05 | Fuga
"Eu preciso de sua graça
para me lembrar
de achar a minha."
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Seth
EU JÁ ESTAVA PERDENDO A PACIÊNCIA. A senhora na minha frente já tinha perguntado os ingredientes de pelo menos cinco bolinhos diferentes e não havia escolhido nenhum deles. Minha mãe — percebendo a careta em meu rosto que aumentava a cada segundo — sorria pra mim do outro lado do balcão tentando me passar algum conforto.
Não adiantou.
Ultimamente eu só tenho sentido vontade de libertar o meu lobo e correr por aí o mais rápido que posso, era desgastante passar os dias com a sensação de que estava faltando algo. Em algumas horas ia escurecer e eu estava enfurnado nesse restaurante tentando não desobedecer a regra número um da minha mãe de não ser grosseiro com os clientes.
A senhora na minha frente desiste de levar bolinhos e dá meia volta, o barulho ridículo de sino ecoa na minha cabeça assim que ela sai. Tenho a impressão de que soltei o maior suspiro do mundo quando finalmente me vejo livre indo em direção a cozinha.
— Achei que ela não fosse embora nunca — murmura minha mãe entrando na cozinha com duas bandejas nas mãos.
— Ela sempre faz isso, aposto que já decorou os ingredientes de todo nosso cardápio.
— Coitada, está tão velhinha — mamãe começa, esvaziando as bandejas e colocando mais coisas nelas em seguida. — Desde quando o marido morreu fica andando por aí sem ter muito o que fazer, temos que ser gentis.
Eu queria é arrancar a cabeça dela fora mas acho que após essa informação sinto mais empatia por ela, talvez meu destino fosse o mesmo, afinal eu já andava vagando por aí.
— Ela é chata — sussurro, roubando uma batata frita da porção que minha mãe havia pegado.
— Chato é você, anda muito rabugento ultimamente — ela me censura, batendo na minha mão.
Eu estava chato mas tinha os meus motivos. Uma sensação horrível me perseguia o dia todo, pensamentos de pena vindos de Jake e Leah, o cheiro insuportável de Merliah que parecia ter se alastrado por toda a reserva... A vontade de destruir alguma coisa só aumentava, considero todos sortudos por eu conseguir me controlar.
Suspiro e dou de ombros para minha mãe no exato momento em que nosso ajudante, Kyle, entra pela porta.
— Jacob quer falar com você, está lá fora — ele diz.
Lá vem bomba, ultimamente tudo que sai da boca de meu alfa anda me enchendo a paciência.
— E aí! — exclamo assim que o vejo.
Jacob estava parado alguns metros a frente de um daqueles carros de família, que cabe muitas pessoas. Com certeza era um carro dos Cullen. O vidro da janela abaixa e Renesmee acena pra mim, dou o meu melhor pra acenar de volta.
— O que vai fazer hoje? — ele pergunta, entrando na minha frente e bloqueando minha visão.
Ficar deitado na floresta atrás da sua casa enquanto me torturo ouvindo tudo que sua irmã e o namorado dela dizem — e quando digo tudo é tudo mesmo — como um maldito psicopata.
— Nada demais, filmes talvez — respondo.
O sorriso de Jake fica bastante largo o que me faz dar uma careta, sua mão pega meu braço e me puxa em direção ao carro.
— Tudo bem então você vem com a gente.
A janela de trás do carro desce e quem aparece é nosso companheiro de matilha, o cabelo preto praticamente raspado.
— O que o Koda está fazendo ali? — pergunto, desvencilhando o meu braço.
— Vamos pra uma boate — Renesmee responde.
Faço careta e me viro pra Jacob.
— Boate? Vocês?
Ele passa a mão pelo meu ombro e nos afastamos um pouco.
— Renesmee nunca foi e queria fazer isso antes da faculdade — explica, mantendo o tom baixo.
— Então os planos dela pra antes da faculdade são encher a cara?
Isso me surpreende porque na verdade me parece bem divertido para alguém madura e sensata como ela.
— Todos nós na verdade mas ela não sabe que não podemos ficar bêbados.
Coitada.
— Isso é uma péssima ideia — eu friso o óbvio.
Jake faz careta.
— A mãe dela é a Bella, o que estava esperando? — indaga. — Sem contar que Emmett e Alice gostaram da ideia, estão nos dando cobertura.
