FOUR

Dez anos antes

   O fogo rugia como uma besta selvagem, engolindo tudo ao seu redor com uma fome insaciável. As chamas dançavam em uma coreografia caótica, quase ensaiada, iluminando a noite com um brilho infernal que fazia o céu parecer estar em chamas também, o calor era sufocante, o ar denso com fumaça e fuligem. A única coisa que Toji conseguia sentir era o gosto amargo de cinzas em sua boca e o cheiro de carne queimada.

Ele estava preso.

Cada segundo que passava, o mundo à sua volta se desintegrava, e ele sentia o calor queimando sua pele, a fumaça queimando seus pulmões o homem jovem de 25 anos estava ferido, sua perna machucada, a dor insuportável, mas não o suficiente para distraí-lo da verdade. Não havia saída e ele sabia que ia morrer ali, naquele inferno que ele próprio havia criado, se ele não tivesse feito questão de se envolver com pessoas que não deveria nada daquilo teria acontecido.

Toji sempre foi um homem sem medo, movido pelo perigo e pela violência, não havia emoção que ele não pudesse controlar, nenhuma situação que ele não pudesse manipular, mas naquele momento, o desespero o tomou. Pela primeira vez em sua vida, ele sentiu a inevitabilidade da morte, naquele momento o peso do nome de sua família não o ajudaria, seu pai não salvaria da própria morte.

Até que ouviu a voz, fraca, distante, mas ali. Era suave, quase melódica.

— Tem alguém aqui?

Ele não acreditou a princípio. Era impossível alguém estar ali, naquele fogo caótico, principalmente alguém com uma voz tão doce, então ele ouviu de novo, mais perto dessa vez, Toji forçou seu corpo a se mover, mesmo com a dor lancinante na perna e o pânico instaurado em seu coração, a única coisa que se passava insistentemente em sua mente era:

Ele não podia morrer ali. Não ainda.

— Estou... aqui.

O homem grande chamou com dificuldade, a voz fraca arranhando a garganta, então ele a viu, entre as chamas, uma silhueta pequena, frágil, e claramente não tinha o que era necessário para salvar alguém como ele, não do tamanho dele, e mesmo assim, lá estava ela, enfrentando um perigo que qualquer outra pessoa teria fugido. Seus olhos estavam arregalados, assustados, quase como se ela pensasse em desistir e simplesmente fugir a qualquer segundo, Toji não sabia quem ela era. Não sabia por que ela estava ali ou o que a havia trazido para aquele inferno. Mas naquele momento, ela se tornou tudo o que ele tinha.

Ela se aproximou, tropeçando nos destroços e cobrindo o rosto com o braço para evitar a fumaça, quando ela chegou perto o suficiente, ele viu o pânico nos olhos dela, mas também algo mais. Algo que ele não conseguia entender, quase como se ela estivesse fugindo de algo, de alguém quase como se ela implorasse para que o fogo a levasse embora juntamente com as chamas, ela vestia um uniforme colegial, os olhos da garota caíram sobre Toji por uma fração de segundos, e então ela se ajoelhou ao lado dele, o puxando com uma força que parecia impossível para alguém de seu tamanho.

— Você vai ficar bem.

Ela murmurou decidida, a voz falhando pela força que estava fazendo enquanto passava braço do homem grande demais ao redor de seus ombros, tentando levantar ele com dificuldade. Toji respirou fundo, o contato com sua pele era quase eletrizante, e por um breve momento, o calor das chamas ao redor foi apagado pelo calor do corpo dela. Ela estava suando, seu rosto sujo de fuligem e seus olhos brilhavam com lágrimas que ela se recusava a derramar.

A cada passo, a dor em sua perna piorava. Ele estava quase desmaiando, o peso de seu corpo parecia dobrar a cada movimento, mas ela não parava, suas pernas quase falhando. Ela o puxava, tropeçando junto com ele, ignorando a fumaça que enchia seus pulmões e as chamas que flamejavam perigosamente perto de seus corpos.

Finalmente, a saída estava à vista. Foi quando Toji simplesmente apagou.

Quando ele abriu os olhos, estava deitado contra o asfalto, o depósito se despedaçava próximo de si, ele tossiu olhando ao redor se detendo com a garota, ela ainda estava lá, deitada ao lado dele ofegante, coberta de sujeira, mas ainda viva. Ela olhou para ele, seu peito subindo e descendo rapidamente com a adrenalina, e sorriu, um sorriso pequeno, quase imperceptível, mas que parecia iluminar todo o caos ao redor deles.

— Conseguimos...

  Ela sussurrou, mais para si mesma do que para ele, e daquele modo se levantou cambaleando enquanto pegava a própria mochila jogada ao chão indo embora em busca da própria liberdade seja o que fosse que a prendia.

E naquele momento, Toji soube. Ele nunca mais seria o mesmo.

Os anos que seguiram aquele dia foram como uma espécie de purgatório para Toji. Ele deveria ter morrido naquele incêndio, mas ela o salvou. Ela, uma estranha, arriscou sua própria vida para salvá-lo, um homem que ninguém jamais deveria ter tentado salvar ele deveria ter sido deixado para morrer, mas ela o trouxe de volta, ela era seu anjo.

   Ela era sua luz.

   Ele tentou esquecê-la tentou enterrar aquela lembrança no fundo de sua mente, afogá-la na escuridão que habitava dentro dele, mas a cada vez que fechava os olhos, a imagem dela aparecia, os olhos brilhantes, o sorriso fraco, o toque suave de suas mãos enquanto o tirava do inferno.

   Ela se tornou sua obsessão.

