EPISODE TWO • nonsense
Na manhã seguinte, Marjorie acordou com o despertador, às seis em ponto.
Ela não era uma pessoa que precisava de muito tempo de sono, geralmente acordava sozinha antes do despertador e usava esse tempo para se arrumar com mais calma. Mas essa manhã, o tempo amanhecia diferente.
Ainda deitada, esticou a mão até a mesa de cabeceira e alcançou sua garrafa, tomando um gole generoso. A água ainda gelada, escorreu pelas laterais da boca e molhou o queixo, a deixando incomodada com a sensação.
Decidindo-se levantar, jogou os cobertores para os pés da cama e se pôs de pé, o fofinho do tapete rosa acariciando a sola. Se arrastou até o banheiro, e encarou o espelho, tendo a visão de si mesma inchada e com cara de sono. Imediatamente encheu as mãos de água e mergulhou o rosto, molhando até as pontas da toca de cetim que usava pra preservar o brilho de seu cabelo.
Já aproveitou que estava no banheiro para fazer sua rotina de skincare e suas necessidades, nem se preocupando em tomar banho porque tinha o feito antes de dormir. Sua pele ainda cheirava o creme que sempre passava depois do banho, mas aproveitou para replicá-lo em todo o corpo, se perfumou com o body splash e espirrou seu perfume em lugares estratégicos.
Marjorie olhou ao seu redor, percebendo que havia esquecido de pegar sua roupa no dia anterior. Então, saiu do banheiro, só de lingerie e foi pro seu closet, já pensando em que roupa usaria.
O clima que preenchia aquela manhã pedia por uma calça, mas uma com bordados de coração em rosa e vermelho fazia mais sua cara. Pegou uma blusa branca simples e decidiu, olhando-se no espelho, que prenderia o cabelo em um meio rabo, deixando sua franja em destaque.
Pausando seu processo, ela olhou para o relógio e percebeu que já eram seis e meia, seu horário para tomar café e acordar Milo, seu chihuahua.
— Milo, hora de acordar. — cantarolou, se aproximando do cachorro que dormia em sua caminha, próxima a porta do banheiro. — Bebezinho da mamãe.
A voz fina despertou o animal, que devagar foi saindo de seu conforto espreguiçando as pernas. Visto que ele já estava acordado, desceu as escadas em direção a cozinha. Ela colocou a porção de reação, no potinho dedicado ao seu pet e abriu a geladeira em busca de algo diferente para comer.
Achou um bolo de bananas caramelizadas e sua barriga roncou, seria um pedaço daquilo o seu café da manhã. Deixando o prato na bancada, se afastou para colocar seu expresso para fazer, não sabia como começar o dia sem um.
Enquanto esperava seu café ficar pronto, sua mente vagava pela paisagem que era possível ser vista pela janela da cozinha e nem imaginava quantas surpresas seu dia teria.
♪⭒
Trancando o carro, Marjorie ficou em silêncio, pedindo para Milo ficar em silêncio também, uma melodia familiar preenchia seu ouvido. Aguçando-o, foi seguindo até a garagem que era onde o som surgia.
Cinco passos até a porta, ela reconheceu como a voz de Julie e decidiu ficar encostada na parede de pedra, dando toda privacidade à amiga. Sabia que aquele momento era dela com seus sentimentos.
Um sorriso leve se fazia presente no rosto, feliz por como sua manhã estava indo, tranquila e em paz. Com Milo em seu colo recebendo carinho, Marjorie aproveitava esse momento junto com a amiga, o coração muito mais tranquilo agora. Não conseguia segurar, mas muitas vezes, ela tomava as aflições e os sofrimentos das pessoas ao seu redor para si, as sentindo como sua própria dor.
Seus olhos estavam fixos no portão, esperando a amiga sair de dentro da garagem para que possam ir pra escola. Mas três meninos surgem como um puf do nada na sua frente, sem abrir a porta.
Os grandes olhos azuis se arregalaram e o queixo caiu, tentando entender o que acabava de acontecer em sua frente. O trio, sem perceber a presença da garota, continuaram a conversa.
— Que merda foi essa? — deixa escapar seus pensamentos, assustando os meninos com o volume relativamente alto. Os dois mais próximos, no susto, seguraram na mão do outro, o que despertou um riso nela. — De onde vocês surgiram?
Ela estava incrédula e espantada, mas ao mesmo tempo maravilhada. Os olhos brilhavam na direção deles, e um sorriso surgia cada vez mais. Marjorie não sabia o que pensar, se ficava assustada ou chocada, mas as duas opções pareciam boas o suficiente.