Eu não estava no clima para festas. Queria ficar na minha hoje, ocupar minha mente como costumo fazer todos os dias. Levo muita comida do restaurante para casa, como enquanto assisto filmes e leio até tarde. Geralmente é quando me canso de ler que dou uma passada na casa dos Black, sempre juro a mim mesmo que não vou mais fazer isso mas nunca adianta. No final sempre preciso ver se ela está bem.
O problema é que um dia ela estava bem demais e agora o barulho dos gemidos abafados não saem do meu cérebro. Queria arrancar a cabeça do tal James.
— Acho que vou ficar em casa mesmo.
Jacob revira os olhos.
— Seth, não seja chato. Você gosta de lugares assim, gosta de flertar com os outros, eu não esqueci o tanto que você já aprontou.
Aprontar é uma palavra muito forte.
— É diferente agora — insisto.
— Eu sei que é mas sua vida não acabou. Podemos competir quem vira mais shots de tequila em menos tempo, Denahi andou treinando.
Se eu estiver ocupado virando mais tequilas do que uma pessoa normal pode aguentar talvez eu me canse e consiga dormir assim que voltar pra reserva. Nada de pensar em Merliah ou sentir a falta dela — sério, como sinto falta de alguém com quem troquei poucas palavras?
— Seth se não vier logo eu vou aí e te trago arrastado pelos cabelos — grita Renesmee, já impaciente.
Isso me faz rir, me lembro de quando ela era pequena e atirava as coisas em mim sempre que eu a desapontava.
— Tudo bem, pode ser divertido — concordo.
Tenho a impressão de que Jacob poderia dar um salto de alegria. Quando entro no carro todos praticamente uivam, fazendo brincadeirinhas e cutucando meu cabelo. Renesmee estava no volante, Jacob ao seu lado, Denahi, Koda e uma garota que eu não conhecia estavam atrás e eu fiquei no banco do fundo o que foi bem ruim, minhas pernas não cabem direito aqui.
— Odeio vocês por me obrigarem a isso — murmuro, me ajeitando do jeito que posso.
Koda me encara com um sorriso debochado, o espacinho entre seus dentes aparecendo.
— Cala a boca, vai ser divertido — rebate.
Maroon 5 começa a tocar e o vento entra no carro por conta das janelas abertas. Faço careta ao me lembrar que nem ao menos avisei a minha mãe então envio uma mensagem para ela.
— A saída da reserva é pra lá — ouço Jake dizer por cima da risada dos garotos.
— Calma apressadinho não podemos esquecer da sua irmã — Nessie responde.
Meu coração para de bater por alguns segundos e quando volta dou uma joelhada no banco da frente. Ai!
— Como é que é?! — pergunta Jacob.
Vejo os olhos confusos de Nessie pelo retrovisor. Calculo o quão estranho seria saltar desse carro em movimento bem no meio da reserva.
— O que foi? Não podia chamar ela?
— O Seth está aqui esqueceu?
Agora eu sou o culpado, ótimo. Dane-se, vou ir embora, não vou aguentar uma noite inteira do lado dela.
— E eles tem doze anos por acaso? — Renesmee rebate.
Bom, eu me sentia com doze anos. A garota sentada no meio de meus dois amigos se vira pra mim, percebo várias sardas em seu rosto e um cabelo bem escuro, era bonita.
— É sua ex namorada? — pergunta.
— Não — murmuro.
— Sim — Koda e Denahi dizem em uníssono.
Bufo e me inclino para bater na nuca dos dois.
— Pare o carro aqui, eu vou descer — digo.
Renesmee freia bruscamente fazendo com que todos nós chacoalhássemos, ela se vira me fuzilando com seus olhos cor de chocolate. Era minúscula mas ainda assim arrepiante quando decidia intimidar alguém.
— Não seja bobo, ela sabe que você vai e nem ligou.
Engulo a seco.
— Sabe? — indago.
— Não ligou? — pergunta Jacob.
Nessie assente. Tudo bem, já que ela não está nem ai pra minha presença não vai ser eu que vou me afetar todo por ela. Apesar da ligação eu não tinha nada a perder, só o resto da sanidade mental que me sobrou após os anos na matilha.
