Capítulo 8 - Somebody to Love
Dia 29-31 de março, 2001. São Paulo, Brasil.
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A Minardi decidiu não participar da rodada de testes que houve em Barcelona, assim como a Sauber. O motivo era bem justificado; utilizar o pouco tempo que tínhamos para tentar aumentar a confiabilidade do carro, além de melhorarmos a aerodinâmica.
No dia 29 de março, no meio dos preparativos para o GP do Brasil, fui convidada por Michael para ir assistir a um jogo de futebol beneficente. Algumas personalidades famosas também estariam presentes, assim como profissionais do esporte.
No fim, o time de Jarno Trulli, Giancarlo Fisichella, Michael, Zico e Ronaldo (apelidado de “Ronaldo Fenômeno” pelos torcedores) venceu por 10 a 9. Schumi fez um gol, cobrando um pênalti. Já este último jogador, recém-recuperado de uma lesão no joelho, fez cinco. Adorei conhecê-los pessoalmente.
Zico, Edmundo e Ronaldo autografaram minha camiseta vermelha do “Criança Esperança”, que recebi de Giancarlo quando entrei no estádio do Maracanã. Foi uma experiência muito legal, para se dizer o mínimo.
Fernando adorava futebol, mas havia ficado de fora daquela partida. Nosso pacto de paz acabou funcionando muito bem, mas ele não pôde comparecer, por mais que eu tenha oferecido pagar seu ingresso.
No fim do jogo, fiz algumas boas doações para o Criança Esperança. Se eu tinha condições para ajudar as pessoas, assim deveria fazer.
Alguns dias depois, já em Interlagos, os treinos livres para o grande prêmio foram promissores, mas não pude falar o mesmo da classificação. Nossa equipe conseguiu evoluir, mas não tanto. Um passo de cada vez e chegaríamos longe, foi o que pus na cabeça.
– Uau – Juan Montoya disse, enquanto nos apoiávamos em uma das paredes dos boxes –, o senhor Williams gosta mesmo de você. Até foi simpático.
Quis rir.
– “Espero te ver mais vezes por aqui, senhorita” – o colombiano imitou, bem-humorado. – Isso foi bem sugestivo.
– Seria legal ser uma piloto da sua equipe. Cresci vendo-a nos grandes prêmios, e seria um sonho poder correr por ela.
Ele deu uma checada nas unhas.
– Só uma pergunta por pura curiosidade... sente saudade de como era antes?
Tentei afastar certos pensamentos de minha cabeça, que surgiam quase em todas as conversas que tinha com Juan.
Um deles, em específico, me fazia sentir falta dos velhos tempos; de quando as coisas pareciam um pouco mais simples, e a esperança era mais presente em minha vida. Estar na categoria máxima do automobilismo tinha sua magia, mas nada se comparava à minha belle époque na F3000.
Meu primeiro contrato foi assinado no ano de 1997, com a RSM Marko. A equipe era comandada por Helmut Marko, um ex-piloto de Fórmula 1 que havia se aposentado por causa de um acidente um tanto quanto bizarro. Enquanto corria, uma pedra voou em direção ao seu capacete, o acertando e fazendo com que perdesse o olho direito.
Apesar de severo, e muitas vezes assustador, ele acabou se afeiçoando a mim e ao meu parceiro de equipe. Vivia falando que nunca tinha visto tão boa safra em seu time numa única temporada, e que faria de um tudo para que conseguíssemos evoluir no esporte, mesmo que isso significasse nos deixar ir.
Ao fim do campeonato, fiquei em P5, o que fez algumas pessoas ficarem de olho em mim, incluindo entre elas o próprio Ron Dennis, do alto escalão da McLaren.
Mas, em meados de julho, fomos avisados de que nossa equipe não competiria no ano seguinte. Helmut achava que um pequeno hiato em suas operações era necessário, mas logo tomou providências para que não fôssemos afetados por isso.
Neste pouco tempo em que corri pela RSM Marko, acabei me aproximando de meu team-mate. Poderia até dizer que nos demos bem de imediato, à primeira vista. Alguns pilotos estavam no grid apenas para alcançar a Fórmula 1, e não irei mentir que meu objetivo principal era exatamente esse. Mas, com o passar dos meses, percebi que isso não era a única coisa que me mantinha ali, chegando cedo e olhando para os lados para ver se um certo alguém havia feito o mesmo... e, na maioria das vezes, esse era o caso. Passávamos tanto tempo juntos que ele já havia aprendido um pouco de italiano, e eu estava ficando craque no espanhol.
