#20


Depois daquela noite Hana não tocou mais no assunto, no dia seguinte, mal quis olhar no rosto de Mayumi.

Estava envergonhada e totalmente desamparada, o equilíbrio constante e firme que sempre manteve foi quebrado e um por cento do que ela realmente sentia acabou se esvaindo. Aquilo não era nada bom, estava se desconcentrando e agindo fora de tom, tem que admitir que não tem como voltar atrás nas relações e laços que construiu, mas de agora em diante estabeleceu um limite mental do quando poderia se desgastar por elas, do quanto poderia mostrar a elas.

Ela confiava em Mayumi, mas não tanto a ponto de mostrar total vulnerabilidade. Uma coisa que Hana aprendeu com sua mãe foi que nunca era bom mostrar cem por cento de você a ninguém, não por asco ou desconfiança, e sim, como método de autopreservação.

Ela odiava se sentir desse jeito e não queria conversar com a amiga sobre isso e ter que soltar coisas cada vez mais coisas profundas sobre si e Mayumi concordou com isso sem nem ao menos perguntar, mesmo percebendo que mal conhecia Hana, respeitou o espaço dela e deu a ela o que mais queria, silêncio e tempo, tempo o bastante para que se organize com si mesma antes de tentar conversar.

— Boa noite, amigos!

Kuroo adentrou no quarto com seu bom humor contagiante de todos os dias, o garoto trajava uma camisa social preta e calças de alfaiataria. Sempre estava bem vestido para transmitir o máximo de respeito possível e passar um ar de seriedade, mas obviamente, nunca funcionava.

Hana estava imersa nos livros, não sabia ao certo a quanto tempo estava ali mas era muito, já que Mayumi trouxe três clientes desde o início das atividades. A garota sentia que havia deixado os estudos de lado para se divertir e mesmo que fossem apenas noites de final de semana, se sentia culpada por não estar inteirada 100% do tempo no curso. Odiava sentir que estava falhando em algo que se esforçou tanto para conseguir, não poderia andar para trás a essa altura do campeonato.

Mayumi estava corcunda em uma cadeira tatuando as costas de Kenma, que estava deitado de bruços na cama dela, não tinha noção de quando o dormitório havia virado um estúdio pessoal mas não iria reclamar, não estava incomodando para começo de conversar e Hana não apreciava tanto a ideia de ser considerada chata, maldita socialização que a fez se preocupar com o que os outros pensam dela.

— Kuroo não desconcentra ela - Kenma murmurou com a voz abafada pelo travesseiro — Porra, se ela errar eu quebro você... Fala logo o que você quer.

— Ei, calma aí gatinho, não vim atrás de você - Kuroo foi até Hana, abaixando-se na altura dela sussurrando em seu ouvido — Posso falar com você lá fora?

Hana franziu o cenho e estranhou de início, mas ainda sim acompanhou o amigo até o lado de fora do quarto, fechando a porta para dar privacidade aos dois.

— Espero que seja algo realmente importante - Hana fechou o cardigan cor creme, abraçando o próprio corpo para esquentá-la, estava frio no corredor e ela só usava um pijama de estrelas composto por uma regata e um shorts por baixo da cobertura de lã.

Kuroo mexeu no bolso da calça alinhada tirando de lá o celular, aquele que ela não via desde a última festa — Suna mandou te entregar.

Hana não respondeu nada, apenas pegou o aparelho colocando-o na cintura. Queria ter ido buscar porém não sabia ao certo se conseguiria encarar Rin tão cedo, dizia a si mesma que não o encontrava por acaso, mas ela evitava ir em todos os locais possíveis em que ele poderia estar.

— Precisava ter feito esse caso todo para entregar o celular?

— Precisava, ou você acha que é legal falar que você esqueceu o celular no quarto do Suna?

— Do que está falando? Todos sabem que eu estava lá porque ele me levou depois da festa — séria e impassível, ela não estava mentindo mas teria que mentir se ele continuasse prosseguindo com esse assunto — Não sei aonde quer chegar com essa conversa?

— Ah qual foi, Hana. - Kuroo solto uma curta risada irônica, indignado e talvez tentando desafiá-la — Acha que Mayumi é burra? Se continuar vendo ligação sua com o Suna vai se tocar que quem dormiu com você na sexta passada foi ele e convenhamos que isso não seria nada legal.

Kuroo fez de Hana uma mulher genuinamente surpresa.

Das duas uma, ou Suna abriu a boca ou Kuroo tinha uma capacidade de percepção incrivelmente avançada que Hana a partir de hoje começaria a temer.
Não adiantava mentir ou desviar, seu silêncio era a maldita confirmação de que ele estava certo.

Então só restava ela uma única alternativa.

