02|ᴅᴇꜱᴄᴏʙᴇʀᴛᴀ.
KUROO SE CONSIDERAVA alguém paciente. Ser amigo de Kenma e capitão do time da Nekoma o moldou dessa forma. Era atento nas necessidades dos companheiros e paciente em ensinar os primeiranistas com calma, — exceto, talvez, com Lev, mas ele era esforçado e isso que importava.
Quando chegou da biblioteca alguns dias atrás, ele havia ficado levemente incomodado com Yumiko. Mas não era um incômodo ruim, era mais curiosidade em saber quem ela é, em conhecê-la melhor.
Kuroo nunca foi de se importar com as pessoas ao seu redor, mas quando se importava, ele tentava ser de alguma ajuda.
Talvez por ela ser uma garota muito bonita e silenciosa, ela roubou sua atenção para ele.
Kuroo a observou se sentar na mesa de sempre após ele ter devolvido o seu caderno, notou que a morena não fazia movimentos desnecessários, como se não quisesse incomodar ninguém, e isso sempre o atiçava ainda mais. Ficou dias pensando na atenção que recebeu dela enquanto puxava assunto; na sua voz baixa respondendo com calma, ou em como estava tensa porém não encerrou o assunto se esquivando.
Tetsurou sabia que tinha conversado muito pouco com ela para ter certeza dessas afirmações, entretanto a certeza dela ser daquela maneira era maior. Por isso passou os restos dos dias pensando na garota de franja com um sorriso tímido.
Naquele instante caminhava para casa ao lado de Kenma. O sol já se pondo quando eles deixaram a quadra. O treino daquele dia havia sido puxado, e enquanto Kuroo se espreguiçava tentando aliviar a tensão nos músculos, Kenma apenas continuou caminhando ao lado dele vidrado no Nintendo que segurava.
— Vai tropeçar se não olhar pro chão, Kenma. — Kuroo provocou rindo quando o meio loiro sequer desviou o olhar da tela.
— Sei para onde estou indo. — resmungou, sem levantar a cabeça. — Diferente de você, que sempre tropeça mesmo prestando tenção.
O capitão da Nekoma revirou os olhos com um sorriso pequeno nos lábios, pronto para retrucar ao lembrar do dia que Kenma caiu de cara no chão depois de escorregar numa pedra. Kuroo o ajudou antes de soltar uma risada escandalosa deixando o mais novo com o rosto ardendo de vergonha e constrangido depois de conferir se o Nintendo não havia quebrado.
Tetsurou nunca riu tanto na sua vida como naquele dia. Porém, mesmo com a resposta pronta na ponta da lingua, ele não retrucou pois seus olhos capturaram uma figura familiar um pouco mais à frente.
Yumiko estava parada na frente de um café conhecido como Grãos de Ouro. Ela conversava com uma garota loira que ele nunca tinha visto antes. O vestido florido que Yumiko usava junto do All Star vermelho a deixou muito bonita, e isso causou um gelar no estômago de Kuroo.
Que porra de sensação era essa?
Os olhos escuros dela estavam completamente focados na amiga, como se nada mais existisse ao redor. A outra garota movia as mãos rapidamente enquanto falava, e Yumiko parecia absorver cada movimento com extrema atenção.
Ao lado delas, tinha um cachorro de porte médio, com pelo caramelo dourado e uma bandana no pescoço, estava sentado observando a rua com atenção. Quando Kuroo o encarou, percebeu que o animal o observava de volta, como se tivesse percebido sua aproximação antes mesmo dele decidir ir até lá.
Kenma continuava o caminho antes de parar após perceber que Kuroo havia ficado para trás. Se virou para ele com o cenho franzido seguindo o olhar dele encontrando as garotas.
— Que porra você esta olhando? — o questionou vendo-o abrir um sorriso, isso só fez Kenma enrugar ainda mais as sobrancelhas. — Você está parecendo um psicopata agora, Kuroo.
— Só encontrei uma conhecida. — respondeu com graça na maneira que Kenma o chamou.
