𝚎𝚒𝚐𝚑𝚝

Quando a última aula da manhã acabou, você percebeu uma coisa: não tinha prestado atenção em nenhuma palavra que Aizawa falou. Na verdade, nem percebeu quando o seu nome foi chamado para a ata. Mina teve que lhe cutucar três vezes para que você gritasse "o que foi, porra?" e Aizawa tomou isso como um "presente, professor".

Nem Mina nem Jiro lhe fizeram perguntas. Elas sabiam o motivo de você ter passado a manhã inteira aérea. Aquele dia era segunda-feira. O dia em que você combinou de conversar com Keigo sobre o que aconteceu na festa de Toya.

Você tinha passado o resto do feriado se preparando mentalmente para isso. Suas amigas até lhe ajudaram com simulações de como poderia ser a conversa. Mas não adiantou.

Seu hálito estava fedendo a cigarro e você teve que ir no banheiro escovar os dentes e passar enxaguante bucal antes de se encontrar com o loiro. Sua evolução de ir cortando a nicotina aos poucos foi por água abaixo nos últimos dias.

Aproveitou para também jogar uma água no rosto, sem se importar com o fato de que teria que tirar a maquiagem básica que usava de manhã, principalmente naquele dia, em que você parecia literalmente um zumbi por não ter dormido nada na noite anterior. Keigo já tinha lhe visto de formas piores de qualquer forma.

Bateu em cada uma das suas bochechas, com ambas as mãos ao mesmo tempo, se arrependendo na hora pela força exagerada que tinha colocado. Depois, ergueu a cabeça e saiu do banheiro feminino.

O caminho até a sala abandonada nunca tinha sido tão longo e seus pensamentos nunca tinham sido tão altos. Era insuportável.

— Oi, linda — Você ouviu a voz de Keigo assim que abriu a porta e passou por ela, a fechando logo em seguida.

Olhou ao redor antes de responder. Somente o loiro estava ali. Então, aparentemente, Toya não faria parte da conversa.

Graças a Deus.

Oi, Keigo — Sua voz saiu mais baixa do que você pretendia e tinha consciência de que o sorriso no seu rosto era falso e tendo demais para que ele acreditasse.

Hawks podia ser um cara que você pegava de vez em quando, mas ele não era só isso. Acabaram virando amigos (com benefícios) ao longo do tempo. Ele lhe conhecia melhor do que muita gente. E você não achava que queria perder isso.

Você se aproximou em silêncio, pegando uma cadeira perdida e colocando a poucos passos perto de onde ele próprio estava sentado. Se sentou nela e esperou, ansiosa.

— Você quer falar ou perguntar alguma coisa antes que eu comece? — Aparentemente, você não era a única nervosa naquela sala.

Seu olhar desviou o dele e encarou uma parede, pensativo. Tinham tantas perguntas na sua cabeça que estava até começando a doer. Mas resolveu começar pelo início.

— Vocês já tinham feito isso antes?

— Não — A resposta dele foi quase imediata e, muito diferente do que normalmente acontecia, Keigo não estava com um sorriso divertido e simpático no rosto. Estava sério — Foi a primeira vez que isso aconteceu.

Primeira, não única — Você pensou, mas manteve isso na sua própria cabeça.

— Vocês já tinham conversado sobre fazer aquilo?

— Já.

Aquilo lhe pegou um pouco de surpresa, fazendo com que seus olhos se voltassem na direção dele de novo. A forma como o loiro tinha se juntado a você e Toya naquela noite foi realmente estranha, como se tudo já tivesse sido combinado. Não era para a resposta dele ter lhe surpreendido, mas você não conseguiu evitar que arquear as sobrancelhas e arregalar levemente os olhos.

Quando percebeu que você não iria falar mais nada, ele continuou:

— A gente queria testar um a três — Ele deu levemente de ombros — Era mais por curiosidade do que por outra coisa.

— E vocês já sabiam que ia ser comigo?

— Eu tinha dado a ideia de ser você e Toya aceitou na hora.

— Por que eu?

Dessa vez, ele demorou um pouco para responder. Você percebeu as bochechas dele corando um pouco e o olhar dele desviando do seu. Eram raras as vezes que Keigo ficava constrangido.

— Porque eu confio em você — Ele coçou a nuca com uma das mãos, ainda não olhando na sua direção — Eu não sabia se você ia concordar ou não com aquilo, mas eu tinha certeza de que, se eu pedisse, você não iria sair contando pras pessoas — Um suspiro pesado escapou dos lábios dele, como se ele estivesse cansado — Eu imagino que muita gente ia adorar espalhar por aí que fez um a três com o capitão e o vice capitão do time — Os olhos dele se voltaram na sua direção de novo, mais determinados dessa vez — Mas eu sei que você não é assim.