Hana arrastou o garoto para o lado de fora dos dormitórios, levando-o para a área externa do refeitório, que não era tão longe do prédio 2.

— Como descobriu?

Kuroo ajeitou a gola da blusa, pigarreando para encenar uma aparente investigação — Primeiramente, era claro que ele queria te dar uns pegas desde o início, Sunarin te olhava como de fosse te agarrar a qualquer momento e você também não ficava muito atrás, parecia que ia pular nele e-

— Poupe-me de detalhes sórdidos de sua investigação - Hana virou o rosto tentando esconder a vermelhidão crescente.

— Okay, pois então continuando... Os dois sempre acabavam juntos em algum momento, eu vi vocês dois indo embora em uma das festas e cara... Vocês nem disfarçaram no último sábado, a Mayumi estava sobrando naquele meio - Kuroo sentou-se em um dos banquinhos junto a Hana - Mas a real cartada foi que ontem ocorreu a apresentação do portfólio individual do curso de fotografia. Eu vi as suas fotos, ficaram ótimas por sinal.

Era burra por um acaso? Jurava que ninguém se dava por conta do que acontecia e olhe só. Kuroo soltou tudo como se ambos fizessem coisas escancaradas.

— Estava tão na cara assim…?

— Não, não estava. É que eu presto muita atenção em você porque a senhora é alguém muito improvável e de uma certa forma, instável. - Kuroo passou o braço pelos ombros dela — Me preocupo com você, gatinha. Você se priva demais e esconde muitas coisas... Só quero evitar que aconteça algo, sou tipo um anjo da guarda.

A garota o encarou com os olhos brilhantes, em silêncio porque não havia palavras o suficiente.

Por que pessoas tão legais e boas se preocupavam com ela? Hana não entendia, ela nunca fez nada, não era nada e mesmo assim a cada dia que passava mais pessoas se amontoavam ao seu redor e tudo de repente se tornava fácil de engolir. Como se o gosto amargo e ríspido da vida se tornasse doce e leve, como se Hana não precisasse estar com a muralha impassível estendida a todo momento, de modo que sua miserável e entediante vida tenha tomado cor, e finalmente, começado a se desvencilhar dos cacos de vidro de seu passado que a perseguiam feito uma sombra.

— Obrigada... Por se preocupar comigo - Kuroo arregalou os olhos, genuinamente surpreso pela palavra "obrigada" ter saído por livre e espontânea vontade da boca dela. Não pôde deixar de sentir-se culpada,

O mínimo vindo dela era o máximo que seus amigos recebiam.

Isso não era justo. Pelo menos, não com eles.

— Quer jantar comigo?

Um sorriso travesso nasce nos lábios, as covinhas de Kuroo aparecendo em meio a sua pele macia e bronzeada — Deveria me sentir lisonjeado por ser convidado para sair com você?

Hana revirou os olhos, entrelaçando suas mãos com a dele tomando iniciativa para a caminhada — Não faça eu me arrepender - o garoto pôde jurar que um lampejo de sorriso pairou pelos lábios dela — Mas antes vamos voltar ao dormitório.

— Posso por que?

— Você acha coerente eu sair assim - ela abriu o cardigan revelando o pijama — no meio da rua?

Kuroo segurou a risada enquanto a garota voltava a abraçar o corpo, caminhando silenciosamente ao lado do amigo.

A noite estava bonita, o campus estava incomumente vazio já que era sexta e provável que esteja tendo alguma festa, o leve farfalhar da grama ao contato dos pés dos dois e o chiado de bichinhos que viviam escondidos eram os únicos sons mesclados a respiração calma de Hana.
Era libertador compartilhar de um silêncio que não fosse carregado de medo e constrangimento com alguém que gostava.

— Posso te fazer uma pergunta? - a voz de Kuroo a fez olhar para o lado assustada pelo barulho inesperado.

Hana era pega de surpresa com frequência e sempre se assusta ao ouvir alguém chegando.

— Só se eu tiver a opção de não respondê-la.

— Okay, eu aceito sua exigência - Kuroo encarou o horizonte à sua frente pensando bem nas palavras — Por que se envolveu com Suna sendo que sempre decretou que ele era a última pessoa com quem gostaria de estar junto? Só estou perguntando porque parece afetada ao escutar o nome dele.

Hana tinha a escolha de não responder e para ser sincera, quis muito usufruir desse privilégio.

Mas muitas mentiras já envolviam sua vida.

— Para ser honesta, eu não sei ao certo... Tentei e ainda tento manter o controle da minha vida e falho miseravelmente nisso todos os dias, inclusive quando aceitei ser amiga de vocês, não estava no plano mas eu ainda sim estava no controle. - Hana não chegava a encará-lo, caminhava olhando para os próprios pés cobertos por meias brancas.