— Quem? — perguntou inclinando a cabeça na direção das garotas enquanto encarava Kuroo arrumar o cabelo. Kozume soltou uma risada pois aquilo não adiantaria de nada.
— Yumiko, a garota da biblioteca. — respondeu fazendo os olhos de Kenma se arregalarem levemente.
Escutou sobre ela por dias e em todas Kuroo parecia mais fissurado nela, o que era estranho pois sempre tinham garotas se confessando para ele e Tetsurou nunca retribuiu os sentimentos.
Kuroo nunca foi de namorar e de muito menos de flertar. As pessoas tinham uma imagem dele sendo um grande pegador, já que ele era capitão do time de vôlei, mas mal sabiam que Kuroo era péssimo nesse assunto e muito inexperiente.
— Ei! Yumiko! — Ele gritou pela garota erguendo a mão em um aceno casual.
Porém, ela não respondeu.
A garota loira, no entanto, olhou diretamente para ele. Seu olhar afiado, quase acusatório, fez Kuroo hesitar por um instante. Ela cruzou os braços, ignorando completamente sua presença voltando seu foco para Yumi sem sequer mencionar que ele estava ali. — Natsu estava protegendo a amiga achando que ele estivesse zombando dela.
Kuroo piscou, incerto. No inicio, pensou que talvez a morena estivesse tão distraída que simplesmente não o ouviu. Mas quando a chamou novamente e, mais uma vez, não teve nenhuma reação, um incômodo estranho cresceu em seu peito.
— Ela não pode te ouvir, garoto. — uma voz rouca e amigável soou ao seu lado.
Kuroo se virou, encontrando Hiroshi, o dono do café. O homem era um senhor de idade, sempre sorridente. Ele tinha o hábito de dar descontos para estudantes que frequentavam o lugar, e o capitão da Nekoma sempre se entupia de bolinhos e biscoitos que eles faziam baratinho para ele.
Mas naquele momento o garoto estava surpreso demais para conseguir cumprimentar apropriadamente o senhor.
— Como assim? — questionou com a voz saindo mais baixa do que pretendia.
O senhor suspirou limpando as mãos em seu avental com toda a calma do mundo. Fez um semblante levemente entristecido antes de respondê-lo:
— Yumiko é surda. Por isso não te escutou a chamando. — explicou com paciência, lançando um olhar cuidadoso para a garota que continuava alheia à conversa.
Aquilo foi como um soco no estômago de Kuroo. Puta merda.
O moreno piscou algumas vezes, absorvendo a informação, e então fitou novamente Yumiko, vendo-a sob uma nova perspectiva. De repente, tudo começou a fazer sentido: a forma como ela observava tão atentamente as expressões das pessoas, o jeito que demorava um pouco para responder, como ela tinha cuidado nas coisas.
E então, se lembrou da noite de quando ofereceu seu guarda-chuva e ela simplesmente saiu correndo no temporal.
Ela não havia ignorado sua gentileza. Ela simplesmente não ouviu.
Puta merda.
Uma sensação estranha o preencheu. Não era pena, não era desconforto, mas algo novo, algo que ele não sabia como nomear ainda. Ele olhou para a garota novamente e, sem perceber, um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.
— Então é por isso... — murmurou para si.
O senhor Hiroshi deu um tapinha em seu ombro antes de voltar para dentro do café, deixando Kuroo parado ali, encarando Yumiko com um novo tipo de admiração. Kenma que prestou atenção na conversa toda, deu um leve empurrão nas costas de Kuroo enquanto suspirava já cansado do que estava por vir.
— Vai até ela. — o meio loiro murmurou arrancando uma expressão surpresa do moreno, isso só o fez revirar os olhos fortemente arrancando uma risada de Kuroo.
Tetsurou arranhou sua garganta, nervoso antes de ir até Yumiko. Kenma estava o seguindo em passos preguiçosos, mas isso ajudou o moreno a ter um pouco mais de coragem.
Ele tentava parecer mais confiante do que realmente estava. Não sabia exatamente como abordar Yumiko agora que sabia da sua surdez, mas uma coisa era certa: desistir não era uma opção, mesmo que estivesse morrendo de medo. Com passos largos, caminhou até ela, ignorando a risada baixa de Kenma.
