3.8
Dois anos atrás
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O homem de cabelos acinzentados suspirou pesadamente enquanto entrava no carro avermelhado dos bombeiros, Kuroo se sentou ao seu lado, Akaashi continuava afastado do trabalho, alguns meses haviam se passado desde a morte de Yukie e aquilo havia deixado o homem de olhos azuis simplesmente acabado, Koutarou não se lembrava ao certo de quando havia sido a última vez que viu Keiji sorrir. Bokuto ao contrário apenas se afundava cada vez mais no trabalho tentando ao máximo fingir que nada havia acontecido, ignorava todos os acontecimentos e quem sabe assim não se culpasse tanto, mas era inevitável quando sentia que foi um péssimo amigo para a menina que teve a overdose de medicamentos a meses atrás, apenas queria se afundar mais e mais no trabalho e ignorar tudo ao seu redor.
— Pelo amor de deus, nós somos bombeiros e não mecânicos — Kuroo murmurou mau humorado enquanto dava partida no carro, tamborilou as pontas dos dedos contra a superfície plastificada do volante escuro, o homem de cabelos acinzentados suspirou pesadamente antes de concordar com a cabeça, Tetsurou bufou —, se a merda da máquina está escapando fumaça eles deviam desligá-la e chamar um mecânico, como eu vou saber como consertar isso?
— Acho que eles apenas querem saber se tem risco de criar um incêndio.
— Bem, você está no comando hoje, vamos ou deixamos de lado? Posso contatar o mecânico do quartel.
— Já estamos a caminho vamos nós mesmos, se a coisa estiver muito feia escrevemos uma carta para a prefeitura os notificando sobre negligência.
Disse por fim, Kuroo assentiu enquanto fazia uma curva em uma das ruas suavemente escuras, em alguns minutos estavam de frente para o teatro da prefeitura. Estacionaram e desceram por fim andando em direção ao interior do prédio, Koutarou olhou ao redor se detendo com os cartazes do musical que estava acontecendo, fitou a foto, cruzou os braços correndo os olhos pelos principais.
— Olha gêmeas — Kuroo murmurou rindo apontando para o cartaz —, qual você quer? Podemos chamar elas para jantar depois que acabarem a apresentação.
Bokuto sorriu de maneira divertida cerrando os olhos amarelos correndo a atenção pelo cartaz, deu de ombros por fim.
— Qualquer uma, as duas são bonitas, mas... — ele murmurou se aproximando do cartaz fitando os nomes dos personagens — pode ser essa aqui que está fazendo a Leopoldina não sei das quantas, você fica com a cacheada.
Kuroo riu de maneira baixa dando dois tapinhas contra o ombro do amigo, havia sido algo tão trivial que não demorou muito para que caísse no esquecimento, continuaram seu percurso pelos corredores do teatro encontrando logo um dos funcionários que os guiou até uma espécie de porta que levava para o porão do teatro onde se encontravam as máquinas que produziam fumaça para os efeitos do palco.
Bokuto se aproximou da máquina que parecia soltar uma fumaça suavemente escura, suspirou pesadamente enquanto pegava o próprio caderno de notas do bolso anotando sobre o que deveriam fazer, levou os olhos amarelos até o funcionário público, fez uma carranca mau humorada.
— Desliguem essa máquina, isso é total negligência do teatro, eu deveria mandar uma ordem para fechar esse local.
Balbuciou levemente irritado, o homem engoliu em seco antes de cruzar os braços, negou com a cabeça devagar.
— Não podemos esperar até o musical acabar? As pessoas da cidade estavam esperando por dias, eles são famosos, sabe que...
— Senhor, eu pouco me importo, esse lugar está aquecendo gradativamente, desligue a máquina e acabe o musical, não me faça repetir minha palavra.
— Não desligue — Kuroo disse em um sussurro, andou de maneira cuidadosa pelo chão, apontou para o teto onde se encontrava a fiação descascada da máquina e logo em seguida para o chão onde se encontrava uma quantidade excessiva de galões avermelhados e grandes, Bokuto sentiu seu coração parar —, a fiação vai soltar faíscas, esse lugar está completamente sobreaquecido e cheio de galões de gasolina, vai explodir tudo, precisamos notificar a central e pedir reforços, senhor você precisa avisar os seguranças para retirarem todas as pessoas desse local, nós vamos chamar ajuda.