Você não só deixaria de espalhar isso por causa dos sentimentos de Keigo e Toya. Não queria que as pessoas descobrissem sobre o a três por motivos muito mais egoístas. Sua reputação na universidade já era uma merda, se as pessoas descobrissem o que tinha acontecido, só pioraria as coisas para o seu lado. Muitas meninas já tinham raiva de você por ficar com Keigo, imagina que elas descobrirem que você também ficou com Toya.

Com certeza, seria um desastre.

— Você podia ter me falado isso antes — Sua voz saiu fraca, mas você ainda olhava na direção dele — Vocês dois meio que me encurralaram no meio da situação. Se tivessem vindo falar comigo antes, minha resposta seria a mesma.

— Eu sei — Ele passou as mãos pelo cabelo, obviamente ansioso — Eu percebi isso assim que vi que você ficou chateada saindo do quarto — Um suspiro pesado escapou dos lábios dele — Me desculpa, linda. De verdade, mesmo. Espero que você não tenha feito aquilo só por ter se sentido pressionada.

— Eu não fiz — Você respondeu, porque era verdade. Tinha feito aquilo porque quis e não para agradar alguém — Também não me arrependi de ter feito — Foi a sua vez de coçar a cabeça, levemente desconcertada — Eu só não sei muito bem como processar tudo... Não me leve a mal... Foi muito bom... Eu só...

Estava sendo difícil lidar com as palavras naquele momento, então você só se calou.

— Não precisa me explicar nada agora — Finamente, o nervosismo e a ansiedade pareciam ter saído do corpo dele, dando lugar para aquele sorriso encantador e confiante de sempre — Eu espero até você querer conversar sobre isso. Mas, até lá, as coisas tão tranquilas entre a gente?

— Estão sim — Seu sorriso também foi mais sincero dessa vez.

— Então... só mais uma coisa — Você revirou os olhos de brincadeira ao ouvir a fala dele — Toya também ficou preocupado com você, mas eu achei que você ia ficar mais confortável se fosse só eu e você hoje.

— Eu vou conversar com ele depois, não se preocupe.

— Beleza.

Ele ficou lhe encarando, com aquele ar esperançoso que ele sempre tinha quando queria algo de você, mas era educado demais para pedir em voz alta. Por mais que não aparentasse mais, você sabia que Keigo ainda estava levemente nervoso. Mesmo que a conversa tenha sido rápida e tranquila, sabia que ele tinha medo de que as coisas ficassem estranhas entre vocês.

Por isso, colocou o seu sorriso mais tranquilizante no rosto e andou até ele. Quando chegou bem perto, uma de suas mãos foi parar na lateral do rosto dele, fazendo um carinho com o polegar na bochecha dele. Ainda que a relação de vocês seja majoritariamente ligada ao sexo, momentos como esses não eram tão raros.

Você se aproximou, depositando um selinho demorado nos lábios dele, que foi rapidamente retribuído por ele. As mãos de Keigo foram parar na sua cintura, mas ele não lhe pressionou contra o corpo dele. Foi mais uma demonstração carinhosa do que o início de um sexo violento na antiga mesa do professor.

— Eu tenho que ir — Você disse, quando seus lábios se descolaram — A gente pode ir em algum bar no final de semana.

— Claro — As mãos dele saíram da sua cintura, mas não antes de ele depositar um beijo casto na sua bochecha — Eu te mando mensagem.

Você sorriu. Talvez as coisas pudessem voltar ao normal no final das contas.

Se despediu dele e saiu da sala, seguindo pelo corredor já quase vazio do quarto andar. Queria ir para casa e tomar um banho. Deveria dar uma estudada, já que não prestou atenção em absolutamente nada das aulas daquela manhã. Talvez começasse um livro de romance novo também. Fazia tempo que você não lia um.

— Conversando com o capitão sobre o seu a três?

Aquilo fez você arregalar os olhos e parar de andar no mesmo instante. Nem precisava se virar para ver quem tinha falado. Reconheceria aquela voz em qualquer lugar. E, depois de encarar aquelas íris vermelhas, você olhou em volta para se certificar de que não tinha mais ninguém naquele corredor.

Com uma mão, você empurrou o loiro contra uma das paredes do corredor, ficando bem na frente dele. A proximidade dos seus corpos não lhe deixava desconfortável. Na verdade, achava que vocês nunca tinham ficado tão próximos assim.

— Qual é a porra do seu problema? — Você disse, antes que os seus próprios pensamentos vacilassem com você.

— Como assim?

— Puta que pariu, Katsuki.

Você falou o nome dele de novo. E ele percebeu isso.