O carro volta a andar e a sensação de ansiedade gradativamente diminui conforme eu me aproximava da casa dos Black. Merliah aparece alguns segundos depois com um vestido tomara que caia vermelho e tênis all star preto. A franjinha em seu cabelo deixava o formato de seu rosto adorável.
Infelizmente o único lugar disponível era ao meu lado.
— Oi gente — ela cumprimenta todos com um sorriso e então se vira pra mim. — Oi Seth.
— Oi — murmuro, ignorando seu cheiro e calor ao meu lado para me focar em observar a janela.
— Onde está o Jamie? — Jacob pergunta.
— Lá no quarto fazendo um experimento maluco com raiz de cebola.
Tomara que exploda na cara dele.
— Ele vai passar a sexta-feira fazendo isso?
Merliah assente, colocando a bolsa em seu próprio colo.
— É o que ele faz, o tempo todo.
❦
Sair foi definitivamente uma péssima ideia. Não consegui ao menos prestar atenção em outra garota — mesmo a tal amiga da Nessie claramente dando mole pra mim. Bebemos muitas tequilas e demos algumas risadas até o momento que os garotos decidiram dançar, Koda e Denahi eram péssimos dançarinos que só conseguiram entrar aqui graças a sua aparência, afinal tinham dezessete anos.
Renesmee e Jacob estavam sentados no bar se olhando com cara de apaixonados apesar de Nessie estar bem alterada. Conseguia ver pelo modo que ela piscava e por suas pupilas, seu coração também batia rápido assim como o de Merliah. Faziam trinta minutos que estávamos sentados lado a lado em silêncio.
Apesar de sua companhia acalmar meu coração e meu estômago, ela não me impedia de ficar inquieto. Queria falar com ela só não sabia o quê.
— Não gosta de boates? — pergunto, já cansado de vê-la bebericar o copo.
Sério, ela bebia tão devagar que já estava começando a me irritar.
— Não muito e você?
— Acho que não mais.
Um suspiro longo sai da boca de Merliah que em seguida vira o resto do martini que havia em sua taça. Ela faz uma careta bonitinha, franzindo o nariz e se põe de pé.
— Quer dar uma volta? — pergunta.
Demoro mais do que o normal para processar a pergunta. Merliah devia estar mesmo entediada para querer a minha companhia num passeio por Port Angeles.
Mas não iria ser eu a negar.
— Hm... claro — concordo, me levantando também.
A diferença de temperatura é gritante. Enquanto lá dentro cercado por luzes e fumaça o ambiente estava quente, aqui o vento passava por nós como um tiro, me arrepiando da cabeça aos pés. Estava prestes a oferecer meu casaco quando Merliah tira o seu próprio da bolsa e o veste. Caminhamos em silêncio pela calçada.
— Então... — pigarreio. — O que você estuda mesmo?
Seus olhos escuros se viram pra mim, o nariz começava a ficar vermelho.
— Engenharia florestal.
— Parece legal — sou sincero. Apesar de não gostar de números e contas alguns cursos da área eram bem interessantes. Se fosse bom em física eu tenho certeza que estudaria astronomia.
Merliah faz careta.
— É, mas bom... Não sei.
— Como assim não sabe?
— Não me vejo fazendo isso pra sempre entende?
Não.
— Não está prestes a se formar?
Ela assente.
— Só mais dois semestres, começo um estágio quando o verão acabar na verdade.
— E o que te deixa com dúvida? — acho que já era minha décima pergunta seguida, tinha que aprender a calar a boca.
— Eu gosto de pintar, sempre gostei desde pequena e sinto tanta falta de casa. Não posso exercer essa profissão morando por aqui, preciso de uma cidade grande com oportunidades.
Faço careta. Sério que ela sentia falta de La Push? Os Quileutes tinham uma população de em média oitocentas pessoas, um clima desagradável nos cercava e nada de interessante acontecia.
— A reserva é monótona.
Ela solta um risinho.
— Eu sei mas é minha casa. Quando ando por lá lembro da minha mãe, dela me mostrando cada pedacinho. Lembro de todos nós sentados na varanda esperando anoitecer: eu, Jake, Rachel e Rebecca ficávamos ouvindo papai e mamãe falarem mal dos membros da nossa família, não entendíamos nada mas ríamos como se fosse a coisa mais engraçada do mundo. Nós entrávamos, mamãe servia o jantar e depois assistíamos filmes até ficarmos com sono. Gosto daquela casa e gosto da reserva mesmo com aquele clima horrível, estranhamente gosto da sensação de estar respirando água.