Lutava contra mim mesma para não admitir, e até que disfarçava muito bem o que sentia, por mais que as pessoas especulassem sem parar sobre o assunto. A mídia insistia em inventar algo que nunca existiu, mas não falavam que aquilo era uma coisa que nunca deixei acontecer.
Eu amava Juan Pablo. Não era certo, e tinha consciência do que isso poderia causar. Apesar de estarmos competindo por um mesmo time, ainda éramos rivais, tentando superar um ao outro.
Admitir que me perdia em seu sorriso, ficava feliz ao escutá-lo falar sobre um mesmo assunto durante horas, sentia borboletas rodarem em meu estômago quando ele ria ou que tinha vontade de abraçá-lo toda vez que nos víamos era fora de cogitação. Pelo menos, aquela fase não iria durar para sempre. Um dia, poderia deixar acontecer naturalmente.
No fim de 97, cada um de nós seguiu para um lado; Juan foi para a Super Nova Racing, e eu para a West Competition, uma equipe júnior da McLaren. Fui parceira de Nick Heidfeld, um rapaz alemão adorável, mas sem tanto tempero. Não ficamos tão próximos, apenas o mínimo para que soubéssemos nossos filmes favoritos.
Eu e Juan continuamos conversando, mas de longe não era a mesma coisa. Ele tinha suas coisas para focar, e eu, as minhas. Era cada um por si, disputando por seu próprio título. Uma hora ou outra, acabaríamos nos separando, apenas para que no outro dia nos víssemos novamente.
Pus em minha cabeça que me declararia a Montoya após o fim do campeonato, pois nós dois tínhamos chances de vencer e não queria interferir em seu resultado.
A cada dia, me sentia mais determinada para a rodada final da temporada. Mas a notícia de que o título já tinha dona me fez querer adiantar as coisas, afinal, ele seria meu independentemente dos resultados das últimas duas etapas.
De contrato renovado com meu time e sendo cotada para uma vaga de piloto de testes na Fórmula 1, fui com tudo para a penúltima corrida, que seria realizada no circuito de Pergusa, em minha querida terra natal, a Itália.
Fiz a pole position e, como já havia vencido três corridas, logo pensei que a chance disso se repetir era consideravelmente animadora. Dado todo esse otimismo, decidi que iria contar sobre meus sentimentos a Juan logo após recebermos a bandeirada final, vencendo ou não.
Mas foi exatamente nessa prova que quase encontrei o meu fim. Durante o aquecimento, meu carro não se comportou bem e tivemos de substituí-lo pelo reserva. Conseguimos fazer alguns acertos, mas nem de longe ficou parecido com o meu anterior.
Após uma boa largada, eu estava liderando, com pouquíssimos segundos de diferença para o meu team-mate, o segundo colocado. Me senti um pouco ameaçada por ele, então tentei aumentar a distância entre nós dois.
Na segunda volta, notando cada vez mais a pressão que Nick exercia sobre mim, acelerei ainda mais, mas mantendo tudo sob controle.
Mais ou menos na curva três, fui até o último ponto de frenagem que eu consideraria seguro. Mas o volante simplesmente não respondeu naquele momento.
E, da mesma forma que aconteceu com Ayrton Senna... a coluna de direção havia quebrado.
Quase de frente, bati forte na barreira, fazendo com que a carenagem do carro não fosse suficiente para proteger minhas pernas, fraturando-as de imediato. Como o monoposto estava um pouco angulado no momento do choque, o impacto também fraturou o meu braço esquerdo.
A dor e a tontura foram tão grandes que desmaiei durante alguns segundos, só retomando a consciência quando os marshalls chegaram e comecei a sentir o calor das chamas que cresciam, pouco a pouco, ao redor de mim.
Graças a Deus, fui atendida rapidamente e levada de helicóptero ao hospital, onde fiquei em coma por um dia após sair da sala de cirurgia. Quando acordei, vi inúmeros buquês de flores, balões, lembrancinhas e mensagens que me desejavam melhoras... além de me deparar com notícias desanimadoras e dor em quase todos os cantos do meu corpo.
Uma das primeiras coisas que pedi ao meu tio, após notar isso, foi que ele procurasse por um nome em específico. Depois de remexer os envelopes, ele me entregou uma carta escrita por Juan.
Nela, ele dizia que havia se preocupado muito comigo ao ponto de ter pensado seriamente em abandonar a corrida, mas sabia que eu o xingaria se isso acontecesse. Entre a bandeira vermelha e a relargada, Monty tentou ao máximo levar seus pensamentos para frente, mas não conseguia parar de pensar no que havia acontecido. Então, ele decidiu continuar, pensando que eu gostaria que isso acontecesse.