Estavam sem as roupas de proteção no momento que se encontravam no carro do lado de fora do teatro, o homem de certa idade assentiu por fim, parecia visivelmente nervoso enquanto se aproximava da porta juntamente com os dois bombeiros, escutaram um solavanco violento da máquina, os olhos amarelos de Bokuto caíram sobre a fiação e ele pareceu congelar, por um momento as faíscas que escaparam dos fios pareciam cair em câmera lenta, ele apenas teve tempo de empurrar os dois homens o mais rápido possível pela escadaria quando o estrondo forte se fez presente juntamente com a pressão do ar jogando seus corpos para a frente.
— Merda, merda, merda! — Bokuto bradou se levantando do chão rapidamente, havia batido a perna no impacto, parecia mancar, lançou um olhar para Kuroo que visivelmente parecia bem enquanto sacava o rádio pedindo reforços e um caminhão o mais rápido possível, o senhor de certa idade parecia desmaiado ao chão, demorou frações de segundos para que o fogo tomasse conta do teatro amadeirado graças a grande quantidade de galões de gasolina — A sala de apresentações, Kuroo, vamos levar esse homem para fora e pegar nossos equipamentos, rápido, esse lugar é feito de madeira não vai demorar muito para desmoronar!
Disse enquanto segurava o senhor de idade de maneira simplista por entre seus braços, conseguiam escutar os gritos desesperados das pessoas pelo teatro, levaram o homem até o lado de fora o deixando sobre o chão, Bokuto tentou andar o mais rápido possível em direção ao carro mesmo com a perna machucada, pegaram as roupas de combate a incêndio e os óculos de proteção juntamente com a máscara descartável de oxigênio que sabia que não duraria por mais de quinze minutos.
Correram de volta para o teatro, algumas pessoas se infiltravam pelos corredores em busca da saída correndo de modo desesperado, os dois homens andaram até a sala de apresentações se detendo com o lugar infestado de fogo, Bokuto engoliu em seco, a plateia ainda estava cheia e algumas pessoas paralisadas ou desmaiadas sobre o palco.
— Bokuto, precisamos tomar uma decisão, estamos apenas em dois aqui, plateia ou o palco?
Ele murmurou por fim, Bokuto respirou fundo, apertou mais forte o machado em mãos antes de entreabrir os lábios por fim.
— Plateia, crianças, idosos e mulheres primeiro, depois ajudamos os artistas, vamos torcer para que os reforços cheguem a tempo.
Disse por fim, Tetsurou engoliu em seco concordando com a cabeça por fim, correu os olhos sobre o rosto do amigo antes de correrem até os assentos, guiaram todos para fora, algumas pessoas estavam desesperadas, outras em choque e algumas desmaiadas, não sabiam o que fazer com aquela quantidade excessiva de pessoas, havia levado no mínimo quinze minutos para que conseguissem guiar todos da plateia para fora do teatro.
— Bokuto, o oxigênio vai acabar, nós temos que voltar.
— Pode ir, consigo me virar, vou ver se tem mais gente no palco ou se todos conseguiram sair por conta própria, veja se tem algum ferido do lado se fora!
Gritou, o homem de cabelos escuros assentiu correndo para fora, Bokuto fez uma careta de dor sentindo sua perna fisgar enquanto corria até o palco em chamas subindo sobre o mesmo rapidamente, escutava um grito desesperado sobre ele.
— Lia, acorda! Porra, acorda sua idiota, você tem que sair daqui agora, esse lugar vai cair, Lia!
Os olhos amarelos se detiveram com uma mulher que não conseguiu visualizar muito bem o rosto graças a fumaça, ela parecia desesperada tentando retirar alguém dos escombros, Bokuto fitou a situação, sozinho ele não conseguiria, não conseguiria levantar a porcaria da viga sozinho e sem o equipamento apropriado, apenas se abaixou pegando a mulher que gritava por entre os braços a deixando de bruços contra o próprio ombro, ela gritou alto de maneira desesperada socando as costas dele.