— Acho que mijei nas calças. — o de jaqueta de couro começou fazendo um drama mas voltou a postura normal, quando a encarou mais uma vez. — Um minuto, você consegue ver a gente?
— Isso fica cada vez mais estranho. — agora o de camiseta rosa surtava, a mão passando pelo cabelo e depois esfregada na calça.
Toda a interação foi interrompida por passos pesados vindos de Flynn, que tentava esconder seu choro, sem nem ao menos encarar o quarteto.
— Ela não viu vocês? — Um vinco se formou em sua testa e seu dedo acompanhou os passos de Flynn até ela entrar na garagem.
Novamente, foi o de camiseta rosa que deu o primeiro comentário.
— Sabe, é uma longa e estranha história.
— Acho que temos tempo, você são o que? Fantasmas? — Marjorie brincou, com um sorriso forçado no rosto. O clima entre eles foi pesando, os meninos desviando o olhar para outros lugares sem ser o rosto da garota. Ela esperava alguma explicação mais plausível e não tão fora da realidade, mas quando a realização caiu por terra, todas as perguntas possíveis passaram por sua mente e nenhuma resposta surgiu.
— Então...
— Não... Isso não é possível — O sorriso caiu e seu reflexo foi chegar mais perto do bonitinho de regata. Se eles fossem fantasmas mesmo, sua mão passaria direto, mas esse pensamento parecia louco demais. Esperando que não estivesse ficando louca por estar falando com "fantasmas", ela rogava para que a pele dele tocasse na dela e tivessem outra explicação para o que aconteceu.
Com dois pequenos passos, sua mão direita se ergueu no ar e antes que chegasse perto o suficiente, sua palma sentiu um frio e sem perder a coragem, soltou o ar e com ele, sua mão.
Encostando na pele fria do presumido, fantasma.
Ela conseguia sentir as veias saltadas, os pelos claros que enfeitavam seu braço e os músculos delimitados, e as unhas arranhavam de leve o moletom sem mangas que ele usava.
Seus olhos arregalaram em pura descrença, agora que sua mão o tocava, o pensamento que eles não fossem fantasmas retornou, os acontecimentos não se encaixavam. Seu olhar saiu de sua mão para encarar o garoto, que já a encarava em choque.
— Olha, acho que vocês não são fantasmas, não. — Marjorie discordou da afirmação deles, um risinho nervoso escapou de sua boca.
— É impossível, a gente morreu, moça. — O loiro de rosa deu uns passos para trás, se distanciando da loira, como se ela fosse o perigo eminente ali. — Temos certeza disso.
Aquilo não parecia ser real, e para confirmar, ela soltou o de regata e tocou na jaqueta de couro do menino ao seu lado, também sentindo a textura velha dela. Dando alguns passos para trás em busca da parede, seu equilíbrio parecia ter ido embora e um apito soava em seu ouvido, Marjorie procurou por alguma câmera, poderia ser só uma pegadinha que estavam fazendo com ela.
— Se vocês são fantasmas mesmo, que tipo vocês são?
— Olha, do tipo que tá morto e que com certeza, ninguém deveria ver. — A fala do regatinha a fez ficar mais branca do que já é e as pupilas dilatam, tornando seu olho azul em preto.
— Ai meu deus, ela vai desmaiar!
O de camiseta rosa ameaça aproximar, mas Marjorie estende a mão num pedido para ficar longe.
— Meu senhor Jesus... — suas mãos vão para a testa afastando a franja, que tornava tudo mais quente. — Eu pedi pro senhor me mandar um anjo, não três fantasmas gatos.
Enquanto Marjorie se perdia em pensamentos, Luke parou para observá-la, procurando algo que os conectassem. O meio rabo deixou o cabelo mais volumoso e a calça bordada trazia uma diversão para o conjunto simples, mas o que chamava a atenção era o exagero no blush que deixava a bochecha ainda maior e os olhos azuis em destaque. Nisso, ele percebeu que seu cabelo não era loiro naturalmente – dado a raiz bem escura em destaque – e que ela era provavelmente, muito rica, pra estar andando com um cachorro dentro de uma bolsa com aparência de cara, igual as madames faziam em filmes.
Encarando-a bem seu rosto, algo nela o lembrava do passado.
De repente, Julie abre a porta do estúdio, saindo de lá com Flynn. Num susto, os meninos se põem em poses como se nada estivesse acontecendo.