Yumiko conversava com Natsu contando sobre algumas fofocas que descobriu na escola de sinais. Kuroo hesitou por um segundo, mas então pigarreou, tentando chamar sua atenção, — apenas para se lembrar no instante seguinte que isso não faria diferença alguma.
Antes que pudesse dar mais um passo, o cachorro ao lado da morena se levantou de repente e começou a encará-lo com as orelhas atentas e o rabo ligeiramente abanando. Kuroo ficou confuso com a reação do animal que parecia atento demais a ele travando com medo de levar mordida.
Até o cachorro simplesmente avançar em um movimento certeiro e enfiar o focinho bem no bolso da calça do capitão da Nekoma.
— Opa! Ei! — Tetsurou deu um pulo para trás, quase tropeçando nos próprios pés. — O que é isso, cara?
Natsu desviou seus olhos para a cena com uma sobrancelha arqueada antes de soltar uma gargalhada alta. Yumiko ficou confusa com a risada da loira pois comentava do funeral de uma tia distante que aconteceria em uma cidade próxima de Tóquio.
— Natsu, eu sei que você tem riso frouxo, mas isso não é algo para se rir. — diz Yumiko alheia, segurando seu sorriso pois ela também não conseguia ficar seria independente do momento.
— Não é isso, Yumi. Olha para trás. — diz Natsu entre risadas dificultando um pouco a leitura labial da morena, porém mesmo sem entender, se virou encontrando um Kuroo desesperado sendo atacado por Paçoca, seu cão-guia.
Yumiko arregalou os olhos antes de salvar o garoto. Pegou na coleira de Paçoca tentando acalma-lo enquanto fazia cafuné afastando ele de Tetsurou.
Kuroo sentiu o rosto arder. Agora muito mais nervoso em conversar com ela. Acenou exageradamente para Yumiko arrancando outra gargalhada da amiga loira, e dessa vez Kenma acompanhou.
Puta que pariu.
— Meu Deus, que cena patética. — Kozume disse chocado com as vergonhas seguidas de Kuroo.
— O cara tava tentando falar com você antes de perder pro Paçoca. — Natsu disse em libras fazendo Yumi rir da situação.
Mesmo diante daquela cena constrangedora pra caralho, Kuroo se sentiu um pouco vitorioso por fazê-la rir. Suspirou mais calmo dizendo com o rosto queimando de vergonha:
— Eu estava passando quando te vi e queria te dizer oi. — falou lentamente observando os olhos escuros bonitos fitarem seus labios causando um forte acelerar de seu coração. Yumiko franziu o cenho surpresa pelas palavras.
— Oi. — soltou uma risada ainda com a confusão em mente.
Parecia que agora ele tinha consciência da sua surdez.
Yumi nunca soube ao certo como se sentia quando alguém descobria sobre sua deficiência. Algumas pessoas ficavam desconfortáveis, outras demonstravam uma curiosidade quase infantil, e havia aquelas que a tratavam como se fosse de vidro, frágil demais para lidar com a própria realidade.
Ela já tinha visto de tudo. O olhar de pena, os sorrisos hesitantes, os gestos exagerados como se precisassem gritar através de expressões para que ela entendesse.
Depois do acidente, sempre soube que seria diferente, mas não gostava da forma como os outros faziam questão de lembrar isso o tempo todo.
Por isso, quando ele começou a conversa, Yumiko ficou surpresa, porque ele parecia genuíno sobre a sua surdez.
— Seu cachorro parece com um guarda-costas. — Kuroo falou fitando o animal, Yumi acompanhou seu olhar até o cão e sorriu, passando a mão sobre a cabeça dele antes de levantar o rosto para Kuroo dizendo devagar:
— Ele é o Paçoca, meu cão-guia. Então meio que é o trabalho dele ser o meu guarda.
Kuroo observou o esforço da morena em falar pausadamente. Ela estava tentando facilitar a comunicação, do mesmo jeito que ele queria fazer.