Assinto. Fazia mais sentido pra mim agora. Sempre quis deixar a reserva mas nunca consegui realmente fazer isso, tinha medo de deixar a matilha e mais medo ainda de morar em algum lugar que não seja com minha mãe.
— Eu entendo você, acho que é por isso que ainda não fui embora — admito. — Muitos da matilha saíram nos últimos anos, procuravam coisas que a cidade de Forks não podia oferecer. Jake só está em Forks ainda por conta do seu pai, ele teve sorte dos Cullen estarem de mudança para cá e não pro outro lado do mundo. Não sei se ele sobreviveria muito tempo longe da Nessie.
— Não tem vontade de ir embora? — Merliah pergunta.
Fico claramente surpreso por ela se interessar em algo que eu tenha pra falar.
— As vezes sim — respondo. — Tenho pensado nisso já que minha irmã e Alex vão se mudar no fim do verão e minha mãe parece bem com o Charlie. Pensei em ir pro sul, alguma universidade em algum lugar quente para variar.
Ela dá risada e se abraça quando o vento bate em seu corpo. O cheiro que eu já conhecia muito bem vem direto em meu nariz como um lembrete de que esse é o máximo de contato que teria com ela.
— Você tem ideia do que quer fazer?
— Um curso de artes, talvez cinema — digo, colocando meus dedos quentes dentro do bolso. — Gosto de fotografia.
Merliah me encara parecendo um pouco chocada.
— Sério? — indaga.
Assinto.
— Sério.
Ela abre a boca em um "O" perfeito e exagerado. Acho engraçado sua expressão.
— Estou surpresa, pensava em algo com números.
— Deixo essa parte pra você.
Uma risadinha escapa de sua boca.
— Infelizmente eu ficarei com esse fardo.
Fico em silêncio, sem saber o que dizer. Merliah também não fala nada o que nos faz caminhar em silêncio. Tirando o fato de que gostava de ouvi-la falar não é nem um pouco incômodo andar ao seu lado, tê-la por perto acalmava meu lobo. Minha língua começa a coçar para que voltemos a conversar.
— Me desculpa a intromissão mas... Por que simplesmente não faz o que quer?
Ela demora alguns segundos para responder.
— Meu pai me mandou embora para morar com a Rachel quando eu tinha doze, ele achou que era mais seguro pra mim e eu não posso negar que foi mesmo, mas criei uma vida lá. É difícil pra mim pensar em deixar minha irmã, meus amigos, a faculdade e Jam...
E aí está, a vontade de arrancar a cabeça dele volta a me assolar. Disfarço muito bem e finjo costume com tudo isso.
— Pode falar o nome dele, não é como se eu fosse desmoronar.
Ela suspira e assente, continuando a falar.
— Bom, é difícil pensar em deixar o James lá. Ele quer ser químico, fez estágio por muito tempo e tem uma proposta de emprego incrível. Lá tem muitas oportunidades pra ele mas como manter um relacionamento com essa distância absurda? É mais complicado do que parece resolver isso.
— Mas não pode ser infeliz com o que faz pelo resto da vida, pode? — pergunto.
Merliah para de andar e me encara, os olhos parecendo confusos por alguns segundos.
— Eu acho que não — murmura.
Estava prestes a dizer que ela não devia se preocupar com isso quando ouço passos correndo em nossa direção. Meu lobo uiva, se sentindo ameaçado com o barulho mas se acalma quando Denahi entra em nosso campo de visão.
— Ei, aí estão vocês — começa, seu fôlego completamente perfeito, vantagens do lobo. — A Nessie passou mal, vamos ter que leva-la pra casa.
Dou risada.
— Passou mal? — pergunta Merliah, parecendo preocupada.
Tudo que eu consegui fazer foi rir mais ainda. Eu sabia que isso iria acontecer.
— Muitas tequilas, está no banheiro com o Jake — explica e então me encara, não havia humor nenhum em sua expressão. — Vamos?
Demoro alguns segundos para parar de rir e me recuperar. Pigarreio, ignorando o olhar de censura vindo de Merliah.
— Claro.
Espero que tenham gostado :D
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Música: Chasing Cars - Sleeping at Last.
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