Eu sei que você me odeia muito — Ele quase abriu a boca para lhe corrigir, mas não teve coragem de falar isso. Era melhor que você achasse que ele lhe odiava a saber o que ele realmente sentia por você — Mas, pelo amor de Deus — Sua voz era baixa, com medo de que alguém lhe ouvisse — Será que você pode, por favor, não falar sobre isso mais nunca em voz alta?

— E por que eu faria isso?

— Porque eu tô literalmente implorando — Você sabia que a expressão no seu rosto era de completo desespero, muito diferente da expressão neutra que tinha no rosto dele — Eu juro que faço o que você quiser. Só, por favor, eu não posso deixar que ninguém mais saiba que aquilo aconteceu.

— Então aquilo aconteceu só uma vez? — Ele não sabia explicar porquê essa pergunta tinha saído da boca dele. Não era da conta dele com quem você transava, ou se era com mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

— Olha, eu realmente não quero falar sobre isso com você, tá bom? — Quando a expressão dele não cedeu, você suspirou fundo — Eu não sei, Katsuki. Eu fiquei surpresa com o que aconteceu e ainda tô confusa. Preciso pensar sobre isso com calma e com certeza não vai me ajudar em nada saber que você pode sair por aí a qualquer momento e espalhar pra universidade inteira que eu fiz um a três com o capitão e o vice capitão do time, que nem a puta que você acha que eu sou.

— Eu nunca te chamaria de puta por aí — Ele disse, com uma sinceridade tão forte que atingiu até os seus ossos.

— Mas você vive me chamando de puta.

— E você disse que eu sou bonito pras suas amigas — Seus olhos se arregalaram no mesmo instante. Você ia matar Mina e Jiro — Mas isso não significa que você realmente acha aquilo.

Suas sobrancelhas se franziram. Que porra de conversa era aquela? Ele primeiro lhe provocou e agora estava envergonhado?? Bakugou esperava uma confissão de que você realmente achava ele um dos caras mais atraentes que você já viu em toda a sua vida?

Ah, que se foda. Se isso impedisse ele de sair por aí contando sobre o seu a três, estava tudo certo.

— Eu acho você bonito mesmo — Disse, como se não fosse nada demais, ainda que você estivesse queimando por dentro ao admitir aquilo em voz alta na frente dele. Por fim, deu de ombros — Você tem um espelho em casa. Sabe que é bonito. Mas ainda acho sua personalidade pobre.

— Vai se foder.

Mais uma vez no dia, os seus olhos se arregalaram. Porque, por mais que ele tivesse acabado de falar um "vai se foder" para você, tinha um leve sorriso brincalhão nos lábios dele. Era a primeira vez que isso acontecia. Os insultos de vocês nunca foram dirigidos com tons de piada ou brincadeira. Eram sempre sérios e os mais ofensivos possíveis.

Mas ali estava ele, com um sorriso divertido nos lábios. E você não conseguia desviar o olhar. Definitivamente, ainda bem que Katsuki não sorria com frequência. As pessoas ficariam tontas ao passar por ele... porque puta que pariu... que sorriso.

— Eu... — Você se forçou a parar de olhar na direção dos lábios dele, mas o loiro já tinha percebido. Isso fez com que fosse impossível para ele tirar o sorriso do rosto — Eu preciso ir — Conseguiu falar, depois de respirar fundo — Por favor, não conte pra ninguém sobre isso.

— Tudo bem — O sorriso sumiu, mas um dos cantos da boca dele ainda estava puxado para cima, como se ele estivesse se controlando para não sorrir de novo — Mas vou cobrar aquele favor que você disse que ia fazer.

Eu juro que faço o que você quiser.

Você realmente tinha dito isso. Só esperava que não fosse se arrepender amargamente depois.

— Certo. Só não pega muito pesado comigo, pode ser?

— Ai perderia a graça — O tom dele foi tão malicioso que fez com que suas pernas tremessem e suas bochechas corassem na hora.

Era impossível passar mais um segundo perto dele, tão perto dele, sentindo o cheiro do perfume dele e conseguindo ver as manchinhas marrons nas íris vermelhas. Você assentiu com a cabeça repetidas vezes e se afastou.

— A gente se vê, então — Você disse, por fim, e não esperou uma resposta antes de se virar e lutar para não sair correndo, apenas andando pelo corredor extenso, sem se virar para trás.

Katsuki ainda ficou encarando as suas costas por um bom tempo, até que você saísse por completo da visão dele. A conversa tinha sido caótica: ele tinha planejado falar alguma coisa legal, acabou ficando com ciúmes daqueles dois de novo e ainda lhe deixou insegura com a ideia do seu segredo se espalhar. Mesmo assim, uma única informação ocupava a mente dele naquele momento: a essa altura, você já o tinha chamado pelo nome três vezes, e duas foram só naquela manhã.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top