027
Rhaenys fitava o fogo crepitar as madeiras colocadas na lareira de Aemond, fazendo estralos e esquentando o cômodo frio. Ela estava sentada em uma das poltronas dele com um livro de filosofia nas mãos, enquanto o tio não aparecia nos próprios aposentos.
A princesa gostava da decoração do quarto dele. Os símbolos da casa Targaryen talhados em ouro perto das janelas, a cama sempre tão arrumada, livros abertos por todos os lados, cortinas esverdeados como a preciosa pedra de esmeralda e velas iluminando as partes mais escuras do grande quarto do tio. Uma decoração totalmente oposta a dela, ou quase.
Havia algum tempo que ela estava parada ali a espera dele. Tinha perdido a noção do tempo em que fazia isso, o quarto tão silencioso que trazia sono para sua mente, um sono nebuloso quase como um cochilo.
Um cochilo que foi interrompido pelo barulho das grandes portas de madeira se abrindo bruscamente, revelendo Aemond e sua casual roupa de treino posta no corpo. Ele parou no meio do caminho quando notou a presença dela no quarto, as sobrancelhas se erguendo com surpresa de encontrar a sobrinha em seus aposentos, ele não imaginava que ela viria tão cedo ao seu encontro após a noite anterior.
Rhaenys virou a cabeça de lado apenas o suficiente para que pudesse enxergar Aemond se aproximar em passos lentos. Ela fechou o livro e colocou sobre a mesa em seu lado, depois se apoiou nos braços da cadeira para se levantar e ir na mesma direção em que Aemond vinha.
A fonte de seu maior problema, seu maior pecado.
— Tio Aemond. — ela se manteve parada em uma distância segura dele.
— Você pode me chamar apenas de Aemond, se desejar. — ele curvou o corpo um pouco para frente, chamando a atenção dela. — Irá me ver frequentemente agora, sobrinha?
— Rhaenys — ela corrigiu, se ele preferia ser chamado de Aemond do que tio, então a mesma regra se aplicava a ele. — Nós moramos no mesmo castelo, seria difícil não nos vermos todos os dias.
— Você mora no castelo, mas não em meus aposentos, então eu suponho que tenha vindo prestar uma advertência em mim pela noite passada...ou deseja algo a mais, talvez? — Aemond caminhou em direção ao interior de seu quarto, onde ficava outro conjunto de cadeiras e uma mesa no centro, nesta havia alguns copos e uma garrafa de vinho fechada. Diferentemente do irmão mais velho, Aemond não tinha apreço pela bebida e apenas ingeria em ocasiões especiais como festas e jantares, a garrafa ficava apenas quase como um enfeite.
Rhaenys seguiu seu tio sem demonstrar nenhuma reação as palavras ditadas.
— Seria importante conversar sobre o que aconteceu ontem, Aemond. Lucerys está me evitando o dia todo e se escondendo pelo castelo, mas eu sei que ele não irá dizer nada antes que esclareça as coisas comigo. Mas sobre você... — ela deu uma longa pausa pensando nas palavras que usaria em seguida. — Deveria tomar cuidado com sua língua, sobre as coisas que diz de meu irmão e sua forma audaciosa em lidar com as situações.
— É mesmo?
— Sim, não pense que passou despercebido você ter chamado meu irmão de bastardo ontem a noite, e ter dito que iria tirar um de seus olhos pelo incoveniente. — Aemond cantarolou com a garganta parecendo estar desinteressado com o que ela falava. — Mas esse é um assunto pouco banal levando em consideração o que devemos de fato, resolver.
— Seu irmão bisbilhotou o que não deveria ontem a noite como de costume, e para meu desgoto foi o Velaryon mais novo. A situação envolve ele, então você quem deve resolver para ter certeza de que ele irá manter a língua dentro da boca, sabemos que ele gosta de apontar coisas contra mim desde pequeno. — Aemond jogou o corpo cansado para trás na cadeira, querendo buscar algum tipo de alívio aos músculos.
