𝐓𝐇𝐑𝐄𝐄, oyakata-sama

Miho Hanasaki

⠀─ Distraída! Distraída!

⠀Pisco algumas vezes ao ouvir o corvo gritar para mim do alto do céu e das árvores, enquanto me guia na direção da Mansão Ubuyashiki, embora eu tenha dito que não precisa, afinal, já estive lá antes.

⠀Ultimamente, eu me pego perdida em pensamentos mais do que deveria. E eu sinto a preocupação de Shiro em relação a mim; ela está sempre em alerta, me trazendo de volta à realidade.

⠀─ Relaxe um pouco, não é como se eu fosse me perder... É só um caminho reto agora.

⠀Eu aprecio a intenção, mas realmente não gosto de fazer os outros se preocuparem comigo.

⠀Poucos minutos depois, reconheço os enormes muros que rodeiam a Mansão Ubuyashiki, as telhas azuis refletindo a claridade do céu e me permitindo caminhar sobre a sombra fresca que se projeta. Shiro pousa em meu ombro com cuidado, enfim descansando.

⠀Já faz algum tempo desde a minha última vez aqui... E sabia que teria que retornar em algum momento, fosse para trazer algum relatório ou receber alguma missão específica.

⠀Não esperava, no entanto, retornar dentro de uma circunstância como essa.

⠀O canto das andorinhas em volta me traz um sentimento nobre de paz e harmonia. Piso cuidadosamente nas pedras que compõem um caminho sinuoso até o pavilhão aberto onde os encontros importantes são realizados.

⠀O enorme jardim da mansão Ubuyashiki é como uma linda obra de arte. As diversas árvores e arbustos são meticulosamente podados, enquanto pequenos lagos de águas claras serpenteiam pelo lugar. Tudo reflete a tranquilidade e sabedoria de quem vive aqui.

⠀Finalmente, ajoelho-me sobre as pedras do chão e aguardo.

⠀─ Oyakata-sama está aqui. ─ a voz de uma das filhas Ubuyashiki se faz presente como um aviso, pouco tempo após a minha chegada.

⠀Levanto o olhar, vendo-a abrir o fusuma do pavilhão para que Kagaya Ubuyashiki entrasse, acompanhado de mais uma filha que lhe guiava pelo caminho.

⠀Curvo-me em uma reverência adequada, sentindo Shiro levantar voo para se afastar.

⠀─ Saudações, Oyakata-sama.

⠀─ Olá, Miho ─ meu nome sai como um sussurro gentil de seus lábios enquanto ele se senta no tatame. ─ As andorinhas estão cantando lindamente hoje, que agradável...

⠀Há uma aura pura e gentil o rodeando. Eu me sinto em paz com sua presença, como se estivesse envolvida por uma brisa suave que acalma minha mente e tranquiliza meu coração.

⠀─ Não há nuvens no céu e as cerejeiras estão começando a florescer ─ descrevo o cenário, uma vez que a marca da Maldição se espalhou o suficiente para fazê-lo perder a capacidade de enxergar.

⠀Não estava assim da última vez em que o vi...

⠀─ Muito obrigado ─ ele sorri suavemente. ─ Imagino que a perda de Kyojuro deva ter sido algo difícil para você lidar, já que eram irmãos. E eu ainda a chamei aqui...

Ainda é difícil para mim, Oyakata-sama.

Mas o funeral já terminou e eu não posso ficar chorando pela sua morte para sempre.

⠀─ É apenas o que devia ser feito. ─ Kagaya me escuta atentamente. ─ A derrota de meu irmão ainda ocupa bastante a minha cabeça, mas estou disposta a seguir em frente como sua sucessora.

⠀─ Eu tenho certeza de que fará um ótimo trabalho como Hashira das Chamas.

⠀É verdadeiramente uma honra escutá-lo falando isso.

⠀─ Me desculpe, era para eu recebê-la mais adequadamente, na presença de todos os outros Hashiras... Infelizmente, aconteceu de alguns deles estarem em missões distantes. Mas não se preocupe, os corvos enviarão a mensagem.

⠀─ Eu entendo, Oyakata-sama.

⠀─ Sua compreensão me agrada, Miho ─ abaixo a cabeça, satisfeita. ─ Na verdade, eu tenho uma missão para você, também. E gostaria que aceitasse como uma Hashira.

⠀─ Entendido.

⠀─ Ao norte da cidade de Oshiage... ─ agora, uma das filhas Ubuyashiki toma a palavra, à esquerda do homem. ─ Os corvos relataram um demônio escondido na floresta, atormentando pessoas... Há muitos desaparecimentos repentinos, cada vez mais recorrentes...

⠀─ E, pelo que observaram, é bem provável de se tratar de uma Lua Inferior ─ completa Kagaya.