Juan nunca imaginou que venceria aquela corrida e acabou dedicando, secretamente, sua vitória a mim. Quase ninguém ficou sabendo disso, mas ele me contou.
Fiquei um bom tempo no hospital, fazendo mais cirurgias para consertar a fratura exposta que tive na perna esquerda e orando para que conseguisse me recuperar a tempo de ir à cerimônia de premiação.
Juan me visitava de vez em quando, sempre que podia, e garantia que tudo daria certo. Eu havia perdido uma boa parte da minha autoconfiança e, por mais que ela estivesse voltando, não sentia mais coragem para ter aquela conversa sobre sentimentos com meu amigo.
Aquele momento da minha vida estava sendo tão sombrio que, quando as pessoas saíam do meu quarto, muitas vezes eu chorava agarrada ao travesseiro, com medo de que as coisas nunca mais pudessem ser como antes.
No fim das contas, consegui receber meu título e comemorá-lo em uma cadeira de rodas. Quem me entregou a honraria foi Mika Häkkinen, campeão mundial de Fórmula 1 naquele ano e piloto da McLaren, equipe que eu representava na minha categoria. Alguns boatos circularam dizendo que ele havia "se convidado", de bom grado, para tal função, pois a campeã tinha laços com seu time.
Bom, aquele poderia ter sido um dia 100% feliz, mesmo com todas as tormentas pelas quais eu estava passando, mas não foi o caso. Logo no início da festa, Juan me apresentou uma pessoa muito especial para ele: sua namorada.
Aquilo me causou um baque tremendo, pois havia sido culpa minha. Se eu não tivesse entrado naquele abismo de sofrimento e desânimo após o acidente, e juntado todos os resquícios de coragem que havia em meu ser para lhe contar o que sentia, poderia ter sido diferente... poderia ser eu a estar ao seu lado.
Admito que fiquei feliz por ele, mas decepcionada comigo mesma. Até escrevi um texto endereçado a Montoya, falando sobre o assunto e abrindo meu coração, mas nunca coloquei o envelope no correio.
Ao contrário do que muitas pessoas fariam, usei todas as decepções e tragédias como motivação para continuar. Não iria dar o braço a torcer, e desistir era uma palavra que eu tentaria, ao máximo, deixar de usar. Assim que os médicos deram sinal verde, comecei a trabalhar pesado na minha recuperação para as corridas, tanto no físico quanto no mental.
Um ano e meio depois, em 2000, anunciei que procurava vagas para voltar a correr. Algumas equipes na F3000, como a Red Bull Jr., comandada por um velho amigo, Helmut Marko, demonstraram interesse em me dar uma chance de voltar ao grid. Porém, em meio ao alvoroço da mídia, críticas depreciativas e incentivos, recebi uma proposta um tanto quanto surpreendente.
Aceitei fazer alguns testes para a Minardi, de graça, e, apesar de vacilar algumas vezes, tive resultados expressivos para alguém que estava afastada do esporte. Na verdade, cheguei a comentar tanto sobre o carro que até os engenheiros se animaram, pois fazia tempo que não trabalhavam com uma pessoa que realmente entendia sobre a ciência de se acertar um monoposto.
Depois de ajudar a fazer melhorias no projeto e dar feedbacks sobre a situação, acabei ganhando a confiança e estima de meus superiores, o que me fez ser promovida a titular da equipe.
E bom, lá estava eu, esperando o horário para começar a me preparar. A corrida seria logo, e a ansiedade que tanto eu quanto Montoya sentíamos era visível. Era nossa primeira temporada, e juntos estávamos vivendo toda aquela correria de provar aos outros que a F1 era o nosso lugar.
Quanto à pergunta que ele havia feito antes... não poderia ter outra resposta.
– Sim, Monty. Eu sinto falta dos velhos tempos.
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AÔÔÔÔ, SOFRENCIA DESGRAMADA QUE DÁ VONTADE DE 'RASTAR O CHIFRE NO ASFALTO 😭
Pois bem, acho que é notável que um dos meus hobbies favoritos é ferrar com o psicológico de meus personagens. O meu também é, em partes, então... KAKAKAKA.
ESSA FOI DE ARREGAÇAR, NA MORAL, PORQUE JÁ PASSEI POR COISA PARECIDA E DOI PRA CARAMBA. Aí, decidi descontar na escrita :). Bem soft, né?
Enfim, espero que tenham curtido!
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