... Será que estamos alucinando? — Ele perguntou, tentando rir, mas o som saiu forçado.
— Não é alucinação. — Karube disse, com um tom mais sério do que o usual. — Isso aqui é real. Mas... Como isso é possível? Shibuya nunca fica assim.
Eu engoli em seco, sentindo o suor começar a escorrer pelas minhas costas. O ar estava estranho, pesado, quase sufocante. Tudo ao nosso redor parecia real e, ao mesmo tempo, completamente fora de lugar. Não era apenas o fato de a estação estar vazia, era a ausência de qualquer sinal de vida. Nem mesmo o som distante de um trem ou o chiado de alto-falantes que normalmente ecoavam pelos corredores.
— Isso não faz sentido. — Eu murmurei, mais para mim mesma do que para eles.
Arisu deu alguns passos para frente, olhando em direção à saída.
— Vamos lá pra cima. Talvez haja alguém lá fora.
Seguimos em silêncio, nossos passos ecoando de forma assustadora pela estação vazia. A tensão entre nós era palpável, como se todos estivéssemos segurando a respiração. Subimos as escadas lentamente, cada um perdido em seus próprios pensamentos.
Quando finalmente chegamos à superfície, o que vimos nos deixou ainda mais perplexos. As ruas de Shibuya estavam desertas. Não havia carros, não havia pessoas, nem sequer o som distante de vozes ou motores. As lojas estavam fechadas, os letreiros de néon piscavam como se nada tivesse acontecido, mas a cidade estava completamente vazia.
— Isso tá errado. — Karube disse, olhando ao redor. — Muito errado.
Eu dei alguns passos para frente, tentando encontrar qualquer sinal de vida. O vento soprou levemente, balançando os papéis abandonados no chão, mas era só isso. Tudo estava parado, como uma fotografia surreal de um mundo que não fazia mais sentido.
— Pra onde foi todo mundo? — Perguntei de novo, minha voz saindo trêmula desta vez.
— Talvez... Talvez a gente esteja morto. — Chōta disse, rindo nervosamente.
— Não tá ajudando, Chōta. — Respondi, tentando manter a calma. Mas, no fundo, eu não conseguia afastar a sensação de que algo terrivelmente errado estava acontecendo. E, pior, eu não fazia ideia do que era.
Arisu sugeriu que nos separássemos, cada um indo em uma direção para tentar encontrar alguém, qualquer um que pudesse nos explicar o que estava acontecendo. A ideia não me agradou, mas, olhando ao redor, não havia muito que pudéssemos fazer juntos além de andar em círculos.
— Eu vou até o meu trabalho. — Chōta disse, hesitante. — Talvez alguém tenha ficado por lá. Se não, pelo menos posso pegar meu carregador. Meu celular tá quase morrendo.
Ele tirou o telefone do bolso, pressionando os botões. Sua expressão mudou para algo confuso.
— Espera... Ele tá desligando sozinho?
Karube levantou o próprio celular e franziu a testa.
— O meu também. Acabei de carregar essa porcaria.
Peguei meu telefone com pressa, apertando o botão de ligar várias vezes. A tela permaneceu preta. Morta. Como se a bateria tivesse acabado.
— Isso não faz sentido. — Murmurei. — Eu tinha mais de 70% agora há pouco.
Arisu suspirou, guardando o dele de volta no bolso.
— Ótimo. Sem celulares agora. Isso só melhora.
A ideia de estarmos incomunicáveis deixou um gosto amargo na minha boca, mas não havia muito o que fazer. Karube passou a mão pelo cabelo bagunçado e, com aquele jeito despreocupado de sempre, tentou desviar a atenção.
— Eu vou até o bar onde me demitiram. Com a minha sorte, talvez eles ainda estejam lá, rindo da minha cara. E se não tiverem, pego alguma garrafa pra gente, porque, sinceramente, tô precisando.
Arisu olhou para mim com um ar sério, algo raro vindo dele.
— Vou perto de casa. Preciso saber se meu pai e meu irmão estão lá, mesmo que... — Ele parou, a voz falhando. Não precisávamos de palavras para entender o que ele queria dizer.
— Eu vou para o hospital. — Eu disse, firme, embora meu coração já estivesse disparado. — Preciso ver o Haruto.
Todos concordaram em se encontrar na estação de Shibuya em uma hora, se conseguíssemos.