Uma Lua Inferior, huh...

Sem problemas. Já derrotei alguns antes, são apenas insetos impertinentes que merecem morrer...

⠀Quando eu paro para pensar por alguns instantes, ouço alguns passos no jardim e me viro, capturando a figura de dois Caçadores se aproximando com cuidado.

⠀Uma cobra albina me observa com seus olhos vermelhos, em volta do pescoço de um deles como um cachecol. O outro homem, o de cabelos brancos... está coberto por cicatrizes.

⠀Ambos me olham de cima à baixo, me analisando sem disfarçar, parando alguns segundos no protetor de mão flamejante de minha nichirin, presa à cintura.

⠀─ Sanemi e Obanai estão aqui. ─ a filha Ubuyashiki sussurra para Kagaya.

⠀Eles se sentam próximos a mim, ficando de frente ao mestre.

⠀─ Perdoe a intrusão, Oyakata-sama ─ o caçador de cabelos brancos fala, enquanto respeitosamente abaixam a cabeça em uma saudação. ─ É bom vê-lo sorrindo.

⠀─ Chegaram em boa hora... ─ Kagaya diz, gentil. ─ Quero que conheçam Miho Rengoku, ela tomará a posição de Hashira das Chamas daqui em diante.

⠀─ Eu ouvi muito sobre a tsuguko de Rengoku... É você? ─ o moreno questiona com um dedo apontado na minha direção, fazendo aquilo soar como uma acusação.

⠀─ Sim ─ respondo simples.

⠀─ E acha que pode substituí-lo assim?

⠀Aquilo me pegou de surpresa, apesar de ser uma pergunta que eu mesma estava fazendo, apenas alguns dias atrás. A intenção nada amigável de suas palavras.

⠀Essa arrogância me irrita.

⠀─ Ninguém nunca o substituirá ─ afirmo, olhando firmemente em seus olhos bicolores profundos e sustentando o seu olhar.

⠀─ Obanai, por favor, tente ser mais compreensível. Todos os Hashiras possuem suas próprias dificuldades... ─ a paciência e calma de Ubuyashiki apaziguam o silêncio meio tenso que se formou.

⠀─ Como quiser, Oyakata-sama. ─ ele não falou mais nada depois disso.

⠀Com a oportunidade imposta, eu me levanto silenciosamente, ajeitando o meu haori. Afinal, eu não tenho mais motivo para permanecer aqui e, além disso, tenho uma missão dada diretamente pelo Oyakata-sama.

⠀Não é como se o assunto deles fosse de meu respeito, também... Eu não me sinto no direito de escutar.

⠀No momento, Obanai está com sua atenção para a frente, mas, por algum motivo, o outro caçador, o qual acredito que tenha o nome de Sanemi, acompanha todos os meus movimentos com seus olhos selvagens.

⠀Como se, de algum jeito, eu representasse uma ameaça para ele.

⠀─ Com a sua licença, Oyakata-sama. Estou me retirando para a missão.

⠀─ Por favor, vá em segurança, Miho.

⠀Faço uma última reverência, me retirando. Quero virar para trás conforme me afasto, sentindo que alguém ainda me observa de longe, mas não o faço.

⠀ Não devo me importar com algo assim.

⠀Fora da Mansão Ubuyashiki, já não ouço mais o barulho delicado das andorinhas. Em vez disso, o crocitar distante, ecoando no alto das árvores, indica a presença de corvos Kasugai mensageiros.

⠀Paro diante de um riacho ao alcançar uma certa distância na floresta. Sua água cristalina flui suavemente sobre pedras e entre raízes de árvores antigas. A luz do sol penetra pelas copas, criando padrões de sombras oscilantes na superfície da água.

⠀Observo o meu reflexo por alguns instantes. O meu haori apresenta um tecido preto intenso, contra o qual as rosas brancas nas bordas se destacam. Suas pétalas abertas são como pequenos suspiros de pureza em meio à uma escuridão sem fim.

⠀O haori dos Hashiras das Chamas permanecerá guardado no quarto de Kyojuro.

⠀Nunca realmente me vi usando ele. Não conseguiria.

⠀É algo que sempre pertenceu a ele, e vai continuar assim.

⠀Ainda assim, para um Hashira me falar aquilo... O que ele queria, exatamente? Eu não entendo. Ainda que quisesse apenas me incomodar, eu não tenho outra escolha a não ser seguir em frente...

⠀No final, só eu sei a quem preciso provar o meu valor.

⠀─ Norte de Oshiage! Oshiage! ─ Shiro aparece no reflexo, movimentando e distorcendo a imagem da água ao pousar em meu ombro.

⠀─ Então vamos...


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