   Ele a seguiu, não fisicamente a princípio, mas mentalmente. Ela estava em cada pensamento, em cada decisão que ele tomava, ele queria saber mais sobre ela, queria entender o que a havia levado a fazer aquilo, e quando descobriu quem ela era, tudo fez sentido.

   Sophie.

   Até seu nome era doce.

   So

   Phi

   E

   Ela havia se formado em medicina veterinária anos depois de o salvar a agora mulher com um coração que parecia grande demais para o mundo ao seu redor. Ele não sabia por que, mas ela o fascinava e a cada dia que passava, a obsessão crescia.

   Ele a observava de longe, sempre nas sombras, sempre invisível, ela nunca o viu, mas ele sempre estava lá, cuidando dela de uma maneira que ela nunca poderia entender. Não era amor. Não, o que ele sentia por ela era muito mais sombrio, muito mais profundo. Era uma necessidade, uma dependência. Ela era a única coisa que o mantinha conectado ao mundo, à realidade.

   Ela era sua vida.

   E agora, depois de tantos anos, ele estava perto o suficiente para finalmente reivindicá-la.

   Sophie não sabia, mas Toji estava chegando para ela e desta vez, ele não a deixaria escapar.

   Os últimos cinco anos haviam sido uma extensão da paciência e da estratégia para Toji. Se os primeiros anos eram como observar Sophie de longe, se escondendo nos bastidores, os anos mais recentes eram uma intrincada teia de controle. Cada detalhe de sua vida era cuidadosamente manipulado por ele, como uma orquestra sendo regida, ele conhecia seus medos, suas frustrações, suas inseguranças mais profundas.

   O fogo dentro dele, a obsessão crescente que ele sentia, não era apenas por ela, era pelo controle, pela certeza de que ele dominava cada aspecto de sua existência. Sophie era a personificação da luz que ele havia perdido, a redenção que ele achava que nunca teria e enquanto o fogo o consumia por dentro, ele usava essa força para moldar sua realidade.

   Sophie não entendia por que nenhum de seus relacionamentos funcionava, por que todos os seus planos pareciam ruir antes de sequer começar. Toji estava lá. Ele estava por trás dos fracassos, dos momentos em que as coisas desmoronavam sem motivo aparente. Ele era o catalisador que mexia nos bastidores, garantindo que ela estivesse isolada, vulnerável, pronta para o momento em que ele decidisse se aproximar.

   A ironia de Megumi ser o melhor amigo de Sophie não escapava a Toji. Cada vez que via os dois juntos, era como se estivesse observando uma cruel brincadeira do destino.

   Megumi, seu próprio filho, era o único homem na vida de Sophie em quem ela confiava plenamente, mas assim como todo o resto, isso também era parte de seu plano.

  O único em quem ele confiava, o único que sabia de cada detalhe da vida de Sophie, ele era o responsável por criar essa conexão entre a mulher e o homem grande e de cabelos escuros.

   Toji lembrava-se claramente do momento em que tomou a decisão de entrar em contato com Sophie pela primeira vez, anos atrás, de maneira anônima. Ele começou com pequenas mensagens, enviadas de números desconhecidos, observando suas reações de longe.

   Ao longo desses últimos anos, ele continuou enviando mensagens, algumas vezes, eram apenas frases simples, mas carregadas de duplo sentido. Outras, ele fazia questão de enviar algo mais profundo, algo que mostrava que ele a conhecia melhor do que qualquer outra pessoa. Sophie ficava confusa, intrigada, mas nunca teve coragem de compartilhar essas mensagens com ninguém. E era exatamente isso o que Toji queria.

   Ela estava sendo moldada. Aos poucos, Sophie começava a questionar tudo ao seu redor, sentindo-se observada em todos os momentos, aos poucos ela não confiaria em mais ninguém e então naquele momento Toji a teria como sua.

   Toji nunca permitiu que outros homens se aproximassem demais dela, ele sempre agia nas sombras, garantindo que qualquer tentativa de alguém entrar na vida de Sophie fosse interrompida antes que se tornasse algo sério. Ela não sabia, mas todos os seus movimentos eram previstos por ele, todos os seus relacionamentos cuidadosamente sabotados.

   Sophie, agora, vivia uma vida de incertezas. As falhas, os obstáculos, a constante sensação de estar sendo observada — tudo isso a estava quebrando lentamente. E Toji sabia que, uma vez que ela estivesse suficientemente vulnerável, ele poderia entrar em cena, apresentando-se como o único que sempre esteve ao seu lado, desde o início, como a única luz que ela teria em toda sua vida.

   Os últimos cinco anos foram uma preparação. Toji refinou sua obsessão, seu controle, e sua estratégia. O fogo, que sempre o guiou, estava prestes a consumir Sophie completamente. Não havia escapatória para ela, assim como não havia para ele. Ela era sua, e ele, dela, desde o incêndio, desde o momento em que ela salvou sua vida.

   Ela era a sua luz.

   Agora, enquanto observava as peças se moverem exatamente como planejado, Toji sabia que o momento estava se aproximando. Em breve, ele sairia das sombras. E Sophie entenderia que todos esses anos de incerteza seriam insignificantes quando ela encontrasse ele.

   O fogo dentro de Toji queimava mais forte do que nunca, alimentado pela obsessão, pela possessão. E Sophie, sem saber, estava prestes a ser consumida por ele.

   Ele Toji não teria problema algum em queimar cada mínimo pedaço do mundo podre em que viviam por Sophie. Por sua luz.

   E ninguém seria capaz de mudar aquilo.

   Nem mesmo ela.

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