— Me solta! Me deixa aqui mas salva ela por favor! Você tem que salvar ela, me solta, seu porra! — ela gritou aos prantos batendo com força contra as costas do bombeiro, parecia que iria desmaiar a qualquer segundo, no momento em que deixaram a sala de apresentação escutou o som do palco desmoronando por fim e naquele momento teve a plena certeza que a pessoa que se encontrava ali já estava morta. A mulher em seus braços gritou mais alto — Volta, por favor! Você tem que voltar, eu não vou te perdoar, eu não...
E assim ela acabou por desmaiar, Bokuto sentia o coração bater quase que desesperado contra o próprio peito, uma espécie se nó se formando em sua garganta, ele engoliu em seco tentando manter a própria calma, andou até o lado de fora do teatro deixando a mulher sobre o chão, escutou o som das sirenes ao longe, arrancou a máscara de seu rosto respirando fundo em busca de ar e daquele modo caiu sobre o chão desmaiado.
A voz da mulher ecoando sobre sua mente.
Eu não vou perdoar você.
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P R E S E N T E
Faziam algumas semanas que Bokuto não saía do quarto da casa que não lhe pertencia, conseguia escutar o som das panelas sendo jogadas no andar debaixo; suspirou pesadamente se encolhendo mais contra os cobertores, o celular estava desligado a dias, não sabia a quanto tempo estava sem dar notícia a alguém ou a (Nome), não conseguia ver ela naquele momento, simplesmente não conseguia, sentia que vomitaria tudo dos últimos anos, era dolorido demais saber que por sua culpa ela havia perdido a coisa mais importante do mundo.
Uma batida suave na porta, Bokuto colocou o rosto para fora das cobertas enquanto a porta amadeirada se abria dando lugar a uma mulher de cabelos castanhos e levemente avermelhados, Aimi a irmã mais velha de Yukie se fez presente, a mulher sorriu pousando a mão sobre a barriga já suavemente grande graças a gestação avançada.
— Bo, querido, o Suna trouxe lasanha, você quer um pouco?
Ela murmurou de maneira suave adentrando no quarto de Yukie onde o homem de cabelos acinzentados continuava deitado na cama que era pequena demais para o seu corpo grande, se sentou ao seu lado na beirada do acolchoado levando uma das mãos até os cabelos macios os acariciando com cuidado, ele fungou baixinho, a sensação avassaladora do choro tomando conta de suas narinas.
Mas Koutarou estava simplesmente triste demais para que conseguisse chorar.
— Sinto falta dela... você sabia? De todos esses problemas eu digo.
Murmurou com a voz baixa, a mulher sorriu fraco antes de concordar com a cabeça devagar, correu os olhos pelo rosto do melhor amigo de sua irmã mais nova.
— Ela passava bastante tempo trancada em casa quando vocês não estavam, ela tentava esconder, sabe? Mas mesmo assim era difícil fingir que estava bem o tempo todo — a mulher murmurou de maneira trêmula, piscou diversas vezes na tentativa de espantar as próprias lágrimas —, ela não queria preocupar vocês.
— Eu fui um péssimo amigo por não ter percebido.
— Isso não é verdade, meu bem.
Ela sussurrou enquanto se levantava da cama, pousou as mãos sobre a barriga, respirou fundo.
— Vocês já estão indo para Tóquio?
— Sim, o parto é semana que vem... é hora de voltar pra casa, Bo, você não pode ficar aqui para sempre.
O homem suspirou concordando com a cabeça por fim enquanto se sentava sobre o acolchoado, passou as mãos sobre o rosto na tentativa de acordar, precisava dar um jeito nos próprios sentimentos. A mulher sorriu de maneira gentil uma última vez antes de deixar o quarto de Yukie para trás de vez.
Koutarou respirou fundo sentindo seu peito encher em culpa, culpa por Yukie, culpa por Lia e principalmente culpa por (Nome), ele simplesmente não conseguia a encarar naquele momento, não quando que por culpa dele Lia morreu.
Mesmo que ela o perdoasse, ele simplesmente não conseguiria, nunca.
O que ele havia feito era imperdoável, não conseguia conviver consigo mesmo naquele momento, não conseguia fitar o próprio reflexo sem sentir nojo. Respirou fundo olhando ao redor do quarto em busca dos sapatos.
Acabaria com aquilo de uma vez.
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