— Lucerys não é mais uma criança.
— Age como uma. — Rhaenys bufou alto sentindo os ombros pesarem, como se as responsabilidades e os insultos estivessem os esmagando gradativamente.
— Eu acho que deveríamos terminar o que for que estivermos fazendo. Malmente fizemos algo juntos e Lucerys descobriu nossa pequena trégua, me pergunto se somos tão indiscretos assim. — Ele levantou as sobrancelhas para cima levemente com a menção dela. Não, ele não queria que nada terminasse agora que havia achado uma diversão para lhe manter ocupado sem ser seu treino ou os vôos com seu dragão. Ele queria que Rhaenys continuasse lançando olhares convidativos e desconfiados toda vez que ela fosse ao pátio, queria sentir o formigamento de seus lábios, seu cheiro de canela e baunilha, queria tudo que envolvesse a formidável e atraente sobrinha.
Seu desejo mais obscuro que não era visto nem nos mais profundos sonhos.
Aemond se levantou da cadeira em que estava e aproximou dela em apenas 6 longos passos, fez com que ela recuasse alguns para trás com a rapidez de sua movimentação. Ele parou em sua frente observando a silhueta dela de cima a baixo, quase sem mover um músculo enquanto decorava cada parte de sua belíssima sobrinha, todos os seus mínimos detalhes com apenas um mero olhar. Respirou fundo por fim com um leve sorriso erguendo as pontas de seu lábio.
— Certo. — ele disse de forma simples e calma. Rhaenys franziu a testa confusa, ela achou que seria mais difícil ter essa conversa com ele. Ela estava secretamente torcendo para que fosse. — Então me diga, minha sobrinha. — Aemond passou dois de seus dedos perto do rosto dela, percorrendo o pescoço e indo para sua nuca, puxando levemente os fios soltos de seu cabelo.
— O que precisa que eu diga? — ela sentiu seus olhos se fecharem por alguns segundos aproveitando a sensação de seu toque, mas rapidamente se recompôs e tentou pensar em coisas que evitariam ela demonstrar seu interesse no que ele fazia.
— Me diga para terminar, te deixar sozinha e em paz, e eu farei isso. — Aemond tinha noção do que estava fazendo, pois estava ciente das sensações que corriam pelas veias dela. — Mas eu sei que não irá de fato, fazer isso.
— Está jogando baixo, caro tio. — apesar de todas as sensações que eram enviadas para seu estômago com os dedos dele acariciando sua nunca, ela podia manter seu autocontrole sem esforços. Era isso que irritava Aemond, o autocontrole dela parecia funcionar melhor que o dele, e ele não tinha uma resposta para o porque.
— Você gosta de jogar esse jogo tanto quanto eu. — a respiração dele fez cócegas em sua orelha quando ele sussurrou arrastado, tão baixo que mesmo com a proximidade ela quase não conseguiu ouvir direito o que ele dizia.
No entanto, quando ele desceu as mãos para apertar sua cintura e fazer com que o corpo dela se fundisse ao dele, ela usou as suas próprias para que pudesse afastar o tio de perto, podendo finalmente resgatar ar para seus pulmões novamente.
Ela levantou a cabeça de forma desafiadora para ele, cruzando os braços logo acima do estômago para encarar o tio com o rosto mergulhado em uma expressão de irritabilidade, mas que ainda era possível se notar o desejo, se observada com calma e atenção.
— Está tentando me convencer a ficar usando táticas inapropriadas, eu não sou uma pessoa feita apenas de desejo, acima disso eu possuo dignidade e um ótimo bom senso comigo mesma.
— Mas não é isso que move nosso acordo? O desejo? — ele parecia medir bem cada palavra que usava com ela. Rhaenys sorriu sarcasticamente em sua direção enquanto fazia um caminho contrário ao dele até perto da falsa parede onde ficava a passagem secreta. — Onde está indo?