A dupla nota a presença da Wilson, que estava numa outra realidade. Percebendo o rosto mais pálido que o normal, um sentimento de preocupação se apossa delas.
— Mar, que bom que já está aqui. — Flynn se aproxima, colando suas mãos nas bochechas e testa conferindo se a amiga não estava com febre. Elas eram assim, podiam estar preocupadas mas agiriam normalmente uma com a outra, evitando perguntas que não queriam partilhar. — Assim, fica mais fácil te contar as novidades.
— Hey, que cara é essa? Até parece que viu um fantasma. — Julie faz graça dos recentes acontecimentos, dando um beijo na bochecha da amiga. Julie não imaginava que Marjorie estaria na mesma situação que ela.
Os olhos de Marjorie caminham devagar até onde os fantasmas estavam, Jules acompanha o olhar e arregala os olhos, percebendo que a melhor amiga também via eles.
Flynn impaciente, agarra a mão de cada uma e as puxa. Julie se distrai dando tchau para os fantasmas, e quando percebe Flynn a encarando disfarça, espantando um mosquito. Marjorie apenas os encarou uma vez, mas não o suficiente para perceber que um deles acompanhava seu andar até a porta vermelha.
Marjorie ainda não entendia o que estava acontecendo, mas sentia seu coração acelerar chamando por algo que não deveria sentir.
♪⭒
Já começando um novo dia letivo, Marjorie acompanhava Julie e Flynn na sala de música, para convencer a Srt.Harrisson trazer Jules de volta para o grupo.
A professora andava entre os instrumentos, deixando uma partitura em cada lugar enquanto escutava as alunas.
— Acredite Julie, acho ótimo que tenha voltado a cantar, rezei por esse momento a quase um ano. - Srt.Harrinson deixa as partituras em cima do piano e suspira. — Mas já é tarde demais.
— Por que você não escuta ela a tocar? Você sabe que ela é incrível — Flynn implora, com o resto das esperanças.
— Não faz diferença, amanhã começa um aluno novo. — Srt.Harrinson explica, o que acaba com a esperança das duas garotas mais novas. Mas a Wilson ainda tinha uma carta na manga. — As vagas são...
— São limitadas, e se eu não participar, eu tô fora. — Julie a interrompe e completa com o mesmo discurso que a professora faz. — Eu sei.
— Eu fiz tudo que podia para te manter aqui esse ano, mas a diretora Lessa foi bem clara. Ontem foi sua última chance, vai ter que tentar no semestre que vem.
— Sabe, Srt.Harrinson, talvez eu possa te oferecer uma certa quantia se você colocar a Julie de volta. — Marjorie propõe, numa falsa distração. Estava quase jogada por cima do piano preto, que costuma usar nos ensaios.
— Eu lamento muito. — A professora ignora Marjorie e se desculpa com as meninas. As duas se abraçam e saem desoladas da sala, deixando para trás a terceira do trio.
— Espera aí, gente. — Marjorie exclama quando percebe que está sozinha na sala. O salto que usava não a atrapalhava para correr até elas. — Juju, precisamos conversar.
Ela aproveita que Flynn já foi para sua aula de matemática e arrasta Julie para o refeitório, em busca de alguma mesa para se sentar e conversar sobre os ditos fantasmas.
Já sentadas numa mesa afastada das portas e longe dos ouvidos curiosos, Marjorie afasta sua franja dos olhos e entrelaça seus dedos na mesa.
— Você consegue vê-los também? — Julie confirma a pergunta, já sabendo sobre qual assunto seria. Sua resposta traz um alívio imediato para Mar, ao menos não estava ficando louca sozinha. — E eles são fantasmas mesmo?
— São, morreram em 1995, aos dezessete.
— Mas não faz sentido, os fatos não se conectam e eles...
— Como assim, Mar, me explica com calma. — Julie pega na mão da amiga e puxa para si, respirando fundo indicando para fazer o mesmo.
Já mais calma, Marjorie explica tudo, desde eles aparecendo na sua frente em um puf até ela conseguindo tocar neles, e Julie escuta calmamente, sem interromper ou fazer perguntas. Ao finalizar a história, Julie expressa suas perguntas:
— Você tem certeza que tocou neles? Por que eu tenho certeza absoluta que eles estão mortos
— Eu só não toquei no de rosa, que eu não sei o nome, ele 'tava meio longe. Mas se a gente encontrar com eles outra vez, eu te mostro.