"Mas com ele eu nunca estive no controle, desde o início não tinha noção de qual seria o fim, estar com ele era... Indescritível, sabe? Não posso dizer com certeza que o entendia mas posso dizer que Suna fazia isso com precisão, ele me deixava confusa, nervosa, irritada, tímida e bem. Eu me sentia incrivelmente bem com ele, eu tentei negar isso, fingi que não estava acontecendo de novo e quando me dei conta estava na cama dele. Ele é irritante e intrometido mas é uma pessoa... Incrível e muito talentosa. Acho que me apaixonei por alguém que não conheço, que apenas tenho uma vaga noção do quão bom é."

Kuroo não estava esperando uma resposta tão sincera, na verdade, não estava esperando resposta alguma. Ela admitiu em alto e bom tom que gostava de alguém, colocou seus sentimentos em palavras e verbalizou muito bem eles para Kuroo, ela confiava nele o suficiente para dizer aquilo e o garoto quis sorrir com isso, ele estava orgulhoso, porque a Hana do começo do ano sequer admitiria que tinha sentimentos.

— Não sei o que é sentir isso por alguém, então não posso falar que compreendo totalmente - Hana estranhou a falta de humor nas palavras — Mas sei que deve ser doloroso não poder ficar com alguém que gosta por conta de outra pessoa e de vários outros pormenores que sei que te impedem de continuar.

Hana se encolheu pelas palavras do amigo, chegando mais perto, entrelaçando seu braço no dele, apoiando a cabeça no ombro do garoto — É ruim e tem gosto de remédio amargo. Não gosto dessa sensação, Kuroo.

Ele repetiu o ato dela apoiando também — Oh, Hana... Não estava preparado para te ver sofrer por amor. - O tom humorístico voltou e Hana se sentiu aliviada, não gostava que suas falas tivessem tanto efeito nas pessoas — Já pensou em falar com a Mayumi?

— Claro que já pensei, mas imagine só eu admitindo que quero o garoto que ela conhece a anos, alguém que claramente tem sentimentos por ela e vice versa... Acho que ela não brigaria comigo, mas o clima ficaria muito estranho entre nós duas e dificilmente haveria possibilidade de reconciliação entre os dois. Sabe, eu só vou atrapalhar se continuar me metendo em uma história onde só fui uma passagem... — Ela engoliu em seco com o pensamento melancólico e sem cor que passou por sua cabeça — Temos que saber dar um fim nas coisas e é isso que estou fazendo, e pela primeira vez, não quebrei o coração de ninguém nesse processo.

— Acho que não deveria desistir. Se eu fosse você investiria nessa história.

— E ver Mayumi sair machucada? Não, obrigada.

— E ela faria o mesmo por você? - Kuroo parou subitamente, ficando em frente a Hana — Acha que ela abriria mão dele se os papéis de vocês duas fossem invertidos?

E essa era uma das inúmeras questões que perseguiam-na. Hana criou um carinho imenso por Mayumi e definitivamente sabe que ela tem um afeto semelhante a ela, mas o afeto não significava o resultado do caráter da pessoa. Já era a segunda vez que questionavam as atitudes da amiga, que duvidavam dela e Hana também não confiava, mas como disse a Suna, acreditava unicamente em um único ser e era ela mesma

Mayumi poderia não fazer o mesmo, mas Hana nunca quis se igualar a ninguém de qualquer jeito.

Hana era Hana e não importava o que dissessem sobre a visão que tinham de uma garota que sofreu nas mãos de um namorado abusivo e que tem sérios problemas com álcool, ninguém a via como Mayu realmente era, não faziam esforços para compreender o que havia por trás daquele enorme sorriso.

Resumiam ela a uma faceta criada para dispersar as pessoas, a loira faz isso de propósito mas Hana conviveu com alguém semelhante por anos e sabe muito bem como a mentalidade dela funciona.

Poderia estar errada, mas nunca acreditou que Mayumi fosse uma má pessoa... Ela foi quebrada, destruída e passou por coisas que Hana sequer imagina, o difícil seria ser alguém normal, sem confusões para enfrentar e parecia que ninguém se esforçava minimamente para entender isso.

Ela estava sozinha... Até Hana chegar e entendê-la.

Estava na hora de agir como antes e fingir que nada aconteceu. Dando um ponto final na conversa.

— Onde vamos jantar?

[***]

Suna separava detalhadamente as folhas dentro da pasta sanfonada disposta em cima de sua escrivaninha, sentindo suas costas latejar pela falta de encosto. O dia fora longo e cansativo, tanto trabalho mas pelo menos foi recompensado pelo seu esforço, e grande parte do crédito deveria ser dado à modelo que nem sequer havia comparecido na apresentação, não a culpava, ele resolveu ocultar a data e mesmo que tivesse dito a ela, duvidava muito que ela realmente iria.