— Vou ir atrás de Lucerys, farei o meu melhor para que ele mantenha em segredo o que viu. Desejo uma boa noite a você, meu príncipe.
— E quanto ao nosso acordo? — ele se aproximou uma última vez e segurou em seu queixo para que ela fosse obrigada a encarar Aemond, podendo notar sua íris azul quase desaparecendo pela pupila dilatada encobrindo o oceano de seu olho.
— Desejo uma boa noite a você. — ela repetiu se desvencilhando do toque dele e abrindo a passagem com a ajuda de Aemond para enfim conseguir encontrar Lucerys, que era o principal foco da noite.
Ela dedicou boa parte de sua tarde pensando nas palavras que usaria para conversar com o irmão sem ele perder a paciência ou se sentir ainda mais magoado com ela. Partia o coração de Rhaenys saber que seu irmão praticamente passou o dia todo correndo pelos canto da Fortaleza apenas para que não tivesse que lidar com a situação face a face.
Rhaenys caminhou silenciosamente pela passagem até que encontrasse um par de escadas que a levariam para a área onde o quarto de Lucerys se encontrava.
No entanto, não foi necessário muitos passos para que ela conseguisse achar o irmão. Assim que ela virou um dos corredores, Lucerys virou o mesmo simultaneamente.
Lucerys hesitou alguns passos quando notou a presença da irmã no fim do corredor e parou ali no lugar em que estava, encarando ela de longe. Rhaenys fez o mesmo, arregalando levemente os olhos e começando a apertar os dedos uns nos outros de forma ansiosa como tinha o costume de fazer. Ambos pareciam lutar com uma batalha interna, tentando decidir quem daria o primeiro passo para o problema.
Rhaenys decidiu fazer.
— Luke. — sua voz saiu baixa, suavizada. — Venha até aqui, por favor. — ela torceu para que ele aceitasse seu pedido, e esperou por longos minutos até que o Velaryon se movesse lentamente até seu encontro, o rosto fechado e os lábios retos evitando fazer contato visual com a irmã.
Lucerys ainda sentia seu peito pesar mesmo depois de passar todo o seu tempo reorganizando as idéias e pensamentos. Nenhum deles fazia sentido, nenhum parecia se conectar um com o outro e ele ainda não via uma razão para que Rhaenys tivesse um affair escondido com Aemond. Ele não se importaria de fato se fosse qualquer outro homem de Westeros, o que lhe incomodava era a pessoa ser o tio deles, Aemond Targaryen.
O homem o qual ele havia roubado uma das visões a anos atrás.
— Sim? — ele respondeu cabisbaixo.
— Vamos até o jardim comigo, para que possamos conversar, por favor. — novamente ele hesitou, mas suspirou derrotado no fim. Ele sabia que Rhaenys não teria descanso até que as coisas entre eles fosse resolvida e mesmo que Luke estivesse sentindo raiva e mágoa por ela, ainda era sua irmã, afinal.
Durante o caminho que seguiam até as escadas do jardim nenhuma palavra foi dita por nenhum dos dois, caminharam em um silêncio ensurdecedor com as cabeças baixas, cada um tomando a coragem necessário para pôr olho no olho.
Lucerys estava tenso, aflito quando ela finalmente fez com que as íris azuladas dela se encontrassem com as castanhas dele, sinalizando para que ele se sentasse na grama ao lado dela. Era uma noite de primavera mas com ventos frios, os arbustos se balançavam bruscamente e os assobios do vento causavam arrepios na pele descoberta de Rhaenys, usando apenas um vestido de mangas curtas. Porém, mesmo que estivesse com sentimento rancorosos pela irmã mais velha, Lucerys tirou o casaco que usava e colocou sobre os ombros dela.