— O de rosa é o Alex, o de jaqueta de couro é o Reggie e o de regata é o Luke. - Julie informou, dando uma clareza sobre quem eles eram mas o terceiro nome criava uma nuvem de dúvidas em sua cabeça, parecia que alguma informação estava por faltar, e ela nem ao menos sabia de onde vinha aquela curiosidade.
Eles pareciam estranhamente familiares, como se tivesse passado a vida toda os vendo.
Julie continua descrevendo o que aconteceu na noite anterior, com todos os detalhes. Quando a amiga fala o nome da banda que eles formavam, um arrepio percorre a espinha de cima a baixo, o nome estranhamente conhecido.
Talvez tenha visto algo deles nas coisas de seu pai, da época em que ele participava de bandas. Ou na casa de seus avós, nas caixas de coisas antigas que eles têm.
Alguma peça ainda não se encaixava, sobre quem eles realmente são.
♪⭒
Marjorie caminhava rapidamente entre os alunos, durante o intervalo entre duas aulas. Seu tempo estava curto, precisava chegar do outro lado da escola para uma aula de geografia, não que ela realmente queria.
Tentava evitar contato visual com qualquer um, para não chamar conversas até ela. Alguns alunos tinham o costume de querer falar com ela como se ela fosse a diretora, a qualquer horário para reclamar da escola.
Nessas de evitar contato, ela acaba trombando com a pessoa que menos queria ver naquele dia. Seu ex, Matt.
— Marjorie, que bom que achei você. — Ele segura na cintura dela, a impedindo de continuar andando. A Wilson o encara entediada, não seria a primeira vez acontecendo.
— Matt, nós terminamos a um mês. — Ela o lembra, tentando tirar as mãos dele sobre ela, mas ele começa a segurar mais forte. — Você me traiu, caso não esteja nos seus conhecimentos.
— Por favor, Jorie, me perdoe. — Ele se pôs de joelhos, ainda agarrado no quadril dela. — Nós somos feitos um para o outro, eu só estava confirmando isso.
Marjorie, envergonhada pelos olhares que ganhava, perdeu a paciência arrancando as mãos dele de seu corpo e agarrou o rosto sem delicadeza. Sua silhueta era refletida nos olhos de Matt que brilhavam de medo e adoração.
Ela não deixaria esse assunto voltar para sua vida, não logo agora que estava finalmente superando.
— Escuta aqui, não me procure nunca mais. — Marjorie firmou o aperto no maxilar do Rutherford, suas unhas quase perfurando na área perto dos olhos. Sem escutar uma resposta, ela perguntou novamente — Você me ouviu?
Depois que empurrou a cabeça dele para trás, limpou e desamassou a calça olhando mortalmente para cada um que observava o show que o ex fez, fazendo-os desviar o olhar. Respirou fundo com os olhos fechados e quando os abriu, sorriu princesamente com sua calma de volta ao corpo.
Ela desviou do corpo ainda de joelhos a sua frente e caminhou para sua sala, esquecendo a vergonha que havia acabado de passar. Talvez geografia seja uma distração boa o suficiente para afogar seus pensamentos.
♪⭒
Naquela tarde de terça, após as aulas, Marjorie atravessava o jardim da frente da casa de sua avó.
A casa tinha a mesma pintura a anos, o mesmo tapete na porta de entrada e as mesmas almofadas vermelhas na namoradeira trazendo memórias de sua infância, quando esta casa costumava ser lugar de segurança.
Agora mais velha, a casa ainda lhe trás segurança mas também o amor e apoio de figuras paternas, que tanto a fez falta.
Ela abriu a porta com sua própria chave, e caminhou para dentro do hall de entrada, onde deixou suas chaves, no lugar de sempre.
— Oi vó, onde você 'tá? — Ela caminhava em direção à cozinha, onde um jazz baixo soava. O cheiro de bolo de laranja no ar e a música diziam que sua avó estava preparando o café da tarde.
Aquela semana era uma semana difícil, o aniversário do filho dos senhores seria em alguns dias. Dias que costumavam ser cheios de músicas e alegria, tornaram dias de silêncio e luto.
— Estou na cozinha, querida.
Agora a pergunta parecia boba, onde mais sua vó poderia estar sem ser a cozinha?
Marjorie chegou por trás da avó, que cortava as laranjas para a calda e a deu um beijo na bochecha, pedindo bença.
