036 - Consternação
“A vida não é medida pelo tempo. Ela é medida por momentos."
- Armin Houman
Consternação - causar ou experimentar grande tristeza.
— Claro — a voz de Archer era quase um sussurro. Fiz contato visual com o chefe, grata por sua consideração e ajuda.
— Obrigada — lancei-lhe um pequeno sorriso. — Por tudo.
— Desejo a você um futuro melhor, nos deixe orgulhosos — ele assentiu.
Uma pequena lágrima escapou de mim quando me virei para olhar para Archer. Ele pegou minha mão e nos guiou pelo corredor. Meus olhos vagaram pelo vasto corredor - passando como um borrão. Meus olhos caíram nas fileiras de cadeiras reservadas para os pacientes.
Costumava haver um garoto careca e com olhos turquesa. Ele sempre olhava para mim quando eu o visitava e me dava um sorriso.
Parei Archer, puxando seu braço. Andei até o garoto da enfermaria, minhas pernas tremiam.
— Você conhece o garoto que costumava sentar aqui? — engoli a rouquidão que se incrustou na fenda da minha garganta. — Olhos azuis, cabeça careca. Cerca de cinco ou seis anos de idade?
Ele ajeitou os óculos e franziu a testa para mim.
— De qual garoto você está falando, senhorita?
— Um careca, mais ou menos desta altura? — mostrei a ele a altura estimada do garoto.
— Ah, o nome dele era Jake. Ele tinha câncer no sangue.
Fiquei de coração partido quando seu nome foi mencionado no passado.
— Ele-foi?
— Ele faleceu há uma semana.
Fechei os olhos, as palavras me picando. Talvez o garoto fosse apenas uma lembrança passageira, como ondas correndo em direção à praia e depois desaparecendo, deixando apenas um rastro de sua existência.
— O-obrigada — murmurei, virando as costas e caminhando até Archer, meus punhos cerrados.
— Ele morreu — sussurrei para Archer. — Ele—
— Lô — Archer sussurrou. — Vamos.
Um soluço escapou de mim quando coloquei a mão sobre a boca, lágrimas frescas se misturando às secas.
— Tudo está dando errado — minha voz estava pesada. — Tudo.
— Tenho certeza de que aquele garoto está em um lugar melhor — ele soltou um suspiro trêmulo. — Um lugar melhor do que esta casa de tortura com cheiro de antisséptico.
Balancei a cabeça, minha mente era uma bagunça confusa. Eu estava presa em uma sequência de aflição, uma picada que me controlava como uma marionete.
Eu me senti como uma marionete, uma boneca quebrada que estava sendo controlada por algum marionetista desconhecido. Eu não tinha controle sobre os eventos ou as calamidades que vinham uma após a outra.
Meu mundo de cores parecia muito nauseante, muito sufocante, muito realista. Eu queria Ares, eu queria viver em sua escuridão.
Minhas cores pareciam opacas, eu queria o mundo vazio de qualquer coisa.
Paramos em frente à sala de cirurgia, que ainda estava em andamento. Olhei para a lâmpada vermelha, meus olhos vazios, meus dedos brincando com o medalhão.
Minutos se passaram, ou foram horas? Fui aconselhada a sentar por Archer, meus olhos nunca deixaram as portas fechadas.
Finalmente, a luz se apagou e as portas se abriram.
Observei o Dr. Johnson falar com Archer, seu pequeno sorriso confirmou que a cirurgia ocorreu bem.
Levantei-me e caminhei até ele. Seus olhos se arregalaram quando caíram sobre mim
— Loren? — ele piscou com descrença. — Ei! Há quanto tempo. O que aconteceu com seu pescoço?
Engoli em seco, incapaz de encará-lo.
— Espero... que não tenhamos nenhum ressentimento entre nós.
Seus olhos vagaram de Archer para mim, surpreso.
— C-Claro, mas… por quê?
— Estou indo embora em breve — nenhum traço de emoção permaneceu em minha voz enquanto eu olhava para ele. — Espero que não tenhamos nenhum mal-entendido entre nós em relação a—
— O quê? Não — ele riu. — Absolutamente não! Embora eu esteja bastante desanimado que você esteja indo embora logo, você foi uma grande ajuda, especialmente quando eu estava apenas começando. Não posso agradecer o suficiente por isso.
Eu o ajudei muito com os pacientes e muitos outros residentes também. Eles frequentemente tinham dificuldade em aceitar ordens dos residentes mais velhos e enfermeiros.
— Uh- na verdade — ele coçou a nuca. — Depois do nosso último encontro eu meio que percebi que não tinha sentido em perseguir você. Você é melhor sozinha e... eu meio que encontrei alguém.
Um pequeno sorriso surgiu em meus lábios.
— Desejo a você tudo de bom com sua parceira.
— Ela é uma boa pessoa — ele sorriu timidamente. — Esperamos nos casar algum dia.
Fiquei perplexa com o quão complexo era o conceito de vida. Alguns de nós estavam de luto pela perda de nossos entes queridos, alguns de nós estavam tricotando os sonhos de estar com a pessoa pela qual orávamos.
