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Eu conheço alguns super-heróis. Me sinto tentado a dizer "muitos", mas estaria me gabando. E dizer "poucos" me parece uma perda de oportunidade, afinal, nem todo mundo conhece super-heróis.
De uma forma geral, quando não estão salvando o mundo, os super-heróis são menos "super" do que se imagina. Eles são como foram a vida toda: quase normais.
Porque, sejamos sinceros, ninguém que nasce em meio a uma família tradicional americana, tira notas razoáveis, leva maçãs para os professores e anda de bicicleta decide se tornar um encapuzado misterioso que sai durante a noite e combate o crime - e é o oposto de normal. A não ser que seja atingido por material alienígena, um raio ou algum tipo de radiação, mas isso muda tudo.
Uma boa parte dos heróis que conheço - e agora sim digo isso me gabando - nunca foi normal. Quer dizer, o Batman foi (e ainda é) um órfão multimilionário, o Superman é de outro planeta, e o Aquaman... eu não tenho certeza, mas sei que ele não cresceu em um bairro nobre de New York.
Eu cresci no circo. E eu sei que para a grande maioria, não há nada de "super" em circos. Mas vamos chegar lá.
Quando criança, aprendi a dar um show antes de qualquer coisa. Como parte do famoso espetáculo de destaque do Circo Haly e membro mais jovem dos Graysons Voadores, fui ensinado que o fascínio do público com os trapezistas se devia à sua proximidade com a morte. A habilidade de rir em face do perigo. Essa foi a minha infância.
Não posso afirmar com certeza que meus pais estariam orgulhosos. Mas há uma coisa sobre salvar pessoas que você nunca vai ouvir o Superman falando em uma entrevista internacional: é muito legal.
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Meu coração está acelerado, mas eu não tenho medo. Quer dizer, não totalmente. Não é como se fosse possível ser mentalmente são e fazer o que faço sem qualquer medo. O medo era sempre presente, numa parcela saudável.
Medo de fazer besteira, medo de não ser rápido, forte ou esperto o suficiente. Mas não era o tipo de coisa que se notava facilmente, não quando eu estava literal e metaforicamente usando uma máscara.
Havia um beco mal iluminado e sujo, estreito e comprido. Um cara com uma arma apontava para um casal que tentava proteger um garoto, provavelmente seu filho.
Já tinha constatado que criminosos em geral eram otimistas. Sempre esperam que tudo acabe bem para eles, sempre parecem certos de alguma coisa. O assaltante em questão parecia certo de que o casal e o garoto não poderiam correr sem serem baleados, certo de que possuía total vantagem sobre eles, que sairia dali com dinheiro ou sangue nas mãos.
Ele não parecia estar com medo. E se realmente não estivesse, era o único.
- Boa noite. - eu disse em voz alta, esbanjando calma, apesar de tudo.
O assaltante pulou de susto ao finalmente perceber que eu estava ali. Os pais abraçaram seu filho com mais força.
A mulher tinha pérolas que brilhavam mesmo com a luz fraca, o menino parecia bem vestido demais para tão pouca idade, e o pai, apesar das mãos fechadas com força, era elegante e parecia um homem que nunca tinha problemas.
Não havia nada em minha postura que denunciasse o quão tenso eu estava, mas a familiaridade daquela cena era cruel. E eu sabia que o destino tinha certo apreço por momentos assim.
- Para trás, ou eu atiro neles. - ele foi esperto ao manter a arma apontada para as vítimas. Se apontasse para mim, e eu estava torcendo para que fizesse isso, eles poderiam correr na direção oposta.
- Eu não faria isso se fosse você. - dei alguns passos na direção dele, que alternava o olhar entre os três e eu.
- Eu disse para trás! - ele gritou.
- Sabe, a pena por tentativa de assalto a mão armada é bem menor que a pena por latrocínio seguido de morte.
- Mais um passo e eu atiro!
- É. Ou você pode se entregar agora, conversar comigo enquanto esperamos os policiais, ter um passeio tranquilo até a delegacia e colaborar para passar pouco tempo atrás das grades.
Ele cogitou a possibilidade por meio segundo antes de destravar a arma. O 'click' apavorou os pais, mas não o menino. Este parecia mais confiante do que nunca de que eu ia fazer alguma coisa incrível.
- Ah, você é idiota demais pra isso. - eu falei em tom de deboche, vendo que o cara
O assaltante finalmente se irritou, e apontou a arma para mim, mas neste meio tempo eu saltei, e ele atirou. Errou, evidentemente, e antes que pudesse soltar um palavrão, meu punho o calou. A arma caiu do chão, e ele fez o mesmo logo depois. Tomei o cuidado de chutar o revólver para que ele não alcançasse caso recuperasse a consciência antes do previsto.
O menino, que agora não se parecia mais com uma versão alternativa de um Bruce Wayne jovem, gritou de animação, disse que aquilo tinha sido "incrível", e eu ri aliviado.
- Você viu, papai? Ele disse "mais um passo e eu atiro" e aí o Asa Noturna pulou e voou e 'boom!', derrubou o bandido!
A mãe do menino, uma senhora bonita, esboçou um sorriso e se aproximou para apertar a minha mão, o seu marido fez o mesmo. Parecia tão entusiasmado quanto o filho.
- Muito obrigado, Asa Noturna. Jamie vai ter uma história emocionante para contar para os amigos.
- Eu vou contar pra todo mundo! Eles vão pirar quando eu contar a parte que você chamou o cara de idiota - o pai riu, mas a mãe chamou sua atenção.
- Jamie!
- Desculpa, mãe. A palavra com 'i'. - ele sussurrou, e tentou uma piscadela, mas não sabia piscar um olho só.
- Não foi nada. Vocês podem continuar andando, e eu vou... cuidar do bandido.
Eles arrastaram o menino, que agora falava sobre querer ser como eu quando crescer.
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