— Sem mensagens, então... — Chōta disse, tentando fazer graça. — Se não voltarem, vou presumir que foram abduzidos por aliens.
Sem mais palavras, cada um seguiu seu caminho.
Eu corri. Não andei, não hesitei; eu corri com tudo o que tinha, com as pernas queimando e o coração quase saindo pela boca. A cada esquina que virava, esperava encontrar uma explicação, alguém, qualquer coisa que pudesse me fazer acreditar que tudo isso era apenas um delírio. Mas as ruas continuavam desertas. Os prédios, silenciosos. O vento parecia ser a única coisa viva ali, sussurrando nos ouvidos como se zombasse de mim.
O hospital não ficava muito longe, mas a distância parecia interminável. Meus pensamentos estavam caóticos, uma avalanche de perguntas e medos que eu não conseguia controlar. E se o Haruto não estivesse lá? E se ele tivesse desaparecido como o resto da cidade? A ideia me apavorava mais do que qualquer outra coisa. Ele era tudo para mim. Minha única razão para continuar lutando.
Quando finalmente vi o prédio do hospital, senti um breve alívio, mas ele desapareceu assim que percebi que a entrada estava tão vazia quanto o resto da cidade. As portas automáticas se abriram com um som mecânico, mas não havia ninguém na recepção. Nenhuma enfermeira, nenhum paciente, nem mesmo o segurança que costumava dormir no canto.
— Olá? — Gritei, minha voz ecoando pelos corredores. — Tem alguém aqui? Por favor!
O silêncio respondeu.
Meu desespero crescia a cada passo que eu dava pelo hospital. Subi correndo as escadas, meus pés batendo forte contra os degraus enquanto tentava ignorar a sensação de vazio esmagador que me rodeava. Cada andar estava mais silencioso que o anterior, e cada porta que eu abria me dava um soco no estômago.
Eu finalmente cheguei ao andar onde Haruto estava internado. Minhas pernas tremiam, mas eu forcei meu corpo a continuar. Corri pelo corredor familiar, os números das portas passando rapidamente pelos meus olhos. Quando finalmente cheguei à sala dele, parei por um segundo, respirando fundo antes de abrir a porta.
Estava vazia.
A cama estava arrumada, como se nunca tivesse sido usada. O monitor cardíaco, desligado. O suporte de soro estava vazio, encostado em um canto.
— Não... — Minha voz saiu como um sussurro, antes de se transformar em um grito. — Não! Haruto!
Entrei na sala, olhando ao redor como se ele pudesse estar escondido em algum lugar, como se ele fosse aparecer e me dizer que tudo isso era só um pesadelo. Mas não havia ninguém. O quarto estava morto.
Senti minhas pernas cederem, e caí de joelhos no chão frio. Um aperto terrível no peito me impediu de respirar direito, e lágrimas começaram a escorrer sem controle. Eu chorei, soluçando como uma criança, com o coração despedaçado.
— Por favor... — Sussurrei, entre soluços. — Por favor, alguém... Me diga onde ele está...
O silêncio era ensurdecedor. O vazio, sufocante.
Eu queria acreditar que ele estava bem, que ele estava em algum lugar seguro, mas a incerteza era como uma faca girando no meu peito. Onde ele estava? O que tinha acontecido? E por que isso estava acontecendo comigo, com a gente, com o mundo?
Minha mente gritava por respostas, mas tudo o que eu tinha era aquele vazio insuportável. Fiquei ali no chão, perdida, enquanto as lágrimas continuavam a cair, misturando-se com o eco frio daquele hospital deserto.
Fiquei lá por um tempo, tentando processar tudo. E voltamos para o ponto de encontro em Shibuya depois de horas vagando por lugares que antes eram familiares, mas agora pareciam distantes e irreais. A cidade estava mergulhada em um silêncio quase sobrenatural, sem o zumbido usual das pessoas ou o som do tráfego que eu sempre tomava como garantido. Era assustador.
A única fonte de luz vinha da lua cheia, alta no céu. As estrelas estavam mais visíveis do que eu jamais tinha visto em Tóquio, como se a escuridão tivesse engolido a cidade inteira. Não havia postes funcionando, nem letreiros luminosos piscando, nem o brilho habitual das janelas de apartamentos.