— Obrigada, Luke... — ela começou, seus dedos trêmulos e pálidos se entretando com o cabelo platinado, o olhar fixo na grama verde ao redor deles. — Não é o que você pode estar pensando, Luke. Eu não amo Aemond, não sinto nenhum tipo de sentimento de conforto por ele, muito menos amor. Quero que fique claro, que eu jamais, faria algo para te machucar irmão...apesar de já ter feito isso indiretamente, como disse ontem.
— Eu acredito que não ame ele, amar qualquer um dos verdes que não seja Helaena parece ser uma tarefa impossível de se fazer...principalmente ele.
— Impossível seria não amar Helaena, ela é uma alma pura e alegre. — Lucerys brincava com algumas folhas que caíam sobre eles, observando a árvore-coração e sua melancólica aparência da seiva carmesim derramando sobre a face esculpida.
— Eu não entendo como você se aproximou dele dessa...forma. Aemond é uma pessoa com um potencial assassino crescente, amargo e teimoso. Sem questionamentos, ele faria da minha vida um inferno se eu não estivesse com vocês ao meu lado, provavelmente não estaria aqui para contar a história, ou então estaria usando um tapa-olho assim como ele. — Rhaenys aproveitou o momento distraído do irmão para entrelaçar seus dedos nos dele, da forma como costuma fazer em sinal de carinho que tem pelo Velaryon. — Você está sendo chantageada? Se ele está lhe obrigando a fazer isso, me conte e nós resolveremos isso da melhor forma possível. Voltaremos para Dragonstone, eu posso ficar fazendo companhia a você e...
— Aemond não está me obrigando a fazer nada que eu não queira. — ela cortou as palavras de seu irmão. — Serei verdadeira com você, irmão...eu não tenho as respostas de que precisa, malmente tenho elas para mim. Tudo que acho importante para que saiba é que de maneira alguma estou nutrindo paixão por nosso tio, eu posso lhe garantir isso e que os Deuses me amaldiçoem se eu estiver mentindo agora.
Lucerys ponderou por um tempo observando os dedos dela traçarem desenhos imaginários sobre a palma de sua mão. Então por breves momentos ele se lembrou de todas as vezes em que foi amparado pela irmã, os segredos que ela escondeu dos pais, as vezes em que ela dormia abraçada com ele quando se mudaram para Dragonstone e ele tinha pesadelos constantemente, e como ela estava disposta a ter sangue nas mãos se ousassem machucar qualquer um de seus irmãos ou irmãs.
Rhaenys era leal e protetora, ele sabia disso.
Mas independente do que ela fizesse, ainda era sua irmã e sempre seria dessa forma.
E, mesmo que fosse contra a essa típica união que acontecia entre a irmã e o tio detestável, ele mantinha uma alta confiança em Rhaenys e sabia que ela tinha seus limites, sabia se defender e ofender caso necessário.
— Certo, eu acredito em você, Rhaenys. — quando ela escutou as palavras proferidas por Lucerys seu sorriso não pode se esconder debaixo dos lábios, sua garganta vibrou de felicidade e seus braços envolveram Luke em um abraço apertado, como se estivessem sem se ver a anos. — Devagar, por favor! — Lucerys sorriu em resposta, apertando de voltar para ele, sua bochechas ruborizadas do frio se esquentaram rapidamente com o contato físico.
— Oh...e para que fique sem suspeitas....eu posso lhe garantir, outra vez, de que minha honra ainda está comigo.
Lucerys fez uma careta, o rosto imediatamente se enchendo de vergonha.
— Não acho que seja necessário se explicar para mim sobre essa parte, irmã.
— Eu só queria deixar claro! — ela bagunçou os cachos do Velaryon, espalhando o cheiro de mar e baunilha que ele tinha. — Confie em mim, sei o que estou fazendo, e sinto muito não ter as respostas que precisa, talvez com o tempo elas cheguem para que suas dúvidas sejam saciadas.
— Eu confio minha vida a você, Rhaenys.
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