Injusto. Muito injusto
— Desejo o melhor para o futuro, Loren. Sei que um dia você será uma ótima médica.
Eu assenti enquanto ele me deu um último sorriso e foi embora.
— Foi um sucesso — disse Archer. — Ele foi transferido para a cabine normal, embora tenham dito que ele permanecerá inconsciente por um tempo devido à perda de sangue.
Eu assenti enquanto ele me levava para uma cabine particular, meu coração batendo dolorosamente.
Ele abriu a porta de vidro, me levando para dentro.
Preso aos fios e máquinas apitando, Ares Estevan nunca pareceu mais fraco. Sua pele ainda não havia recuperado a cor que havia perdido, sua perna estava envolta em bandagens. Uma enfermeira cuidou dele.
Uma gota de lágrima escapou de mim quando puxei uma cadeira e sentei ao lado de seu corpo inconsciente.
Uma gota se transformou em várias gotas, e logo eu estava chorando. Eu estava chorando enquanto o via.
— Senhorita, você não pode—
— Deixe-a — Archer interrompeu.
O som da porta abrindo e fechando ressoou enquanto fomos deixados sozinhos. Ele e eu.
Ele parecia tão em paz assim. Tão em paz, como se estivesse dormindo e tendo um sonho lindo.
As palavras me faltaram, tudo o que restaram foram lágrimas. Peguei sua mão na minha delicadamente e dei um pequeno beijo nas costas dela.
Segurei-o contra minha pele enquanto chorava, buscando conforto em sua escuridão.
— Você vai se lembrar de mim? — sussurrei.
O ritmo constante do monitor holter pairava no silêncio como uma melodia.
Eu queria dizer tantas coisas. Eu queria agradecer a ele por me salvar duas vezes. Eu queria agradecer a ele por me entender. Eu queria agradecer a ele por não me julgar. Eu queria agradecer a ele por me curar.
— Quero te dizer que você é o ser humano mais perfeito que já conheci, Ares — meus lábios tremeram enquanto eu falava.
— Mesmo que nossos caminhos não se cruzem novamente, mesmo que você me esqueça por mim, você sempre será o único. Mesmo que eu seja um outono passageiro para você, você será para sempre minha primavera.
Beijei seus dedos, meu corpo tremendo com os pequenos gemidos que escapavam dos meus lábios.
— Eu vou te encontrar, mesmo que você não me encontre — olhei para o pequeno pingente pendurado no meu pescoço. — E espero que você seja feliz no tempo em que eu estiver fora. Sejam dias, meses, anos ou uma vida inteira. Mesmo que eu não seja lembrada, rezo para que você encontre alguém que pense em você como Ares, que veja a beleza em suas cicatrizes.
Um sorriso presunçoso surgiu em meus lábios.
— Embora eu duvide muito que alguém possa admirá-lo tanto quanto eu.
Inclinei-me para baixo, acariciando seus cachos macios, brincando com eles. Tracei sua sobrancelha e então suas pálpebras fechadas, observando-o uma última vez
— Recupere-se rápido — sussurrei, dando um beijo em sua testa. — Tenho a sensação de que seu 28º doador será compatível com você. Recupere sua visão e, da próxima vez que eu te ver, quero que você me veja também.
Minhas bochechas estavam pesadas, uma gota de lágrima caiu em sua pele. Eu a limpei, sorrindo e chorando ao mesmo tempo.
— Loren — a voz de Archer soou da porta. — Não temos muito tempo.
Olhei para ele, enxugando minhas lágrimas e concordando, olhei de volta para Ares que ainda parecia estar dormindo pacificamente. Um suspiro escapou de mim enquanto eu tirava a fita azul que prendia meu cabelo e a amarrava em seu pulso.
— Eu voltarei — afastei seu cabelo. — Eu prometo.
Talvez o que tivemos tenha sido efêmero, mas para mim valeu uma eternidade.
Levantei-me e lancei-lhe um olhar demorado, minha alma se despedaçando.
Eu me afastei lentamente, deixando meu coração para trás.
— Eu fiz todos os arranjos para você embarcar, o palpite do chefe estava certo — Archer falou lentamente, pânico impregnando sua voz. — O vídeo foi enviado para um detetive. Você precisa sair deste lugar o mais rápido possível. Estou tentando lidar com isso.
— O que acontece agora?
— Você vai embora e eu tento remover esse vídeo junto com qualquer outra informação sua que possa ter vazado — ele suspira. — Felizmente, tenho algumas conexões com a polícia, então não deve demorar.
Eu assenti.
— Também isso aqui — ele me entregou um telefone novo. — Use este telefone e, se possível, jogue aquele telefone fora. Ele tem novos números e tudo. Tenho meu contato salvo lá e tenho o seu também. Qualquer problema, é só me ligar.
— Quando vou embora? — minha voz estava rouca, eu precisava de um longo sono.
— Possivelmente hoje à noite. Iremos até a mansão, pegaremos o essencial e partiremos no primeiro voo.
Meus olhos voltaram para o quarto uma última vez.
Uma brisa fria sussurrou por mim. O inverno estava se aproximando.
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