Nós nos sentamos no meio da rua, algo que seria impensável em qualquer outro dia. As ruas de Shibuya eram sempre tão movimentadas que atravessá-las sem esperar pelo sinal verde já era arriscado. Mas agora, não havia carros, nem pessoas, nem nada. Só nós quatro, sentados em círculo, com os rostos iluminados pela luz prateada da lua.
O silêncio era desconfortável. Todos estavam visivelmente frustrados, exaustos, confusos. Eu me recostei no asfalto frio, olhando para o céu por um momento, tentando organizar meus pensamentos, mas eles estavam uma bagunça. Meu irmão ainda estava desaparecido, assim como todo o resto do mundo.
Arisu foi o primeiro a quebrar o silêncio.
— O que vamos fazer agora? — Ele olhou para cada um de nós, esperando uma resposta.
Eu dei de ombros, puxando os joelhos contra o peito.
— Eu não sei o que vocês vão fazer, mas eu preciso encontrar o Haruto. Não importa como.
Karube suspirou, esfregando as mãos no rosto.
— Mas como, Mizuki? A cidade está vazia. Não sabemos o que está acontecendo, e ninguém tem respostas. É como se estivéssemos sozinhos aqui.
Ninguém respondeu de imediato. Ficamos alguns minutos em silêncio, absorvendo tudo. Era difícil acreditar no que estava acontecendo, mas o vazio da cidade era impossível de ignorar.
Então Arisu, com aquele jeito peculiar dele, sorriu de canto e disse.
— Isso é ótimo.
Eu virei a cabeça para ele, confusa e irritada.
— Como é?
Karube arqueou uma sobrancelha.
— Como assim 'isso é ótimo'? Você perdeu a cabeça, Arisu?
Arisu deu de ombros, como se fosse óbvio.
— Agora estamos livres.
Meu estômago revirou, e eu senti a raiva subir.
— Cara, isso não é piada!
Chōta, que estava mais quieto do que o normal até agora, levantou a mão, como se estivesse pedindo permissão para falar.
— Não, mas ele tem razão.
Eu me virei para ele, incrédula.
— O quê?
— É verdade. Agora podemos fazer o que quisermos. Comer o que quisermos. E eu... Eu não preciso ir trabalhar. — Ele sorriu, como se fosse uma revelação divina.
Karube e eu trocamos um olhar de descrença. Eles eram dois idiotas, mas isso era demais, até para eles.
Os dois começaram a rir, um riso que parecia deslocado e desesperado. Eu balancei a cabeça, soltando um suspiro frustrado.
— Vocês são impossíveis.
Mas então algo mudou. As risadas deles pararam abruptamente quando uma luz intensa iluminou a rua. Todos viramos as cabeças ao mesmo tempo para olhar para o enorme telão que ficava sobre uma das lojas. Ele tinha acendido sozinho, quebrando a escuridão de forma quase violenta.
Uma voz artificial saiu dos alto-falantes. Era fria, desumana.
"O jogo começa em trinta minutos. Sigam para a arena de jogos."
Uma seta luminosa apareceu na tela, apontando em uma direção específica.
Meu coração começou a bater mais rápido.
— O que... O que é isso? — Perguntei, minha voz saindo baixa.
— Isso é sério? — Chōta murmurou, olhando para a seta.
Arisu apontou para algo ao longe, alguns quarteirões à frente.
— Luzes. Vocês estão vendo? Parece que tem algo lá.
Karube foi o primeiro a se levantar.
— Podem ter pessoas lá. Precisamos ir.
Eu olhei na direção das luzes, meu corpo congelado. Algo sobre isso parecia errado, como uma armadilha. Tudo estava errado desde o momento em que as luzes apagaram na estação de trem. Mas se havia alguma chance, qualquer chance, de encontrar alguém ou entender o que estava acontecendo, eu precisava tentar.
Respirei fundo e me levantei, mesmo que minhas pernas estivessem pesadas.
— Vamos.
Ainda que hesitante, segui os outros. No fundo, uma parte de mim temia que isso fosse um erro, mas outra parte — a que queria desesperadamente encontrar Haruto — sabia que não tinha escolha.
Enquanto caminhávamos pelas ruas desertas na direção das luzes, uma única coisa passava pela minha cabeça, eu preciso de respostas. E, acima de tudo, eu preciso do meu irmão.
Obra autoral ©
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