-— Esse atrás de mim é o meu melhor amigo, Kenma. — o capitão ditou as letras do nome do meio loiro para Yumiko entender melhor, ela sorriu minimamente pela atenção dele nesse detalhe. — E o meu nome é Kuroo Tetsurou. — se apresentou para Natsu que acenou educadamente ainda segurando a risada de toda a situação envolvendo Paçoca.
Yumiko desviou o seu foco para os olhos o meio loiro que estava um pouco atrás do moreno, sorriu educadamente para ele que retribuiu o aceno. Ele parecia ser o completo oposto de Kuroo, e isso só a fez ter uma pequena ligação invisível com Kozume pois era assim entre ela e Natsu.
— É um prazer te conhecer Kenma, eu sou a Yumiko, e essa daqui que não parou de rir até agora é a minha melhor amiga Natsu.
— Um prazer conhecer vocês, Kuroo e Kenma. — disse Natsu com graça estampada no rosto — Me desculpa por ter te encarado feio naquela hora, mas você também não se ajuda, né? Foi chamar logo a Yumi. — Apontou para a morena que revirou os olhos antes de soltar uma risadinha.
— Eu não sabia, só descobri depois que o senhor Hiroshi me contou. — voltou a fitar os olhos da morena que já estavam focados nos seus, Kuroo engoliu em seco por eles serem tão intensos. — Me desculpa pelo dia da biblioteca, Yumiko. Eu tava enchendo seu saco sem mesmo saber.
Natsu arqueou a sobrancelha. Biblioteca? Então era ele o garoto que devolveu o tesouro de Yumi que ela comentou alguns dias atrás...?
Yumi evitou olhar para a loira pois sabia que ela estava com aquela expressão de questionamento. A Shinkai se sentia levemente feliz por estar conversando com alguém além da amiga, por isso decidiu ignorá-la.
— Tá tudo bem Kuroo. — o garoto segurou o sorriso pelo quão gostoso a voz dela soou o seu nome. — Peço desculpas também, estava bem estressada naquele dia e acho que descontei em você, nem que tenha sido um pouco.
— Não acho que tenha. — murmurou sorrindo para ela.
Yumiko era mesmo muito bonita. A franja um pouco bagunçado, as bochechas queimadas do sol e o olhar sempre atento e intenso fazia todo o ar de Kuroo sumir em vê-la, como na primeira vez que realmente prestou atenção nela.
Por isso, ele não pensou antes de perguntar:
— Quando estiver na biblioteca da dona Chiyo, eu posso me sentar com você?
Yumiko travou. Como se o fato dela ser surda não fosse uma barreira para Kuroo.
Mas ela sabia que não era assim.
Com o tempo, aprendeu que mesmo aqueles que tinham boas intenções acabavam se afastando. Não porque queriam, mas porque era difícil. Ela já tinha ouvido coisas como "É complicado conversar com você.", "Eu esqueço que você não pode me ouvir.", ou o terrível "Eu não sei como te incluir nisso."
Palavras que se grudavam em sua pele e queimavam sempre quando alguém se aproximava, como um lembrete incômodo de que, para muitos, ela era um peso.
E se Kuroo for igual?
Por um momento, a insegurança tomou conta. Ele parecia diferente, mas e se, no fundo, fosse como os outros? E se, depois de alguns dias, ele percebesse que era cansativo demais ter que olhar para ela o tempo todo para que fosse entendida? E se começasse a falar do jeito normal, esquecendo que ela não podia ouvir?
Ela odiava sentir isso, sentir que não queriam compreendê-la.
Ainda assim, quando Kuroo esperou pela resposta, sem pressa, sem impaciência, Yumiko hesitou apenas por um segundo antes de assentir sorrindo forçadamente enquanto ignorava as vozes de sua cabeça gritando para se manter distante.
Se ele fosse como os outros, ela se afastaria. Como sempre faz.
Mas, por ora, queria acreditar que talvez — só talvez — Kuroo fosse diferente. E ela torceria por isso.
— Eu vou gostar.
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