— Sabe vó, eu 'tava precisando de um conselho seu — começou a falar, tirando Milo da sua bolsa e o colocando no chão, que logo correu procurando seu canto. Deixando a bolsa no canto do balcão, ela se encostou ali, de costas para a janela, e observou a vó fazer a calda. — Preciso arranjar um jeito da Jules voltar pro programa de música, te contei que ela voltou a cantar?
— Ela voltou? Que maravilha! — Emily como uma boa vó que era, adorava suas amigas, sempre dando marmitas de comida para elas levarem ou tendo conselhos ótimos para ajudar.
— Pois é, foi hoje de manhã...
Toda sua frase foi interrompida por sua surpresa. Quando se virou para a mesa de quatro pessoas, a cadeira sempre vazia estava sendo ocupada. Luke, o fantasma que conheceu de manhã, estava sentado observando as duas mulheres com os olhos beirando a lágrimas.
Suas testas franzem, cada um se perguntando o que o outro estava fazendo ali e qual a conexão dos dois para terem se encontrado duas vezes ao mesmo dia, sem querer. O azul e o castanho se misturando num mar de dúvidas, e ambas as cores numa profunda procura de respostas.
As peças ainda embaralhadas na mente de Marjorie, parecem tomar a forma de um quebra-cabeça montado quando a presença do fantasma naquela cozinha se torna a peça faltante.
— Marjorie, o que foi? O que você está olhando?
Emily quebra a fossa de pensamentos, tendo finalmente a atenção de Marjorie após tantas chamadas de seu nome sem resposta.
— Nada não, só pensando. Eu vou atender meu celular, já volto.
Ela desconversou, sem tirar os olhos de Luke e saiu da cozinha, fingindo atender alguma coisa no celular apontando com o dedo para o corredor, esperando ele ter entendido o recado.
Caminhando até o final do corredor, tentando ficar o mais longe da cozinha, Marjorie sente a presença de Luke a seguindo. Ela para e encosta na parede ao lado do quarto fechado, observando o caminhar do fantasma. Ela olha as feições confusas, agora reconhecendo de onde vinha suas características tão familiares.
— Então... Você é o Luke.
— E você é a Marjorie, uau — ele diz, ironizando, balançando as mãos ao lado do corpo.
— Isso fica cada vez mais louco. — ela encara o rosto a sua frente, ainda desacreditada da coincidência. O mesmo Luke que aparece na Julie, é o mesmo que ela canta parabéns todos os anos, junto de seus pais.
— Pois é, parece que o universo gosta de brincar com a nossa cara.
Eles se encaram, o olhar fixo no brilho do outro, um sorriso surgindo devagar. Marjorie conhecia muito de Luke, mesmo sem nunca ter convivido com ele e Luke sentia que conhecia muito de Marjorie, ambos conectados pela ironia do destino.
Duas almas, uma única melodia, ecoando pelo tempo do universo.
— Eles tiveram mais um filho?
— Não, não sou neta de sangue, é mais por consideração.
— Então eu conheci seu pai? Porque eu não lembro ninguém que seria tão próximo da gente ao ponto deles te acolherem desse jeito. — Luke deu mais um passo para frente, seu corpo se movimentando a medida que ele falava.
- Acho que sim, meu pai é o...
- Marjorie, vem comer.
A voz da mulher na cozinha os tiraram do mundo que eles haviam criado em sua volta.
— 'Tô indo, vó. — Ela responde a senhora, sem quebrar a troca de olhar. A íris azul vista por baixo dos cílios encantava o mais alto, que tinha que olhar para baixo ao encarar a garota. — Mais tarde, vocês vão estar na garagem?
— Provavelmente — ele dá de ombros.
— Então conversamos mais tarde — ela determinou o fim daquele momento, quebrando a troca de olhar e o desvia, caminhando de volta à cozinha.
Luke não gostando como a conversa tinha terminado, aparece no caminho dela que sem perceber, espera um encontrão mas recebe a sensação gelada por todo seu corpo.
Ela trava no lugar sentindo o gelado se transformar em quente e memórias que não a pertence passar por sua mente. Condimentos de cachorro-quente num porta-malas, o palco do Orpheum, a garagem e os outros meninos que tinha conhecido de manhã, e a porta do quarto fechado.
Marjorie olha para trás, onde Luke estava a encarando com a mesma cara de confuso. De manhã ela conseguia tocar nele até sentir a textura da pele, mas agora ele era como uma frente fria passando por ela.
— Isso é tudo muito estranho.
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