Sua apresentação foi um sucesso sem igual, tanto na parte teórica quanto no ensaio em si, foi tudo do jeito que havia imaginado.

Não era apenas alucinação, Hana tinha potencial para posar em frente a uma câmera, tinha uma boa intimidade e jeito que modelava era promissor, seu professor havia elogiado a escolha da modelo e quão habilidoso ele foi ao escolher os métodos de contraste e ângulos considerados perfeitos, palavras do próprio profissional.
Mas era porque ela estava em frente a câmera. Qualquer outra teria ficado simplesmente simples, ínfima e tediosa, mas era Hana quem o dominou e o trouxe sucesso. Tudo nela exalava poder, não era uma garota que nasceu para passar despercebida, as câmeras e os flashes necessitavam dela posando para eles, com seus olhos verdes imponentes destruindo cada um que ousasse desafiá-los, seu corpo era esculpido,  ela era esguia e elegante naturalmente, sua clavícula marcada e delineada como se tivesse sido esculpida, o nariz arrebitado feito o de uma boneca de porcelana, os lábios rosados perfeitamente alinhados e os malditos e infernais olhos que podiam ser igualados ao abismo.

Para Suna era ela a personificação da perfeição. Igualitária ao poder que o fez se entregar ao delustre da criatividade sem ela.

E não sabia se esse conceito que tem sobre Hana era fruto de sua beleza sem igual ou se era porque Suna era louco por ela.

Queria tanto conhecê-la de fato, vê-la sorrir de novo, perceber os sucintos indícios de humor em suas falas carregadas de frieza e indiferença, sentia falta até de ouvir Hana brigar com ele, o chamando de intrometido e esquisito, era bem melhor do que ouvi-lá dizer que não se importava com qualquer mínima questão que envolvesse ele.

— Sunarin... - Atsumu adentrou no quarto aos poucos verificando se o garoto realmente estava lá — Não vai descer?

Outra sexta, outra festa. Já estava ficando entediante, Suna não gostava de rotina, odiava ficar preso ao torrente da monotonicidade, sentia-se um adolescente preso às rédeas do pai autocrático, onde sua vida era resumida ao enfadonho plano de vida que o velho amargurado criou exclusivamente para ele.
Era desesperador sentir isso a essa altura do campeonato. Ele achava que tinha achado o ápice de sua vida e que poderia conviver com ele firmemente, mas foi abalado.

Por muitas coisas, mas em principal, ela.

— Não tô afim. - mal fez questão de encarar o amigo, simplesmente continuou arrumando suas coisas como se Atsumu não existisse.

O falso loiro fechou a porta entrando de vez no quarto, apoiando-se na porta, cruzando os braços encarando-o de cima a baixo.

— Vai continuar sofrendo por mulher até quando? - Suna fingiu não escutar — Porra, você tem fetiche em se fuder? Toda vez que eu te vejo tem alguma mulher perturbando sua vida, se não é a imbecil da Mayumi é a outra que te odeia, e se não é nenhuma dessas duas é a sua mãe ou a sua irmã, e adivinha? Também são mulheres.

Suna não segurou a risada ao encarar o amigo de volta — Pelo amor de Deus, está tomando minhas dores a ponto de ficar bravo?

— Sim, estou.

— Então pare. Não fico me envolvendo nos seus assuntos mesmo sabendo que envolve minha irmã — o garoto percebeu Atsumu trincando o maxilar desconfortável com a menção a Akane — E olha que tenho o direito de me envolver já que supostamente você fodeu com ela e sendo sincero, não me interessa em qual sentido. Deveria fazer o mesmo e ignorar, me deixar aqui. - esperto e perspicaz, usando algo que o deixa desconfortável para tirá-lo dali.

— Primeiro, eu e sua irmã não temos nada, ela é maluca e você sabe disso - Suna ergueu uma sobrancelha ao ver a cara de pau dele em ofender sua irmã — Segundo, vamos descer, sentimos sua falta e não é a mesma coisa sem você lá embaixo. Ninguém gosta de te ver triste.

— Foi mal cara, não estou chateado, eu realmente estou ocupado com a faculdade e-

O som do toque do celular o fez perder a linha de raciocínio, Suna pediu um segundo para ver quem era e preferia não ter visto ao ler o nome do pai estampando a tela do celular. Ele respirou fundo antes de atender.

— O que foi? Por que está me ligando?

Silêncio, apenas o som da respiração desregulada do homem de meia idade preenchia a distância entre as linhas. O desamparo percorreu a espinha de Suna e os tremores de ansiedade se alastraram em cada extremidade de seu corpo.

— Pai... O que aconteceu?

Um suspiro cansado tomou conta de sua mente e a voz chorosa fez o garoto cair novamente na cadeira.

É a sua mãe.

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